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ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXXii • N. 139 • oUTUBro e NoVeMBro de 2017

As joias contemporâneas da Amazônia Páginas 6 e 7.

Nesta edição • Jogo eletrônico promove educação ambiental. • Enactus incentiva práticas de empreendedorismo social.


UNiVeRsidade FedeRaL do PaRÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Amanda Nogueira, Gabriela Bastos e Renan Monteiro (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Alexandre de Moraes e Alexandre Yuri Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Ilustrações: Walter Pinto (561-DRT/PA) e Priscila Santos (CMP/Ascom) Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Rômulo Simões Angélica Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitor de Relações Internacionais: Horacio Schneider Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Karla Andreza Duarte Pinheiro de Miranda Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Secretário-geral do Gabinete: Marcelo Galvão Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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ados divulgados pelo Ministério da Saúde, em março deste ano, revelam que caiu o número de cesarianas realizadas no Brasil. O governo tem investido em novas diretrizes de assistência ao parto normal, mas ainda faltam informação e infraestrutura adequada para pacientes e profissionais da saúde. O artigo da seção Opinião, assinado pela enfermeira Renata Diniz Aires, discute justamente a importância de devolver às mulheres o protagonismo no momento que será lembrado como um dos mais marcantes da sua vida. Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes/ICA) faz reflexão sobre o processo de criação de designers de joias da Amazônia. O Polo Joalheiro do Pará foi o lócus da pesquisa, e o autor analisou as suas próprias peças. A vivência pessoal e a cultura local determinam diretamente aquilo que servirá de inspiração para o criador. O reitor Emmanuel Zagury Tourinho, eleito presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), fala sobre o que tem sido feito em defesa das IFES, que sofrem com o contingenciamento de recursos. Leia também: Jogo eletrônico promove educação ambiental em Ananindeua; Alunos da UFPA se destacam com projetos de empreendedorismo social; O Beirinha, edição voltada para o público infantojuvenil, está disponível em versão eletrônica.

Rosyane Rodrigues Editora

Nesta Edição A assistência ao parto centrada na mulher ...........................4 Educação ambiental nas escolas ........................................5 Joalheria contemporânea ................................................6 Time Enactus colhe bons resultados ...................................8 Todos a favor das universidades ..................................... 10 Cor e hierarquia ......................................................... 12 Do Quilombo à Universidade ........................................... 14 Conciliar verde e concreto ............................................. 16 Exploração Sexual & Tráfico de Pessoas .............................. 18

Detalhe de porta e de azulejo português em prédio histórico na cidade de Bragança (PA). Foto Alexandre de Moraes.


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Acervo Pessoal

Opinião A assistência ao parto centrada na mulher

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radicionalmente, os cuidados com o parto e com o nascimento eram realizados por mulheres popularmente conhecidas como parteiras. Eram avós, vizinhas, comadres, mulheres que detinham um saber empírico sobre o nascer. Os partos eram manifestações gritantes de vida, da natureza impressa no corpo das mulheres. Entretanto, a partir do séc. IX, com os avanços tecnológicos e a criação extensiva de Faculdades de Medicina e Residências em Obstetrícia, o parto começou a sofrer um processo de institucionalização, marcando, assim, o início de uma Era de medicalização dos processos reprodutivos. A assistência ao parto cercada de intervenções começou a se difundir baseada em consensos e práticas de rotina, sem embasamento científico. A pelve feminina era estudada matematicamente numa tentativa de controlar um fenômeno de dimensão impalpável, buscando-se criar padrões para os corpos de mulheres, tão diferentes umas das outras, resultando em nascimentos semelhantes a produções em série. Neste contexto, o parto normal era preenchido de práticas abusivas e violentas (violência obstétrica), como o isolamento, a perda de privacidade, os gritos e os constrangimentos, o uso de soros para acelerar as contrações, os cortes no períneo, os empurrões na barriga etc. Apesar de os avanços da Medicina terem contribuído positivamente para a diminuição das mortalidades materna e infantil, esses avanços trouxeram consigo o ônus de transformar a mulher em uma figura passiva. A cesárea “indolor e inofensiva”, que deveria ocorrer em casos específicos, com o objetivo de salvar vidas, acabou sendo banalizada. Hoje, o Brasil lidera o ranking na América Latina em números de cesáreas sem real indicação. Em contraponto a esse contexto intervencionista e hospitalocêntrico, sob forte influência dos movimentos

Bas Silderhuis / Free Images

de mulheres e profissionais insatisfeitos com a assistência prestada, surge no Brasil uma nova proposta de assistência ao parto. Essa proposta foge do modelo tradicional, eleva a mulher à condição de protagonista e tem como foco proporcionar uma experiência positiva de parto e nascimento: a assistência humanizada e respeitosa centrada na mulher. O parto humanizado é amparado por três pilares fundamentais: a informação, o consentimento e a autonomia. Todos os cuidados prestados baseiam-se nas melhores evidências científicas disponíveis, os procedimentos devem ser explicados e consentidos quando há uma real indicação de aplicabilidade, os profissionais devem respeitar a autonomia da mulher em fazer escolhas informadas. Respeitar seu tempo e seus limites, seus medos e desejos, seus anseios e suas expectativas. Paciência, respeito, empatia e domínio do conhecimento científico são conceitos chave para prestar assistência individualizada, respeitosa e centrada nas necessidades de cada mulher. O resgate do parto natural tem sido amplamente discutido. Apesar de a violência obstétrica e a banalização da cesárea eletiva ainda serem uma realidade, também vemos, hoje, mulheres cada vez mais empoderadas, buscando informações, escolhendo criteriosamente como, onde e com quem desejam parir, seja no hospital, seja numa casa de parto, seja até mesmo em seu domicílio. Nesta árdua empreitada de retomada do protagonismo feminino no parto, novos atores vêm ganhando espaço na assistência à gestante: os enfermeiros obstétricos e obstetrizes (profissionais habilitados para assistência ao parto de baixo risco) e as doulas (acompanhantes profissionais que prestam conforto físico e emocional às mulheres, mas não realizam qualquer tipo de procedimento técnico). A assistência ao parto centrado na mulher devolve à mãe o controle sobre seu corpo, seu ritmo, seu tempo e suas escolhas. Ela é tratada de forma carinhosa, desfruta da companhia das pessoas que escolheu para vivenciar esse momento com ela, pode caminhar, comer, dançar, buscar a posição mais confortável para parir, tendo papel ativo em todas as etapas. As mulheres desejam acolhimento em suas múltiplas individualidades e liberdade de escolha entre múltiplas possibilidades. As tecnologias médicas salvam vidas todos os dias, mas precisam ser aplicadas corretamente e direcionadas a quem realmente precisa. Em tempos em que direitos fundamentais estão sendo questionados, vale ressaltar: para mudar o mundo, é necessário, primeiramente, mudar a forma de nascer. Renata Diniz Aires - enfermeira do Programa de Especialização em Enfermagem Obstétrica da UFPA, educadora perinatal e ativista da Humanização do Parto e Nascimento. E-mail: enf_renataaires@hotmail.com


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Ananindeua Fotos Acervo do Pesquisador

Educação ambiental nas escolas Jogo eletrônico aproxima discussão de crianças do ensino fundamental Amanda Nogueira

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rocurando conscientizar crianças sobre os problemas ambientais, alunos do Bacharelado em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Pará, no Campus Ananindeua, criaram o jogo educativo Sábio. Ele foi pensado como um recurso didático para ser utilizado por professores do ensino fundamental, como facilitador para discussão de questões ambientais. Orientada pela professora Eliene Lopes, a equipe, formada por Verena Ribeiro, Beatriz Veras, Francisco Costa, Levi Pacheco e Ney Cristina Oliveira, desenvolveu o jogo como atividade final para o projeto integrado das disciplinas Ciência Ambiental, Metodologia da Pesquisa Científica e Tecnológica e Introdução à Ciência e Tecnologia. “Os estudantes associam os conhecimentos dessas disciplinas e selecionam os temas de suas pesquisas conforme

suas aptidões e interesses”, explica a professora. O Sábio tem como objetivo alertar sobre a importância de preservar o meio ambiente com ações do cotidiano. “Estávamos estudando Ciência Ambiental, a poluição do solo e das águas, quando tivemos a ideia de utilizar esse conhecimento para criar o jogo”, afirma a aluna Verena Ribeiro. De acordo com Verena, o Sábio possui esse nome porque a sua missão é transmitir sabedoria. “Também esperamos que o jogo contribua para mostrar o potencial dos alunos do Bacharelado em Ciência e Tecnologia, proporcionando oportunidades de estágios e trabalhos futuros”, afirma a professora Eliene. O jogo é composto por quatro fases, nas quais o jogador precisa vencer os inimigos e, ao final de cada etapa, recebe uma mensagem com informações ambientais relacionadas à região do Pará. Além das fases, o jogo possui uma aba que

ensina como fazer a coleta seletiva: indica as cores correspondentes a cada material e onde descartar cada um deles. O jogo, que já foi apresentado no Encontro de Ciência e Tecnologia do Campus Ananindeua, está disponível para download gratuito na Google Play e na Chrome Web Store, podendo ser usado em qualquer tipo de computador.

O município de Paragominas, a Feira do Paar e a Avenida Nazaré, em Belém, são cenários em diferentes fases do jogo.

Cenários conhecidos tornam a interface mais atraente A aluna Verena Ribeiro foi a responsável pelo desenvolvimento do jogo. “Fiquei com a parte do desenvolvimento porque eu já tinha experiência na área de tecnologia. Cada componente da equipe foi responsável por elaborar uma fase”, explica a estudante. Para definir o nível de dificuldade de cada fase, a equipe contou com a colaboração da pedagoga Janise Viana, também do Campus Ananindeua. As fases possuem como cenários locais conhecidos por

seus problemas ambientais. “Na primeira fase, mostramos Paragominas, que já foi o município com mais desmatamento da Região Norte. Os inimigos dessa fase são o fogo e os tratores que desmatam as florestas”, explica Verena. A segunda fase tem como tema a poluição do ar. O cenário é a Avenida Nazaré, com seu trânsito intenso. Nessa fase, o jogador precisa vencer o dióxido de carbono (CO2) que sai dos veículos. A terceira fase aborda a poluição do solo, e o cenário

escolhido foi a Feira do Paar. Aqui, os inimigos são o chorume e os ratos associados ao lixo. Por fim, na última e mais difícil fase, o jogador precisa combater os detritos presentes na água de Outeiro. O Sábio foi testado em uma visita à Escola Rainha da Paz, em Belém, com um grupo de 17 alunos, com idades entre 9 e 11 anos. A equipe teve a possibilidade de apresentar o jogo para as crianças e exibir um vídeo sobre conscientização ambiental. “A receptividade

foi muito boa, pois as crianças já possuíam uma noção sobre reciclagem e alguns problemas ambientais”, afirma Verena Ribeiro. “Um dos principais resultados do trabalho é a certeza de que os estudantes envolvidos nesse projeto se tornaram mais conscientes do seu potencial como agentes de transformação social”, afirma a professora Eliene Lopes. A equipe pretende expandir e atualizar o jogo para introduzi-lo em outras escolas.


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Amazônia

Joalheria contemporânea Pesquisa reflete sobre o processo de criação de designer local Amanda Nogueira

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Abaixo, o conjunto

Perpétua,

inspirado em referências pessoais: as flores cultivadas pela avó de Jorge Duarte.

efletir sobre a criação de joias na Amazônia e compreender o processo criativo de designers e criadores foram os principais objetivos do pesquisador Jorge José Pereira Duarte ao escrever a dissertação Lapidação criadora na joalheria contemporânea da Amazônia: processo criativo de um designer de joias, a p r e s e n t a d a n o Pr o g r a m a d e Pós-Graduação em Artes da UFPA (PPGArtes/ICA), sob orientação do professor Miguel Santa Brígida. A pesquisa foi realizada no Polo Joalheiro do Pará, local em que Jorge Duarte produz as suas próprias peças. Ao analisar as joias, ele observou quais ele-

mentos foram utilizados: se eram pessoais ou da cultura local. “O trabalho gira em torno disso: uma reflexão sobre esse processo de criação”, explica. A abordagem da pesquisa teve dois vieses principais: a Sociologia Compreensiva e a Etnocenologia. Ambas falam do processo de criação da joia usando a premissa da espetacularidade e do extracotidiano na contemporaneidade, ou seja, do que entendemos como as relações contemporâneas, tanto pessoais quanto sociais. Para a análise, Jorge Duarte criou um método que possui a forma da lapidação de um diamante e dividiu-o em três bases: a pessoal, as nossas memórias afetivas, o que temos como construção pessoal e

particular; as influências locais, tudo aquilo que nos envolve como ambiente urbano e natural, a fauna, a flora e a geografia presentes em nossa cidade; a social, a nossa construção como coletivo e os nossos sentimentos em relação ao todo. Um dos exemplos usados foi o Círio de Nazaré, pelos sentimentos de união, de coletividade e de fé que inundam a cidade de uma forma coletiva e social. “A analogia que eu criei foi pensando que, quanto mais facetas eu utilizo para minha criação, mais brilho ela vai ter, assim como ocorre na lapidação do diamante, já que quanto mais facetas o diamante possui, mais brilho terá. Foi uma analogia poética que eu fiz para esta análise”, explica o autor. Fotos Alexandre Yuri


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Três peças foram elaboradas com a nova metodologia Primeiramente, Jorge Duarte analisou suas peças que já haviam sido produzidas. Com o esquema elaborado, ele não somente criou uma metodologia de compreensão do processo criativo, como também gerou outras três peças utilizando a ferramenta: um conjunto inspirado no fruto açaí, outra peça com foco nas práticas ribeirinhas e outro conjunto com uma forte referência pessoal. Jorge Duarte explica que o conjunto inspirado no açaí, intitulado Fruto da Terra, possui uma potência altamente local, já que a peça trata de elementos que existem na nossa natureza, não somente o fruto do açaí como também a tapioca, que é retirada da mandioca. A joia também possui uma influência cultural, que, no caso, é o manejo do açaí, ao transformar o fruto em polpa, e a cadeia de produção da farinha de tapioca, desde a mandioca, como elemento natural, até a sua transformação no produto que consumimos. “Esta prática cultural de consumir o açaí com a farinha de tapioca é uma tradição nossa e envolve, também um pouco, a potência social”, avalia o pesquisador. A segunda peça tem uma potência social evidente. Com o nome de Maresia, ela traz como inspiração os nossos ancestrais indí-

genas, que utilizam os barcos como meio de transporte e de aproximar as pessoas. “Nos barcos, surgem as conversas, as histórias, as vivências dos ribeirinhos. Esse barco acaba sendo um meio de comunicação, um meio de interação social”, esclarece o pesquisador. O terceiro conjunto desenvolvido possui uma forte questão pessoal, sendo batizado de Perpétua. “Ele foi inspirado na minha avó, nas flores que ela cultivava no jardim, os jasmins de Santo Antônio. Por causa disso, as peças ganharam o nome dela”, conta Jorge Duarte. “Por mais que se recorra a uma potência altamente pessoal para criar, como nesse caso, existem pontos que coincidem entre as vivências particulares dos indivíduos, aproximando, assim, as histórias de vida. Isso acaba sendo a atração da peça, pois, mesmo sendo uma referência tão particular minha, muitos podem se identificar com ela”, explica. Em cada uma das peças criadas, Jorge buscou evidenciar técnicas utilizadas na fabricação de joias no Polo Joalheiro do Pará. No primeiro exemplo, foi utilizada a esmaltação translúcida a frio, desenvolvida pela designer Helena Bezerra, que transforma em joia materiais diversos, como, no caso, a farinha de tapioca. Na segunda

Uso de material regional faz a diferença no Polo Joalheiro As peças que foram fabricadas antes da elaboração da estrutura de diamante foram todas desenvolvidas durante os cinco anos de atuação do pesquisador no Polo Joalheiro como designer de joias para a empresa HSCriações & Design. “Nesses projetos que eu desenvolvo como criador, procurei compreender e identificar os pontos em comum entre eles. Foi a minha prática como designer que fez surgir essa teoria e o meu método como pesquisador. Minha

experiência prática com a criação foi a fonte inicial para este estudo”, relata Jorge. No Polo Joalheiro do Pará, as peças envolvem diversos materiais regionais, como osso, chifre, madeiras e sementes. “Esse é um dos grandes diferenciais das peças do Polo. São os materiais regionais, as experimentações e as técnicas de produção inovadoras, com as inspirações e os métodos de criação que tornam a produção joalheira do Pará única”, avalia Jorge Duarte.

peça, foi evidenciada a técnica de lapidação diferenciada, da lapidária Leila Salame, que traz nas gemas a presença dos grafismos marajoaras, forte referência de nossos ancestrais indígenas. No último exemplo, é utilizada a técnica de incrustação paraense, que consiste na esmaltação de alta resistência em metais com pigmentos variados, trazendo um colorido singular às joias. Essa técnica é utilizada por diversas empresas e designers atuantes no Polo Joalheiro do Pará.

DO prOJETO aO prODuTO A joia possui muitos processos até a sua criação. O designer cria, faz a pesquisa e desenvolve o projeto. O lapidário faz a lapidação das gemas. O artesão traz a experiência de manipulação dos insumos locais com alto nível de qualidade e acabamento. O ourives, que é o artesão dos metais, executa o projeto idealizado pelo designer. A criação só é possível com a participação de todos esses profissionais.

No conjunto

Fruto da Terra, o designer transformou em joia dois elementos da cozinha regional: o açaí e a farinha de tapioca.


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Extensão

Time Enactus colhe bons resultados Alunos comandam quatro projetos de empreendedorismo social Renan Monteiro e Rosyane Rodrigues

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Enactus é uma organização internacional sem fins lucrativos, com o objetivo de fazer estudantes e executivos de empresas privadas terem ações empreendedoras e criarem projetos de desenvolvimento social. Essa organização está presente em 36 países. No Brasil, são mais de 90 times cadastrados. Na Universidade Federal do Pará, o Time Enactus é formado por estudantes de diferentes áreas e um professor conselheiro. Os Times Enactus nascem normalmente da iniciativa de alunos ou de alguma instituição. Na UFPA, houve um grupo de universitários, de vários cursos, que, em 2014, sabendo da existência da Rede Enactus no Brasil, resolveu formar um time na Instituição.

A estrutura do Time assemelha-se ao de uma organização. Há o presidente, os líderes de projetos, os diretores, os líderes de área e outras divisões estabelecidas pelos alunos. Há um manual da Rede que estabelece essa hierarquia e, anualmente, há eleição entre os membros para que os cargos sejam ocupados. Atualmente, o Time UFPA coordena quatro projetos de empreendedorismo social. José Augusto Lacerda Fernandes é professor do Instituto de Ciências Aplicadas (ICSA) e do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e, há mais de um ano, ocupa o cargo de professor conselheiro do Time. “No Enactus, os alunos aprendem mais do que aprenderiam em um estágio. O Time faz o aluno correr atrás, exige capacidade de autogestão e de autonomia”, afirma o professor.

O grupo é autogerido e não é institucionalizado. A verba para o Time Enactus vem da iniciativa dos alunos, que, para custear e manter os projetos ativos, fazem rifas e bazares, procuram patrocínios de empresas e participam de simpósios, editais e do Encontro Nacional da Rede Enactus Brasil. O Encontro Nacional reconhece os melhores projetos de empreendedorismo social desenvolvidos por universitários de todo o país. O evento possui vários níveis e categorias de competição. Há prêmios como melhor professor do ano, melhor aluno, destaque na área de responsabilidade social, time revelação, entre outras categorias. Os times apresentam seus projetos e são selecionados para a próxima fase até chegarem à fase final. O time vencedor do Encontro Nacional representa o Brasil no campeonato mundial.

Prêmio traz reconhecimento, mas não é objetivo central Abaixo, publicações do Time na sua conta oficial no Instagram, em diferentes atividades.

Em 2017, a cidade do Rio de Janeiro recebeu a disputa entre os Times do Brasil. O time vencedor representará o Brasil em Londres, na disputa com times de outros países. O Time Enactus da UFPA ficou em terceiro lugar na classificação geral.

“Por muito pouco, nós não fomos os vencedores. Foi uma experiência fantástica e de grande reconhecimento para todos nós”, ressalta o professor Augusto. Augusto frisa que o objetivo principal do Enactus é o

empreendedorismo social, “se não conseguirmos ganhar nenhum campeonato, mas melhorarmos a vida das comunidades atendidas pelos projetos, é isso o que realmente importa”. Em anos anteriores, o Time UFPA já obteve o prêmio


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de responsabilidade social e o de Reconhecimento para Times Iniciantes. Além do campeonato, a Rede Enactus lança editais específicos, em parceria com empresas. Em determinada ocasião, uma empresa procurava um destino para as em-

balagens de pesticidas, e a Rede Enactus Nacional lançou um edital em parceria com essa empresa para que os times do Brasil propusessem soluções para o problema. O Time UFPA participou do edital e ficou em segundo lugar, ganhando uma quantia em dinheiro.

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A organização Enactus Brasil também realiza o Simpósio de Empreendedorismo Social, no qual os alunos apresentam pesquisas feitas sobre o tema. Na última edição do evento, o Time Enactus UFPA apresentou mais de 20 artigos e tinha uma das maiores delegações presentes.

Quem são Cíclica, Fiero, Costuraê e Amanakatu? Para que o time Enactus possa existir, ele deve ter projetos de empreendedorismo social que visem à melhoria de condições de vida da comunidade. Na UFPA, o Time Enactus desenvolve os Projetos Cíclica, Fiero, Costuraê e Amanakatu. Projeto Cíclica: tem como objetivo principal melhorar as condições de trabalho dos catadores de materiais recicláveis do Centro de Triagem do Canal São Joaquim, em Belém. O projeto oferece capacitação profissional, com treinamentos em segurança no trabalho, manuseio de resíduos, preparo para o reaproveitamento de materiais, aperfeiçoamento da gestão das cooperativas, entre outros temas. Além disso, são feitas ações de saúde e atividades de educação ambiental. “Eles precisavam de direcionamento sobre como organizar uma cooperativa: CNPJ, estatuto de funcionamento, horários, planejamento, metas etc. Os alunos se esforçaram para identificar tais questões e melhorar os resultados obtidos pelas cooperativas”, afirma o professor Augusto Fernandes.

Números alcançados: mais de 600 pessoas já foram atendidas, as cooperativas aumentaram a receita em 131%, os catadores do Centro de Triagem aumentaram em 58% a venda de materiais recicláveis. Projeto Fiero: Criado em 2016, o Projeto Fiero tem o objetivo de auxiliar comerciantes e feirantes do Mercado de São Brás e resgatar o reconhecimento desse espaço arquitetônico importante para a cidade. O Fiero promove qualificação profissional, com treinamentos em segurança, manuseio de alimentos, atendimento ao cliente, além de promover ações de limpeza no local. O projeto também ajuda a dar visibilidade ao Mercado criando eventos culturais. Projeto Costuraê: O projeto surgiu com a intenção de promover autonomia financeira para um grupo de mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica atendido pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS/Guamá). São realizadas capacitações no campo de corte e costura, bem

como atividades de integração e desenvolvimento gerencial. Projeto Amanakatu: é o projeto mais recente do Time Enactus UFPA e trabalha com o reaproveitamento de água da chuva em comunidades ribeirinhas, próximo à Ilha do Combu. Sinergia – Existem possibilidades “fantásticas” de sinergia entre os projetos, destaca o professor José Augusto Fernandes. No mercado de São Brás, por exemplo, não há apenas vendedores de alimentos, há também um espaço para a comercialização de artesanato e outros bens, capaz de abrigar tanto a produção do Costuraê como a do próprio Cíclica, que, por sua vez, já recebe alguns resíduos provenientes da feira de São Brás. Desde a sua criação, o Time Enactus UFPA conta com o apoio da Agência de Inovação (Universitec). Ainda assim, de acordo com o professor, o Time carece de maior apoio e reconhecimento para alavancar seus resultados.

rEsulTaDOs 2015: campeão da Liga Rookie 2016: Prêmio Responsabilidade Social KPMG 2017: 3º lugar na classificação geral do campeonato da Rede Enactus, finalista nas categorias Professor e Estudante do Ano; vice-campeão do edital do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV). FOTOS ACERvO DO PESQUISADOR


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Entrevista

Emmanuel Zagury Tourinho

Todos a favor das universidades “Bem informada, a sociedade não aceitará o colapso das instituições” Walter Pinto

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leito presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o professor Emmanuel Zagury Tourinho, reitor da Universidade Federal do Pará, iniciou seu mandato em meio à crise política e econômica nacional, cuja repercussão abrange todas as áreas produtivas do País. As universidades federais, por exemplo, passam por enormes dificuldades, não havendo mais recursos para fomentar a atividade científica. Desde que assumiu o mandato, o presidente da Andifes vem intensificando a interlocução com o governo federal, com o Congresso Nacional e com a sociedade, em defesa das IFES, por entender que todos os setores dependem, de algum modo, do trabalho das universidades públicas federais, como afirma nesta entrevista. Segundo ele, “se conseguirmos informar a sociedade sobre o que está acontecendo, não creio que ela aceitará o colapso das nossas instituições”.

A crise e as universidades federais Em tempos de crise, sempre há risco para as universidades, mas não creio que a ponto de fechar qualquer uma delas. A sociedade brasileira dificilmente aceitará uma situação limite, se estiver a par do que fazem as universidades. Todos os setores da sociedade dependem, de algum modo, do trabalho das universidades públicas federais. Representamos, por exemplo, mais da metade do sistema nacional de pós-graduação e somos responsáveis por mais da metade da

produção científica nacional. Além da pesquisa e do ensino, fazemos assistência à saúde com uma extensa rede de hospitais e clínicas universitárias. Apoiamos ministérios, governos estaduais e governos municipais em todas as áreas das políticas públicas. Somos essenciais para o sucesso em setores vitais da economia do País, como a produção de alimentos, a indústria de aviação e a exploração de petróleo em águas profund a s . Te m o s exemplos semelhantes em dezenas de outras áreas. Apoiamos os movimentos sociais, promovemos a cidadania e formamos lideranças para a sociedade, em todos os campos. Se você quiser saber o que isso significa para o País, é só olhar para os países em desenvolvimento que não contam com um sistema de universidades públicas como o nosso. Se conseguirmos informar a sociedade sobre o que está acontecendo, não creio que ela aceitará um colapso das nossas instituições.

a atividade científica no País. Inúmeros laboratórios estão cancelando projetos, alguns até fechando as portas por falta de recursos para manter equipamentos. Muitos pesquisadores competentes estão deixando o País. Creio que a sociedade brasileira ainda não tem a medida do prejuízo que está sendo produzido com a descontinuidade do investimento nas áreas de ciência e tecnologia. Se não houver uma rápida inflexão nesse processo, em breve, o País não terá mais a capacidade de desenvolver soluções para os seus problemas, como ocorreu recentemente no combate ao zika vírus. Ao asfixiarem a educação e a ciência, estão desmontando o sistema que pode garantir um futuro ao País. A sociedade precisa reagir a isso.

Ao asfixiarem a educação e a ciência, estão desmontando o futuro do país

A crise e a pesquisa científica A rigor, não temos mais um Ministério de Ciência e Tecnologia, o que é um enorme retrocesso. A gestão pública da ciência virou um apêndice do Ministério das Comunicações e, obviamente, estamos pagando um preço enorme por isso. Não há mais recursos para fomentar

Os setores mais afetados Todos os setores estão sendo afetados pela crise, com maior ou menor intensidade, de uma universidade para outra, na medida em que cada uma tem autonomia para definir as suas prioridades. Todas as universidades estão com problemas de custeio. A cada ano, temos reajustes na energia e nos serviços terceirizados, como limpeza e vigilância. Os orçamentos de custeio, na contramão, têm sido reduzidos. Todas as universidades têm muitas obras inacabadas,

e os recursos de investimento foram cortados pela metade. Universidades novas estão funcionando em prédios alugados, o que compromete ainda mais o seu orçamento de custeio; universidades mais antigas estão sem condições de fazer a manutenção adequada de sua infraestrutura física. Os avanços na inclusão implicam a necessidade de maior investimento em assistência estudantil, mas esse orçamento também está congelado. Hoje, as universidades conseguem atender apenas a uma pequena parcela dos alunos em condições de vulnerabilidade socioeconômica.

O ensino público e gratuito Por muitas razões, não há espaço para a cobrança de anuidades nas universidades públicas brasileiras. O ensino gratuito é constitucional, uma conquista da sociedade brasileira, que está em sintonia com o que acontece nas nações mais bem-sucedidas no campo da educação. Na Alemanha, por exemplo, todas as universidades são públicas e gratuitas. Além disso, somos um país dos mais desiguais, com pobreza acentuada e exclusão em massa. Não podemos enfrentar esse quadro que nos envergonha perante outras nações fechando as portas das universidades para os jovens que vêm de famílias com baixa renda. Alguns dizem que os ricos deveriam pagar a universidade. Se for para fazer isso, não precisamos cobrar de ninguém, é só taxar as fortunas e destinar todos os recursos arrecadados para o financiamento da educação superior pública. Em vez disso, porém, o Brasil se comporta


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como uma nação do século XIX e recusa-se a discutir impostos sobre fortunas.

A luta da Andifes A Andifes vem atuando em três frentes em defesa das IFES. Primeiro, insistimos com o governo sobre a necessidade de atualização dos orçamentos das universidades federais. No Congresso Nacional, buscamos apoio para a causa das universidades públicas e temos conseguido alguns bons resultados. Há um esforço de amplos setores no Congresso para garantir recursos para o sistema de universidades públicas federais. Além disso, buscamos sensibilizar a população para os problemas enfrentados pelas universidades públicas. Quanto

mais esclarecermos o que está acontecendo, maiores as chances de a sociedade também cobrar uma solução.

promovendo a inclusão e a diversidade, a internacionalização e a interação com todos os nossos parceiros na sociedade.

A presidência da Andifes

A expansão via Reuni

Ter um reitor da região Norte na presidência da Andifes significa o reconhecimento de que temos uma contribuição importante a dar, que estamos aptos a exercer um papel de liderança na luta pela educação superior pública no País. Vivemos um momento de grandes desafios, e o maior deles é não ficar paralisados diante das ameaças. Temos que construir os meios para continuar avançando na qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão nas nossas universidades. Temos que continuar

O Reuni, programa de expansão das universidades federais, iniciou em 2007, proposto pela Andifes e acolhido pelo governo. Com ele, o número de vagas nas IFES foi dobrado. Ainda assim, apenas 25% das vagas atuais na educação superior são de instituições públicas. O momento era adequado, tanto quanto se pode esperar por condições adequadas para avanços sociais no Brasil. O que aconteceu com essa expansão foi muito parecido com o que ocorreu com a interiorização da UFPA: se tivéssemos aguardado o momento

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ideal para levar a universidade ao interior, até hoje milhares de jovens paraenses estariam excluídos da UFPA. Do mesmo modo, se tivéssemos trabalhado com a ideia de que, primeiro, teria que vir a infraestrutura, para depois virem as novas universidades e as novas vagas, nunca teria ocorrido a expansão. Com a desigualdade que marca a nossa sociedade, não tínhamos escolha, era preciso aproveitar a oportunidade para expandir a oferta pública de educação superior. Agora, é importante dizer que o nosso crescimento não foi só quantitativo. Temos, hoje, uma infraestrutura muito melhor para o ensino, a pesquisa e a extensão. Como resultado, demos um salto na produção científica brasileira e na qualidade dos cursos de graduação. Alexandre de Moraes


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Sociabilidade

Cor e hierarquia Conteúdos não diminuem discriminação e racismo Renan Monteiro

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studar as relações de sociabilidades de jovens no âmbito escolar e entender como surgem questões como a discriminação e o preconceito é um tema de relevância no meio acadêmico, pois essas questões estão muito presentes atualmente. O Projeto de Pesquisa Sociabilidades e Adolescentes: cor e hierarquias no ambiente escolar, da professora Wilma de Nazaré Baía, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/ UFPA), faz uma análise das relações interpessoais entre estudantes e como surgem as hierarquias de raça/cor. O ponto de partida da pesquisa foi compreender que as crianças e os adolescentes têm um nível de sociabilidade muito intenso, não apenas na dimensão presencial, mas também na virtual. A professora explica que a ideia do trabalho surgiu da necessidade de “aprofundar os estudos sobre as relações entre estudantes, pois essas relações se constituem como chaves para a compreensão da leitura que eles fazem da hierarquia da cor e da forma como se percebem nela”. A pesquisa em profundidade teve início em 2010 e foi concluída

em 2017. Participaram do trabalho mais de 600 alunos matriculados, do nono ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio. Os alunos eram crianças e adolescentes de quatro escolas públicas de Belém. Outros entrevistados foram professores e coordenadores pedagógicos. O projeto também explorou assuntos referentes à interdependência entre sociedade-escola e escola-sociedade, com o intuito de identificar o modo pelo qual as sociabilidades estabelecidas entre os adolescentes se articulam com os conteúdos de natureza axiológica abordados na escola. Como base para a pesquisa, foram utilizados documentos escolares, por exemplo, projetos políticos pedagógicos e livros didáticos de disciplinas como História, Língua Portuguesa e Arte. A escolha desses componentes curriculares justifica-se em virtude da inclusão de conteúdos que abordam a história e a cultura afro-brasileira. “A ideia era entender como os conteúdos dessas disciplinas eram trabalhados pedagogicamente no âmbito escolar e perceber o impacto desse trabalho nas ações cotidianas dos estudantes”, afirma Wilma Baía.

Músicas e filmes fomentaram as discussões A coleta de dados foi realizada em quatro momentos: a aplicação de questionários, a observação do ambiente escolar, as entrevistas com os professores e os grupos de discussão com os adolescentes. Foram oito grupos compostos por alunos de idades, orientação sexual e cor/raça distintas. Para fomentar a discussão, foram utilizados filmes, peças publicitárias e músicas. Essa técnica foi aplicada para entender como eles se relacionavam com aqueles conteúdos e, assim sendo, como estabeleciam relações pautadas em hierarquia e diferenças. “As relações que observamos no percurso dessa pesquisa

compõem questões estruturais, no âmbito da formação inicial, que nos parecem relevantes para entender a educação básica e compreender, academicamente, o aluno que receberemos na educação superior’’, argumenta Wilma. Como o estudo abordou um assunto muito amplo, a sociabilidade entre crianças e adolescentes e as suas nuances, os resultados foram abrangentes, porém conexos. Observou-se a presença de grupos no interior das escolas pesquisadas, como nerds, populares, gamers, sertanejos, filhinhos de papai, fofoqueiros, malacos, funkeiros e patricinhas, conforme

a denominação dada pelos próprios adolescentes. Esses grupos constroem, de forma particular e simbólica, espaços que são delimitados no ambiente escolar. “As ´patricinhas´, os ´filhinhos de papai´ e ´populares´ têm uma comunicação próxima com os professores e com a escola, diferentemente dos identificados como ´malacos´ e ´indisciplinados´. Contudo essas delimitações simbólicas estão demarcadamente constituídas entre os estudantes, mas nem sempre percebidas pelos agentes escolares com clareza absoluta”, revela a professora.


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Likes nas redes sociais significam capital social Além desse fator, foi percebida a profunda intimidade que os jovens têm com as redes sociais e como isso contribui com posições hierárquicas. Com a relação cada vez maior entre o mundo virtual e o real, aquilo que se delibera e discutese on-line tem desdobramentos no campo da realidade. Um exemplo disso é demonstrado pela pesquisadora: “o número de likes, o número de participantes nas interlocuções desses estudantes nas redes sociais significam um capital social virtual para que esses definam situações próprias de seu estatuto no interior da escola e isso se constitui em um nível de hierarquia no ambiente escolar, para além da sala de aula”.

Outra questão resultante do estudo incidiu na percepção de que os estudantes utilizam os conteúdos estudados nas disciplinas, nas quais são trabalhadas questões relacionadas à discriminação e ao racismo, por exemplo, para estabelecer uma relação de respeito com o outro, já que as ações discriminatórias, por vezes, são naturalizadas por parte da comunidade escolar. “O investimento contrário a esta ação parece urgente e necessário na escola, pois se entende que ela é a instituição formativa privilegiada na desconstrução de práticas discriminatórias e compreensões de cunho racista, pelos discentes’’, defende a professora.

A professora aponta para a relevância desse tipo de pesquisa, pois, segundo ela, todos devem envidar esforços para que a geração atual possa fazer a diferença não somente no conhecimento tecnológico, mas também no reconhecimento das diferenças como um direito para a construção de uma sociedade efetivamente inclusiva. “Para compreender os adolescentes, sobretudo no enfrentamento do preconceito e da discriminação, urge problematizar, no âmbito escolar, um saber sensível e consubstanciar a formação inicial e continuada, que comporte as experiências concretas dos estudantes – no ambiente virtual, e a relação com o presencial – para a ação efetiva na sala de aula e fora dela”, conclui Wilma Baía.

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Políticas afirmativas

Do Quilombo à Universidade Dissertação discute trajetória de alunos quilombolas na UFPA Gabriela Bastos

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busca para compreender o percurso social e educacional do negro no Brasil foi a principal motivação para a pesquisadora Laís Rodrigues Campos escrever a dissertação Do Quilombo à Universidade: Trajetórias, Relatos, Representações e Desafios de Estudantes Quilombolas da Universidade Federal do Pará, Campus Belém, quanto à permanência, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED/ICED), sob a orientação da professora Lúcia Isabel da Conceição Silva. Laís Campos explica que começou a perceber a importância de pesquisar as políticas educacionais no ensino superior brasileiro ao perceber que existiam muitas pesquisas sobre as cotas, mas nenhuma era direcionada aos quilom-

bolas. “Não encontrei trabalhos que discutissem a modalidade de cota para quilombolas no ensino superior. Como a Universidade Federal do Pará (UFPA) foi uma das pioneiras no País, percebi a importância de pesquisar a respeito dessas políticas”, relata a pedagoga. O objetivo da pesquisa foi analisar as trajetórias, as representações e os desafios de estudantes quilombolas da UFPA Campus Belém na construção do processo de acesso ao ensino superior e permanência nele. Segundo Laís Campos, o sentido principal da pesquisa foi investigar o percurso educacional desses acadêmicos desde a educação básica nas comunidades quilombolas até o ingresso na universidade e os possíveis obstáculos para permanecer nela.

A investigação foi de natureza qualitativa. A pesquisadora utilizou-se do levantamento documental sobre a política de cotas no Brasil e na UFPA, além de entrevistas com estudantes quilombolas do Campus Belém aprovados pela reserva de vagas em processo seletivo especial. Os alunos que participaram da pesquisa ingressaram pelo processo seletivo especial para quilombolas e indígenas na UFPA, no período de 2013 a 2015. A faixa etária variava entre 18 e 30 anos. Todos eles são oriundos de comunidades quilombolas rurais e concluíram a educação básica em seus respectivos municípios. “Todos em condições muito semelhantes de estudo, ou seja, com grandes dificuldades, em virtude da precariedade do ensino nesses espaços, como relatado pelos entrevistados”, revela Laís Campos.

Quilombolas: primeiro processo seletivo foi em 2012 A pesquisadora explica que o contexto das comunidades quilombolas no Pará vai além da afirmação do valor de sua identidade, pois inclui a luta pela terra e contra as formas de expropriação diante do avanço de grandes projetos na Amazônia. Assim, as políticas de ação afirmativa têm como finalidade promover a igualdade a respeito das questões históricas, sociais e discriminatórias vivenciadas pela população negra. “No âmbito educacional, as ações afirmativas representam uma política antirracista voltada a essa população invisibilizada historicamente em nosso país”, avalia Laís Campos. As ações afirmativas foram aprovadas pela UFPA em 2005, po-

rém o primeiro vestibular com seleção diferenciada para quilombolas só foi publicado em 2012. Atualmente, esse processo ocorre em duas etapas: na primeira, o candidato escreve uma redação em língua portuguesa; na segunda, participa de uma entrevista. Além disso, todos os candidatos apresentam uma declaração de pertencimento especificando vínculo social, cultural, político ou familiar com algum povo indígena, comunidade quilombola ou comunidade tradicional. A pesquisa revelou que, no ingresso, no acesso e na permanência, os universitários quilombolas foram invisibilizados no espaço acadêmico e passaram a lutar coletivamente para superar várias barreiras imposta por

um capital cultural, informacional e econômico. “Algumas demandas foram sendo conquistadas, como participação em projetos, assistência estudantil, reforço acadêmico, eventos, algo que já vinha sendo reivindicado há vários anos, com a luta do movimento negro paraense”, destaca a pesquisadora. Laís Campos relata que a entrevista realizada com a aluna Queila da Costa, aluna do curso de Direito, foi emocionante. “Foi o relato da luta de seu povo, das dificuldades enfrentadas por todos os estudantes quilombolas. Da chegada à Universidade, da angústia por que muitos passaram, das incertezas e da garra em continuar o curso,” lembra.

Entrevistados realizaram o processo seletivo especial nos anos de 2013 a 2015

A faixa etária dos alunos participantes da pesquisa variava entre 18 e 30 anos

comunidades quilombolas rurais próximas a Belém

Todos eram oriundos de


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Queila da Costa Couto faz relato emocionante Queila da Costa Couto, estudante do curso de Direito da UFPA, é quilombola da Comunidade Igarapé São João, em Abaetetuba. Queila relata que cresceu em meio a dificuldades, seu pai trabalhava na roça e sua mãe dava aulas em casa, já que as aulas da comunidade eram ministradas em casas de moradores e em barracões. Nesses locais, funcionavam as aulas das séries iniciais do ensino fundamental. Quando os alunos não tinham condições de vir para Belém estudar, repetiam o ano.

INFOGRÁFICO PRISCILA SANTOS

Queila lembra o grande impacto que sentiu ao chegar à Universidade: “passei a conviver com pessoas diferentes e com visões diferentes sobre a nossa forma de ingresso na Universidade. Posso dizer com visões preconceituosas e racistas”, afirma. A estudante reforça que a luta dos quilombolas na UFPA já avançou bastante, mas muito ainda precisa ser feito. Segundo ela, a Universidade precisa estar mais atenta aos alunos e auxiliá-los

em suas dificuldades acadêmicas, entre elas a do senso comum, que diz que cotistas “tomam” vagas de não cotistas. “Os alunos precisam entender que não estamos na Universidade para tomar lugar de ninguém, mas para ocupar um lugar que também é nosso. Somos negros, quilombolas e também temos direito à educação de qualidade, a ocupar os bancos das universidades e os cargos que a elite também ocupa, porque merecemos respeito”, desabafa Queila.

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Conciliar verde e concreto Este é um dos desafios da Prefeitura Multicampi da UFPA Walter Pinto

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Ao lado, o Mirante do Rio, inaugurado em fevereiro deste ano, no qual estão lotados os alunos de graduação do pavilhão Básico.

Campus da UFPA em Belém é, sem dúvida, um dos mais bonitos e bem localizados do País. Foi construído às margens do Guamá, um dos rios que banha a cidade, numa região distante não mais que 6 km do centro histórico. Mais de três mil árvores, algumas de espécies ameaçadas de extinção, como pau-brasil, mogno e jatobá, reforçam o ambiente amazônico do campus. Com o passar dos anos, novas paisagens agregaram mais beleza ao lugar. Os ipês em floração, por exemplo, em frente aos Institutos de Letras, Humanas e Exatas, formam um caminho lilás, de delicada beleza. Nada mais amazônico do que contemplar, do alto da ponte sobre o Tucunduba, a passagem dos barquinhos. No caminho entre a Reitoria e a Biblioteca Central, um bambuzal protege-nos do sol escaldante de todos os dias. Refrigério também encontrado nos bosques do campus. No meio deste cenário, erguem-se prédios em que se formam, anualmente, milhares de profissionais, prestam-se serviços, e desenvolvem-se pesquisas científicas. Com o crescimento da UFPA

em todas as frentes, novos prédios estão sendo erguidos, adensando a área construída. Conciliar a infraestrutura física do campus com a sua identidade amazônica tornou-se um dos desafios da Prefeitura. Para o prefeito Eliomar Azevedo do Carmo, os cinquenta anos de história do campus deram-lhe uma espessa vegetação. Nem todas as árvores, observa, são fortes. Um forte temporal pode derrubar algumas. Cabe à prefeitura realizar a prevenção e o monitoramento da saúde delas, evitando que caiam sobre prédios ou sobre rede elétrica. “São acidentes raríssimos, mas acontecem. Mediar convivência de prédios e árvores é um dos nossos desafios. Nosso trabalho é manter as áreas verdes e escolher bem a alocação de cada prédio, conciliando o verde e o concreto”, afirma. Esta harmonia tornou-se um desafio em função da redução da dimensão do campus, seja por causa da ocupação dos terrenos por moradores, seja pela destruição via desmoronamento da margem do Guamá. “Lidamos, hoje, com a falta de espaço para novas edificações e espaços verdes. Os prédios já estão muito próximos uns dos outros. Com menos área e o evidente crescimen-

Campus fará 50 anos em agosto de 2018 O Campus da UFPA foi inaugurado em 1968. Em 13 de agosto de 2018, completará 50 anos. Foi composto com a desapropriação de 294 hectares pertencentes a Affonso Freire, Antonio Cabral e a outros e de área contígua, com 200 hectares pertencentes ao Instituto de Pesquisa Agropecuária do Norte, totalizando 449,83 hectares de área, às margens do Guamá. O engenheiro e arquiteto Alcyr Meira, diretor

do Departamento de Planejamento e Obras da UFPA à época, recorda dos momentos de reconhecimento do terreno: “Calçando botas de borracha de cano longo até os joelhos, nos deslocávamos no alagado do terreno enquanto cobras deslizavam ao nosso lado. Eram muitas cobras, tanto que, durante cerca de um ano, fomos os maiores fornecedores de cobras para o Instituto Butantã, em São Paulo. Mas havia muito mais bichos naquelas matas”.

O Campus I foi construído em área de onde era retirada a argila que abastecia uma antiga olaria ali instalada. Os buracos deixados e a topografia natural do terreno contribuíram para o alagamento da área. Foi necessário um grande trabalho de aterramento hidráulico para resolver a situação, com a retirada de areia de granulometria grossa do leito do rio Guamá para compactação do solo.

to da Universidade, os novos prédios tornaram o campus um espaço mais densamente construído”, constata o prefeito. A limitação explica a construção de blocos de três, até quatro pavimentos. Segundo Eliomar Azevedo, a verticalização deu-se menos como planejamento arquitetônico do que como alternativa imposta. Outro ponto que explica a verticalização vem da natureza do solo do campus. “Temos um solo arenoso, com características complicadas à engenharia. O custo com as fundações de um prédio de um pavimento é próximo ao custo das fundações de um prédio de quatro pavimentos. Então, proporcionalmente, sai mais caro construir prédios baixos do que altos”, observa.


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Afastando a crise com mais eficiência e menos custo Empossado em 19 de dezembro de 2016, o prefeito multicampi Eliomar Azevedo do Carmo é professor da UFPA, mestre em Engenharia Elétrica e licenciado em Matemática. Atuou como coordenador geral do Campus de Abaetetuba, no período de 2011 a 2016. Tendo assumido em momento de crise econômica nacional, reconhece que seus desafios são enormes, mas conta com uma equipe dedicada e experiente para tornar os campi mais inclusivos, resolvendo as pendências de acessibilidade. Planeja investir mais no paisagismo e, do ponto de vista administrativo, pretende conter os desperdícios por meio de contratos mais eficientes. Segundo ele, há uma enorme demanda na área da manutenção. “Temos uma estrutura que exige um grande

trabalho de manutenção nas áreas de instalações prediais, conservação de ruas, refrigeração, abastecimento de água e energia elétrica. Nossa estimativa é que demoraremos cerca de um ano e meio trabalhando para superar esse passivo. A partir daí, teremos condições de atuar em outro patamar, na prevenção”, avalia. Recuperação da orla – A Prefeitura planeja concluir a longeva obra de recuperação da orla do campus até o final de 2018. Constatou que a tecnologia adotada mais recentemente para conter a erosão está efetivamente funcionando. Trata-se do lançamento de espigões ao longo do rio, desde a margem. São geotubos preenchidos de areia, que avançam cerca de 45 metros adentro e acomo-

dam-se no leito do rio. Esses espigões contribuem para o deslocamento do canal para longe da margem e afastam o risco de novas erosões. “Eu classifico esta obra como tendo duas perspectivas, uma de segurança, ao conter a erosão que põe em risco instalações, e outra de paisagismo, por meio da instalação de equipamentos para uso da comunidade, como ciclovia, academia de ginástica ao ar livre, pistas de skate e espaços para recreação e caminhadas”, informa o prefeito. Eliomar Azevedo mostra-se otimista, apesar da crise: “estamos conseguindo recursos que nos possibilitam o lançamento de algumas licitações. Estamos na fase final do processo de licitação para a conclusão do prédio administrativo do ICSA. Outra

licitação está prestes a ser concluída, a do bloco do IFCH e do ILC, próximo à Reitoria. Estamos concluindo o prédio da Faculdade de Biotecnologia. Nos demais campi, há várias obras em construção, como em Breves, onde iremos inaugurar em outubro o prédio administrativo do campus, um bloco de salas de aula e a Casa da Estudante”. A prefeitura afirma que está fazendo todo o possível para que a crise econômica nacional tenha o menor impacto possível na vida da UFPA. “Vamos investir em tecnologia, usar mais equipamentos e menos mão de obra, além de melhorar os processos de controle e fiscalização de execução dos contratos. Temos que evitar desperdícios”, ressalta o prefeito. Alexandre de Moraes


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Resenha Exploração Sexual & Tráfico de Pessoas Jane Felipe Beltrão

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ráfico de pessoas para exploração sexual é o título do livro o qual inverti propositalmente ao nomear a resenha que passo a fazer. A troca de nomenclatura não é uma blague, pois este não é um tema com o qual se possa produzir observações ou relatos que divirtam a quem quer que seja. A finalidade é chamar atenção para o caso de mulheres, transmulheres e travestis alvo de exploração sexual pelo fato de se apresentarem como pessoas do gênero mulher. É como mulheres, ou pessoas de orientação sexual de “gênero mulher”, que as pessoas

aqui nominadas enfrentam a exploração sexual dentro das rotas estabelecidas de tráfico de pessoas. O que desejo é singularizar os fatos e apontar a gravidade de tornar pessoas presas em malhas criminosas que têm por proposição submeter as mulheridades ao poder exercido por pessoas que, homens e mulheres (pasmem, mulheres!), exercem as masculinidades do poder de forma criminosa. Uso mulheridades e masculinidades em oposição complementar e complexa, para identificar os aliciamentos que percorrem caminhos cruzados tanto entre as vítimas como entre os algozes. Reprodução Alexandre Yuri

As interlocutoras de Andreza Smith, ao narrarem suas trajetórias, permitem entrever a violação de direitos humanos produzida no interior da malha das diversas rotas – rodoviárias, marítimas e aéreas – que se fazem presentes, hoje, na Amazônia. Portanto o título é a afirmação sobre a realidade que merece reflexão, especialmente porque o alvo do tráfico de pessoas é o corpo do mulherio, como se este fosse território para toda sorte de abusos. No tráfico, as pessoas não são apenas despojadas dos meios de trabalho. Seu corpo é transformado literal e figuradamente em instrumento de suposto trabalho, mas as pessoas não possuem qualquer controle sobre o seu próprio corpo. As pessoas traficadas experimentam os desafios cotidianos de estarem imersas na rota e obrigadas a conviverem com as dificuldades de “conformar-se” com a situação, ora “ignorando” o cerceamento de direitos fundamentais, ora tentando livrar-se da rede do tráfico, procurando as autoridades policiais para oferecer a denúncia. Os relatos obtidos e analisados por Andreza Smith no livro permitem identificar os tentáculos, que, tal qual um polvo, oprimem e maltratam as pessoas aliciadas pelo tráfico, entretanto é deveras difícil identificar vontades, desejos e consentimentos “livres e espontâneos” das narradoras, sobretudo porque, para além do profundo mergulho no mundo do tráfico, as pessoas enfrentam o preconceito e a discriminação. Ao empreender agências, entendidas aqui como movimentação em benefício próprio ou de outrem, para se desprender dos tentáculos que sufocam e oprimem, essas pessoas encontram obstáculos

quase intransponíveis pelo fato de estarem no tráfico e trazerem marcas sociais indeléveis: ser mulher, transmulher ou travesti, visto que o gênero, a orientação sexual e as condições de classe social as tornam vulneráveis e, de alguma forma, interferem ou orientam as escolhas que pensam realizar ou a que são obrigadas a se submeterem. Embora a autora privilegie os depoimentos das interlocutoras, como advogada que é, não esqueceu de mostrar que, apesar dos avanços compreendidos pela legislação nacional e internacional vigentes, as pessoas não encontram, nos contextos em que vivem, oportunidades de renda como as auferidas no tráfico, que proporcionam, mesmo que momentaneamente, uma suposta “boa vida”. O trabalho que resenho vem a público convidando o/a leitor/a a refletir sobre: (1) as ambiguidades e complexidades da malha do tráfico de pessoas; (2) as situações escorchantes de exploração sexual presentes nos casos que envolvem as protagonistas entrevistadas pela autora; (3) a exposição das vísceras da rede que aprisiona mulheres de orientações sexuais diversas e, ainda, (4) as ameaças que pairam sobre grupos domésticos e de pertença das envolvidas. Finalmente, digo que a situação exige que nos tornemos sensíveis aos fatos narrados. E, apesar das dificuldades, coloque-se no lugar das pessoas traficadas e pense que, entre o legal e o exercício de poder dos traficantes, há pessoas que são humanas e precisam ter sua dignidade e direitos preservados! A leitura é difícil, mas serve como alerta! Serviço - Tráfico de pessoas para exploração sexual. Andreza Smith. Lumen Juris, 2017.


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A HistĂłria na Charge

#ĂŠprimavera



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