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ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXXi • N. 138 • aGoSTo e SeTeMBro de 2017

Uma cerveja para chamar de nossa Laboratório de Processos Biotecnológicos da UFPA pesquisa levedura nacional. Páginas 14 e 15.


UNiVeRsidade FedeRaL do PaRÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Amanda Nogueira, Gabriela Bastos e Renan Monteiro (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA). Fotografia: Adolfo Lemos e Alexandre de Moraes Fotografia da capa: Alexandre de Moraes Ilustrações: Priscila Santos (CMP/Ascom) Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: TI/ASCOM Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Rômulo Simões Angélica Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitor de Relações Internacionais: Horacio Schneider Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Karla Andreza Duarte Pinheiro de Miranda Prefeito Multicampi: Eliomar Azevedo do Carmo Secretário-geral do Gabinete: Marcelo Galvão Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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ma cerveja com a marca e o sabor da Amazônia está sendo produzida no Laboratório de Processos Biotecnológicos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UFPA. A pesquisa é desdobramento dos estudos que estão sendo realizados com a levedura do cacau. A expectativa é produzir uma levedura tão boa quanto as importadas. Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU/NAEA) revela que, no Brasil e no Peru, os publicitários são indiferentes às temáticas relacionadas à sustentabilidade. O conceito surge em algumas campanhas, mas não está presente no dia a dia das agências. A seção “UFPA 60 anos” conta a trajetória das irmãs Conceição, Eugênia e Isabel Cabral, desde a rotina ribeirinha em Bujaru até se tornarem professoras da maior universidade da Região Norte. Leia também: é crescente a indústria dos jogos digitais no Brasil; Clínica de Direitos Humanos da Amazônia tem experiência exitosa; Museu da UFPA usa as redes sociais para estreitar laços com seu público; A região comercial de Belém, no bairro Campina, ainda sofre com os alagamentos durante o inverno amazônico; Na seção “Resenha”, Walter Pinto apresenta o livro Maçonaria, Poder e Sociedade no Pará da segunda metade do século XIX, de Élson Luiz Rocha Monteiro.

Rosyane Rodrigues Editora

Nesta Edição Entretenimento e consumo de games ................................ 4 O museu na era digital ...................................................5 O boulevard da República ................................................6 Comércio padece com alagamentos ...................................8 Novos cenários e velhas práticas ..................................... 10 Sustentabilidade na publicidade? ..................................... 12 Prática jurídica e formação cidadã ................................................13 Cerveja com estilo amazônico ......................................... 14 Ribeirinhas professoras ............................................... 16 Muito à frente de seu tempo .......................................... 18

A Nona Sinfonia de Beethoven, ao som da Orquestra Sinfônica Altino Pimenta (OSAP), da Escola de Música da UFPA, e do Coro Universitário da UFPA (CorUni), celebrou os 60 anos da Universidade, no último dia 2 de julho, no Theatro da Paz. Foto Alexandre de Moraes.


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Opinião Entretenimento e consumo de games

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Stephen Davies / FreeImages

entretenimento e o consumo são práticas relacionadas a vários planos. O que se vem chamando de “indústria do entretenimento” é um dos vetores de consumo mais importantes e, ainda, uma das maiores indústrias do mercado capitalista contemporâneo. Essa relação faz com que o entretenimento e o consumo sejam considerados fenômenos de imensa relevância para a compreensão de múltiplos significados presentes na cultura contemporânea. Neste sentido, o entretenimento é um espaço capaz de evidenciar pertencimentos, gostos de grupos sociais ou indivíduos, estilos, além de distinções sancionadas e legitimadas socialmente. Na pesquisa acadêmica sobre consumo e entretenimento, não raro, as relações entre ambos ainda são pouco estudadas. No intuito de contribuir com essas pesquisas, temos realizado no Projeto de Pesquisa “Consumo, Identidade e Amazônia”, na Faculdade de Comunicação e no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, discussões sobre um tipo de entretenimento adquirido como um produto vendido por uma determinada empresa e sobre as

experiências que ele propicia, caracterizadas igualmente como uma relação de consumo. A aproximação entre entretenimento e consumo é tanto histórica quanto lógica. Na contramão das crises e recessões históricas do capitalismo, em períodos de abalos na maioria dos mercados, o consumo do entretenimento alcançou ampliação e acesso no mercado consumidor. Essa indústria apresentou crescimentos significativos, como ocorreu em 1929, com o desenvolvimento do cinema. A partir de 2009, foi a vez de outra indústria do entretenimento, o mercado de games, ser alavancada e superar o faturamento multibilionário da indústria do cinema e da música juntos. De uma mera “brincadeira para crianças”, os jogos digitais sofreram grandes mudanças nas últimas décadas, as quais os colocaram no topo da lista de entretenimento. Os games, hoje, são grandes peças do desenvolvimento econômico. Com a expansão desse hobby para várias faixas etárias, esse segmento de mercado parece estar longe de encontrar um limite. De acordo com estimativas da Newzoo, empresa internacional especializada em análises de mercado sobre a indústria de jogos digitais, o mercado brasileiro de jogos gerou receita de US$ 1,5 bilhão em 2015, dado que o mantém como líder do gênero na América Latina, o 11º no mundo e como país emergente com maior ascensão no mercado de jogos digitais. Isso inclui todos os tipos de jogos, dos mais simples, disponíveis em navegadores e smartphones, até os mais complexos e caros, para consoles de videogames e computadores. Segundo esta pesquisa, 33,5 milhões de brasileiros jogam algum game e 56% gastam com algum tipo de jogo, em média, US$ 43,54 dólares por ano, dado considerado maior do que a média para a região, avaliada em US$ 37 dólares, segundo a Newzoo (2015). No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a

maioria do público de jogadores brasileiros possui de 25 a 34 anos, o que torna os games um fenômeno adulto por excelência e longe da falência de “brinquedos para crianças”. A pesquisa da ESPM ainda traz um dado revelador: a maioria dos jogadores do Brasil é mulher. O significado disso revela a importância dela no consumo de jogos digitais no País. Em Belém, como consequência do impacto dos games, uma crescente cultura comunicacional passa a existir, incorporando uma diversidade de manifestações e elementos, tais como a criação de campeonatos semiprofissionais/amadores de jogos, transmissões de partidas em cinemas e teatros, criação do primeiro bar temático baseado em um game, bem como a criação do primeiro time universitário de ciberesporte (modalidade de esporte digital em que jogadores batalham por prêmios) do Brasil. Juntas, essas pesquisas apontam, em um primeiro momento, tanto para a relevância do consumo da América Latina no mercado de games como para o exponencial crescimento do consumo de jogos digitais no Brasil, nos últimos anos. Compreender esse cenário local é um desafio a ser aprofundado e compreendido em trabalhos futuros, analisando as relações e o lugar em que o entretenimento e o consumo, como instâncias intrínsecas ao social, são utilizados, desenvolvidos e como agenciam as práticas mercadológicas, políticas e culturais. Manuela Corral – doutora em Antropologia, professora adjunta da Facom/ILC, coordenadora do Projeto de Pesquisa Consumo, Identidade e Amazônia: relações de sociabilidade e interação através da comunicação. E-mail: mcorral@ufpa.br Tarcízio Macedo – mestrando no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da UFPA e cocoordenador do Laboratório de Pesquisa em Espetáculo e Comunicação na Amazônia. E-mail: tarcizio. macedo@bol.com.br


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Tecnologia FOTOS ACERvO DO PESqUISADOR

O museu na era digital MUFPA usa redes sociais para divulgar atividades e atrair público Amanda Nogueira

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Museu da Universidade Federal do Pará (MUFPA) foi criado na década de 1980 para servir como um local de valorização da produção artística regional e nacional. Atualmente, o MUFPA procura utilizar as redes sociais para se aproximar do público e garantir a sua presença nos eventos que promove. Para analisar de que forma ocorre essa interação, a pesquisadora Lucimery Ribeiro de Souza apresentou a dissertação O museu na era virtual: uma análise sobre os processos comunicativos on-line do Museu da UFPA, ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCom/ILC), sob orientação da professora Danila Gentil Rodriguez Cal Lage. De acordo com a pesquisadora, o museu possui uma função social que o caracteriza como tal: dialogar suas narrativas com a sociedade. Essa intersecção pode romper os pré-con-

ceitos do que se entende por museu. É necessário que ele crie, com base em seu acervo, uma narrativa pela qual a comunidade se sinta representada, caso contrário, a instituição museológica continuará entendendo o público apenas como receptor e vai se caracterizar como um espaço autocrático e contemplativo, desconsiderando as experiências de quem o visita. A exposição é a maneira mais conhecida e direta de o museu se relacionar com a população, porém existem outras formas de interação. “O museu não vai se restringir àquele espaço expositivo que estamos acostumados a ver. Ele pode realizar outras atividades com a sociedade”, esclarece a pesquisadora. Partindo disso, a pesquisa de Lucimery analisou as dinâmicas que se estabelecem no espaço virtual. O estudo foi qualitativo, baseado no método de Laurence Bardin para análise de conteúdo dos

dados. “Coletamos dados tanto nas redes sociais quanto por meio de entrevistas com os profissionais do MUFPA e profissionais externos, para adquirir o máximo de informação possível”, informa Lucimery. Para as entrevistas, foi utilizado um roteiro semiestruturado e, para coletar as informações nos perfis oficiais do Museu no Facebook e no Instagram, a pesquisadora usou uma ficha elaborada para esse fim.

Conteúdo regional é o que mais chama atenção No Facebook, a pesquisadora analisou o perfil e a fanpage do MUFPA. Ela percebeu que a fanpage recorre, quase sempre, à estratégia de compartilhamento do que já havia sido publicado no perfil. No perfil do Facebook, frequentemente, o conteúdo compartilhado é pensado para o Instragram. “Eles fazem uma publicação inicial no Instagram, com cenas da montagem de uma exposição ou com a reprodução de uma obra, e essa postagem é compartilhada no perfil do Facebook. O mesmo conteúdo acabava sendo compartilhado na fanpage, ou seja, eles pensam a publicação apenas para uma mídia, deixando as outras de lado”, avalia Lucimery Souza.

Essa falta de estratégia é um problema gerado pela ausência de profissionais efetivos trabalhando no setor de comunicação do museu. A pesquisadora explica que, como não existe uma equipe técnica fixa e ajustada às demandas institucionais, as ações comunicativas do MUFPA não possuem continuidade. “É possível perceber que não há um cuidado na elaboração dos textos e no recorte da imagem que vai ser publicada”, relata a pesquisadora. Apesar disso, há de se ressaltar a contribuição e o empenho dos profissionais no uso das redes sociais, embora não seja a área de formação de muitos deles. quanto aos conteúdos, a pesquisa constatou que as publicações

mais curtidas, compartilhadas e comentadas pelo usuário são as que abordam questões regionais. “O público procura um conteúdo mais regional, ele gosta de ter informações sobre a cultura local”, conclui Lucimery. Para a pesquisadora, a manutenção de postagens sobre esse universo pode propiciar a ampliação e o fortalecimento dos laços estabelecidos virtualmente, levando-os ao espaço físico do museu. Essa inferência é apenas uma das considerações realizadas na pesquisa. O trabalho amplia o olhar para o potencial que o MUFPA apresenta como meio de comunicação, além de indicar a necessidade de outros estudos que relacionem Comunicação e Museologia, principalmente na Região Norte.

Os bastidores das exposições e os detalhes de obras são os posts mais comuns nas redes sociais do MUFPA.


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História

O boulevard da República Tese desmitifica o modelo francês do boulevard de Belém Fotos Acervo do Pesquisador

Manifestação popular em frente à Port of Pará, onde estava em construção a praça que seria chamada Praça do Pescador. Fonte: Arquivo da Intendência Municipal,1912.

Walter Pinto

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ão há como duvidar de que as reformas urbanas de modernização de Belém realizadas na passagem do final do século XIX e no início do século XX foram muito influenciadas pelas ideias de reformas emanadas da Europa, principalmente a realizada por Haussmann na cidade de Paris, entre 1852 e 1870. Não se pode afirmar, no entanto, que seguiram o modelo Haussmanniano. Mais correto seria dizer que as reformas empreendidas pelo intendente Antônio Lemos se apropriaram e adaptaram concepções do modelo francês às condições culturais e arquitetônicas de Belém. Essa é uma das contribuições do estudo Rumo ao Boulevard da

República: entre a cidade imperial e a metrópole republicana, tese de doutorado da arquiteta Márcia Cristina Ribeiro Gonçalves Nunes, realizado no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (PPHist/IFCH), da UFPA, sob a orientação da historiadora Maria de Nazaré Sarges. A tese focada na principal fachada da cidade de então, a primeira avistada pelos viajantes dos navios aportados na Baía do Guajará, faz a imbricação entre Arquitetura e História, trazendo contribuições às duas áreas do conhecimento. Durante o período imperial, na área ao lado do Mercado de Ferro, na qual, hoje, há o prédio do Solar da Beira e também funcionou a Recebedoria de Rendas, havia

apenas um imenso terreno vazio. Na frente do casario que se estendia por toda a Rua Nova do Imperador, que, anos depois, daria lugar ao Boulevard da República, havia pequenos trapiches, que exigiam aterramentos sucessivos por parte dos administradores da cidade. O movimento crescente do comércio e das exportações de cacau, borracha e drogas do sertão, exigia a construção de um porto melhor e mais bem equipado. A obra, no entanto, teria um custo elevado e não havia recurso suficiente para pagar toda a transformação pretendida. Quando Antônio Lemos assumia a intendência de Belém, em 1897, já no Período Republicano, a economia da borracha, em alta, garantiu-lhe os meios para executar um plano de urbanização e modernização da cidade, que inevitavelmente passaria pela construção do Boulevard. A obra, no entanto, seria realizada pelo governo federal, como parte da política de modernização portuária empreendida em todo o Brasil. Manaus, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife, entre outras cidades, tiveram obras em seus portos. Mas a obra de modernização do porto de Belém, assim como a construção do Boulevard da República antecederam a modernização dos outros portos brasileiros, graças aos recursos auferidos por meio da exploração da borracha.

Muitas diferenças, poucas semelhanças Em 1906, entra em cena um personagem muito importante para o contexto. Trata-se do magnata norte-americano Percival Farquhar, contratado para construir a obra, em troca da exploração, por cinquenta anos, dos serviços portuários e da ferrovia que pretendia preparar. Logo no ano seguinte, ele entregou à municipalidade uma joia da arquitetura eclética belenense: o

prédio da Port of Pará, embrião da atual Companhia das Docas do Pará. O plano do magnata era ambicioso, dividia-se em duas grandes seções: a primeira iria da Doca do Ver-o-Peso à Ponta do Mosqueiro, e a segunda, do Mercado do Ver-o-Peso ao Arsenal de Marinha. Em 1911, quando a exportação da borracha começou a declinar, não houve mais dinheiro para dar

conta do planejado. Somente o primeiro trecho foi construído, mas limitado à Doca de Souza Franco, fazendo surgir uma nova avenida, a Marechal Hermes. Farquhar, como consequência, perdeu a concessão para explorar o porto. Três anos depois, com Antônio Lemos fora do poder, sucedido pelo inimigo político Virgílio de Mendonça, o magnata encerrou a construção do porto, com


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a inauguração da praça, em frente à Port of Pará, hoje chamada Praça dos Estivadores. O Boulevard foi construído em paralelepípedo de granito; as calçadas e os passeios, em pedras portuguesas; a iluminação suspensa em grandes postes de ferro; os bancos, em concreto; a arborização toda composta por fícus; o guarda-corpo que adornava os espaços de contemplação do rio, assim como as grades internas e externas do cais eram em ferro importado da Inglaterra, bem como a estrutura dos armazéns do porto. Foi um equipamento empregado unicamente naquela área da cidade. Segundo a autora do estudo, “o Boulevard da República se diferenciou dos boulevares parisienses

por ser um boulevard-cais. Um cais de proteção e uma avenida beira -rio, duas medidas não só recomendáveis, como também necessárias ao embelezamento, à dinamização e ao progresso daquele perímetro. Na verdade, o boulevard se relaciona à cidade; e o cais, ao porto”. Márcia Nunes observa que não há nenhuma identificação entre o boulevard construído por Farquhar e os boulevares franceses. Em Paris, o plano de urbanização empreendido alguns anos antes pelo prefeito George-Eugéne Haussmann eliminou os vários portos mercantes que se encontravam no rio Sena. Os que restaram, em número bem menor, tornaram-se apenas portos turísticos. Com a medida, Haussmann levou para longe do Sena e dos novos

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boulevares o que considerava feio, o movimento dos trabalhadores da estiva no serviço de carga e descarga dos navios. Em Belém, o trabalho dos estivadores foi mantido na zona central, em que o cais foi construído, ao lado do moderno boulevard. Outra conclusão do estudo mostra que, ao contrário do que aconteceu em outras capitais brasileiras e até mesmo em Paris, a construção do Boulevard da República preservou a malha urbana de Belém. Nenhuma área do tecido urbano foi destruída para dar espaço à nova avenida. Houve, de fato, uma expansão em direção à baía, com aterramento retirado por dragagem da baía do Guajará, como também fora retirado da antiga Vila de Pinheiros na época do Império.

Estudo recria linhas arquitetônicas do casario Dividido em duas partes – paisagem urbana no Império e paisagem urbana na República –, o estudo compreende sete capítulos. Nos três primeiros, estuda o que estava acontecendo na Europa, destacando as reformas urbanas realizadas em Paris; a vida em Belém na segunda metade do século XIX; as diferentes propostas de estruturação da cidade concebidas pelos gestores municipais. Nesta seção, detém-se sobre a Rua Nova do Imperador, aterrada em 1848, a qual, anos mais tarde, reformada, urbanizada, deu lugar ao amplo Boulevard da República, hoje, atual e decadente Castilho França. Um levantamento das edificações existentes na Rua Nova do Imperador, com destaque para o mercado municipal, para a Alfândega, para a Igreja das Mercês e

para os quatorze trapiches então em funcionamento naquela rua, encerra a seção sobre a paisagem urbana do Império. Uma planta de Belém, projetada por Nina Ribeiro, a qual se estende do sítio histórico à Primeira Légua Patrimonial, foi uma das fontes de grande valia para a análise empreendida pela autora. Ao adentrar na paisagem urbana da República, Márcia Nunes trata do modelo de reforma empreendida em Paris e de como esse modelo foi entendido nas principais cidades brasileiras, com ênfase no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Manaus e em Belém. A seção estuda a proposta de Lemos de modernização, embelezamento e saneamento da capital paraense. Trata de questões como esgoto, saneamento, arborização, calçamento e mudanças

nas fachadas dos sobrados. É nesse momento que surge a figura emblemática do magnata norte-americano Percival Farquhar. O sexto capítulo concentra-se na construção do Boulevard em si, nos melhoramentos realizados, nos novos equipamentos e no requinte dos materiais empregados. Por fim, o estudo analisa os usos que as pessoas fizeram da nova, moderna e ampla avenida, uso, aliás, disciplinado e imposto aos moradores pelo Código de Polícia da Intendência de Belém. Outra contribuição oferecida pelo estudo ilustra as quatrocentas páginas da tese: uma primorosa reconstituição gráfica do casario existente nas onze quadras do Boulevard da República, segundo as linhas arquitetônicas que tinha entre 1906 e 1914, período de construção da grande avenida.

Abaixo, casario do Boulevard da República, entre as travessas Frutuoso Guimarães e Campos Salles, redesenhado em suas linhas existentes entre 1906 e 1914. Fonte: Escritório M2N Arquitetos Ltda.


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Meio ambiente

Comércio padece com alagamentos Estudo aponta topografia, lixo e sistema de drenagem como causas Fotos Acervo do Pesquisador

Avenida Portugal, no centro comercial de Belém, em dia de maré cheia.

Amanda Nogueira

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á anos, Belém vem enfrentando alagamentos, principalmente durante o inverno amazônico, quando as chuvas são mais frequentes e a falta de um sistema de drenagem eficiente causa diversos transtornos aos moradores da cidade. Na dissertação

Alagamentos no Centro Comercial da Campina, Belém-PA: Identificação das Causas e suas Implicações de Acordo com a Percepção dos Comerciantes Locais, apresentada ao Núcleo de Meio Ambiente (Numa/ UFPA), Dyego Rodrigo Damazio discute as causas desse problema. A pesquisa foi realizada sob orientação dos professores Luiza Carla

Girard Mendes Teixeira e Claudio Fabian Szlafsztein. Focada, principalmente, no comércio de Belém, delimitada à área que compreende a Rua João Alfredo, entre a Avenida Portugal e a Travessa Frutuoso Guimarães, e o perímetro entre a Avenida Boulevard Castilhos França até a Rua Senador Manuel Barata, a pesquisa teve como propósito descobrir o que leva esses alagamentos a acontecerem nesses locais com grande número de comerciantes instalados e intensa circulação de pessoas. “Eu queria descobrir se o problema era a maré, a drenagem, uma educação ambiental falha, a falta de manutenção da rede, os problemas com resíduos sólidos, entre outras hipóteses que foram analisadas”, explica o pesquisador. O local é um dos centros econômicos mais importantes de Belém e pode ser considerado o coração do setor financeiro da cidade, assim como um dos pontos turísticos mais conhecidos da capital. “No local, existe um grande fluxo de pessoas trabalhando, visitando, que são expostas a essa condição, com perigo de contrair problemas de saúde”, esclarece o pesquisador.

Em época de cheia, as marés chegam a 3,8 metros Segundo Dyego Damazio, a causa principal dos alagamentos é a maré, não só do Comércio, mas também de toda a cidade. “A nossa cidade é muito baixa topograficamente, ela está abaixo do nível do mar. Quando a maré está muito alta, ela entra no sistema de drenagem, como acontece nos meses de março e abril, quando é o pico do inverno amazônico”, explica. Nessa época, a maré chega facilmente a 3,8 metros. Uma maré com mais de 3 metros já é o suficiente para causar problemas de alagamento. A área do Comércio, por ser muito baixa, sofre intensamente com esse problema.

Outro problema é o sistema de drenagem muito antigo, que data da época da fundação da cidade. O comércio foi uma das primeiras áreas saneadas de Belém e, desde então, não recebeu nenhuma proposta de revitalização. Eventualmente, acontecem ações de manutenção e limpeza, sem a renovação necessária, por isso existem seções de drenagem dos poços de visitas que estão danificadas e bloqueadas. “O sistema de drenagem daquela área precisa ser modificado urgentemente para dar conta da nova realidade da cidade. Por ser muito antigo, ele visava atender a outra demanda. Hoje, a área

expandiu-se e possui um fluxo mais intenso de pessoas, o que sobrecarrega o sistema”, indica o pesquisador. O lixo gerado pela área comercial também deve ser levado em consideração. Entre o período em que o lixo é depositado na rua para ser removido e o momento em que a prefeitura deveria passar recolhendo-o, a chuva cai e leva esse lixo para dentro dos bueiros até entupi -los, impedindo a passagem da água. “O lixo é um problema que pode ser resolvido com a conscientização dos comerciantes para fazer o depósito de forma adequada e com respeito aos horários da coleta”, avalia.


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Trabalhadores da área têm seus rendimentos diminuídos O pesquisador trabalhou diretamente com os comerciantes, procurando entender a perspectiva deles sobre como os alagamentos afetam a economia. Nos meses de alagamento, que podem começar no final de fevereiro e estender-se até abril, a economia da cidade é bastante prejudicada, já que o comércio é um dos setores econômicos que mais contribuem com o PIB de Belém. “Nos questionários que foram aplicados entre ambulantes e lojistas, foi constatado que eles perdem até 50% do seu rendimento normal em um dia de alagamento, muitos não vão trabalhar, pois não conseguem chegar ao seu local de trabalho, e muitos compradores deixam de ir ao comércio por causa da impossibilidade de transitar naquela área”, esclarece Dyego Damazio. “Fiz um levantamento histórico desses alagamentos, com

dados levantados tanto em órgãos públicos quanto na literatura, revendo estudos que já abordaram essa questão. Também conversei com os comerciantes da área, pois, mais do que ninguém, eles são capazes de fornecer informações precisas sobre o que está acontecendo naquela região. Também utilizei cálculos e dados estatísticos correlacionando o fluxo da maré, a quantidade de precipitação e a capacidade de drenagem do sistema, para mensurar, com precisão, a extensão e a intensidade dos alagamentos no local”, explica o pesquisador. Como solução principal, Dyego acredita que a revitalização do complexo de drenagem seria a melhor opção. “Existia um sistema de comporta no início do canal da Avenida Tamandaré. Esse sistema, segundo um engenheiro da Secretaria Municipal de Saneamento (Se-

san), ajudava a controlar a entrada da maré, mas esse sistema foi desativado em 2009, o que contribuiu para que os alagamentos se intensificassem”, revela o pesquisador. Para ele, um programa de educação ambiental promovido pela prefeitura para comerciantes e usuários da região ajudaria a reduzir os resíduos sólidos e evitaria a sobrecarga do sistema de drenagem. O pesquisador espera que os resultados do estudo forneçam subsídios para políticas públicas que visem à revitalização do Comércio. No futuro, Dyego Damazio gostaria de continuar trabalhando a questão dos alagamentos, com o foco direcionado para a saúde. “As questões de saúde não foram o foco das pesquisas, mas diversas pessoas afirmaram que se sentiam prejudicadas fisicamente pelos alagamentos. Essa situação coloca vidas em risco”, reitera.

Bocas de Lobo e sua situação operacional


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Entrevista

Edir Veiga

o seupráticas legado Novos cenários Qual e velhas Regras, ferramentas e manipulação de opinião paranasapesquisas UFPA? Alexandre de Moraes

Walter Pinto

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á 13 anos, o cientista político Edir Veiga avalia as tendências eleitorais dos paraenses por meio do Instituto iVeiga. A expertise acumulada ao longo dos anos coloca-o como privilegiado observador da cena política regional. Na entrevista que se segue, ele fala das metodologias de pesquisa, explica por que as margens de erro devem ser de no máximo 2%, critica a proposta que quer impedir a divulgação de consultas às vésperas de eleição, analisa a grave crise política nacional e, como professor com mais de trinta anos de atuação na UFPA, traça um perfil da Instituição que vem ajudando a consolidar.

Por que as pesquisas falham ? Todas as pesquisas possuem margem de confiança de 95%. Portanto errar faz parte dos riscos para quem atua no mercado das pesquisas eleitorais. Creio que o Tribunal Superior Eleitoral deveria obrigar os institutos a trabalharem obrigatoriamente em anos eleitorais com margem de erro de máximo 2%. Quando se trabalha com margem de erro de 3,4 ou 5%, está criado o contexto estatístico para a livre manipulação dos dados eleitorais. Quando o continuum varia para mais ou para menos no intervalo de 3 a 5%, nenhum instituto errará nenhuma pesquisa, mesmo que manipule os dados em até 10%.

Pesquisas, partidos e imprensa No Pará, temos o duopólio nas comunicações entre os grupos ORM e RBA. Esses

dois grupos disputam as verbas de publicidade dos governos municipal, estadual e federal. O grupo RBA tem ligações com o PMDB, e o Grupo ORM apoia qualquer candidato que seja contra o PMDB. Portanto os dois grupos não buscam isenção ao trabalhar com pesquisas.

Eles não têm comportamento republicano quando se refere à publicação de pesquisas eleitorais e à interpretação dos resultados. No Brasil, creio que existem grupos de comunicação isentos na divulgação e interpretações dos resultados das pesquisas. No Sul e Sudeste, já

existem ilhas de república em temas relacionados às pesquisas eleitorais e suas interpretações. No Pará, infelizmente, ainda não atingimos esse mesmo patamar. Por outro lado, a divulgação de pesquisas de opinião realizadas por institutos para partidos políticos des-


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moraliza os institutos que assim procedem perante a sociedade. Os partidos podem fazer suas pesquisas para consumo interno. Mas seria absurdo um partido publicar pesquisas eleitorais, afinal, nenhum partido publicaria uma pesquisa que lhe fosse desfavorável.

Pesquisas em véspera de eleição Penso que proibir a divulgação dos resultados de pesquisas às vésperas de eleição, como está propondo o Congresso, é um desserviço à sociedade. O eleitor precisa saber das tendências eleitorais da sociedade. Nos últimos dias que antecedem as eleições, todos os institutos querem acertar a pesquisa como instrumento de sobrevivência no mercado. Caso ocorram manipulações, estas provavelmente ocorrem em meses que antecedem as eleições.

Redes sociais como ferramenta de pesquisa Uma pesquisa via redes sociais atinge níveis de aleatoriedade que nenhum outro mecanismo viável atingiria. Podemos comandar uma pesquisa por Facebook em que milhões de pessoas recebem os questionários. Existem aplicativos, como o surveymonkey, que garantem total segurança contra manipulações por parte do eleitor. Logicamente que os questionários recolhidos deveriam ser ponderados de acordo com as variáveis sociológicas propostas pelo IBGE e é exigido pelo TSE. No entanto, para análises qualitativas e de diagnóstico de uma situação política ou em relação aos candidatos individualmente, a pesquisa de campo continuará insubstituível.

Metodologias de pesquisa Nos últimos 13 anos em que participo de pesquisas

eleitorais, já experimentei diversas metodologias de pesquisas. Experimentei pesquisas residenciais, muito utilizadas pelo Ibope. Depois, trabalhei com o método intecept usado pelo Datafolha, em que se pesquisa o eleitorado por fluxo em determinados pontos de concentrações de cada bairro. Trabalhei com pesquisas através do telefone, obedecendo às regras de distribuição amostral. Também trabalhei com pesquisas através de e-mail. No trabalho de campo, prefiro o método intercept, porque garante maior aleatoriedade, ou seja, garante acesso a todos os públicos da pesquisa. No método de pesquisa residencial, nossos coletores de dados nunca conseguiram acessar os condomínios fechados verticais e horizontais, assim como as zonas vermelhas dos bairros periféricos. Experimentamos muitos assaltos aos nossos colaboradores. Esses acontecimentos comprometem demais as amostragens quando utilizamos o método de coleta de dados baseados em pesquisas residenciais.

Crise política Creio que a crise expõe problemas sistêmicos de dimensão global, como a questão da falência financeira do Estado contemporâneo, e uma crise própria da cultura política predatória que se expressa na dimensão patrimonialista dos escândalos de corrupção que se apresenta em dimensão bilionária. A crise de dimensão global mostra-se devastadora e de maior agudeza nos países periféricos do sistema econômico mundial. A velha fórmula dos modelos de direita e esquerda, que sempre se alternaram na direção dos governos nacionais, parece esgotada. Até recentemente, os ciclos de alternância política na Europa e nos EUA tinham uma lógica que vinha contor-

nando as crises econômicas sistêmicas: governos de direita equilibravam as contas públicas por meio de corte de gastos sociais, desemprego e arrocho salarial, portanto políticas contracionistas. Aproveitando o desgaste político da direita, a esquerda vencia eleições e turbinava políticas distributivistas, com aumento de gastos sociais. Mas o desequilíbrio das contas públicas, a alta de inflação e a falta da capacidade do governo em fazer investimento em infraestrutura para o crescimento econômico causavam a derrota da esquerda. Hoje, essa fórmula parece esgotada. As megassociedades nacionais apresentam alto grau de participação corporativa. A direita não consegue mais aplicar políticas econômicas contracionistas sem consequência eleitoral imediata. E a esquerda não consegue aplicar suas políticas distributivista em virtude da falência das finanças governamentais. Enfim, a marcha indelével da igualdade pré-anunciada por Alexis de Tocqueville, no século XIX, parece uma realidade inapelável, ou seja, nem a esquerda consegue gastar, nem a direita consegue produzir governos austeros. O resultado recente das eleições francesas demonstra a queda de partidos tradicionais de direita e de esquerda naquele país. Portanto as instituições políticas precisam ser reinventadas, pois o modelo atual parece que não responde, do ponto de vista formal e substantivo, a esta sociedade em ebulição.

O que esperar da crise nacional De uma forma geral, podemos dizer que a crise que se instalou a partir do flagra de autoridades do poder executivo e legislativo brasileiro terá como consequência a melhoria das instituições que protegem o tesouro público, em detrimento

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de práticas predadoras contra as finanças públicas. Há que se fechar as torneiras pelos quais vazam o dinheiro público, além de apertar a legislação contra os crimes de colarinho branco e conceder o status de crime hediondo para os crimes cometidos por agentes públicos no exercício de funções públicas.

Os 60 anos da UFPA A UFPA é um dos grandes experimentos brasileiros de como construir uma instituição universitária baseada no compromisso público, na gestão descentralizada, na vocação para se espraiar por todo o território paraense e na participação da comunidade nos destinos acadêmicos e políticos da instituição, tudo isso, após o regime militar de 1964. Efetivamente, em 1984, quando a UFPA realizou sua primeira consulta democrática direta, a UFPA era uma instituição efetivamente de Belém. A nossa Universidade não passava de uma instituição de ensino e extensão. A atividade de pesquisa constituía-se em iniciativa individual de alguns institutos e pesquisadores e não se conformava como uma política pública de gestão. Nos últimos 30 anos, a UFPA firmouse como uma instituição acadêmica líder na Pan-Amazônia, implantou políticas de qualificação de pessoal docente e técnico--administrativo, expandiu-se para todas as meso e microrregiões do Pará, multiplicou o número de vagas para discentes e instalou políticas permanentes de apoio à assistência estudantil para os alunos com maior fragilidade social. Portanto a UFPA entrou no século XXI como uma ótima referência de como se trata a coisa pública com responsabilidade social e institucional, transparência pública e compromisso com o desenvolvimento humano, tecnológico e científico regional e nacional.


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Pesquisa

Sustentabilidade na publicidade? Tese investiga práticas sustentáveis em agências no Brasil e no Peru Renan Monteiro

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omo forma de indução a determinados comportamentos, a comunicação publicitária tem um papel determinante no campo social. Atualmente, diante de tantos meios para a sua difusão, fica difícil imaginar uma empresa, associação ou instituição que não utilizem a publicidade para agregar reconhecimento, valor ou mesmo capital. Nesse aspecto, o estudo de doutorado do publicitário Márcio Macedo, intitulado Publicidade e Sustentabili-

dade, um diálogo possível?, relacionou a publicidade com a sustentabilidade, na visão dos profissionais da propaganda. A tese foi realizada sob a orientação da professora Ligia Terezinha Lopes Simonian, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU), vinculado ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA). Foram feitas entrevistas em profundidade com profissionais da área, com o objetivo de averiguar qual o nível de práticas sustentáveis adotadas pelas agências de publicidade.

O campo de pesquisa foi a Pan -Amazônia brasileira e a peruana. Belém e Manaus foram as cidades da Amazônia brasileira, e Iquitos e Tarapoto foram as cidades da Amazônia peruana. No processo metodológico, Márcio Macedo explica que, primeiramente, fez um levantamento bibliográfico para verificar “o estado da arte nessa área”. As entrevistas com os publicitários foram feitas com base em um enunciado respaldado por esse levantamento bibliográfico. “Com base nesse enunciado, foram trabalhadas as dimensões da percepção de

sustentabilidade na visão do publicitário, as relações das empresas de publicidade com os seus anunciantes, as questões de envolvimento do profissional e da agência em ações socioambientais, entre outros aspectos”, explica o autor da tese. Márcio Macedo levantou aspectos históricos da publicidade peruana amazônica nas cidades de Iquitos e Tarapoto, assim como em Belém e Manaus. Os dados coletados na pesquisa de campo foram classificados e, com isso, foi feita uma análise estatística para demonstrar os resultados.

Autor utiliza conceito no sentido mais amplo É comum associar a sustentabilidade apenas ao aspecto ambiental, porém há uma gama de outras questões que envolvem a definição de “sustentável”. Em sua tese, Márcio Macedo trabalha com este sentido abrangente, “não é a sustentabilidade exclusivamente ambiental, estou falando de um ecossistema que envolve as questões econômica, social e ambiental, além da gestão dessas empresas’’, esclarece o pesquisador. Um exemplo desse conceito de sustentabilidade discutido na pesquisa pode ser visto quando o autor indaga se as agências procuram saber, quando contratam algum fornecedor, se ele utiliza algum tipo de trabalho análogo ao escravo ou se tem algum problema com a receita federal. Responsabilidade – Tendo o publicitário a habilidade de apresentar INFOGRÁFICO PRISCILA SANTOS

conceitos para um público, Márcio Macedo explica que esse profissional pode desempenhar um papel importante para o desenvolvimento sustentável. “O foco da sustentabilidade é que a gente pode - mesmo tendo que prestar serviço para empresas - inserir os aspectos éticos, de responsabilidade socioambiental dentro deste trabalho, pensando em uma perspectiva macro, que é a mudança de comportamento e hábitos”, avalia. “O que nós percebemos é que os publicitários pan-amazônidas são um pouco indiferentes a essa questão, ou seja, eles discutem sustentabilidade se houver demanda da empresa sobre isso. Nesse caso, eles pesquisam e desenvolvem aquela peça publicitária ou aquela campanha. Mas, no dia a dia, esse conceito não é algo internalizado’’, observa Márcio. Márcio Macedo acredita que tanto empresas quanto agências de publicidade deveriam focar na sustentabilidade, independentemente do cliente. “Agora, é claro, o cliente tem autonomia para aprovar ou não”, pondera Márcio, observando que a boa argumentação talvez faça a diferança. Este trabalho terá uma sequência no pós-doutorado do pesquisador. O objetivo é transformar os resultados da pesquisa em indicadores de sustentabilidade para serem adotados pelas agências de publicidade paraenses.


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Direito

Prática jurídica e formação cidadã Clínica faz aproximação com casos de defesa dos direitos humanos Gabriela Bastos

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riada com o objetivo de capacitar e qualificar alunos da Graduação e da Pós-Graduação em Direito, a Clínica de Direitos Humanos da Amazônia (CIDHA) é parte integrante do Laboratório de Direitos Humanos, que funciona desde 2011 e pertence ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA. A clínica conta com seis pesquisadores em diferentes áreas e é coordenada pela professora Lise Vieira da Costa Tupiassu Merlin. Uma das pesquisadoras é a diretora da Faculdade de Direito, Valena Jacob Chaves Mesquita.

Segundo Valena Jacob, nos últimos anos, cursos de Direito no Brasil começaram a desenvolver atividades de prática jurídica em defesa dos direitos humanos, por meio das clínicas jurídicas. Nesses espaços, os alunos passam a ter uma visão coletiva dos casos. “Na clínica, nós temos a preocupação e a perspectiva de formar um profissional atento à defesa dos direitos humanos da sociedade. Existe uma metodologia para que ele saiba acessar o sistema interamericano, pois é importante que o aluno saiba que, caso ocorra uma afronta aos direitos humanos, o Estado pode ser processado”, explica a professora.

A diretora afirma que a CIDHA valoriza o aprendizado que o caso real ou hipotético proporciona, para que o aluno desenvolva suas habilidades. A equipe também incentiva as ações de interesse público, principalmente as que estejam relacionadas à garantia dos direitos humanos. A clínica presta assessoria jurídica, desenvolve pesquisas e tem parceria com o Ministério Público do Estado do Pará e o Ministério Público Federal. A CIDHA atua em duas linhas de ação: a primeira é de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, na qual são pesquisadas e estimuladas políticas públicas relacionadas

ao ordenamento territorial, gestão e manejo agroflorestal, regularização fundiária, reconhecimento de áreas quilombolas e populações tradicionais, demarcação de áreas indígenas e criação de unidades de conservação, regulamentação e implementação de planos urbanísticos e combate ao trabalho escravo. A segunda linha de ação diz respeito ao Sistema Internacional dos Direitos Humanos, que, segundo Valena, capacita os discentes para acionar os sistemas internacionais de proteção em casos de violações de direitos humanos. As ações são feitas em parceria com organizações não governamentais e movimentos sociais.

Modelo foi criado pelas universidades norte-americanas O modelo de clínica jurídica vem de um arquétipo norteamericano, inspirado nas clínicas das Faculdades de Medicina, em que os alunos passam por um período de prática. Segundo a professora, nos Estados Unidos, as universidades perceberam ser necessário que o aluno seja preparado para enfrentar os conflitos sociais profundos que decorrem da afronta aos direitos humanos. “Nos EUA, existem clínicas de refugiados, clínica de trabalho escravo e várias outras, com o principal objetivo de resguardar os direitos humanos atacados”, revela Valena Jacob. No caso da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia, as atividades propostas são a promoção de direitos por meio de pesquisas, capacitação e outros materiais informativos; proteção de direitos por meio da criação e manutenção de banco de dados de jurisprudência, legislação nacional e tratados internacionais; consultoria para entidades governamentais, entre outras ações.

A professora ressalta o Amicus Curiae da CIDHA, no primeiro caso de trabalho escravo julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no qual 128 trabalhadores rurais submetidos ao trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, localizada no Sul do Pará, processaram o governo brasileiro e ganharam. S e g u n d o Va l e n a J a c o b , Amicus Curiae significa “amigo

da corte” e acontece quando alguém, mesmo sem ser parte da ação, intervém, com o objetivo de apresentar ao tribunal sua opinião em relação ao processo, para que o órgão julgador tenha mais elementos para decidir de forma legítima. Valena Jacob ainda ressalta que somente o Amicus Curiae da CIDHA foi citado na decisão final. Alexandre de Moraes

Bolsistas têm contato com casos reais de defesa dos direitos humanos.


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Fotos Alexandre de Moraes

A pesquisa atual é desdobramento do estudo sobre a levedura do cacau. Acesse conteúdo exclusivo na edição on-line.

Cerveja com estilo amazônico Estudantes pesquisam levedura para eliminar exportação Walter Pinto

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ada menos brasileiro do que uma cerveja brasileira. Parece incrível, mas a bebida alcoólica mais consumida no Brasil é quase toda produzida com matéria-prima importada. O malte, o lúpulo e o fermento, os ingredientes fundamentais, são todos importados de grandes escolas cervejeiras, como a Alemanha. De nosso, só a água que nos enferruja todos os dias, como diria um cervejeiro de boa cepa. É claro que isso não tira o prazer de tomarmos uma “gelada”, aquela chamada de “véu de noiva”. Os lugares-comuns abundam quando o assunto é a breja, uma das últimas denominações criadas para a nossa velha conhecida “loura gelada”. Na verdade, não parece ser um problema o fato de a matéria-prima ser

toda importada, a não ser na hora de pagar a conta. Já imaginou a economia que faríamos se essa matéria-prima fosse nacional? Se depender dos estudantes Letícia Ribeiro Carvalho Silva e Felipe de Andrade Maia, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da UFPA, isso está próximo de acontecer. Pelo menos com um dos componentes importados, o fermento, utilizado numa das principais etapas do processo de fabricação da cerveja, a fermentação, que resulta na transformação dos carboidratos em álcool, ácidos e gás carbônico. No Laboratório de Processos Biotecnológicos (Labiotec), sob a orientação da professora Alessandra Santos Lopes, Letícia e Felipe pesquisam a Saccharomyces cerevisae, a levedura fermentadora da cerveja, com objetivo de

encontrar uma levedura nacional, especialmente amazônica, capaz de produzir uma cerveja tão boa quanto as leveduras importadas. “Pensamos atuar nas grandes indústrias produzindo uma levedura nossa, com qualidade para substituir as leveduras importadas”, diz Letícia Ribeiro. A descoberta de uma levedura nacional poderá baratear o custo da produção, ao eliminar a despesa com importação. Segundo Letícia, “a fermentação é a parte mais cara do processo de fabricação da cerveja. Estamos na Amazônia, possuímos a maior biodiversidade do mundo, mas ainda não possuímos uma levedura que produza cerveja. Então, estamos empenhados em pesquisar essa levedura, que tenha a qualidade das importadas e conceda à cerveja um toque amazônico”.


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Inovação Um processo biotecnológico muito antigo De acordo com o historiador inglês Max Nelson, da Universidade Windsor, Canadá, autor de “A história da cerveja na Europa”, a cerveja é, atualmente, a terceira bebida mais popular do mundo, só perdendo para a água e para o chá, mas lidera, com folga, no item “bebidas alcoólicas”. Historicamente, a cerveja já era conhecida pelos antigos sumérios, egípcios, mesopotâmios e ibéricos, remontando, pelo menos, a 6.000 a.C. Uma das histórias sobre a sua origem remonta ao período neolítico, quando homens teriam esquecido a cevada na chuva, e isso gerou uma beberagem diferente. Logo, todo o clã estava provando e rindo muito. No século XVI, foi criada uma lei que regularizou a produção de cerveja. Para ser reconhecida como tal, a cerveja

deveria ser feita com malte de cevada, lúpulo e água. Em 1906, a lei foi alterada para se acrescentarem produtos como o trigo e o fermento. Mesmo depois da revogação dessa lei, o processo não mudou mais, prova do sucesso da fórmula. Segundo Felipe de Andrade Maia, a produção de cerveja, em virtude do seu extenso histórico, pode ser considerado como um dos mais antigos processos biotecnológicos. “Atualmente, existem diversos tipos de formulações, dependendo do tipo de cerveja, porém o processo produtivo e os componentes principais para elaboração do produto são basicamente os mesmos”, afirma. Receita – Os ingredientes são: malte, lúpulo, fermento e água. “O malte, produzido da cevada, o lúpulo e o fermento não são

produtos característicos da nossa região. Não temos como produzir malte e lúpulo, mas temos como processar o fermento. Mas a levedura desse fermento, a Saccharomyces cerevisiae, pode apresentar comportamentos diferentes na fermentação”, explica Felipe. As leveduras são aplicadas na fase de fermentação. A produção da cerveja começa pela preparação do mosto, que é uma espécie de caldo feito do malte. Em seguida, o mosto passa pelo processo de fermentação em biorreatores, grandes tanques em que ocorre o controle de temperatura, da quantidade de voltas da hélice no interior do tanque, da quantidade de oxigênio, do pH e da injeção de ácidos. Conforme o relatório da pesquisa produzido, em janeiro deste ano, por Felipe

de Andrade, “um dos fatores essenciais para a obtenção de uma cerveja de boa qualidade é a correta condução da etapa de fermentação do mosto. A literatura acadêmica afirma que o crescimento do microrganismo envolvido na fermentação confere mudanças no aroma, no sabor e na textura da matéria -prima. As leveduras excretam, durante o processo de fermentação, alguns compostos, como álcoois superiores, éteres, aldeídos, cetonas, compostos de enxofre e ácidos orgânicos, entre outros”. Ainda de acordo com o relatório, “os vários tipos de cerveja encontrados no mercado decorrem da maneira como são processadas as matérias-primas, da proporção em que elas são utilizadas, da duração das etapas de produção e do processo tecnológico empregado”.

Depois de envazada, cerveja tem 20 dias de maturação A preparação das leveduras é uma das etapas mais importantes do processo de produção da cerveja. No Laboratório de Processos Biotecnológicos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da UFPA, os pesquisadores produzem e identificam todas as leveduras. Esses microrganismos são preservados em baixa temperatura até que sejam reativados. As leveduras são colocadas em temperatura adequada e imersas num meio de cultura para serem cultivadas, até crescerem e atingirem uma quantidade indicada para a produção de cerveja. Em seguida, são centrifugadas para que ocorra a separação da biomassa do meio de cultura em que estão imersas. Essa biomassa é usada para fermentar a cerveja. O processo de produção da cerveja no Labiotec ainda é bem simples, porque a orientadora da pesquisa, professora Alessandra Santos Lopes, compra o malte líquido, o que agiliza o processo ao eliminar a fase de fervura do malte.

“Só precisamos ajustar a proporção de água, ferver e passar para o balde, em que o mosto vai se transformar em cerveja. É nesse balde que colocamos a biomassa de levedura já reativada. Em seguida, a cerveja é envasada em garrafas e submetida ao processo de maturação por vinte dias. Encerradas

todas essas etapas, a cerveja estará pronta para o consumo”, conta Letícia Ribeiro. Ela acrescenta que a pesquisa não está preocupada em enquadrar a cerveja produzida em laboratório a um estilo. O mais importante, afirma, é produzir uma cerveja com características amazônicas, feita com leveduras da região.

No Laboratório de Processos Biotecnológicos, pesquisadores produzem e identificam todas as leveduras.


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Ribeirinhas professoras A singular trajetória de três docentes da UFPA Renan Monteiro

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que verdadeiramente deve representar uma universidade pública é a sua diversidade: por ela, circulam pessoas de diferentes classes sociais, etnias, comportamentos. Essa diversidade faz uma reprodução da sociedade, porém uma reprodução em que todos têm as mesmas oportunidades. Se, hoje, entrar em uma universidade pública é um imenso desafio, há algumas décadas, esse desafio era ainda maior, principalmente para

pessoas menos favorecidas socioeconomicamente. Na Universidade Federal do Pará, há algumas histórias de pessoas que traçaram um percurso muito diferente daquele que estavam fadadas a percorrer, caso não tivessem oportunidades. Esta reportagem traz como exemplo as professoras da UFPA Isabel, Eugênia e Conceição, conhecidas como “Rosas Cabral” no ambiente acadêmico, que foram ribeirinhas e consideravam a UFPA um verdadeiro “oásis”.

“Quando, de barco, a gente passava em frente ao campus, era sempre um encantamento apreciar a Universidade. Porém era um universo que não fazia parte do nosso. Não passava pelas nossas cabeças entrar na UFPA. Nós não acreditávamos que era possível ingressar na universidade. Naquele tempo, poucos pobres estudavam aqui”, lembra a professora e biomédica Isabel Cabral, a irmã mais nova. As três irmãs nasceram na zona rural do município de Bujaru e mudaram-se para Belém após o ensino fundamental,

pois, naquela região, o nível escolar era até a chamada quarta série, hoje 5º ano. “No interior, da minha casa até a escola, eu e minha irmã Eugênia remávamos por uma hora. Eu tinha cerca de cinco anos; e a minha irmã, sete. Na maioria dos meses, íamos sozinhas”, conta Isabel Cabral. Como a família, inicialmente, não tinha uma casa na capital, as irmãs moravam em casas de parentes e amigos. Quando já estavam no ensino médio, um parente comprou uma casa no Jurunas e doou para a família Cabral.

Adolfo Lemos


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Pais, semianalfabetos, foram os grandes incentivadores Eugênia Cabral foi aluna de Ciências Sociais e, hoje, é docente no mesmo curso. Ela conta que seus pais eram semianalfabetos, e, a despeito disso, eles foram os grandes incentivadores das filhas. Segundo a professora, a preparação para o vestibular foi muito difícil. Ela trabalhava durante o dia e fazia o cursinho preparatório à noite. ‘’Quando falávamos com os nossos vizinhos que nós estávamos estudando para ingressar no ensino superior, percebíamos que eles não acreditavam, riam de nós, porque, em 1980, para a população pobre, isso era muitíssimo difícil, como ainda é até hoje. As estatísticas confirmam isso’’, diz Eugênia.

Conceição, a irmã mais velha, docente no Instituto de Ciências da Educação, trabalhava em jornada de oito horas diárias, o que a impedia de dedicar-se à preparação para o vestibular no curso com que sonhava. Foi aprovada em Ciências Biológicas, quando desejava ingressar em Medicina. No meio de sua graduação, aos 23 anos, casou-se e engravidou. Conceição diz que o apoio da mãe e das irmãs foi fundamental para evitar a evasão escolar. O processo que envolve a vinda de famílias do interior para a capital, em busca de estudos e melhores condições de vida, aqui, na Região Norte, na maioria das

vezes, não resulta em sucesso. Essas irmãs têm uma história fora do padrão, pois, apesar de muita dificuldade, as três alcançaram os seus objetivos. Mas a trajetória durante a graduação não foi fácil. Isabel Cabral descreve a rotina pesada: “Eu ficava na UFPA das 7h30 às 23h, no antigo sistema de créditos, com dinheiro para apenas uma refeição. Foi durante a minha pós-graduação, na Unicamp, que eu percebi o quanto a nossa história era diferenciada e incomum. Primeiro, em uma família de oito filhos, todos sobreviveram; desses oito, seis concluíram o ensino superior aqui, na UFPA’’, comemora.

O choque de realidade com o ambiente universitário São três trajetórias e muitas lembranças. Mas um momento significativo na vida delas como universitárias foi a conquista do direito à meia passagem nos transportes coletivos. Isabel fala dessa questão: “A gente organizava passeatas e, mesmo sem celular, conseguíamos mudar os locais de concentração, porque a polícia reprimia muito. Esse momento foi muito marcante do ponto de vista político”. Para Eugênia, o ambiente da UFPA foi um choque de realidade. ‘’Nós estávamos vivendo o processo de redemocratização, e chegar à Universidade, nesse momento, foi encarar uma nuvem de liberdade, quando vivemos muitas coisas diferentes do que vivíamos fora da Universidade. Ainda hoje, a UFPA representa isso’’, afirma a professora. ‘’Na UFPA, a liberdade política estava em construção. Aqui, começou a luta pela meia passagem. Aqui, era e é o lugar onde a irreverência se mostrava/mostra nas roupas e nos cabelos tão diferentes do usual. Este espaço te possibilitava essa diferenciação, e você fazia/faz questão de mostrar isso’’, ressalta. Os depoimentos das irmãs Cabral mostram o quanto é difícil para as populações mais carentes a conquista de uma vaga no ensino superior. ‘’As condições, as expectativas e as dificuldades, assim como as formas de superação não são as mesmas. A chance de alunos das escolas públicas chegarem à universidade, àquela época, era pequena. Se esses jovens vinham do interior - por falta de escolas no campo -, a chance poderia diminuir ainda mais. E essa chance, nós tivemos’’, festeja Conceição Cabral.

As irmãs Isabel e Eugênia Cabral no cenário famíliar por muitos anos: a margem do rio Guamá.

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Resenha Muito à frente de seu tempo Walter Pinto

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s origens mais remotas da Maçonaria no Pará datam de 1815, quando aportou em Belém frei Luís Zagalo, que teria feito pregação revolucionária na capital paraense e em Cametá, espalhando ideias subversivas entre escravos e influenciando o cônego Batista Campos, um dos principais protagonistas das lutas que levariam à Cabanagem. Zagalo logo foi acusado de “apóstata e pedreiro livro”, o que significava ser maçom. Muito deste protagonismo rebelde da Maçonaria no Pará foi reconstruído recentemente pelo historiador e professor da UFPA Elson Luiz Rocha Monteiro, em tese de doutorado que deu origem ao livro Maçonaria, poder e sociedade no Pará na segunda metade do século XIX, publicado pela Editora Açaí. O livro tem como recorte o período entre os anos 1850 e 1900, marcado por profundas modificações na estrutura política e social do País. O autor pretendeu, inicialmente, discutir o papel da Maçonaria na “Questão Religiosa”, o conflito ocorrido no Brasil, na década de 1870, que opôs a Igreja Católica à Maçonaria e acabou se tornando uma grave questão de Estado. Mas a análise de fontes pouco pesquisadas nos arquivos maçons, como relatórios, atas de reuniões, mensagens e ofícios da Grande Oriente do Brasil, assim como a leitura de jornais revelaram muito sobre a atuação de intelectuais maçons nos embates abolicionistas e republicanos do final do século XIX. Maçons como Samuel MacDowell, Dr. Assis, Lauro Sodré, Serzedelo Corrêa, Justo Chermont, Paes de Carvalho, José Veríssimo, Padre Eutichio, cônego Ismael Nery, entre outros, foram protagonistas

destacados daqueles embates, mantendo acesa a chama libertária introduzida no Pará pelo combativo Zagalo. O estudo, porém, inicia-se por questões relacionadas à historiografia maçônica e ao desenvolvimento da Maçonaria, que se confunde, no Brasil, com a história da Grande Oriente do Brasil, envereda pela “Questão Religiosa”, destacando o Pará e também o Amazonas como palcos principais daqueles embates, e detém-se no estudo da relação entre Maçonaria, poder e sociedade, que lhe serve de título. O autor observa que a atuação de maçons nas questões abolicionista, religiosa e republicana, que, sob a inspiração do Iluminismo, defenderam, entre outras ideias, a educação laica, o federalismo e a separação Igreja-Estado, não foi resultado de atuações individuais, mas foi algo articulado e debatido dentro das lojas maçônicas. Oriunda das Corporações de Ofícios da Idade Média, a Maçonaria atravessou os séculos como sociedade progressista e evolucionista. Mas, por ser considerada uma sociedade secreta, cheia de segredos e mistérios, sempre intrigou o grande público. No entanto, como demonstra o autor, o que moveu a Maçonaria a influenciar e a interferir no processo político das nações em que suas lojas se inseriram não foi nada de secreto ou misterioso, mas sim um espírito libertário e humanista, assim como o racionalismo científico. Os ideais maçônicos foram abraçados por muitos brasileiros ilustres, mesmo em lados opostos. O imperador Pedro II e o marechal que o destronou, o republicano Deodoro da Fonseca, eram maçons. Quase todos os presidentes da Primeira República também o eram. A inserção da Maçonaria na sociedade brasileira deu-se

Reprodução

tanto no plano macro como no micro. No Pará, a fundação da primeira loja maçônica, a “Tolerância”, em 22 de janeiro de 1831, teve a participação do então presidente da Província José Félix Pereira Pinto de Burgos, o Barão de ItapicuruMirim. Curiosamente, teria sido o cônego Batista Campos, rejeitado como membro daquela sociedade secreta, um dos seus mais contundentes inimigos, conforme relato de Domingos Antonio Raiol em “Motins Políticos”. Em qualquer púlpito, o cônego pregava contra a Maçonaria chamando os maçons de “adoradores do diabo” e até de “praticantes de incestos”. Outra importante contribuição da tese de Elson Monteiro é trazer para os leitores de hoje o debate travado na imprensa paraense entre maçons e seus opositores, em torno de questões definidoras

do momento. O abolicionismo, por exemplo, foi defendido por uma parcela da elite paraense integrada, entre outros, pelo advogado Samuel MacDowell e pelos políticos liberais Tito Franco e Gama Malcher, todos maçons. Aliás, conforme revela o estudo, o engajamento da Maçonaria paraense na questão abolicionista está presente de forma sistemática desde o início da década de 1870, com a libertação constante de escravos dentro das lojas maçônicas. O livro desvenda o véu do mistério que sempre envolveu a Maçonaria e revela uma instituição muito à frente de seu tempo. Serviço - Maçonaria, poder e sociedade no Pará na segunda metade do século XIX (1850-1900). Élson Luiz Rocha Monteiro. Editora Açaí, 2017.


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A Histรณria na Charge

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