Beira 140

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ISSN 1982-5994

UFPA • ANo XXXII • N. 140 • DeZeMBro e JaNeiro de 2017/2018

Nesta edição • Estudo mapeia TDAH em escolas de Castanhal (PA). • Pair-Xingu analisa impactos de Belo Monte entre crianças.

“Põe tapioca. Põe farinha d’água. Põe açúcar. Não põe nada” Pesquisa desenvolve técnica para detectar fraude no açaí.

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UNiVeRsidade FedeRaL do PaRÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Armando Ribeiro, Gabriela Bastos e Renan Monteiro (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes e Alexandre Yuri Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Ilustrações: Priscila Santos (CMP/Ascom) Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho Vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Rômulo Simões Angélica Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitor de Relações Internacionais: Horacio Schneider Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Karla Andreza Duarte Pinheiro de Miranda Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Secretário-geral do Gabinete: Marcelo Galvão Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


Se todos seguissem à risca o que o compositor Nilson Chaves diz em Sabor açaí, nós estaríamos tranquilos, mas volta e meia somos surpreendidos por notícias que envolvem fraude nesse alimento tão popular entre os paraenses, o qual, cada vez mais, é apreciado em outras regiões do País. Pesquisa desenvolvida por Lorena Pantoja, no Programa de Pós-Graduação em Saúde Animal, do Instituto de Medicina Veterinária da UFPA, apresenta técnica que poderá ser utilizada pelos órgãos fiscalizadores e garantir a qualidade do açaí. A pesquisadora elaborou o seu trabalho com base na Instrução Normativa 68/2008, do Ministério da Agricultura. “A técnica padronizada é eficiente na detecção de agentes espessantes no açaí in natura, pasteurizado e congelado”, afirma. Desde 2011, o Projeto de Extensão Roteiros Geo-Turísticos promove passeios a pé pelos bairros do centro de Belém, durante os quais os participantes conhecem um pouco mais sobre patrimônio material, gastronomia, religião e festividades. Atualmente, são oito roteiros e os encontros ocorrem quinzenalmente. Coordenado pela Faculdade de Geografia, o projeto conta com uma equipe interdisciplinar envolvendo colaboradores das Faculdades de Museologia, Arquitetura, Turismo e História. Leia também: Em Belém, projetos de intervenção urbanística não consideram necessidades de moradores locais; Pesquisa faz mapa do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) entre alunos do ensino fundamental, em Castanhal (PA).

Rosyane Rodrigues Editora

Nesta Edição PARFOR: a reconfiguração da formação docente .....................4 Técnica combate fraude no açaí ........................................5 Pelas ruas de Belém .......................................................6 Intervenções urbanísticas ...............................................8 Por uma educação holística ............................................ 10 Desatentos, hiperativos e impulsivos ................................. 12 Desigualdades e exploração ........................................... 14 A História em novos formatos .......................................... 16 Panorama do falar amapaense ........................................ 18

“Fé na vida, fé no homem, fé no que virá! Nós podemos tudo, nós podemos mais Vamos lá fazer o que será”- Gonzaguinha Foto Alexandre de Moraes


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FOTOS ACERVO PESSOAL

Opinião PARFOR: a reconfiguração da formação docente Em maio de 2009, a Universidade Federal do Pará aceitava um dos seus maiores desafios ao firmar acordo de cooperação com a Capes, para implantar o Plano Nacional de Formação de Professores (Parfor). Em oito anos, o plano já alcançou mais de 13 mil professores da educação básica e, agora, inicia um novo desafio, o de se tornar um programa permanente de formação, com oferta também de cursos de especialização. O Decreto nº 6.755/2009 instituiu a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, que indicava que a Capes fomentaria projetos pedagógicos que visassem promover novos desenhos curriculares ou percursos formativos destinados aos profissionais do magistério, bem como projetos de revisão da estrutura acadêmica e curricular dos cursos de licenciatura. Desse modo, iniciou-se na UFPA, por meio da Coordenação Geral do Parfor e da Proeg, um processo de articulação com os institutos responsáveis pelas licenciaturas, tendo em vista a adesão ao Plano e a reconfiguração dos projetos formativos. Desde o início, portanto, partimos da ideia de que esses projetos deveriam ser produzidos nas unidades e subunidades institucionais e academicamente conduzidos, numa parceria entre as coordenações dos cursos, prevista pela estrutura do programa, definida pela Capes, e as faculdades a que se vinculam. Desse modo, foram ofertadas pelo Parfor/ UFPA, ao longo de seus 8 anos, 21 licenciaturas, com 410 turmas, com projetos pedagógicos adaptados e aprovados nas faculdades, nas congregações dos institutos, nos conselhos de campi e no Consepe. A formação oferecida no Parfor apresenta potencialidades que podem contribuir para revisões substantivas dos projetos de formação docente. Podemos destacar a potência do cruzamento entre conhecimento acadêmico e conhecimento profissional com base no encontro com os docentes da educação básica, suas condições objetivas de

vida, de trabalho, de escolarização e de frequência ao curso. Sob o impacto desse encontro, os projetos pedagógicos incluíram a realização de atividades teórico-práticas em diferentes espaços curriculares como laboratórios, ateliês e ambiências diversas, em locais do entorno de formação, bem como a redefinição de conteúdos formativos de modo a promover um diálogo mais efetivo com as exigências da ação docente na educação básica e, ao mesmo tempo, potencializar o tempo intensivo de formação. Isso exigiu, de certo modo, a ancoragem da formação com base em conceitos, categorias e tópicos fundamentais possíveis de ser trabalhados nos espaços-tempos em suas atualizações. Esse movimento requereu a exploração de diferentes componentes curriculares envolvendo oficinas, seminários, enucleações, temas transversalizados e atividades complementares. Nesse mesmo diapasão, foi necessária a redefinição de material didático adequado à ancoragem dos conteúdos curriculares propulsores dos projetos, elegendo textos possíveis de serem trabalhados no espaço-tempo reconfigurado. As alterações metodológicas também se fizeram necessárias culminando em ações e projetos integradores e na mobilização de saberes adquiridos em situação de trabalho. Foram, do mesmo modo, impulsionados novos procedimentos avaliativos com base em experimentações, tanto na dimensão ensino-aprendizagem quanto na avaliação dos cursos, realizada a cada etapa formativa. Deslocamentos outros foram necessários para reconfiguração do formato do estágio curricular desenvolvido em diferentes dinâmicas, incorporando e problematizando a experiência docente, atravessando os locais de atuação dos docentes e seus pares, em seus campos de prática. Foram, ainda, elencados novos formatos de Trabalhos de Conclusão de Curso para além do tipo monográfico em processos de orientação e produção coletiva, traduzidos em

memoriais, relatos de experiência, portfólios e performances. A incorporação de mecanismos e atividades a distância ensejou a construção de bibliotecas virtuais e a constituição de outras redes de comunicação entre discentes, docentes formadores e coordenações, aproximando os docentes em formação de tecnologias disponíveis para a produção de outros entre-lugares formativos. Desse modo, ações de extensão passam a adentrar os projetos pedagógicos de curso, constituindo, assim, outros espaços-tempos de formação docente. Ao longo de 8 anos de trabalho, é possível afirmar que experiências daí decorrentes não podem ser alinhadas, de forma modelar, em formatos permanentes. Elas podem, contrariamente, reafirmar a potencialidade de operar com uma temporalidade múltipla e promover o contato com um tempo multidimensional que refaz relações conteúdo-método, professor-aluno, ensino, pesquisa, extensão; divisão do aprender-ensinar em tempos de aula, liberando os corpos aprendentes para experiências em uma multiplicidade de planos em que o que é intracurricular ou extracurricular, intraclasse ou extraclasse se dissolve e promove círculos diferenciados de aprendizagens e relações. Essas experiências reafirmam a certeza de que formar professores é um processo singular que requer percursos acadêmicos diferenciados, num movimento em que o conhecimento acadêmico necessita integrar-se à construção da profissionalidade e do processo de profissionalização docente. Josenilda Maués Doutora em Educação pela PUC/São Paulo. Professora Titular do Instituto de Ciências da Educação/UFPA e coordenadora Adjunta do Parfor UFPA. Marcio Nascimento Doutor em Matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP. Professor Associado da Faculdade de Matemática da UFPA e presidente do Fórum Nacional de Coordenadores Institucionais do PARFOR.


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Amazônia

Técnica combate fraude no açaí É possível detectar compostos amiláceos de maneira rápida e segura Gabriela Bastos

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tualmente, ouvimos muito falar sobre o açaí e seus benefícios. O fruto do açaizeiro, palmeira da região amazônica, caiu no gosto do brasileiro. No Pará, importante produtor do fruto, também são famosos os casos em que são incorporados agentes espessantes à polpa do açaí popular, visando a maiores lucros para os vendedores. Com o objetivo de padronizar uma técnica eficiente para a detecção de fraude em polpas de açaí, a pesquisadora Lorena Samara Gama Pantoja

defendeu a dissertação Padronização de uma metodologia analítica para detecção de fraude por adição de compostos amiláceos em polpa de açaí in natura, congelada e pasteurizada, pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Animal da Amazônia do IMV/ UFPA, orientada pela professora Carina Martins de Moraes. A pesquisa de mestrado foi feita no Laboratório de Higiene e Qualidade de Alimentos, em colaboração com o Laboratório de Zoonoses e Saúde Pública, ambos do Instituto de Medicina Veterinária, no Campus de Castanhal.

Segundo Lorena Pantoja, a pesquisa foi desenvolvida em um momento em que várias notícias eram veiculadas nos meios de comunicação, sobre as ocorrências de fraudes no açaí comercializado em todo o Estado. Ela afirma que achou necessário desenvolver uma técnica para a detecção rápida e precisa dessas fraudes, a qual pudesse ser utilizada como ferramenta de auxílio pelos órgãos fiscalizadores locais. A pesquisadora explica que, para a padronização da técnica de detecção de fraude em açaí por adição de compostos amiláceos (farinha

de tapioca, trigo e amido de milho), se baseou na Instrução Normativa 68/2006, do Ministério da Agricultura, que oficializa os métodos analíticos físico-químicos para o controle de leite e produtos lácteos, determinando que sejam utilizados nos laboratórios nacionais agropecuários. Lorena Pantoja utilizou no açaí o fundamento da técnica aplicada ao leite e realizou testes para verificar a sua eficácia e confiabilidade na rotina de fiscalização em pontos de venda. Para surpresa da pesquisadora, a técnica se mostrou altamente sensível e de fácil aplicação.

Espessantes aumentam o volume da polpa, gerando mais lucro Lorena Pantoja explica que a técnica da Instrução Normativa 68/2006, do Ministério da Agricultura, era utilizada somente para detecção de amido em leite. “Com a adequação realizada para amostras de açaí, começamos outra parte do projeto, que foi identificar a sensibilidade da técnica, ou seja, qual seria a mínima porcentagem que ela era capaz de detectar”, explica. Para isso, segundo a pesquisadora, foram utilizados três produtos amiláceos: derivados da farinha de mandioca, trigo e amido de milho, para fraudar experimentalmente amostras de açaí, in natura e pasteurizadas, em quantidades predeterminadas de 1% a 30%. Em seguida, a técnica foi aplicada para verificar até qual porcentagem dos produtos era possível detectar. A última parte do projeto foi o desenvolvimento da técnica miniaturizada para identificação de fraudes, a qual necessitou de apenas 1 ml de açaí para ser realizada. De acordo com a pesquisa de campo realizada, a fraude do açaí ocorre por motivação financeira, uma vez que produtos amiláceos funcionam normalmente como espessantes naturais, logo a mistura do açaí com esses produtos aumenta o volume da polpa e também a sua viscosidade, elevando o valor do produto. “Entendemos

que a detecção de fraude em amostras de açaí in natura, pasteurizadas e congeladas, com a técnica que padronizamos, pode ser utilizada pelos órgãos fiscalizadores, garantindo a qualidade do produto”, afirma Lorena Pantoja. Como resultado da pesquisa, concluiu-se que a técnica padronizada é eficiente na detecção de todos os agentes espessantes que foram utilizados para a fraude experimental com algumas variações na sensibilidade. No açaí in natura (o mais consumido pela população paraense), a técnica tradicional e a miniaturizada apresentaram máxima eficiência em todos os

produtos testados. Já no açaí pasteurizado, a sensibilidade foi um pouco reduzida, o que não afetou drasticamente a sua confiabilidade. A pesquisadora conclui que o açaí é um produto forte e importante para o Estado do Pará, uma vez que daqui sai a maior parte do fruto consumido em todo o Brasil e no exterior, logo a valorização da sua qualidade e da identidade é de extrema importância. Assim a técnica utilizada na dissertação é apresentada como potencial ferramenta de auxílio ao combate e à prevenção de fraudes, tornando o consumo do açaí mais confiável no mercado. ALEXANDRE DE MORAES

Técnica pode ser usada no açaí in natura, pasteurizado e congelado


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Patrimônio

Pelas ruas de Belém Roteiros Geo-Turísticos valorizam bairros da cidade Renan Monteiro

O Em sete anos de atividade, cerca de seis mil pessoas já participaram do projeto.

Projeto de Extensão Roteiros Geo-Turísticos nasceu em 2011. A proposta inovadora vem sendo desenvolvida até os dias de hoje e conta com oito roteiros que, quinzenalmente, percorrem importantes locais em Belém. Coordenado pela professora Maria Goretti da Costa Tavares, docente da Faculdade de Geografia, o projeto também conta com colaboradores nas Faculdades de Museologia, Arquitetura, Turismo, História, além de professores do curso de Geografia em Marabá e Cametá. A professora Goretti explica que a ideia principal do projeto

de extensão é fazer um roteiro a pé pelo centro histórico, falando do patrimônio material (como os edifícios) e do patrimônio imaterial (como a gastronomia, as religiões e as festividades). “No roteiro, nós também falamos de questões geográficas, da produção do espaço da cidade, da história, da arquitetura e da cultura em geral”, explica a professora. Estudantes da graduação e pós-graduação dos cursos de História, Geografia, Museologia e Arquitetura e do ensino médio são monitores do projeto. Metodologia – O primeiro roteiro foi o da Cidade Velha, em janeiro de 2011. Seguidamente, foram sendo

criados os roteiros: Ver-o-Peso, Belle Époque (criado no centenário do Cinema Olympia), Campina (importante bairro comercial), Reduto (bairro industrial do período da borracha), Estrada de Nazaré, Antônio Landi (que fala de Belém no século XVIII) e Batista Campos (criado em de setembro de 2016). Todos os locais escolhidos passam por um estudo de contexto histórico, geográfico, arquitetônico e cultural. Essas pesquisas são feitas em artigos, teses, dissertações, entrevistas e em outros documentos. Terminado esse estudo detalhado, são formados os textos guias, com informações e referências sobre cada roteiro. FOTOS ALEXANDRE YURI


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Caminhar desperta nova relação com a cidade Magaly Caldas é aluna de Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), participa do Projeto Roteiro Geo-Turístico desde os 15 anos, quando foi bolsista de Iniciação Científica no Ensino Médio da Escola de Aplicação da UFPA. Para ela, andar pelas ruas de Belém e usar o espaço público é um ato político, pois as pessoas que participam do Roteiro percebem, na prática, quais os ganhos e as dificuldades de andar por ruas historicamente importantes e, ao mesmo tempo, marcadas pela violência e sujeira. Sendo assim, segundo Magaly, as pessoas tornam-se mais conscientes em relação a seu local de vivência e buscam, de alguma forma, melhorá-lo. “Vivenciando os espaços da cidade, conseguimos perceber quais são os problemas. Por que tem muito lixo? Por que essa insegurança ao andar nas ruas? Precisamos reclamar e o Estado deve atender às nossas solicitações”, avalia a estudante. Durante o percurso, os responsáveis pelos roteiros vão esclarecendo os contextos histórico e geográfico de determinados pontos e, ao mesmo tempo, levantando discussões a respeito dos problemas sociais da cidade. “Não falamos apenas dos pontos ‘belos’, mas também

A praça Batista Campos e os seus coretos estão entre as atrações do roteiro da Campina.

dos problemas da cidade. Qualquer política de turismo ou ligada ao patrimônio precisa estar articulada com outras políticas e com os problemas da cidade”, afirma a coordenadora Maria Goretti. O projeto tem uma parceria com a polícia turística. Isso faz com que as pessoas participem do projeto de maneira mais assídua. “Grande parte dos participantes do projeto dizem que não viriam se não fosse com o grupo, porque não têm coragem de circular no centro histórico e na cidade de modo geral por não se sentirem seguros”, revela a professora.

Maria Goretti estima que, nesses quase sete anos de atividade, cerca de seis mil pessoas já participaram do roteiro. “São pessoas com os mais variados graus de formação e diferente faixa etária. Qualquer um pode se inscrever, o professor, a dona de casa e o gari. Temos um perfil muito diferenciado de público”, conta. Outro dado curioso é que 95% dos participantes são moradores da cidade de Belém. Isso, segundo a coordenadora, revela que o roteiro, antes de ser para turistas, é para os residentes locais. “Eles têm o interesse em participar do roteiro, porque não conhecem a cidade”, afirma.

Moradores e trabalhadores locais são parceiros O Projeto Roteiro Geo-Turístico tem parceria com outro projeto de extensão: Projeto Circular Campina/Cidade Velha, cujo objetivo é revalorizar o centro histórico de Belém. Os dois projetos atuam de maneira integrada, pois há locais interessantes nos dois bairros, como ateliês, restaurantes, locais de produção cultural e vendas de artesanato. Quando ocorre o Projeto Circular, a cada dois meses, um dos Roteiros Geo-Turístico é oferecido e passa a ser uma das atividades do Circular. Há também colaboração de pessoas que moram ou trabalham nesses locais. No roteiro do Ver-o-Peso, por exemplo, a erveira Beth Cheirosinha fala de seu trabalho e

da importância das ervas, enquanto o presidente da Associação de Vendedores do Ver-o-Peso fala da importância do mercado para a cidade. Outro aspecto importante, segundo a professora, é a relação entre extensão, pesquisa e ensino para todos os que participam do projeto, “seja por meio dos relatórios do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), para os estudantes do ensino médio e graduação; seja com os Trabalhos de Conclusão de Curso, para os estudantes da graduação; seja com as dissertações ou teses, para estudantes de pós-graduação”. Magaly Caldas começou a fazer pesquisa desde sua entrada

no projeto, ainda no primeiro ano do ensino médio, como bolsista Pibic. “Essa inserção, já no ensino médio, despertou um gosto pela pesquisa e pela leitura, por estar nesse ambiente acadêmico”, afirma Magaly, que, atualmente, pesquisa a Belle Èpoque. Como projeto de extensão, o Roteiro Geo-Turístico já ganhou prêmios importantes, como o do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2016. Dos oitos projetos premiados, o Roteiro foi o único da Amazônia. Em breve, um novo roteiro será incluído na lista dos já existentes: o roteiro do bairro Umarizal, local social e historicamente importante para a cidade de Belém.


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Cidade

Intervenções urbanísticas Projetos não consideram necessidades e desejos dos moradores Armando Ribeiro

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urbanização é um processo irreversível e intensifica-se conforme o avanço tecnológico, refletindo o caráter moderno da sociedade atual. Analisar as políticas de renovação urbana e suas consequências para a reconfiguração de territórios em Belém, baseado em projetos, como o Portal da Amazônia, a Bacia Hidrográfica do Una e a Macrodrenagem da Bacia do Tucunduba, é o principal objetivo da pesquisa Reconfiguração urbana e redefinição de usos de solo: experiências de intervenções urbanísticas em Belém, coordenada pela professora Sandra Helena Ribeiro Cruz,

vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS)/ICSA. O estudo tem como foco investigar os efeitos das intervenções urbanísticas em três bacias hidrográficas dispostas no município de Belém: a da Estrada Nova, a do Una e a do Tucunduba. “A partir da minha tese de doutorado, em que analisei a experiência no Portal da Amazônia, percebi algumas situações que se repetem em outras áreas que estão passando pelo mesmo processo de intervenção urbanística, com fins de renovação urbana, como o Tucunduba e o Una. O processo de intervenção segue semelhantes lógicas de planejamento, modelo e olhar”, avalia a pesquisadora.

Em Belém, essas intervenções têm seu foco no embelezamento da cidade, reformulando territórios que possam atrair novos capitais, seja imobiliário, seja industrial, seja turístico. “Desde as primeiras intervenções urbanísticas, a concepção era retirar o que é feio e produzir um novo território vendável. Um exemplo é a Avenida Doca de Souza Franco, que, nos anos de 1970, era um igarapé e tinha uma população que habitava as suas margens. Após a intervenção, a população foi retirada e toda aquela área foi reconfigurada, o que agregou valor econômico ao território, e quem ganhou com isso foi o mercado”, relata Sandra Cruz.

Nessa lógica, esses modelos de projeto não contemplam a participação popular. Para Sandra Helena Cruz, um dos maiores desafios é fazer com que a sociedade participe mais desse planejamento e opine sobre essas intervenções que irão interferir diretamente na vida da comunidade. “O governo federal e o Conselho Nacional das Cidades decidiram que toda política urbana é obrigada a fazer uma previsão do trabalho técnico social como estratégia de amenizar os efeitos negativos produzidos por essas intervenções. Mas a fragilidade socioeconômica e política das pessoas afetadas é muito grande, dificultando o processo de permanência da comunidade nas áreas renovadas”, afirma a pesquisadora.

Reordenamento visa à valorização do território

Na página ao lado, imagem do Portal da Amazônia, um dos projetos analisados pelos pesquisadores.

A situação dos sujeitos que habitam os locais de reordenação é de tensão. Não existe um plano de habitação que lhes proporcione segurança, “ou essas pessoas são remanejadas pelos empreendimentos para outros locais ou o próprio tempo se encarregará de fazer isso, já que o novo território, renovado, vai se tornar mais caro, impossibilitando a sua manutenção nessas áreas”, explica Sandra Helena Cruz. “Atualmente, temos centenas de famílias que saíram de suas moradias e estão vivendo no auxílio aluguel. Isso vai continuar acontecendo em virtude dessa lógica pensada e concebida para atender ao mercado e garantir condições para que o grande capital se realize”, afirma a professora. A metodologia empregada na pesquisa tem por base o Método do Materialismo Histórico e Dialético, que busca analisar o objeto em sua totalidade, procurando todos os determinantes que produzem

o fenômeno social, para, depois disso, ocorrer a relação entre o que é particular e geral, gerando uma visão completa do objeto. “Este método é o que nos norteia e também nos possibilita utilizar tanto informações quantitativas quanto qualitativas. Embora utilize dados numéricos, considero que esse trabalho é essencialmente qualitativo, porque a análise vem de entrevistas, relatórios e acompanhamento dos processos que ocorrem nas bacias hidrográficas”, explica Sandra Cruz. Tendo esse método como fundamento, a pesquisa reúne informações históricas, culturais e econômicas que determinam o modelo de intervenção urbanística em Belém. Partindo disso, ocorrem oficinas, audiências e seminários com os moradores envolvidos, para que eles possam relatar sua realidade e, com isso, o grupo de pesquisa possa retirar as informações necessárias e fazer a avaliação pautada na criticidade que gere resultados e

produtos. “Esta é a totalidade que o método propõe: fui, olhei, analisei e vou voltar para dizer o que ele revela. É o que chamamos de Concreto Pensado, quando você faz a síntese do seu objeto”, explica. A pesquisa está em andamento, com previsão de se encerrar no próximo semestre. “No que tange às intervenções urbanísticas da Estrada Nova, constatou-se o remanejamento, a ausência de uma política habitacional e a exclusão dos sujeitos que lá habitavam. Já na Bacia do Una, cuja intervenção se encerrou em 2005, envolveu 20 bairros e tinha como objetivo acabar com o alagamento daquela região, não foi realizada a chamada “manutenção da macrodrenagem”, assim, a população continua vítima de alagamentos. No Tucunduba, o projeto de macrodrenagem previa a participação popular, no entanto segue a lógica dos demais: sanear, pavimentar e remanejar”, revela a professora.


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Uma cidade de rios e igarapés concretados Belém é uma cidade entrecortada por rios e igarapés e possui 14 bacias hidrográficas. Esses elementos naturais fazem parte da cultura e da memória da população, porém, com as políticas intervencionistas de urbanização, eles foram transformados em canais e concretados. “A história da urbanização de Belém é ligada à matança de seus rios, ao ‘concretamento’ de dinâmicas culturais. Não existe diálogo com os elementos da natureza. Quando você mata um rio, você está matando a memória do povo”, denuncia Sandra Cruz. Um dos maiores problemas do planejamento urbano em Belém, ressalta a professora, é que a sua lógica não dialoga com as necessidades básicas da população, como a garantia da manutenção da área pavimentada, o saneamento básico, a moradia adequada e o respeito ao meio ambiente. Dessa forma, o poder público necessita pensar essas ações levando em consideração os elementos sociais e naturais, não apenas os do mercado. Sandra Helena Ribeiro Cruz ainda destaca o processo de resistência dessas populações. “No Portal, eles criaram a Associação dos Moradores do Portal da Amazônia; no Una, você encontra a Frente dos Prejudicados da Macrodrenagem da Bacia do Una; no Tucunduba, existe a Frente dos Prejudicados da Macrodrenagem da Bacia do Tucunduba. Essas políticas estão acontecendo, portanto a população não está engessada. E isso é extremamente importante de se pontuar: há um movimento que questiona esse tipo de planejamento. Nem sempre se ganha, mas a resistência a essa lógica de urbanização segregadora existe”, conclui a coordenadora.

ALEXANDRE DE MORAES

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Entrevista

Tristan McCowan

Por uma educação holística McCowan afirma que esse é o caminho para uma sociedade mais justa Walter Pinto

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outor em Educação pela Universidade de Londres, o professor Tristan McCowan desenvolve projetos de pesquisa sobre educação superior em vários países da América do Sul e da África. Recentemente, esteve em Belém, onde participou de eventos na UFPA e na Universidade do Estado do Pará,

com professores da área da Educação. Sua contribuição na área dos Direitos Humanos torna-o reconhecido entre os maiores pedagogos contemporâneos. Nesta entrevista, McCowan, autor do livro Education as a Human Right, fala da sua experiência e destaca a inovadora contribuição de alguns países, entre os quais, o Brasil, na área da educação popular.

Interesse no Brasil Moro na Inglaterra, mas venho há 25 anos ao Brasil, onde desenvolvo estudos específicos na área da educação. O Brasil é um lugar interessante e um pouco contraditório: tem problemas educacionais, de exclusão social, de desigualdades socioeconômicas, de gênero, de etnia etc., mas, ao mesmo tempo, é um país fascinante e muito inovador.

Tem experiências muito interessantes na área da educação, inclusive em nível internacional. Em parte, meu trabalho aqui é entender essas iniciativas e divulgá-las lá fora. Na maioria das vezes, a divulgação é em língua inglesa, para audiências que não conhecem a realidade brasileira. Penso que é importante termos uma difusão internacional das iniciativas que mobilizam a área da educação no Brasil. ALEXANDRE DE MORAES


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Movimentos sociais O Brasil é um país com movimentos sociais representativos em muitas áreas. Na área da reforma agrária, no movimento das mulheres, na questão étnica, no movimento indígena, entre outros. São movimentos sociais de relevância que, muitas vezes, criam experiências próprias e também pressionam os governos em diversos níveis para mudar as políticas públicas. No Brasil, dependendo do governo, existem espaços de mudanças e políticas públicas em transformação. Já houve

experiências interessantes de apoio público para iniciativas de baixo. Penso que esse espaço de interação é importante. Na Grã-Bretanha, esse tipo de interação é pouco comum, lá o Estado é muito fechado para influências de baixo, mesmo influências acadêmicas. O governo tem pouco contato real com as universidades e com os professores. Então este diálogo é mais forte no Brasil, e isso leva a novas oportunidades.

Universidade e ensino básico Penso que, no Brasil, existe ainda um vínculo forte entre o ensino acadêmico e o ensino básico, em parte porque muitos alunos da graduação e da pós-graduação ainda estão atuando na sala de aula dos níveis fundamental e médio. Mas não só por isso, também há uma parte expressiva de professores na área da educação muito comprometidos com a base, com as escolas, com os movimentos dos docentes etc. A experiência dos docentes do Instituto da Ciência da Educação da UFPA, por exemplo, é muito interessante, porque é um grupo que tem uma atuação intelectual teórica forte, mas também está comprometido politicamente com a melhoria da qualidade da educação. Isso ocorre em relação às políticas nacionais, tanto para o ensino superior como para a educação nas comunidades indígenas, ribeirinhas e populações tradicionais.

Saberes populares Existem, atualmente, muitas iniciativas de ensino que levam em conta os saberes das populações para as quais se voltam, embora poucas com o apoio necessário. As experiências universitárias na

área da Licenciatura Indígena, por exemplo, são fascinantes porque buscam combater a exclusão de certos grupos sociais. Trata-se de uma luta para mudar a natureza desses espaços funcionais, pensar o conhecimento e experiência de ensino e da pesquisa de outra maneira, com outra lógica epistemológica, respeitando as tradições de conhecimento dos povos indígenas e dos demais grupos à margem da sociedade.

Mercado e cidadania Não só no Brasil, mas também na maioria dos lugares, vive-se um dilema. O trabalho é uma parte importante na vida de uma pessoa, mas eu penso que os sistemas educacionais foram muito para esse lado. Precisamos repensar a educação de forma mais holística, pensar na pessoa como um todo: a criatividade, a estética e a política para formar uma sociedade mais justa.

Brasil e África Nos últimos anos, estudei bastante a questão educacional em países africanos. De alguma maneira, os problemas educacionais do Brasil e da África são parecidos, mas lá, eles são mais severos. Algumas questões são iguais, por exemplo: falta de recursos nas escolas, corrupção e desvio de verba pública. Os países africanos apresentam maiores dificuldades de construir os seus sistemas, mas não podemos esquecer que a maioria deles ganhou independência nos anos de 1960. Há um longo caminho para a reconstrução dessas sociedades, porque elas tiveram seus sistemas sociais, educacionais e políticos destruídos na fase da colonização. A educação nos países africanos reflete essas dificuldades.

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Educação na América Latina Eu diria que há uma contribuição muito forte da América Latina na área da educação popular. Você tem o exemplo venezuelano, que é de uma proposta mais socialista, e, do outro lado, tem o exemplo chileno, a partir da ditadura, que é o laboratório do neoliberalismo. Nós vemos também iniciativas interessantes realizadas por governos representativos dos povos indígenas andinos. Então, você tem uma grande variedade de experiências. Não é que não existam experiências de educação popular no resto do mundo, mas elas são muito mais significativas na América Latina, uma tradição que tem, entre os pioneiros, o educador brasileiro Paulo Freire. Educadores como ele, que pensam a educação de jovens e adultos, a educação participativa e comprometida com a justiça, buscam focos inovadores do processo de ensino-aprendizagem. Essas experiências permanecem e, apesar de sofrerem ameaças em alguns momentos, já fazem parte da tradição educacional latino-americana. Outra contribuição é o da universidade pública na América Latina, que surge com a reforma da Universidade de Córdoba, na Argentina, em 1918. Trata-se de um novo olhar, outra orientação que não é aquela da universidade torre de marfim, mas uma universidade comprometida com a comunidade, por meio não só da pesquisa e do ensino, mas, também principalmente, da extensão. Essas universidades públicas inovam também ao democratizar o acesso ao ensino superior. Essa forma de pensar a universidade pública permanece forte e é uma contribuição muito importante da América Latina para o mundo.


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Saúde

Desatentos, hiperativos e impulsivos Estudo mapeia TDAH entre escolares de Castanhal/PA Armando Ribeiro

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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é de alta incidência infantil e constitui-se como um tripé baseado na desatenção, na hiperatividade e na impulsividade, que tem efeitos negativos em diversas áreas da vida. Mapear a prevalência dele entre alunos do ensino fundamental em Castanhal (PA) foi o objetivo principal da pesquisa de doutorado do psicólogo João Paulo dos Santos Nobre. A tese Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: um estudo de rastreamento entre escolares de Castanhal/ PA foi orientada pelo professor Fernando Augusto Pontes e defendida no Programa de Pós-Graduação em Teorias e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC)/UFPA. O pesquisador conta que os três subtipos de TDAH, hoje chamados de “apresentação”, por mais que tenham uma variação em cada indivíduo,

possuem características que os distinguem. “A hiperatividade está relacionada com a agitação motora, então é aquele indivíduo que vai ficar se mexendo toda hora, que não consegue permanecer sentado muito tempo. A impulsividade se relaciona mais a aspectos emocionais, a pessoa sente dificuldade em esperar sua vez e em deixar os outros falarem, responde antes da pergunta ser concluída. A desatenção seria aquela pessoa que, mesmo envolvida em uma atividade do seu interesse, tende a se distrair”, explica João Paulo. Embora com elevada incidência, o transtorno ainda é pouco estudado no Brasil, não possuindo um protocolo padrão de diagnóstico. “Em virtude disso, muitas pessoas são diagnosticadas incorretamente, atrasando um tratamento adequado, que evitaria muito sofrimento, pois o transtorno tem um impacto enorme no desenvolvimento do indivíduo”, explica o autor da pesquisa.

“Não raramente recebo no consultório jovens e adultos que já têm histórico de terapia ou que, ao tentarem iniciar o tratamento, ouviam respostas como: ‘ele não tem nada, é coisa da idade’ ou ‘é apenas mimado’, e, ao aplicar os protocolos, percebemos que essa pessoa tem todo o padrão do transtorno”, relata o psicólogo. Prejuízos – De acordo com o professor, os prejuízos na vida de quem possui esse transtorno se manifestam em diversas áreas, implicando relações de amizade, amorosas e familiares. Mas é na vida acadêmica que eles são mais evidentes. De acordo com a pesquisa, dos 57 alunos que apresentaram características de TDAH, cerca de 42 possuíam atraso escolar. Desorganização, desatenção, trocas frequentes de atividade, confusão com os horários e perda de material são frequentes na vida de pessoas com TDAH. Todos esses fatores contribuem para

que esses sujeitos criem um estigma de incompetência e inutilidade. Por ser um transtorno crônico, João Paulo Nobre ressalta a importância de orientar a família. “Na vida familiar, a rotina fica comprometida para uma pessoa com o transtorno, ela é lenta ou agitada demais, confunde as coisas, não lembra datas e fatos importantes. Por isso é importante que a família seja avaliada com o paciente. Em muitos casos, a criança apanha porque não consegue controlar ou inibir alguns comportamentos típicos do transtorno”, alerta o psicólogo. João Paulo ainda informa que atitudes simples, como adotar regras bem estabelecidas, ter paciência ao dar comandos, auxiliar na realização de tarefas, reforçar os comportamentos positivos e exaltar as qualidades, fazem uma grande diferença à autoestima do indivíduo.

Metodologia teve como base avaliação de professores A pesquisa se realizou por meio de sorteio de 279 alunos de três escolas municipais de Castanhal, matriculados do 1° ao 9° ano do ensino fundamental. Também contou com a participação de 39 professores que responderam à Escala Swanson, Nolan e Pelham – SNAP IV, acerca do comportamento dos estudantes. A escala foi o instrumento base utilizado no mapeamento, pois ela traz os principais sintomas presentes no TDAH separados em dois grupos: a desatenção e a hiperatividade-impulsividade. “Depois de separados, eu tenho o questionário com 18 perguntas a que os professores respondem, cuja nota de corte é 6. Assim, se do 1 ao 9, eu tenho 6 itens marcados de

maneira positiva, ou seja, que esses comportamentos estão presentes naquela criança ou adolescente, isso sugere que ele tenha um comportamento de desatenção maior que o esperado. Se do 10 ao 18, eu tenho 6 itens marcados, isso sugere que ele tem um comportamento de hiperatividade-impulsividade maior que o esperado”, explica o pesquisador. Por ser uma pesquisa de rastreamento, as respostas foram obtidas com os professores, não ocorrendo contato direto com as crianças. O psicólogo fala que a tese não visa dar o diagnóstico de TDAH para os alunos, mas sim mapear características do transtorno que os instrumentos utilizados permitiram obter.

João Paulo Nobre relata que uma grande dificuldade foi o contato com os pais, que, muitas vezes, não possuíam conhecimento sobre o assunto e não se importavam com a escolarização dos filhos. “Uma das escolas da minha pesquisa ficava a quase 40 minutos de Castanhal. Era uma escola de campo e os alunos eram filhos de pessoas ligadas à agricultura, com elevado analfabetismo. Se o filho reprovava há vários anos, eles não se incomodavam”, relata. No entanto o autor informa que os pais que já vinham percebendo comportamentos fora do comum dispunham-se a assinar os protocolos e a participar da pesquisa com mais facilidade.


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Informação sobre transtorno pode transformar vidas Do total de participantes, 57 alunos (20,43%) apresentaram características do TDAH, dos quais 41 eram meninas e 16 meninos, sendo que a apresentação de maior incidência foi a desatenção, seguida pelo combinado hiperatividade-impulsividade. João Paulo chama atenção para o fato de que essa diferença entre os sexos tenha ocorrido em razão de, antes do preenchimento do formulário, algumas palestras sobre o tema terem sido ministradas, com sinalizações de qual é o padrão

de comportamento do transtorno, e isso talvez tenha refinado o olhar dos professores sobre os alunos e, como o padrão desatenção é apresentado mais por meninas, um fato pode ter levado ao outro. O pesquisador ressalta a necessidade de iniciativas que saiam das clínicas e atinjam as áreas mais carentes. “Quando fui para essa realidade mais carente, percebi o quanto ações que saiam do escritório e cheguem às massas são essenciais. Desde então, sempre que sou convidado, ministro palestra

sobre o tema. A contribuição da pesquisa independe de voltar às escolas com os resultados ou do relatório. Você já mobilizou as pessoas. Elas já foram provocadas de alguma forma. Algumas estavam ouvindo falar pela primeira vez do TDAH”, afirma João Paulo Nobre. Para o pesquisador, estudos como este trazem visibilidade ao tema e ajudam pessoas com o transtorno a superarem os estigmas que carregam. “Quando os pais olham para o fi lho e percebem que talvez ele não passe

de ano porque ele tem um transtorno, que talvez ele não fique quieto e receba muitas queixas da escola por causa de uma condição que é clínica, este aluno, que é tachado de ‘burro’ e ‘que vem à escola só porque tem que vir’, tem o curso de vida completamente modificado, porque as pessoas começam a olhar para ele de maneira diferente. Assim, o mais importante é você aprender a olhar para o outro, entender as suas limitações e ter empatia em relação ao seu sofrimento”, conclui.

INFOGRÁFICO PRISCILA SANTOS


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FOTOS ALEXANDRE DE MORAES

Entre as cidades brasileiras, Altamira é a primeira colocada em número de homicídios.

Desigualdades e exploração Programa estuda impactos causados por Belo Monte Walter Pinto

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tuando como docente do curso de Etnodesenvolvimento da Faculdade de Etnodiversidade do Campus da UFPA, em Altamira, o professor de Direitos Humanos Assis da Costa Oliveira tem vivenciado, desde 2010, a luta dos moradores dos onze municípios da região do Xingu afetados pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte, para fazerem valer seus direitos, quase sempre postergados pelo empreendedor, o consórcio Norte Energia, e pelo poder público. “O que vivenciamos durante sete anos de convivência com Belo Monte é um crescimento, a cada ano, da desigualdade social na região, especialmente em Altamira”, salienta o pesquisador. “Entre as cidades brasileiras, Altamira é a primeira colocada em homicídios. É o município onde mais se mata proporcionalmente, segundo o Atlas da Violência de 2017, com uma taxa de homicídios de 144%, bem à frente da segunda colocada, com 92%”.

Violência sempre houve no município, mas nunca em nível tão elevado, constata Assis Oliveira. A atual taxa de homicídio aponta para um crescimento muito acentuado após o início das obras da hidrelétrica. “A falta de planejamento e o descaso com as condições socioambientais, principalmente em relação aos grupos mais vulneráveis – crianças, adolescentes, mulheres, povos indígenas, populações tradicionais –, por parte dos responsáveis pelo empreendimento, acentuaram as desigualdades, a violência e os impactos contra esses grupos”, avalia. Pair-Xingu – O pesquisador coordena o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes - o Pair-Xingu, da UFPA, voltado para o estudo do processo de precarização das condições de vida daqueles segmentos vulnerabilizados, condições acentuadas com a implantação de grandes empreendimentos na região.

Segundo o pesquisador, o foco inicial das discussões dentro do Pair foi dar visibilidade para uma demanda crescente de impactos às crianças e aos adolescentes, centrada na discussão da violência sexual e da necessidade de enfrentamento das doenças sexualmente transmissíveis. Mas logo o foco se expandiu ao agregar outras formas de violências, entre as quais, a fragilidade das famílias, a falta de política de segurança pública, a dificuldade de acesso à escola, enfim, diferentes fatores que potencializam a ocorrência da violência sexual. “Desenvolvemos uma metodologia de fortalecimento das políticas públicas na região do Xingu, com vista ao combate da incidência de doenças sexuais entre crianças e adolescentes, buscando evidenciar, com base em diagnósticos, o tamanho da demanda”, explica Assis. “Há muitos casos que não chegam à rede de proteção. Precisamos, então, visibilizá-los com outros atores locais, entre os quais agentes de saúde, moradores, moto-taxistas e funcionários de hotéis”, afirma.


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Sociedade Seminários, enfrentamento e necessidade de respostas Com base nos diagnósticos, os pesquisadores promovem seminários em que buscam construir planos de enfrentamento das doenças sexuais nos municípios impactados pelas obras de Belo Monte. Nesses encontros, eles também discutem os impactos e a necessidade de respostas de médio e de longo prazos aos problemas, sem perder de vista a responsabilidade do consórcio empreendedor, a Norte Energia. Em todos os onze municípios do Xingu, constatou-se que o consórcio tem parcela de responsabilidade nos novos fluxos de demandas, desde 2010. “Nossa preocupação vem sendo sempre a de assegurar uma sustentabilidade das políticas públicas, pensando já no declínio do empreendi-

mento e na permanência dos índices sociais que estão num patamar muito acima daquele que se visibilizava antes da construção da hidrelétrica e que vão mudar, porque as populações afetadas continuarão a ter um nível, de certo modo, estagnado de crescimento”, alerta Assis Oliveira. “A nossa perspectiva é sempre visibilizar e valorizar a população local, os arranjos produtivos locais e obviamente as demandas sociais que as populações têm e precisam ser valorizadas como garantia de direitos humanos e de cidadania, independente da chegada ou não de grandes empreendimentos”, informa o pesquisador. “As políticas públicas nos contextos dos grandes empreendimentos passam a se traduzir em condicionantes

socioambientais, ou seja, você sai de uma esfera de atendimento pelo Estado e chega à esfera de atendimento por um empreendedor privado, que fará o que o Estado deveria ter feito muito antes”. Em Altamira, por exemplo, segundo Assis Oliveira, 100% do saneamento básico foram instalados pela Norte Energia, ou seja, somente após 104 anos de história é que o município passou a disponibilizar de um direito que precede ao empreendimento. A atuação do Pair-Xingu com crianças e adolescentes vem acumulando uma experiência prática e teórica que pode e deve servir de baliza para outros empreendimentos semelhantes ao de Belo Monte. “Queremos garantir, de maneira prévia, antes

LiVrOs FaZeM aLerTa Recentemente, o Pair-Xingu publicou três livros em que relata as experiências de seus pesquisadores com diversas questões ligadas aos problemas causados por grandes empreendimentos na Amazônia, nacional e internacional. O primeiro dele, Belo Monte: violências e direitos humanos,, de Assis da Costa Oliveira, traz artigos escritos entre 2013 e 2016, que contam como os direitos de crianças, adolescentes, mulheres, juventude, populações negras e tradicionais foram impactados pela construção da hidrelétrica no rio Xingu. O segundo, Crianças e adolescentes: violência sexual e políticas públicas no contexto da região do Xingu,, reúne reflexões de pesquisadores no âmbito do Pair, sobre o caminho percorrido ao longo da execução do projeto, de modo a possibilitar, entre outros objetivos, a disseminação e o intercâmbio de informações e experiências. A terceira obra, Impactos sociais de empreendimentos econômicos nas condições de vida e direitos de crianças e jovens,, organizada por Assis Oliveira, Flávia Scabin, Estela Scandola e Jaris Mujica, traz textos apresentados na II Bienal Latino-Americana de Infância e Juventude, em Manizales, Colômbia, em 2016, e discute a lógica de produção de impactos sociais em crianças, adolescentes e jovens, no contexto de empreendimentos de grande escala na América Latina.

da implantação de qualquer outro empreendimento, as demandas sociais, as políticas públicas, o fortalecimento do território, a redução dos impactos, por meio de uma série de medidas que necessitam ser incorporadas nos espaços de decisão desses empreendimentos. Tais medidas precisam, inclusive, garantir direitos para crianças e adolescentes. Nossa discussão pretende justamente visibilizar isso, com base em estudos que possam pressionar, com vistas à mudança nestes cenários”, afirma Assis Oliveira. Para os pesquisadores do Pair, há que se entender que é preciso valorizar e levar em consideração o planejamento do desenvolvimento com a população local, nos seus mais diversos matizes.


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A História em novos formatos Webdoc faz homenagem com áudio, imagem, vídeo e texto Renan Monteiro

A O Mirante do Rio, inaugurado recentemente, é um dos espaços favoritos dos alunos da Universidade.

facilidade, cada vez maior, em consumir conteúdos midiáticos é uma característica de nossos tempos. Na internet, as informações circulam de diferentes formas, seja em som, seja em imagens, seja em textos, e isso influencia outros meios de comunicação. No mundo on-line, a mídia sonora ganha recursos em outras linguagens, uma característica de um cenário de comunicação multimidiático. Para saudar os 60 anos da Universidade Federal do Pará, a Rádio Web UFPA, da Faculdade de Comunicação (Facom), criou um webdocumentário com caráter mul-

timídia. Experimental e criativo, o WebDoc UFPA 60 anos surgiu de uma discussão entre os jornalistas e os bolsistas da Rádio Web, estudantes do curso de Comunicação Social e mescla diferentes linguagens: áudio, imagem, vídeo e texto. O projeto está dividido em seis tópicos, que abordam diferentes aspectos da trajetória da Universidade. O primeiro tópico, Radiodoc UFPA 60 anos, está dividido em seis capítulos, que tratam do contexto histórico de criação da Instituição, passando por questões como a sua instalação em 1957 e o seu papel no período da Ditadura Militar. Além disso, há programas que abordam o marcante processo

de interiorização e também o tripé pesquisa, ensino e extensão, essencial na Universidade. Já o tópico Memórias UFPA, mais imagético e textual, é constituído por extensas linhas do tempo da trajetória histórica da Universidade, dos reitores e dos estatutos da UFPA. Além disso, ganham destaques os professores eméritos, como Benedito Nunes, Clara Pandolfo e Violeta Loureiro, reconhecidos pelos seus importantes serviços na Instituição; e os doutores Honoris Causa, personagens que foram destaques em áreas ou temas importantes para a Academia, como Maria José P. Deane, Vicente Salles e Dom Luís Azcona. ALEXANDRE YURI


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Seção UFPA de Todos reúne grupos que compõem a UFPA A seção UFPA de Todos é formada por entrevistas em vídeos, com personalidades tratando das diferentes entidades ou categorias que representam os grupos da Universidade, bem como suas memórias. Há entrevistas com docentes, técnicos-administrativos, estudantes quilombolas, estrangeiros, indígenas, entre outros; há também entrevista com diretores dos institutos, com professores como Edilza Fontes, pesquisadora do Instituto

de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), que estuda a memória da Universidade, e servidores como Nazaré Cardoso, a funcionária com maior tempo de atividade na UFPA. “Uma coisa que nós aprendemos e tentamos transmitir durante esse processo foi que a Universidade é uma instituição que não tem só uma história. Existe a história oficial, que está nos documentos, mas a história da UFPA é construída por muitas

pessoas, é isso que queríamos ressaltar. Não é contar a trajetória dos reitores em uma linha do tempo que vai mostrar a história da Universidade. Nós queríamos contar as histórias dos professores, dos alunos, dos servidores, de diferentes pontos de vista, e valorizar essas trajetórias”, ressalta Fabricio Queiroz, um dos jornalistas responsáveis pelo projeto. O We b D o c t a m b é m apresenta uma proposta mais

interativa e dinâmica com a seção #EuNaUFPA. Nesta seção, professores, alunos e técnicos falam de suas experiências na Universidade, de seu dia a dia ou dos lugares de que mais gostam dentro da Cidade Universitária do Guamá, como a beira do rio, os bosques ou o chalé de ferro. O outro tópico, Sons da UFPA, é criativo ao exibir sons característicos da Instituição, como o cair da chuva, os latidos dos cachorros e as ondas do Rio Guamá.

Projeto vivo com colaboração e participação do público Os responsáveis pelo produto estão planejando torná-lo colaborativo e estabelecer uma rotina de atualização com, por exemplo, novas reportagens de outros aspectos da UFPA que não foram expostos nos tópicos já produzidos. “A ideia é ser um projeto vivo. Então, se houver novas informações históricas, novas pesquisas ou maior participação do público nas redes sociais, isso vai sendo agregado ao produto continuamente”, destaca Fabrício Queiroz. Com uma identidade diferenciada das rádios tra-

dicionais, os conteúdos das rádios web podem permanecer disponíveis ao público independente do horário ou do dia, mesmo depois de sua exibição. O acesso ao acervo de áudio da Rádio Web UFPA foi implantado em 2010 e, desde então, os produtos da Rádio têm essa característica. Sendo assim, o WebDoc pode somar com outros acervos sobre a história da Universidade. “Assim como fizemos em relação às eleições para a Reitoria da UFPA, os 400 anos de Belém e os 40 anos da Faculda-

eM cOnsTrUÇãO As pessoas podem compartilhar e registrar no WebDoc as suas histórias, o seu cotidiano, os pontos de que mais gostam na UFPA por meio de fotos e vídeos. Para isso, basta publicar o material nas redes sociais e marcar a hashtag #EuNaUFPA. Assim o conteúdo pode ser monitorado e disponibilizado no tópico. Para conhecer o projeto, acesse radio.ufpa.br/webdoc60

de de Comunicação, o WebDoc ficará disponível, porque essa é a filosofia do nosso trabalho: preservar os conteúdos para que sirvam como fontes de pesquisa no futuro”, revela Fabrício. Outro fator importante do Projeto é a proposta da comunicação inclusiva. As múltiplas mídias em uso no WebDoc estão adaptadas para o consumo do público com necessidades especiais. Fabrício Queiroz descreve o funcionamento: “nós pensamos, por exemplo, em tornar acessível para surdos

os produtos de áudio e vídeos. Nos áudios, os roteiros estão descritos, e, nos vídeos, há closed caption (legenda oculta). As fotos publicadas no site têm audiodescrição para as pessoas cegas. Enfim, como parte de uma instituição pública, nos colocamos este desafio: fazer uma comunicação para todos e aprender essa experiência”. O WebDoc UFPA 60 anos foi uma proposta nova e um trabalho coletivo que, segundo Fabrício, desafiou os seus membros a fazerem algo a que não estavam habituados.


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Resenha Panorama do falar amapaense ALEXANDRE DE MORAES

Walter Pinto

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m atlas linguístico tem por finalidade registrar a diversidade na forma de falar do povo de uma região geograficamente definida. No Brasil, a língua portuguesa apresenta diversidades que estão relacionadas, entre outros aspectos, às diferentes formas de colonização das regiões. Não há uma língua portuguesa padronizada, única, falada do Oiapoque ao Chuí, ou seja, do extremo norte ao extremo sul. Nem mesmo dentro dos limites de cada região, ou mesmo de cada Estado, há uma uniformidade de falares. Nossa língua vem sofrendo mutações linguísticas, desde que passou a ser adotada, pela força do conquistador português, como língua oficial. A primeira experiência para registrar as diferentes formas de falar o português no Brasil vem do Período Colonial, quando, em 1826, o escritor, advogado e político baiano Domingos Borges de Barros, o Visconde de Pedra Branca, produziu um glossário em que destaca várias palavras surgidas do contato linguístico entre colonos e indígenas. O primeiro atlas linguístico brasileiro – Atlas prévio dos falares baianos – foi publicado em 1963, por Nelson Rossi. Teve por objetivo realizar o mapeamento dos falares baianos, compreendido como português falado pela população de um extenso território, bem superior ao Estado da Bahia, que abrange, além da Bahia, as regiões do Estado de Sergipe, norte de Minas, leste de Goiás e do atual Tocantins. A partir de 1996, com o lançamento do Projeto “Atlas Linguístico do Brasil”, houve um aumento significativo de publicações de atlas regionais e estaduais por todo o país, assim como, no meio acadêmico, as pesquisas de cunho geossociolinguístico ampliaram-se. Na Região Norte, aos dois primeiros atlas publicados – o Linguístico sonoro do Estado do Pará e o Linguístico do Estado do Amazonas – veio somar-se o Atlas linguístico do Amapá, publicado em 2017, fruto do trabalho conjunto desenvolvido pelo pós-doutor em linguística pela Université de Toulouse e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Letras da

UFPA, Abdelhak Razky, pela doutoranda em Linguística pela UFRJ e docente da UNIFAP, Celeste Maria da Rocha Ribeiro, e pelo doutorando pela UFPA e colaborador do Projeto Atlas linguístico do Brasil, Romário Duarte Sanches. O Atlas linguístico do Amapá é um atlas pluridimensional, que apresenta aspectos da variação dos dialetos e as novas palavras formadas em decorrência da convivência entre os grupos sociais, da qual resultam as gírias e os jargões, por exemplo. Seus autores explicam que ele se insere no método geolinguístico, que tem como referência o projeto do Atlas linguístico do Brasil. O trabalho teve início em 2011, com o treinamento de acadêmicos da UNIFAP que atuariam como inquisidores. A coleta de dados foi realizada entre 2012 e 2014, tendo sido ouvidos quarenta informantes, distribuídos por dez localidades do Amapá (Macapá, Santana, Mazagão, Laranjal do Jari, Pedra Branca do Amapari, Porto Grande, Tartarugalzinho, Amapá, Calçoene e Oiapoque). Contendo 286 páginas, o Atlas linguístico do Amapá é formado por 16 cartas fonéticas, que “expõem a unidade

e a diversidade dos principais fatos fonético-fonológicos que caracterizam os falares do Norte, tais como a realização das vogais médias pretônicas, do /S/ em coda silábica, dos ditongos decrescentes e da nasal palatal, entre outros”, como informa, na introdução da publicação, a professora da Universidade Estadual de Londrina, Vanderci Andrade Aguilera, uma das maiores estudiosas da área da Geolinguística do Brasil. Aguilera ressalta o rigor científico da equipe, que, enfrentando “os riscos e as adversidades normais que cercam a elaboração de trabalho dessa natureza”, não deixou que a ideia se apagasse, atuando de forma “consciente e bem estruturada”, tendo “finalizado em prazo relativamente curto, se considerarmos a duração de projetos semelhantes”. De acordo com o Censo do IBGE de 2010, o Amapá tem 669 mil habitantes, distribuídos em 16 municípios. Segundo os autores, a formação da sociedade amapaense foi construída por meio de “migrações bastante diversificadas etnicamente, resultando em uma mistura de hábitos, costumes, tradições, dialetos, formas de organização, de interação com o meio ambiente e com as pessoas”. O Atlas linguístico do Amapá possibilita vislumbrar o panorama da realidade linguística do Amapá, buscando contribuir para o entendimento mais coerente da língua e de suas variantes e preocupando-se também em eliminar a visão distorcida que tende a privilegiar uma variante, geralmente a mais culta, e estigmatizar as demais. Seus autores acreditam que ele também contribuirá para que “se efetive um ensino pautado na variação linguística, visto que, com o conhecimento da realidade linguística regional, o professor torna-se mais capacitado para identificar parâmetros e peculiaridades sociais e geográficas da língua, em consonância com os usos locais, servindo de modelo no processo ensino-aprendizagem da língua materna”. Serviço - Atlas linguístico do Amapá. Abdelhak Razky, Celeste Maria da Rocha Ribeiro e Romário Duarte Sanches. Ed.Labrador Universitário, 2017.


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A Histรณria na Charge

#minhaufpa



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