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ISSN 1982-5994

UFPA • ANo XXXII • N. 141 • FeVereiro e MarÇo de 2018

Informação e empoderamento: projeto faz alerta sobre violência doméstica. Páginas 8 e 9

Nesta edição • Dissertação revela trajetória de desembargadoras do TJPA. • Entrevista com a aluna indígena Yara Ayllin.


UNiVeRsidade FedeRaL do PaRÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Armando Ribeiro, Gabriela Bastos, Nicole França e Renan Monteiro (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes Ilustração da capa: Trycia Cabral Ilustrações: Caio Semblano (CMP/Ascom), Walter Pinto e Márcio dias Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Rômulo Simões Angélica Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitor de Relações Internacionais: Horacio Schneider Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Karla Andreza Duarte Pinheiro de Miranda Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Secretário-Geral do Gabinete: Marcelo Galvão Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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m um momento no qual as mulheres e as suas lutas estão em pauta, esta edição antecipa as homenagens do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e traz reportagens em que as mulheres são autoras ou tema das pesquisas. Este ano, a Lei Maria da Penha, criada para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, completa 12 anos, no entanto os índices de feminicídio continuam alarmantes. Sob a coordenação da professora Vera Lúcia de Azevedo Lima, a Faculdade de Enfermagem está desenvolvendo o Projeto de Extensão Empoderamento e fortalecimento da mulher amazônica frente à violência doméstica e intrafamiliar. Uma equipe multidisciplinar desenvolve atividades e leva informação para diversos bairros de Belém e para outros municípios. Yara Ayllin dos Santos é a entrevistada desta edição. Índia caripuna, da reserva Uaçá, no Amapá, Yara é casada, mãe de dois filhos e está no último semestre do curso de Medicina da UFPA. Nesta conversa, ela fala sobre os desafios enfrentados nesse percurso. Leia também: Game Serra Pelada é nova proposta para o ensino de geometria; Sambas de enredo da década de 1980 são tema de dissertação do PPGartes/ICA; Pesquisa analisa trajetória de desembargadoras do Tribunal de Justiça do Pará. Ah, você estranhou essa capa em preto e branco? É para que você possa colorir as nossas super-heroínas nas cores da sua preferência. Use a imaginação, faça o registro e publique no Instagram com a hashtag #minhaufpa . Rosyane Rodrigues Editora

Nesta Edição O papel da universidade no enfrentamento às violências cometidas contra as mulheres........................................................4 Game Serra Pelada ........................................................5 A história por trás do samba-enredo ...................................6 Empoderamento da mulher amazônica ................................8 Nós e os outros ........................................................... 10 Quem são essas mulheres? ............................................ 12 Câncer uterino entre ribeirinhas ...................................... 14 Onde você está agora? ................................................. 16 Sobre quadrinhos e estereótipos ...................................... 18

A festa mais bonita da cidade (Listão UFPA 2018) Fotos Alexandre de Moraes


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Opinião ALEXANDRE DE MORAES

O papel da universidade no enfrentamento às violências cometidas contra as mulheres

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s políticas públicas voltadas à questão das violências cometidas contra as mulheres sofreram grandes modificações ao longo do tempo. Cada vez mais, percebeu-se a necessidade de mudança do enfoque do “combate”, vinculado ao viés penal, para as ações mais amplas de enfrentamento, principalmente após a criação da Secretaria de Política para as Mulheres. De acordo com a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), o conceito de “combate” envolveria apenas os aspectos punitivos, como “o estabelecimento e o cumprimento de normas penais que garantam a punição e a responsabilização dos agressores/autores de violência”, enquanto o conceito de “enfrentamento” compreenderia também “as dimensões da prevenção, da assistência e da garantia de direitos das mulheres”. A própria Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, aposta em medidas diversas ao viés penal, como a de assistência e prevenção. Tais medidas seguem as orientações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que ao analisar o caso Maria da Penha, em 2001, no Informe n.º 54, recomenda, entre outras coisas, medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários públicos e a MARIN / FREE IMAGES

inclusão nos planos pedagógicos de unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e de seus direitos reconhecidos na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), bem como a administração dos conflitos intrafamiliares. Seguindo essa recomendação, a Lei Maria da Penha destaca a importância de ações, como a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com perspectiva de gênero e de raça ou etnia, bem como de campanhas educativas à sociedade em geral e o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. Torna-se, contudo, cada vez mais difícil a produção de conhecimento nessa área, no País. Diminui-se o espaço de debate acerca das desigualdades de gênero, inclusive com propostas de proibição e punição para professores/as que decidirem pautar essas temáticas nas escolas. Isso sem contar projetos como o “Escola Sem Partido”, PL 867/2015, que

tentam proibir qualquer difusão do pensamento crítico em sala de aula, afrontam os ditames constitucionais de autonomia docente e de liberdade de pensamento. Boa parte dessas propostas difunde o medo do que se chama de “ideologia de gênero”, em uma tentativa de desqualificar estudos promovidos há muitas décadas, questionando a forma como homens e mulheres são socializados. A Universidade Federal do Pará precisa resistir a essas investidas que apenas disseminam a desinformação e impedem o desenvolvimento da democracia e do respeito aos direitos humanos das mulheres. Em um país que tem a quinta maior taxa de feminicídios do mundo, é fundamental a produção de um conhecimento que enfrente as desigualdades de gênero, em especial atento à diversidade de mulheres que vivem na Amazônia. Luanna Tomaz de Souza – Professora e vice-diretora da Faculdade de Direito da UFPA, coordenadora da Clínica de Atenção à Violência, pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Mulher e Relações de Gênero Eneida de Moraes e do Núcleo de Estudos Estratégicos da Violência na Amazônia. luannatomaz@gmail.com


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Engenharia

Game Serra Pelada Jogo educativo promove ensino de geometria em Marabá (PA) Armando Ribeiro

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s novas tecnologias podem ser utilizadas como ferramentas de auxílio à aprendizagem escolar, pois estimulam a educação por meio de atividades divertidas e criativas. Com a proposta de avaliar o desenvolvimento de um jogo educativo, a engenheira Maria Eliane Sobrinho elaborou a dissertação Game Serra Pelada: Projeto, implementação e avaliação de um jogo educativo para o ensino de geometria para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, sob orientação do professor Manuel Ribeiro Filho. Apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica, ITEC/UFPA, o game Serra Pelada apresenta, de forma acessível, conteúdos referentes à geometria do 9º ano do ensino fundamental. O jogo utiliza estratégias de entretenimento para prender a atenção do jogador. “Ao longo do percurso, são apresentados alguns desafios matemáticos

que trabalham o reconhecimento de ângulos, além de bônus de informações sobre figuras geométricas”, explica Maria Eliane Sobrinho. O jogo utiliza como cenário o garimpo de Serra Pelada, em Curionópolis (PA), onde houve a corrida pelo ouro, em 1980. A história gira em torno do garimpeiro Marajoara, nascido na Ilha do Marajó, cujo sonho é encontrar ouro e ficar rico. Para isso, ele precisa enfrentar os inimigos vindos de diversas regiões do Brasil. Maria Eliane Sobrinho afirma que a escolha pelo cenário quis valorizar a história da nossa região. Assim, a proposta do jogo é utilizar o maior garimpo a céu aberto do mundo para a evolução da plataforma, na qual serão dispostos barrancos em vários ângulos para aplicar os conceitos de geometria. “Os bônus de informações são úteis para o jogador desvendar os desafios que surgirão e reforçam os conceitos estudados em sala de aula”, relata.

Desenvolvimento contou com validação dos alunos O jogo é fruto da parceria com o Laboratório de Games Educativos e foi implementado em uma escola municipal de Marabá (PA). A metodologia empregada se divide em dois momentos. O primeiro é baseado em três passos: a Pré-Produção, etapa conceitual em que foi elaborado o roteiro do game, esboçando seu fluxo, personagens, jogabilidade e design. A Produção, que aborda os detalhes da sua concepção, indo desde a organização das fases até a execução. A Pós-Produção, que consistiu na distribuição para sua validação pela escola de Marabá e público em geral.

Já o segundo momento foi realizado no laboratório de informática da Escola Pública Anísio Teixeira, em Marabá (PA), e contou com a participação de 51 estudantes, com idade entre 8 e 10 anos. “Os alunos foram bem receptivos com relação ao jogo, uma vez que eles já estavam familiarizados com esse ambiente. Foi concedida, em média, uma hora para cada jogador. Em seguida, eles tiveram que avaliar o game respondendo a um questionário que pedia para indicar as dificuldades encontradas, sugerir melhorias e analisar o jogo como

ferramenta educacional”, explica a engenheira Maria Eliane Sobrinho. De acordo com a pesquisa, 96% dos estudantes gostaram do jogo. 18% dos participantes acharam a jogabilidade difícil e 18% encontraram erros em sua execução. Alguns desses erros tiveram como causa a própria configuração dos computadores, já que alguns apresentavam baixo desempenho gráfico. Na questão das melhorias, a mais votada foi a criação de novas fases para serem exploradas (25%), seguida da criação de diferentes níveis de dificuldade (22%).

A investigação educacional revelou que 45 alunos acharam que o jogo contribuiu para o aprendizado da disciplina. 92% consideraram-no divertido, com boa variação de atividades, possibilitando esforço pessoal e momentos de interação. Apesar dos resultados positivos, Maria Eliane Sobrinho ressalta que “o jogo sozinho não é suficiente para ensinar a geometria, ele deve ser utilizado como ferramenta aliada ao conhecimento teórico. Somente assim, poderá ajudar os alunos a assimilarem o conteúdo proposto em sala de aula”.


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Arte

A história por trás do samba-enredo Em 1980, as escolas cantam a redemocratização e a cultura local Renan Monteiro

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uando se fala em carnaval paraense, as referências históricas ainda são escassas. Vicente Salles e Alfredo Oliveira são alguns dos historiadores paraenses que abordaram o tema nas últimas décadas. Essa carência de pesquisas sobre esse fenômeno cultural na região amazônica instigou a pesquisadora Dayse Maria Pamplona Puget, do Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da UFPA, a escrever a dissertação Amanheceu, Paid’égua! O sonho cabano faz samba de enredo no carnaval paraense. Orientada pela professora Liliam Barros Cohen, a dissertação buscou compreender como ocorreram os processos composicionais de três sambas de enredo de três escolas de samba de Belém. Os sambas de enredo analisados foram: Amanheceu (1985), do Grêmio Recreativo Jurunense Rancho Não Posso Me Amofiná; Paid’égua (1986), do Império de Samba Quem São Eles (1986) e Sonho Cabano (1985), da Escola de Samba Acadêmicos da Pedreira. Samba de enredo, segundo Dayse Puget, é uma subclassificação do samba, sendo diferente deste

último em alguns aspectos, como ter um objeto definido e contar uma história (enredo) escolhida pela escola de samba. “Os enredos podem ter temas diversos, como a história da escola, personagens históricas ou a cultura regional. É feita uma sinopse desse samba e o compositor trabalha dentro dela. O desfile da escola vai ser definido pelo enredo cantado pelo samba-enredo. Nos 400 anos de Belém, cada escola fez um samba de enredo sobre o mesmo tema, porém com abordagens diferentes”, explica. A dissertação teve fundamentação na Etnomusicologia e, para tanto, foi feito um levantamento bibliográfico extenso sobre obras de etnomusicólogos, carnaval, samba-enredo e história oral. Também foram feitas pesquisas sobre ditadura militar e Cabanagem, pois esses temas são abordados em dois dos sambas de enredo escolhidos. O próximo passo foi entrevistar os compositores. “Nós não fizemos entrevistas com todos os compositores, visto que alguns já faleceram e um se encontrava enfermo. Com essas entrevistas, conseguimos compreender o processo composicional de cada um”, explica Dayse Puget.

Folclore, lendas e personalidades No Brasil, ou mais especificamente no Centro Sul, as primeiras manifestações carnavalescas ocorreram como entrudos – manifestações festivas que antecediam o período da Quaresma Cristã e foram trazidas pelos colonizadores portugueses em meados do século XVI. Depois da extinção ou reformulação dos entrudos e de outras manifestações de caráter carnavalesco, começou a ser formado o carnaval mais “moderno”. No Pará, o carnaval surgiu dessa mesma forma, iniciando-se com os entrudos no século XVII e, posteriormente, com outras formas carnavalescas, entre elas os bailes de salão, o corso e os blocos. Depois de algum tempo, o carnaval paraense foi adquirindo características propriamente amazônicas. Alguns sambas de enredo trabalham com temas mais característicos da região, abordando o folclore, as lendas, as personalidades paraenses, além do uso de materiais regionais nas fantasias e nos adereços, mas sem distanciar-se do padrão “nacional”. ILUSTRAÇÃO CAIO SEMBLANO


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Para a dissertação, a escolha dos sambas-enredos se deu por diversos motivos. O enredo Paid’égua, por seu caráter e por sua linguagem regional; Amanheceu e Sonho Cabano, em razão de suas abordagens historicamente importantes para o Pará e para o Brasil. “Escolhi o Sonho Cabano por ser a Cabanagem um tema pouco divulgado, apesar de ser um momento histórico profundo e importante. Em que pese o tema, este samba tem conexões com o momento político por que o Brasil estava passando, que era a ditadura militar. Amanheceu também aborda a ditadura militar”, esclarece a autora. Redemocratização – Em 1985, o Grêmio Recreativo Jurunense Rancho Não Posso Me Amofiná desfilou na Avenida Visconde de Souza Franco com o enredo Amanheceu. Dayse Puget percebeu que o conteúdo desse samba-enredo tinha um sentido conotativo, remetendo indiretamente à redemocratização do País, ao movimento “Diretas Já” e ao fim do regime militar. Osvaldo Garcia, músico popular, foi compositor do enredo, e ele, em entrevista à autora, afirmou que gostaria de ter acrescentado em Amanheceu a frase “diretas já”, porém foi aconselhado

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a fazer o contrário e, então, a frase foi substituída por “é carnaval”. Também em 1985, a Escola Acadêmicos da Pedreira trouxe para o desfile de carnaval outro tema importante, a Cabanagem. O Sonho Cabano foi composto por Alfredo Oliveira e Paulo André Barata. Sua letra destaca os ideais cabanos de liberdade e justiça social. Expressões como “Ferir o ar da servidão” e “Meu Pará” remetem a um sentido de reconhecimento do imperialismo europeu e de pertencimento e patriotismo, respectivamente. O Paid’égua, do Império de Samba Quem São Eles, é assinado por sete compositores, dos quais Dayse entrevistou três: Alfredo Oliveira, Edyr Augusto Proença e Laury Garcia. Mais distante de um peso político, o samba de enredo Paid’égua girou em torno de seu próprio nome, sendo definido subjetivamente para cada compositor. “Paid’égua” pode ser tanto “curtir a juventude” quanto “saber envelhecer”. Sobre o perfil dos compositores, a autora diz que ele é diverso. “No grupo que entrevistei, alguns possuem nível superior e outros se dedicaram, a vida toda, à música. Não posso dizer que eles têm um único perfil”, ressalta.

Muito mais do que dias de folia e diversão Para Dayse Puget, pouco se fala da relevância cultural do carnaval. Seja como um movimento subversivo, seja como uma manifestação festiva que reflete a nossa realidade político-social, seja como um evento elitista ou popular, o carnaval é muito mais do que dias de diversão e folia. O empenho da pesquisadora em trabalhar com esse tema se dá em virtude de uma trajetória de contato e interesse pela tradição

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carnavalesca paraense. Formada em Medicina e em Música, Dayse se afastou da primeira profissão para seguir exclusivamente a segunda. Na pesquisa de doutoramento, ela quer continuar estudando o carnaval e apresentar uma nova concepção, desvinculada do senso comum. “Eu gostaria que o carnaval passasse a ser visto como algo fundamental para a nossa cultura. No Sul e Sudeste, são feitos estudos aprofundados de sambas de enredo.

Por que não aqui? Por que o carnaval no Pará é visto de forma tão pejorativa e colocado em último plano pelos poderes públicos?”, questiona a autora. Entre os entrevistados, é consenso que o carnaval paraense está em queda nos últimos anos. Um dos sintomas da crise foi o fato de não ter havido desfile em Belém, em 2017. Apesar disso, a pesquisadora mostra-se otimista afirmando que o carnaval local não deixará de existir.

Edson Berbary, vice-presidente da Acadêmicos da Pedreira, apresenta a comissão de frente do Sonho Cabano (1985)


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Extensão

Empoderamento da mulher amazônica Projeto da Faculdade de Enfermagem faz alerta sobre violência Nicole França

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SAÚDE E MAIS nas fotos abaixo, registro da equipe em ações sobre câncer de mama e bullying.

e acordo com a pesquisa realizada pelo Datafolha em março de 2017, uma em cada três mulheres já sofreu algum tipo de violência no Brasil no último ano, sendo 503 mulheres vítimas de agressão física a cada hora. A pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança também revelou que 22% das mulheres sofreram violência verbal, 10% sofreram ameaça de violência física, 8% sofreram ofensa sexual, 4% receberam ameaça com faca ou arma de fogo, além de 3% terem sofrido espancamento ou tentativa de estrangulamento, o que corresponde a 1,4 milhão de mulheres. 1% levou pelo menos um tiro. A pesquisa foi além e divulgou que, entre as mulheres que sofreram violência, 52% se calaram, 11% procuraram a Delegacia da Mulher e 13% preferiram o auxílio da família.

Tendo em vista essa problemática, a Faculdade de Enfermagem está desenvolvendo o Projeto de Extensão Empoderamento e fortalecimento da mulher amazônica frente à violência doméstica e intrafamiliar, sob a coordenação da professora Vera Lúcia de Azevedo Lima. “O projeto busca informar sobre as consequências da violência, não só para a mulher como também para a população. Essas consequências são psicológicas, sociais e físicas”, explica a professora. O projeto cria discussões voltadas, principalmente, para temas como os tipos de violência: a violência física, caracterizada pela agressão direta; a psicológica, que constitui uma ameaça ou um insulto que possa causar danos psicológicos; a moral, que compromete a liberdade, a honra, a saúde (mental ou física) ou a reputação; a sexual, que corresponde à tentativa ou ao

ato sexual sem o consentimento da vítima; a patrimonial, que corresponde à retenção, à subtração, à destruição parcial ou total de objetos, de documentos pessoais ou de recursos econômicos. O projeto também orienta como identificar alguém que sofre violência e a quem pedir ajuda. Essas informações, de certa forma, instrumentalizam a mulher para que ela saiba como agir em caso de violência. O Projeto de Extensão conta com a participação de alunos dos cursos de Graduação em Enfermagem e em Medicina, do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem da UFPA, de bolsistas de extensão e de voluntários. Segundo a professora Vera Lúcia, o projeto é aberto a todos que tenham interesse pelo tema, independentemente da área de atuação, da faixa etária ou do gênero. “O projeto é da comunidade e para a comunidade”, afirma.


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Pesquisadora achou necessário ampliar fórum de discussão O projeto surgiu da tese de doutorado da professora Vera Lúcia de Azevedo Lima, que retratou a violência contra a mulher amazônica. Segundo a professora, houve a necessidade de difundir a informação para além da área da saúde. “A necessidade de levantar essa discussão para a comunidade é uma forma de retribuir o conhecimento que adquirimos dentro do projeto e provocar

algum efeito na sociedade”, declarou Victor Paixão, aluno de Enfermagem e bolsista do projeto. Aprovado em 2011 pela Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, as atividades do projeto iniciam-se com docentes, discentes e voluntários pensando metodologias, temas e referências que serão utilizados. As metodologias variam das palestras à distribuição de car-

tilhas. Recentemente, um dos temas abordados foi a violência obstétrica, que envolve agressões físicas ou verbais contra a mulher durante o pré-natal e/ ou o parto. Esse é um exemplo de como os integrantes do programa estão buscando temas e metodologias que atendam às necessidades da comunidade. Hoje o projeto está se expandindo para além da capital. Já foram realizadas

ações em Mosqueiro e em uma localidade próximo ao município de Moju. “Nesses lugares, nos deparamos com uma realidade completamente diferente. Quando chegamos para discutir esses temas, foi um choque para eles. Ao explorar espaços para além de Belém, realizamos trocas, e todos nós ganhamos com essa experiência”, avalia Víctor Paixão.

Visitas às escolas envolvem crianças e adolescentes A partir de 2015, o grupo compreendeu que, para ter resultados mais efetivos, não era suficiente conversar apenas com a mulher, e sim com a família, ou seja, aproximar-se do adolescente e da criança era imprescindível. A equipe passou a visitar escolas e a utilizar metodologias diferenciadas para que o público jovem assimilasse a gravidade

do problema e fosse agente transformador dessa realidade. Nas escolas, as ações iniciam-se com uma conversa com os pais e os professores para, em seguida, a equipe conversar com as crianças e com os adolescentes. O bolsista Victor Paixão afirma que a melhor forma de combater a violência doméstica é educar as crianças para que elas não reproduzam

o comportamento violento na idade adulta. Nas escolas, a metodologia utilizada é diferente. Vídeos, curtas-metragens, álbuns coloridos e músicas são usados para ilustrar a violência contra a mulher e o que pode ser feito em relação a isso. O assunto é discutido de forma didática, distanciando-se de termos técnicos e da linguagem

rebuscada, justamente para atrair o jovem, de modo que ele compreenda a importância desse assunto. Além das escolas, o projeto se estende também para as igrejas, as famílias e para as unidades básicas de saúde. Dessa forma, o programa não atua apenas em um local fixo, mas de forma ampla, com base nas necessidades da comunidade.

FOTOS ACERVO DO PROJETO

ViOlÊnCia eM nÚMerOs No ano de 2015, foram realizados 749 mil atendimentos do Ligue 180, sendo 2.052 atendimentos por dia e 62.418 por mês. No total desses atendimentos, 41,09% corresponderam à prestação de informações; 9,56%, a encaminhamentos para serviços especializados de atendimento à mulher; 38,54%, a encaminhamentos para outros serviços de teleatendimento (190/ Polícia Militar, 197/Polícia Civil, Disque 100/SDH). Balanço do Ligue 180, disponível em http://agenciapatriciagalvao. org.br/violencia/dados-e-pesquisasviolencia/dados-e-fatos-sobreviolencia-contra-as-mulheres/


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Entrevista

Yara Ayllin

Nós e os outros Yara Ayllin conta sua experiência como indígena no curso de Medicina Walter Pinto

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ara Ayllin dos Santos é índia Caripuna, da reserva Uaçá, no Amapá. Filha de um cacique pertencente a uma família de líderes indígenas tradicionais e de uma professora nascida no Pará. Yara é casada, mãe de dois filhos, está no último semestre do curso de Medicina da Universidade Federal do Pará, na qual entrou pelo sistema de reserva de vaga, instituído em 2010. Atualmente, estudam na mesma faculdade nove indígenas, que passam pelas mesmas experiências. Nesta entrevista, ela conta um pouco da sua história, fala da necessidade de voltar sempre à aldeia para continuar sendo reconhecida como índia, revela como os índios veem os médicos, narra um pouco dos desafios e preconceitos enfrentados por ela dentro de um curso de elite e critica a ausência de uma política de permanência na Universidade.

Ensino fundamental e médio Estudei o ensino fundamental numa escola municipal da aldeia que é bilíngue, onde se fala o português e o patuá. Tínhamos professores indígenas e professores contratados. O sistema era modular e nós estudávamos uma disciplina de cada vez. Mas, às vezes, não havia professores para todas as disciplinas, então um módulo que deveria ser concluído em um ano levava até dois. Quando eu concluí o fundamental, minha mãe, que é paraense, convenceu meu pai a me mandar para Belém, para continuar os estudos, passando a morar com a família dela. Na aldeia, não há o ensino médio, o que é um

problema de quase todas as escolas em aldeias. Eu estava com 13 anos quando vim para Belém e fui matriculada na Escola de Ensino Médio Salomão Mufarrej, na Cidade Velha. Depois que concluí o curso, voltei para a aldeia. Aliás, durante as férias, eu sempre voltava, porque se tu não regressas, a etnia deixa de te reconhecer como índio, e não ser reconhecido pesa muito. Sem o reconhecimento, só te resta a autodeclaração. Minha primeira aprovação no Enem foi no curso de Direito, da UFPA, mas nem cheguei a cursar. Queria fazer algo que suprisse a demanda da aldeia na área da saúde, por isso, no ano seguinte, fiz o vestibular para Medicina.

A entrada na UFPA Quando a UFPA implantou o sistema de reserva de vaga no curso de Medicina, em 2010, eu e minha irmã decidimos tentar o Enem. A reserva foi uma demanda dos povos indígenas do Pará e é diferente do sistema de cota. A gente estava na expectativa de só uma conseguir passar, porque éramos da mesma etnia, mas, felizmente, conseguimos as duas vagas ofertadas. Estamos no sexto ano, concluímos o décimo primeiro semestre. Em janeiro, começamos o último. Minha irmã está cursando uma disciplina optativa em São Paulo. Pretendo fazer residência no Hospital Barros Barreto, na especialidade de Infectologia. Depois, pretendo prestar concurso para atuar no Distrito Sanitário de Saúde Indígena, no Oiapoque. Mas quero intercalar essa atividade com o trabalho de pesquisa que desenvolvo há três anos, na equipe do professor João Guerreiro, na

UFPA. Fazemos atendimento médico ambulatorial em áreas indígenas, um trabalho que gostei muito de realizar e que, para mim, é uma espécie de contrapartida pela formação que estou recebendo da Universidade.

Atendimento na aldeia Localizada no extremo norte, a reserva fica bem longe da cidade de Macapá. No Oiapoque, não há estrutura, o laboratório não funciona e, quando funciona, é muito caro, então tudo dificulta. Quando um paciente da aldeia tem uma doença mais grave, ele é mandado para Macapá. Mas, muitas vezes, ele prefere morrer na aldeia a ir para lá, pois não quer ficar longe da família. Quando um índio vai à cidade se consultar, esta é a sua última opção. Ele só vai depois de esgotados todos os recursos da medicina indígena. Ele já passou pelo pajé, pela benzedeira, já usou todas as ervas e nada deu certo. Sei disso porque vivi na aldeia. Medicamento é outro problema. Além da falta de medicamentos na reserva, os índios não gostam de usá-los, preferem as ervas medicinais. Na minha aldeia, há um ambulatório pequeno e simples. O médico vai uma vez ao mês, mas os índios não possuem muita afinidade nem confiam nele. Então, na hora da consulta, eles não contam tudo o que sentem, dificultando o tratamento. Além disso, o médico é cubano e há essa dificuldade de conversar por causa da língua.

Estereótipo e desafios Quando a gente fala de indígena, as pessoas sempre

pensam que o indígena é quem está procurando serviço, nunca a pessoa que vai oferecer um serviço. Então o indígena é visto sob o estereótipo de coitadinho, de incapaz. Quando entrei no curso, os colegas logo me reconheceram como indígena por causa do nome e da fisionomia. Quando eles ficaram sabendo que entrei por meio do sistema de reserva de vaga, eles quiseram, então, me dar a parte mais fácil dos trabalhos em equipe, porque achavam que eu não daria conta. Isso não deixa de ser uma forma de preconceito. Há outro problema: todo indígena, principalmente o que vem da aldeia, quando ingressa na faculdade, é muito retraído, quase não conversa, não faz muita amizade, acaba por se isolar em sala. Isso aconteceu comigo. Só aos poucos, a gente vai se soltando. Eu sabia que o curso de Medicina era elitizado e que teria um pouco de dificuldade. Tinha consciência de que teria que estudar o dobro para chegar ao nível dos colegas, cuja maioria havia estudado em bons colégios particulares de Belém. Eles estavam acostumados à rotina de estudar muito para tirar boas notas. Eu fui adquirindo essa rotina ao longo do semestre, mas consegui e me adaptei bem mais rápido do que eu esperava. No segundo semestre do curso, eu engravidei e tive que trancar o curso. Quando regressei, fui matriculada numa das turmas que começaram a estudar na metade do ano, com mais cotistas e onde há menos concorrência entre alunos. Foi com essa turma com que eu mais me identifiquei. São alunos que, por serem cotistas, sofrem preconceitos. Por isso nos abraçamos mais, somos mais solidários, dividimos os


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resumos, o material, queremos todos chegar a um mesmo nível. Foi nesta turma que eu mais cresci.

O olhar do outro A ideia que a sociedade faz do indígena é que ele tem que viver no meio do mato, andar pelado e só comer a comida que plantar, caçar ou pescar. É muito comum alguém dizer que um índio não é mais índio porque usa celular, roupa normal ou porque acessa uma rede social. Quando ouço algo assim, reajo perguntando: “e você, por que não usas mais aquelas roupas compridas, antigas, que os brancos usavam há 517 anos? Ora, o mundo todo evoluiu, por que só o índio tem que ficar parado na história?”. Então eu sempre bato nesta tecla: eu não vou deixar de ser índia, porque uso jeans, salto alto, porque vou ser médica, porque moro na cidade, entende? Ainda há muita gente que acha que só é índio quem mora na aldeia, não fala português, que bate na boca para fazer barulho, tipo índio de filme! São pessoas que gostam de generalizar.

Relação com professores Logo no início do curso, alguns professores deixaram claro algo assim: “não é porque és índia que vais ser tratada de forma diferente, aqui não há regalias”. Eu nunca reclamei, pelo contrário, sempre quis ser igual a todo mundo. No geral, os professores me tratam como uma acadêmica comum de Medicina. Nunca recebi tratamento diferente. Se tu estás num curso de Medicina, tens que aprender a te virar sozinha, tens que aprender, porque, quando estiveres atendendo a um paciente, não vai haver mais ninguém ao teu lado. Será tu e o paciente.

As universidades federais estão preocupadas em colocar o indígena dentro delas, mas não estão preocupados com a sua permanência. Não há uma política nesse sentido. Há todo um contexto econômico, a questão da moradia, problemas reais que enfrentamos. Se, por um lado, a UFPA criou um curso para nivelar a aprendizagem de português, por outro, ainda falta algo semelhante na área de Informática, que a gente usa muito no curso. Há índios que desconhecem totalmente o uso do computador, e aí a universidade exige que se faça recadastramento da bolsa do MEC de forma digital. Então o computador torna-se uma barreira. A Associação dos Povos Indígenas Estudantes da UFPA acaba fazendo esse trabalho de iniciar os índios na rotina da Universidade.

ALEXANDRE DE MORAES

Política de permanência

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Gênero

Quem são essas mulheres? Pesquisa mostra trajetória de desembargadoras no Pará Gabriela Bastos

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desembargo é o cargo mais alto que um juiz pode alcançar em tribunais estaduais. Os critérios para ingresso são merecimento e antiguidade em sua profissão. No Pará, 60% desse cargo são ocupados por mulheres. Muitas das últimas presidências do Tribunal de Justiça do Pará foram exercidas por mulheres e, em comparação com os demais Tribunais de Justiça do País, poucos se igualam, proporcionalmente, a esse dado. Com base nessas estatísticas, a pesquisadora Ana

Patrícia Ferreira Rameiro defendeu a dissertação O lugar do Gênero nas trajetórias profissionais de mulheres desembargadoras do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará, sob orientação da professora Denise Machado Cardoso. Segundo a autora, entre as principais motivações para a pesquisa, estava a sua inserção cotidiana no campo da pesquisa, já que trabalha no Tribunal de Justiça como assistente social, e o fato de ter uma história de envolvimento com movimentos feministas,

espaços de constantes debates sobre a situação da mulher nas diversas dimensões da vida. A pesquisadora explica que, na sociedade brasileira, as mulheres estão historicamente em desvantagem na área profissional. “As mulheres não conseguem chegar aos altos cargos. O Pará não é um Estado que se notabilize pela presença de mulheres em postos estratégicos, de tomada de decisões coletivas, seja na política, seja em grandes empresas. Eu também pesquisei sobre a sub-representação feminina, apesar da maior escolaridade das mulheres”, afirma Ana Patrícia.

A metodologia utilizada foi o estudo de trajetória, que usa a oralidade para identificar e analisar questões amplas e coletivas presentes em narrativas individuais. Foram realizadas dez entrevistas, mas somente oito foram autorizadas a constar na versão final da dissertação. “Decidi entrevistar as desembargadoras e conhecê-las. Eu não quis explicar ou justificar o fenômeno nem problematizar o lugar dessas mulheres. Meu objetivo restringiu-se a escutar as trajetórias delas e identificar na história de cada uma como sua vida foi marcada pelo gênero”, explica.

Nos altos cargos não há paridade entre homens e mulheres Uma das ideias com as quais a dissertação dialoga é a do Teto de Vidro, que descreve um modelo sutil e silencioso de discriminação. Segundo essa ideia, as chances e as oportunidades masculinas no mundo do trabalho são maiores que as femininas. Isso porque, para se manterem no mercado de trabalho e alcançarem altos postos, as mulheres são atravessadas por maiores dificuldades no âmbito doméstico, como jornadas duplas ou triplas e eventos naturais peculiares, como a gravidez. Segundo a pesquisadora, essa não é uma marca do Pará ou do Brasil, é um problema mundial. Antes, existiam

construções teóricas, científicas e religiosas que diminuíam a capacidade feminina. Hoje, mesmo quando elas apresentam maior capacidade e mais anos de estudos, ainda não há paridade entre homens e mulheres. quando se observam os maiores cargos. Para Ana Patrícia, o perfil das desembargadoras entrevistadas é muito heterogêneo, vai de filha de agricultor a mulheres que nasceram em famílias de elite. Mas todas as histórias foram marcadas pela meritocracia profissional: como iniciaram a carreira entre as décadas de 1960 e 1970, quando ainda não existia concurso público, para conseguir em-

prego era necessário ir ao TJE após a formatura e pedir uma vaga. “Nos relatos, elas também falam sobre sorte, Deus e coisas sobrenaturais para terem conseguido o cargo”, revela a pesquisadora. Para Ana Patrícia Rameiro, esse dado dialoga com a ideia de “autossabotagem feminina”, expressão utilizada por pesquisas internacionais que avaliam diferenças em autoavaliações de desempenho profissional de mulheres e homens. Entre as mulheres existe uma dificuldade em reconhecer e declarar suas capacidades e competências, mesmo que elas sejam elevadas e incomuns. Todas as desembargadoras en-

trevistadas na pesquisa foram posteriormente aprovadas em concursos públicos do TJE, efetivando suas carreiras na instituição. Segundo a antropóloga, chamou atenção o fato de desembargadoras terem dificuldades em relatar os preconceitos de gênero sofridos durante suas trajetórias. “Não há, entre elas, indicações diretas de terem sofrido discriminações pelo gênero, mas, transversalmente, muitas histórias discriminatórias foram contadas em tom anedótico, como terem suas capacidades questionadas somente por serem muito jovens, no início da carreira”, conta Patrícia Rameiro.

Organização e sensibilidade são tidas como diferenciais Durante as entrevistas, Ana Patrícia observou que o gênero feminino foi pensado como componente qualificador do trabalho das desembargado-

ras. Características como organização, múltiplas habilidades, cuidado e sensibilidade foram apontadas como diferenciadoras do desempenho feminino

nessa função, a ponto de promover mudanças estruturais no Tribunal de Justiça do Estado. Tecnicamente, porém, todas as entrevistadas afir-

maram que não havia nenhum tipo de diferença no exercício do trabalho entre os gêneros. Por fim, a pesquisadora ainda percebeu um recorte racial


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definido, uma vez que todas as desembargadoras declaram-se brancas. Ana Patrícia evitou o tom de crítica às desembargadoras. “Na dissertação, eu quis ter muito cuidado e respeito pelos sujeitos da pesquisa. Meu objetivo foi mostrar quem são essas mulheres, mas não no sentido do julgamento, da crítica pela crítica. Eu tive respeito por elas serem quem são e quis debater esses dados”, esclarece. A pesquisadora acredita que o seu trabalho abriu um campo bastante fértil para novas pesquisas. A explicação oficial acerca da grande representação feminina no desembargo paraense, reproduzida inclusive pelas entrevistadas, é de que, nas décadas de 1960 e 1970, a magistratura seria mal paga e desprestigiada, o que promoveu o desinteresse dos homens por esses cargos. Para a autora, essa versão carece de detalhes históricos e tende à depreciação feminina, deixando muitas lacunas explicativas para o fenômeno. Para Ana Patrícia, o judiciário paraense tem muitos traços progressistas que convivem com orientações gerais mais conservadoras

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e hierarquizadas, tornando-se um campo de investigação científica bastante convidativo. “No Tribunal, existe uma história de que as mulheres são escolhidas somente pelo critério de antiguidade, nunca por merecimento. Isso deprecia quem essas mulheres são. Acredito que não seja isso, uma vez que poucos Estados chegam próximos ao Pará no que diz respeito ao número de mulheres no desembargo. Nesta pesquisa, eu quis trazer à tona esses dados e essas mulheres, que precisam ser conhecidos”, finaliza.

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ILUSTRAÇÃO MÁRCIO DIAS

Câncer uterino entre ribeirinhas Consumo de peixe pode combater as primeiras lesões Renan Monteiro

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descentralização dos programas públicos de saúde no Brasil, em teoria, é um objetivo atingido. Desde 1988, com a implementação da Norma Operacional Básica (NOB) do Sistema Único da Saúde, aprofundou-se o processo de municipalização das ações e dos serviços de saúde em todo o país. No Pará, falando exclusivamente da assistência à saúde das mulheres que não moram na capital, houve a implantação de programas de saúde e de agentes comunitários nas regiões ribeirinhas, no entanto, mesmo com essas medidas, ainda não houve a integralização necessária para a prevenção de doenças nessas regiões.

Considerando essa realidade, a biomédica Gleyce de Fátima Silva Santos desenvolveu, no Programa de Pós-Graduação em Doenças Tropicais da UFPA, a pesquisa de mestrado Perfil sociodemográfico, epidemiológico, reprodutivo e alimentar de mulheres ribeirinhas com lesões precursoras do câncer de colo uterino, no Estado do Pará. Orientado pela professora Maria da Conceição Pinheiro, o estudo objetivou verificar o perfil das mulheres ribeirinhas da Região Norte, caracterizadas pelas dificuldades de acesso à saúde e à informação, que apresentavam lesões precursoras do colo de câncer do útero. “Queríamos identificar qual a prevalência de mulheres com lesões precursoras do câncer de colo do útero e descobrir qual o perfil so-

ciodemográfico e reprodutivo que as descrevia, por exemplo: se a idade estava interferindo no aparecimento das lesões escamosas, se eram mulheres jovens ou mais velhas que tinham mais lesões, se mulheres com baixa, média ou alta escolaridade tinham mais ou menos lesões ou se eram mulheres que trabalhavam fora ou eram domésticas que mais apresentavam as lesões”, explica Gleyce de Fátima. O estudo envolveu mulheres de três comunidades ribeirinhas, sendo duas localizadas no município de Itaituba, região do Alto Tapajós, e uma no município de Limoeiro do Ajuru, região do Baixo Tocantins. Para a realização da pesquisa nas três localidades, foi organizada uma equipe de especialistas do Núcleo de Medicina Tropical (NMT) da UFPA.


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Saúde De 2013 a 2016, foram entrevistadas 384 mulheres Gleyce de Fátima Silva Santos e a equipe do NMT instalaram-se em postos de saúde das regiões para entrevistar as participantes dos programas de prevenção do câncer do colo de útero desenvolvidos nesses municípios. “A amostra era por conveniência. Nós fi cávamos nos postos e esperávamos as mulheres. Realizávamos palestra a respeito da importância do exame preventivo e do combate ao câncer, depois, aplicávamos um formulário. Nós explicávamos que realizaríamos os exames e os resultados seriam enviados para elas. Depois disso, elas seriam acompanhadas por profissionais da própria comunidade”, relata a pesquisadora.

No período de 2013 a 2016, foram entrevistadas 384 mulheres, de 12 a 64 anos. As mulheres menores de idade participaram da pesquisa com a autorização dos pais. Foram excluídas mulheres com histerectomia total do útero (retirada do útero) e portadoras de alguma dificuldade cognitiva que pudesse comprometer a obtenção dos dados. O formulário aplicado foi baseado em um formulário do Ministério da Saúde e adaptado para a realidade da pesquisa. Havia perguntas quanto à idade, à profissão e ao histórico sexual das participantes. Depois de feitos os exames e preenchidos os formulários, os dados foram trazidos para o Núcleo de Medicina Tropical

para análise. Foram traçados os perfis sociodemográfico, epidemiológico, reprodutivo e alimentar das mulheres e foi observado se esses fatores influenciavam no aparecimento das lesões precursoras do câncer de colo de útero. Resultados – Os resultados indicam que existe relação entre os fatores sociodemográficos, epidemiológicos e reprodutivos. A maioria das mulheres com algum tipo de lesão estava na faixa de 40 a 59 anos; tinha baixa escolaridade, o que pode sugerir falta de informação sobre o vírus; teve início da atividade sexual precoce ou não usava preservativo na relação sexual. Durante as entrevistas, foi possível perceber que isso

ocorria por constrangimento com o parceiro ou parceira. Sobre o fator alimentar, o consumo de peixes pelas mulheres ribeirinhas pode influenciar positivamente no combate ao surgimento das lesões precursoras do câncer de colo do útero. “Outro estudo indica que o pescado é fonte de vitamina ômega 3 e selênio, minerais e vitaminas antioxidantes (moléculas capazes de inibir a oxidação de outras moléculas), e eles ajudam a combater o aparecimento de células cancerígenas. Então, se essas mulheres apresentam um alto consumo de pescado, logo elas estariam, presumivelmente, mais sujeitas a combater as lesões escamosas ocasionadas pelo HPV’’, explica Gleyce Santos.

Exame não é suficiente para se prevenir da doença Em uma das comunidades do Tapajós, os resultados foram surpreendentes. As mulheres com alto consumo de pescado foram as que apresentaram a maior prevalência de lesões escamosas. “Nessa região do Tapajós, houve muita exploração mineral nas últimas décadas, então esse rio foi prejudicado pela utilização do mercúrio no processo de exploração do ouro. Acreditamos que o pescado dessa área sofra com a contamina-

ção por mercúrio, o que pode interferir na sua atividade antioxidante e inibir o seu benefício. Outros estudos devem ser feitos para a comprovação ou não desses fatos”, justifica Gleyce Santos. Outro fato curioso: mulheres que relataram realizar exames anualmente foram aquelas que mais apresentaram lesões. “Nós inferimos que elas realizaram os exames, mas não voltaram para saber o resultado, ou até voltaram,

mas não encontraram a orientação correta sobre o que fazer quando o exame apresentava alguma alteração. Essas mulheres não tinham a quem recorrer, pois os municípios não oferecem assistência adequada”, avalia a biomédica. Gleyce Santos acredita que, com a indicação dos perfis dessas pacientes, se pode trabalhar melhor na prevenção do HPV. De uma infecção pelo HPV a um diagnóstico de câncer, pode-se levar até dez

anos. Assim, bem informadas e orientadas, essas mulheres podem evitar a infecção pelo vírus e, consequentemente, o câncer de colo do útero. Segundo ela, o Estado é o principal responsável por essa assistência, “além de orientar as mulheres, é preciso orientar os profissionais de saúde sobre a importância do conhecimento dos fatores de risco associados ao câncer de colo do útero e melhorar o acesso à saúde nessas regiões”.

perFil Das MUlheres COM MaiOr inCiDÊnCia De lesÕes Idade

Possui ensino fundamental

Teve entre 2 e 5 parceiros

Não usava anticoncepcionais

Não usava preservativo

Comunidade A:

Comunidade A:

Comunidade A:

Comunidade A:

Comunidade A:

15 a 39 anos (70,6%)

58,8%

94,1%

94,2%

94,1%

Comunidade B:

Comunidade B:

Comunidade B:

Comunidade B:

Comunidade B: 80,0%

40 a 59 anos (80,0%)

90,0%

90,0%

90,0%

Comunidade C:

Comunidade C:

Comunidade C:

Comunidade C:

Comunidade C:

40 a 59 anos (69,5%)

65.2%

100%

95,7%

87,0%


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Onde você está agora? Aplicativo facilita mobilidade no Campus Belém Armando Ribeiro

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acilitar a locomoção pelo campus UFPA Belém foi o principal objetivo do aplicativo Smart UFPA, desenvolvido pelo Laboratório de Visualização, Interação e Sistemas Inteligentes (LabVIS). O seu download já está disponível na Play Store para celulares com sistema operacional Android versão 4.1 ou superiores. O aplicativo consiste em um mapa on-line da UFPA. Nele existem filtros, que contam com o rastreamento de diversos locais da Universidade, como banheiros, bibliotecas, restaurantes, auditórios e a rota do circular. Também existe a barra de busca, caso o usuário queira procurar um lugar específico. “Esse foi o primeiro passo para facilitar o cotidiano da comunidade e fornecer informações

úteis sobre os locais e serviços da Universidade”, conta Kaê Uchôa, estudante do curso de Ciência da Computação e desenvolvedor do aplicativo. Em uma das etapas para validação do aplicativo, foi verificada a existência de poucos mapas físicos na UFPA e os que existiam possuíam informações insuficientes e condições precárias. Assim, uma das metas da equipe é implantar um método que facilite o ir e vir de quem estuda, trabalha e visita a Universidade. “Quando eu era calouro, não sabia como chegar ao meu Instituto e, ainda hoje, sinto dificuldade em encontrar alguns lugares aqui, no campus”, relata Ederson Coutinho, graduando no curso de Engenharia Mecânica, que enfatiza a importância de iniciativas como esta: “geralmente, enquanto ando pelos corredores,

as pessoas me param para pedir informações e, muitas vezes, eu não sei exatamente o que responder. Ações como esta nos ajudarão a otimizar nosso tempo e a evitar transtornos”, avalia. Já para o estudante Jairo Filho, do curso de Ciência da Computação, que utiliza o aplicativo nas suas atividades, os maiores beneficiados são os visitantes e aqueles que ainda estão conhecendo a Universidade. “Logo que entrei na UFPA, precisei encontrar o Auditório Setorial e não fazia ideia de onde ele ficava. Fiquei completamente perdido! Os aplicativos de mapas normais não te guiam dentro dos locais, eles apenas te ensinam como chegar, e a UFPA é um mundo. Então, acredito que esse aplicativo vai ajudar muito quem vier para algum evento ou estiver apenas de passagem”, afirma Jairo. ALEXANDRE DE MORAES


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REPRODUÇÃO

Com o aplicativo, é possível rastrear bibliotecas, restaurantes e auditórios, entre outros locais.

Opinião de usuários ajudou a aperfeiçoar o aplicativo A pesquisadora convidada, Ana Régia Neves, que orientou o desenvolvimento do aplicativo, informa que o Smart UFPA já terminou sua fase inicial, em que foi feito um questionário on-line com a pergunta “Qual sua maior dificuldade ao andar pela UFPA?”. Depois disso, foi realizado um workshop com os calouros do curso de Ciência da Computação. Essas medidas serviram para o levantamento de problemas e possíveis soluções

para resolvê-los. “Fizemos essas etapas para termos um norte de por onde começar e optamos pela mobilidade e localização”, explica a pesquisadora. A participação e a colaboração da comunidade foram de extrema importância para o andamento do projeto. Ana Régia Neves comenta que a equipe teve como base o método crowdsourcing, que usa o conhecimento coletivo para solucionar os problemas

cotidianos, a fim de engajar e melhorar a colaboração da população. No aplicativo, isso se insere por meio da enquete realizada, em que as pessoas puderam relatar suas principais dificuldades. A orientadora ainda revela que o aplicativo é apenas o primeiro passo da iniciativa chamada Smart Campus UFPA, que pretende utilizar a Universidade como ambiente de experimentação de alternativas que possam ser adaptadas

às cidades, ou seja, as ações feitas dentro da Universidade, se bem recebidas, podem ser escalas para serem transferidas à cidade como um todo. “Nós queremos melhorar o ambiente universitário, tornando-o mais eficiente e agradável por meio do uso de tecnologias e da participação ativa da comunidade. Com isso, visamos tornar a UFPA uma referência na iniciativa de campus inteligente”, afirma Ana Régia.

Crowdsourcing possibilitará criação de novas funções Com a primeira parte do projeto concluída, Kaê Uchôa explica que está trabalhando para aprimorar mais o conceito de crowdsourcing no aplicativo. “Nosso próximo passo é possibilitar que os usuários possam fazer a adição de pontos no mapa. Existem muitos locais que nós não conhecemos, então não poderíamos inseri-los. Quando essa fase terminar, o próprio

usuário poderá inserir o lugar, porém, como precaução, quando a pessoa adicionar a informação, nós receberemos uma notificação para fazermos a validação”, explica. Um dos maiores anseios do acadêmico Jairo Filho é com relação ao ônibus circular. “Nós nunca sabemos quando ele vai passar ou se ainda vai demorar”, relata. Segundo os desenvolvedores do projeto, esse desejo

do estudante confere com o que foi encontrado no questionário. Em razão disso, Kaê está criando uma função no aplicativo por meio da qual as pessoas possam informar a localização do transporte e, após essa etapa, fazer o rastreamento, via GPS, do ônibus. A intenção do aplicativo é funcionar como um campus on-line, com informações relevantes e acessíveis. Para isso,

a equipe planeja trabalhar na criação de perfis de usuário, notificações sobre eventos que ocorram na Universidade e inserção do cardápio do Restaurante Universitário. “Queremos que ele seja vantajoso para todos e, para isso, queremos inserir informações para pessoas com deficiência, como a localização de banheiros acessíveis e rampas de acesso”, conclui Kaê.


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Resenha Sobre quadrinhos e estereótipos Walter Pinto

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m 2019, a história em quadrinhos brasileira completará 150 anos de vida, se o parâmetro for o surgimento da que é considerada a primeira história sequencial gráfica nacional, As aventuras de Nhô-Quim e Zé Caipora, criada pelo chargista Angelo Agostini, entre os anos 1869 e 1883. Da época em que os quadrinhos não tinham balão à arte finalizada nos programas computacionais atuais, as HQs se consolidaram como publicações de grande circulação e enorme interesse público. Foi, certamente, tendo em vista esse alcance que a Casa Brasil-África, da UFPA, escolheu o desenho em quadrinho como meio para mostrar o continente africano de uma forma que não imaginamos. Africano pai d’égua é uma revista que traz de volta os estudantes Rayssa, Haroldo e Xavier, personagens publicados, em 2015, na revista Orientações Acadêmicas, editada pela Proeg. Criadas pelo roteirista Ricardo Ono e pelo quadrinista Volney Nazareno, as personagens agora se envolvem numa aventura por Cabo-Verde, Angola, República do Congo, Benin e Guiné-Bissau, países africanos que a maioria dos brasileiros conhece bem pouco, excetuando os que se dedicam ao

estudo do continente. É este o objetivo de Africano pai d’égua: oferecer ao leitor informações corretas sobre a diversidade de culturas, tradições, histórias, etnias e recursos naturais daqueles países africanos, não por acaso, os que possuem expressivos números de alunos na UFPA. A história é urdida pelo roteirista de uma forma que o personagem Haroldo tem a rara oportunidade de percorrer os cinco países, onde constata, por exemplo, que o que conhecemos sobre eles são não mais que ideias estereotipadas. Tais ideias se difundiram durante o Imperialismo Pós-Guerra, que retalhou o continente, desconsiderando o desenho étnico então existente, com as quais o cinema de Hollywood contribuiu com notável dose de exotismo. Uma dessas histórias se passa em Benin, onde Haroldo é levado para assistir a um festival de Voodoo, uma religião ancestral do candomblé brasileiro, em nada semelhante aos bonecos crivados de agulhas que nos vêm à memória. Tudo começa no RU da UFPA, onde Haroldo é apresentado a Natanael, um estudante alto, negro, bolsista da Casa Brasil-África que acabou de defender seu TCC e está prestes a regressar ao seu país, Guiné-Bissau. O grupo de amigos conhece também Mayara, uma cabo-verdiana, aluna da UFPA por meio do Programa de Estudante-Convênio de Graduação (PEC-G). O programa abrange 45 países da América, da África e da Ásia. Na UFPA, estudam jovens provenientes de 18 desses países. De férias, o grupo de estudantes aceita o convite de Nataneal e Mayara para visitar seus países, começando por Cabo-Verde. Ficamos conhecendo alguns pontos característicos desse pequeno país insular da costa atlântica, com extensão equivalente a 1/10 da Ilha do Marajó, do Mercado de Sucupira, semelhante ao Ver-o-Peso, à música da grande cantora Cesária Évora. Um descuido de Haroldo vai levá-lo a um roteiro de viagem inteiramente diferente do roteiro programado. Em Angola, a antiga colônia portuguesa que conquistou independência em 1975, ele desfaz a velha imagem que tinha das cidades africanas, REPRODUÇÃO ALEXANDRE DE MORAES

segundo a qual, não passavam de aldeias com cabanas rodeadas de animais selvagens. A Angola vista por Haroldo é um país grande e moderno. Na República do Congo, ex-Zaire, ele aprende hábitos da cultura local, entre os quais, esperar sempre que os mais velhos lhe estendam a mão para o cumprimento. Saboreia o “mpondu”, um prato parecido com a nossa maniçoba, mas com peixe. Em cada lugar visitado, nosso protagonista faz novas amizades, reforçando o traço hospitaleiro dos africanos. Muitos desses novos amigos são jovens que estudam na UFPA e passam férias em casa. Antes de chegar à Guiné-Bissau, onde os amigos o esperam, Haroldo passa por Benin, de onde foram arrancados africanos para o trabalho escravo no Brasil. Os descendentes de escravos que conseguiram voltar, curiosamente, se denominam brasileiros. O francês é a língua oficial, em decorrência da colonização imperialista, mas falam-se também diversos dialetos por conta dos cerca de 40 grupos étnicos lá existentes. O fim da aventura ocorre num dos países considerados mais alegres do continente, a Guiné-Bissau. Um pouco menor que o Rio de Janeiro, nele habitam 1,5 milhão de africanos. Juntos, os amigos visitam a Fortaleza de São José da Amura, que Haroldo diz parecer com o Forte do Castelo. Ao final da visita, afirmam ter adorado conhecer a verdadeira África. “Foi uma oportunidade para desconstruir estereótipos e preconceitos e contribuir para a construção de novos saberes”. Para criar a história, roteirista e desenhista lançaram-se à pesquisa em livros e em documentos, além de ouvirem relatos de universitários africanos. De posse das informações, os autores criaram situações fictícias pelas quais se movem personagens baseados em pessoas reais. “Africano pai d’égua” mostra a capilaridade internacional da UFPA, sua presença e importância continental. É indicada para todos os leitores, especialmente para alunos da disciplina História da África. Dificilmente, eles terão a seu dispor uma publicação tão criativa quanto esta. Serviço – Africano pai d’égua. Revista em quadrinhos. Roteiro e projeto gráfico Ricardo Ono/ Desenho Volney Nazareno. UFPA, 2017.


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A Histรณria na Charge

#minhaufpa



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