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ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXXi • N. 136 • aBriL e Maio de 2017

Um novo olhar para velhos instrumentos

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Nesta edição • Física para o ensino médio • Outro conceito de deficiência • violência na mídia


UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-dRT/PE) Reportagem: Amanda Nogueira, Brenda Rachit, Gabriela Bastos, Renan Monteiro (Bolsistas); e Walter Pinto (561-dRT/PA). Fotografia: Adolfo Lemos e Alexandre Moraes Fotografia da capa: Alexandre Moraes Ilustrações: Priscila Santos (CMP/Ascom) Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: danilo Santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson Nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Secretaria: Nayara Faro Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Emmanuel Zagury Tourinho vice-Reitor: Gilmar Pereira da Silva Pró-Reitor de Administração: João Cauby de Almeida Jr. Pró-Reitora de desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Karla Andreza duarte Pinheiro de Miranda Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Edmar Tavares da Costa Pró-Reitor de Extensão: Nelson José de Souza Jr. Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Rômulo Simões Angélica Pró-Reitora de Planejamento e desenvolvimento Institucional: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Horácio Schneider Prefeito: Adriano Sales dos Santos Silva Assessoria de Comunicação Institucional – ASCOM/ UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa. N.1 – Prédio da Reitoria – Térreo CEP: 66075-110 – Guamá – Belém – Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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Projeto de pesquisa “Arqueologia Musical na Amazônia” está analisando instrumentos musicais de acervos tapajônicos e marajoaras encontrados no Museu Paraense Emílio Goeldi, no Museu Nacional da UFRJ e no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Para manipular o som e classificar as peças, os pesquisadores contaram com réplicas feitas por ceramistas do distrito de Icoaraci, em Belém. Encantar alunos do ensino médio e trazê-los para as faculdades do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da UFPA. É isso que o Projeto “Física e Tecnologia para a Escola” tem feito há 12 anos. O projeto promove palestras com especialistas que apresentam temas complexos, em linguagem acessível para os adolescentes. “Hoje, temos uma falha pedagógica na formação dos alunos. Não se estimula o conhecimento, mas a obtenção de um resultado”, afirma Petrus Alcantara, coordenador do Fisescola. Nesta edição: a cobertura literária nos jornais Folha do Norte e em O Liberal; legislação vigente não garante vagas no mercado de trabalho para pessoas com deficiência; resenha traz uma proposta anarcometodológica para as artes; em entrevista, o vice-reitor Gilmar Pereira da Silva anuncia que as políticas de inclusão devem avançar nos campi do interior.

Índice A escola como espaço de proteção social .............................4 Arqueologia musical na Amazônia ......................................5 Em sala de aula, eles são todos iguais .................................6 Física e tecnologia na escola ............................................8 Literatura e jornalismo lado a lado .....................................9 “O que nos une é a diversidade” ...................................... 10 Pronto para o consumo . ............................................... 12 Um conceito amplo e acolhedor ..................................................14 Olhando para além do horizonte ..................................... 16 Uma proposta anarcometodológica para as Artes .................. 18

Rosyane Rodrigues Editora Mirante do Rio, um novo espaço de ensino na UFPA Fotografia de Alexandre Moraes


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Opinião Adolfo Lemos

A escola como espaço de proteção social

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escola sempre teve destaque na organização formal das instituições contemporâneas, sofrendo pressões políticas e ideológicas para se configurar como espaço privilegiado, seja com base em paradigmas politicamente mais tradicionais, cuja finalidade de reprodução social consolida sua maior vocação nas sociedades capitalistas, seja como espaço de formação radical e emancipadora que resiste ao modo de vida do capital, ainda que nunca tenha sido hegemônico na história da educação brasileira. Reflito sobre a qualidade social da educação ofertada a partir da interpretação dos marcos normativos recentes da política educacional brasileira, tais como Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Diretrizes Curriculares da Educação em Direitos Humanos e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Embora os regulamentos mais importantes da política educacional brasileira posteriores à Constituição Federal de 1988 construam uma nova função para a escola – a de ser espaço protetivo de direitos de crianças e adolescentes –, parto do argumento que, ela ainda funciona como espaço

Daino / Free Images

prioritário de escolarização e de reprodução cultural da classe dirigente, cujas práticas e rotinas são baseadas na reprodução de valores que regem a lógica do trabalho, do consumo e do ideal de abundância como sinônimo de felicidade, replicando atitudes, valores e comportamentos do que Arendt (2005) denominou de animal laborans. Referidas normas inauguram uma nova concepção formal de educação e de escola com base em três premissas jurídicas, cujas efetivas materialidades são, ainda hoje, almejadas: a primeira prevê que crianças e adolescentes sejam apresentados à escola como sujeitos de direitos; a segunda determina que a escola passe a ser definida como um privilegiado espaço de proteção dos direitos, articulando-se ao Sistema de Garantia de Direitos; e a terceira aponta a necessidade de se forjar um novo paradigma de educação como direito humano subjetivo, no qual os seus princípios primordiais (totalidade, disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade) ganhem contornos de efetivação de política pública demandada pela sociedade civil. Defendo que se assegure a acessibilidade à escola como espaço

de proteção de acordo com critérios equitativos e não somente a partir da formalidade liberal de igualdade, determinando a dignidade humana como premissa pedagógica, com base na vivência da cultura em direitos humanos na escola. Assim, três proposições – a educação como bem comum; o direito à educação como direito subjetivo e universal; a escola como espaço de proteção – devem atuar com base em uma dinâmica distributiva de saberes, conhecimentos e competências, transformando a máxima liberal da igualdade de oportunidades em intervenção estatal pela educação equitativa, definida como justiça social, ampliando as possibilidades de os mais vulneráveis superarem os condicionantes históricos que os fizeram vulneráveis. Proponho, para tal, o Decálogo da Escola como Espaço de Proteção Social, no qual a escola deve ser: 1. Espaço Democratizante, em que são formados valores para o fortalecimento da cultura democrática; 2. Laica em suas rotinas pedagógicas e de gestão; 3. Inclusiva, em atendimento às diversidades e às diferenças que a compõem; 4.Centrada no estudante; 5. Sustentável, sendo referência à comunidade na qual se insere; 6. Universal, ampliando possibilidades de cidadania para todos e para cada um; 7. Lugar de formação continuada de toda a comunidade educativa; 8. Multidiscursiva, articulando culturas diferentes; 9. Produtora de capital social e solidariedade; 10. Intersetorial, articulando-se com outras instituições da rede de proteção social. Subversivo demais? Predisponho-me à desobediência da ordem e escudo-me em Paulo Freire, que admite a esperança como princípio essencial à realização de qualquer empreitada, mesmo as mais difíceis. Ele embala a minha utopia! Émina Márcia Nery dos Santos – professora do ICED, coordenadora do Grupo de Estudos em Educação em Direitos Humanos. e-mail: emina@ ufpa.br


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Cultura

Arqueologia musical na Amazônia Pesquisadores estudam instrumentos tapajônicos e marajoaras Alexandre Moraes

Renan Monteiro

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s povos originários e tradicionais do Brasil sempre tiveram uma íntima relação com a produção musical e sonora. O som esteve presente em momentos muito relevantes das práticas culturais desses povos, seja em rituais, cerimônias, seja em atos xamânicos. Mesmo hoje, com todas as mudanças sociais e culturais, existem comunidades indígenas que mantêm suas práticas musicais. Partindo desse contexto e especificando essa relação entre sociedades remotas e atividades sonoras, a pesquisadora Líliam Barros, do Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Ciências da Arte (ICA/UFPA), coordena o Projeto de Pesquisa Arqueologia Musical na Amazônia. O trabalho desenvolve-se em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e com o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O projeto tem como objetivo o estudo dos instrumentos musicais das culturas pré-cabralinas, analisando acervos tapajônicos e

marajoaras encontrados no Museu Paraense Emílio Goeldi, no Museu Nacional da UFRJ e no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. A pesquisa está dividida em quatro fases: o levantamento bibliográfico e documental com a literatura arqueológica existente, a análise organológica (classificação dos instrumentos musicas) das coleções, a confecção de réplicas das peças e a criação de um catálogo. Na primeira fase do projeto, Líliam Barros utilizou, como fontes bibliográficas, relatos coloniais de

Peças do acervo são antropomorfas, zoomorfas ou híbridas.

padres, como os da Companhia de Jesus, que deixaram informações de fatos documentados por onde passaram. “O projeto tentou contextualizar os instrumentos com a documentação já existente, identificando, assim, padrões do processo de sonorização”, explica. No entanto a pesquisadora ressalta que é preciso “filtrar” essa fonte histórica, pois os jesuítas tinham uma visão etnocêntrica e não consideravam como musical as práticas dos povos antigos, e sim como práticas demoníacas.

Réplicas foram confeccionadas por mestres de Icoaraci As peças analisadas têm características peculiares. Muitas são antropomorfas (características humanas), zoomorfas (formas animalescas) ou híbridas. ‘‘As formas que estes instrumentos adquirem estão bastante relacionadas com os caracteres cerimonial, xamânico e transformativo que permeiam as práticas musicais’’, esclarece a pesquisadora. Com base na análise organológica, foi verificado que grande parte dos instrumentos analisados foi classificada

como idiofônico, aqueles que geram sons com o atrito do seu próprio corpo ou com objetos de entrechoque, como fragmentos de argila encontrados em seu interior. Outras peças foram classificadas como aerofones, aquelas que dependem do ar para a geração do som. Para a confecção das peças, os pesquisadores procuraram os ceramistas do distrito de Icoaraci, em Belém, com experiência em produção de réplicas de cerâmicas marajoara e tapajônica. Em fevereiro de 2015, foi feito o convite aos

mestres Inez Cardoso e Levi Cardoso para confeccionarem réplicas dos instrumentos musicais constantes nos acervos da Reserva Técnica Mario Simões do MPEG. ‘‘Nós optamos em fazer as réplicas para manipular o som. Esses sons foram gravados e nós pretendemos criar um banco de dados no site do Laboratório de Etnomusicologia da UFPA’’, explica Líliam Barros. Foram confeccionados dois conjuntos com 13 peças representativas do acervo do MPEG. “Um con-

junto ficou no LABETNO/UFPA; e o outro, no MPEG”, conta a professora. No Brasil, o projeto é um dos pioneiros no estudo sobre a música dos povos indígenas antes da invasão europeia. “Este tipo de pesquisa pode subsidiar outros estudos sobre essas populações. Além disso, estudar os povos passados é necessário para compreendermos o nosso próprio presente’’, avalia. O catálogo das réplicas – que consiste na quarta fase do projeto – tem previsão de lançamento para este ano.


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Graduação

Em sala de aula, eles são todos iguais Estatística indica mesmo desempenho entre cotistas e não cotistas Gabriela Bastos

A Dissertação analisou o percurso dos alunos em 17 cursos, nos períodos de 2009 e 2011.

cada ano, mais alunos ingressam na UFPA por meio do sistema de cotas. Avaliar a permanência e o desempenho acadêmico desses estudantes estava entre os objetivos da dissertação defendida pelo pesquisador Otávio Roberto Ferreira Mendes, no Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. De acordo com a pesquisa, o debate sobre o sistema de cotas teve início em 2005, com a promulgação de uma resolução do Conselho Superior de Ensino e Pesquisa da

UFPA, que destinou 50% das vagas do Processo Seletivo Seriado para alunos que cursaram todo o ensino médio em escola pública. A política de cotas foi consolidada com a Lei 12.711/2012, que estabelece que todas as instituições federais de ensino superior reservem vagas para alunos oriundos de Instituições Públicas de Ensino. As ações afirmativas foram criadas com o objetivo de diminuir diferenças sociais, educacionais, econômicas e de assegurar proteção às minorias e aos grupos que, no passado, sofreram discriminação da sociedade. O interesse pelo tema surgiu da rotina de trabalho do pesquisador

no Centro de Processos Seletivos da UFPA. “Eu trabalho com o vestibular e tenho acesso a esses dados. Tenho certeza de que, se não tivéssemos as cotas, esses grupos teriam menos acesso à Universidade. Fiquei curioso em saber o que acontece depois que essas pessoas se tornam alunos da UFPA”, explica Otávio Mendes. Essas trajetórias estão no estudo Indicadores de Permanência e Desempenho dos Alunos da Universidade Federal do Pará Campus Belém: um estudo comparativo entre cotistas e não cotistas ingressantes nos períodos de 2009 e 2011, realizado sob a orientação da professora Marina Yassuko Toma. Fotos Alexandre Moraes


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Evasão: números desmentem senso comum Uma ilustração do efeito positivo da ação afirmativa de acesso por meio de reserva de vagas é evidenciada pela simulação no Processo Seletivo 2012 da UFPA, no qual, sem aplicação do sistema de cotas, apenas um candidato oriundo de escola pública seria classificado nos cursos de Arquitetura e Urbanismo-Matutino e de Engenharia Naval-Matutino. No curso de Medicina-Integral apenas quatro candidatos do ensino médio público seriam classificados, de um total de 150 vagas. Neste mesmo processo seletivo, de um total de 93 cursos ofertados para a capital, em 71 deles, o número de classificados dos egressos do ensino privado seria maior do que o do ensino público, totalizando 636 candidatos de escola pública que deixariam de ser classificados, o que representa 31% das vagas desses cursos. Otávio Mendes explica que existem duas hipóteses do senso comum sobre alunos cotistas, e ele buscou desmistificar isso em sua dissertação: “A primeira é que alunos cotistas se evadem mais, e a segunda é que esses alunos possuem desempenho inferior ao dos alunos não cotistas. Eu nunca acreditei nisso, sempre pensei que, quando o aluno cotista consegue a oportunidade de entrar na UFPA, ele vai se valorizar mais, principalmente como uma chance de mudar de vida”, afirma.

A metodologia utilizada constituiu-se em um estudo de caso. A primeira parte contou com uma pesquisa bibliográfica de teses, dissertações, periódicos e sites que falassem sobre políticas públicas, ações afirmativas, cotas, evasão e desempenho no ensino superior. O pesquisador também utilizou a legislação da UFPA sobre a política de cotas.

Já na segunda parte, Otávio teve acesso ao banco de dados institucional em que estão armazenadas todas as informações sobre os vestibulares e os registros acadêmicos. Foram analisados os 12 cursos mais demandados pelos cotistas, entre eles, Educação Física e Medicina, e os cinco cursos menos demandados.

Observação pode ser ampliada para outros campi O pesquisador acredita que as cotas são medidas acertadas e inclusivas. Para Otávio Mendes, ações como essas garantem, efetivamente, o acesso de minorias às universidades públicas. A pesquisa foi uma oportunidade de contrapor o que diz o senso comum sobre a política de cotas. “Dados interessantes para reafirmar a política de cotas são os de 2010, dos cursos de Enfermagem, Comunicação Social e Teatro, nos quais os cotistas obtiveram aproveitamento de 100%. Isso nos faz pensar que, em

relação ao desempenho estudantil, os cotistas não se diferem dos demais alunos”, revela Otávio. De acordo com os dados levantados, o desempenho dos cotistas é estatisticamente igual ao dos não cotistas, assim como o índice de integralização de curso. “No ano de 2009, em 12 cursos, os cotistas obtiveram maior desempenho acadêmico do que os não cotistas. O Programa de Permanência implantado pela Pró-Reitoria de Extensão da UFPA é um dos fatores que contribuíram para a redução da evasão. O

benefício é concedido a alunos sem condições de custear a alimentação, o transporte e o material didático”, explica o pesquisador. Para Otávio Mendes é importante acompanhar o desempenho acadêmico e a permanência dos alunos cotistas, pois os dados podem ser utilizados como instrumento de gestão acadêmica. Com os índices acadêmicos, as taxas de aprovação, a evasão e com a integralização dos cursos, outros estudos podem surgir, abrangendo os campi da UFPA no interior.

Estudo confirma que a política de cotas garante o acesso das minorias às universidades públicas.


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Extensão

Física e tecnologia na escola Projeto leva ciência para alunos do ensino médio Fotos Acervo da Pesquisa

Amanda Nogueira

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Projeto de extensão “Física e Tecnologia para a Escola” (Fisescola), do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da UFPA, funciona há 12 anos e tem entre seus objetivos estimular jovens do ensino médio a ampliarem seus conhecimentos sobre Física e Tecnologia. Atualmente, o projeto, coordenado pelos professores Petrus Alcantara Junior e Luís Carlos Bassalo Crispino, apresenta aos estudantes as descobertas da Física nos séculos XX e XXI e os seus avanços tecnológicos, além de abordar a Física Clássica de forma mais dinâmica e atraente. Criado em 2004, o projeto possuía poucos recursos e não contava com computadores e projetores. “Por conta disso, nós resolvemos conseguir recursos para montar um pequeno acervo para o projeto”, revela Crispino. Nesse primeiro ano, todas as palestras foram ministradas no Colégio Paes de Carvalho. Em 2005, passou a

Cosmologia e energia renovável estão entre os temas das palestras ministradas.

Saiba Mais http://www. fisescola.ufpa.br/

funcionar em outras escolas. O Fisescola foi crescendo a cada ano, aumentando o número de pessoas beneficiadas e passou a contar com bolsistas. Em 2007, o projeto garantiu o transporte para que alguns alunos pudessem assistir às palestras na UFPA. Segundo os coordenadores, o tema das palestras é escolhido pelos palestrantes, tendo como única exigência que a linguagem seja acessível. “As palestras têm relação com as nossas áreas de pesquisa”, explica Petrus. “São palestras com diferentes temas. Alguns são extremamente teóricos; outros são mais ‘pé no chão’”, acrescenta Crispino. Em 2011, o projeto possibilitou o acesso dos alunos a duas palestras feitas por ganhadores do Prêmio Nobel. “Esse foi um ano muito especial. As palestras foram um sucesso, com tradução simultânea e, o Centro de Convenções Benedito Nunes lotado”, relembra o professor Crispino. O próximo passo foi chegar às escolas privadas.

Dificuldade é achar tempo livre na agenda escolar Um dos obstáculos encontrados pelo Fisescola é a dificuldade em marcar os seminários em alguns colégios. “Não é fácil. Às vezes, levamos meses para realizar uma palestra em uma nova instituição”, lamenta o professor Luís Carlos Crispino. As instituições alegam ter uma agenda cheia, daí a dificuldade em encontrar uma data livre. Procurando garantir previamente a presença dos alunos nas palestras, algumas escolas precisam oferecer pontos extras aos alunos ou associar o seminário ao vestibular. “Uma das primeiras perguntas feitas nas escolas é: “Vocês vão explorar os assuntos do ENEM?”, relata Crispino. Ele critica esse comportamento e garante que os alunos acabam se interessando pelas exposições, principalmente pelas

novidades apresentadas. “Devido ao nosso vínculo com a Academia, por vezes, temos acesso a informações e conteúdos mais restritos, como imagens realizadas por equipamentos, instrumentos, satélites etc., que uma pessoa comum não possui”, afirma o professor. A falta de uma programação complementar é perceptível tanto em instituições públicas quanto nas instituições privadas. “Temos uma falha pedagógica na formação dos alunos, não se estimula o conhecimento, mas sim a obtenção de um resultado”, adverte o coordenador Petrus Alcantara. A ausência desse conteúdo complementar é causada pela preocupação excessiva com o vestibular. “Os pais precisam perceber que, ao permitir uma formação mais ampla,

você está investindo para que seu filho seja um profissional melhor, mais capacitado e, consequentemente, de maior valor”, acrescenta Crispino. Diferentemente do que é vivenciado nas instituições de ensino tradicionais, nas quais os alunos reclamam de aulas repetitivas e desgastantes, os palestrantes relatam que a recepção dos estudantes é excelente. “Eu vejo o brilho nos olhos deles durante e depois das palestras”, relata Petrus Alcântara. De acordo com os coordenadores, o Fisescola é uma contribuição para apresentar a Ciência de uma forma dinâmica e combater a falta de interesse na formação científica dos jovens paraenses. “Conhecer a Ciência não deve ser um privilégio de um cientista, mas sim de todo cidadão”, conclui Petrus.


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Memória

Literatura e jornalismo lado a lado Estudo analisa cobertura literária na Folha do Norte e em O Liberal Fotos Acervo da Pesquisa

Renan Monteiro

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ouve um tempo em que a literatura e o jornalismo estiveram lado a lado. Em meados do século XIX, por exemplo, o jornalismo era fortemente contaminado pela literatura. Mesmo hoje, não é de duvidar que, em todas as instituições formadoras de profissionais da mídia, haja aqueles que pretendam ser escritores literários. De outro modo, importantes escritores brasileiros tiveram o jornalismo como profissão. Machado de Assis, por exemplo, foi revisor de jornal e aprendiz de tipógrafo. Manoel Antônio de Almeida trabalhou como redator no Jornal Correio Mercantil. Levando em consideração esse contexto, a jornalista Lívea Pereira Colares da Silva realizou a pesquisa Trilha das letras no Pará: o caminho percorrido pela literatura no jornalismo paraense. A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, do Instituto de Letras e Comunicação (ILC/UFPA), sob orientação da professora Netília Silva dos Anjos Seixas. O cerne da pesquisa foi compreender como os jornais paraenses atuaram na cobertura de temas do universo literário, seja regional, seja nacional. “O objetivo foi pesquisar o trajeto da literatura para enten-

der como foi se encaminhando essa relação com o jornalismo, que, no início, era muito próxima e, agora, nós vemos completamente distante ’’, afirma a pesquisadora. Os jornais escolhidos como objeto de estudo foram Folha do Norte (1896 – 1974) e O Liberal (1946 – atual), jornais de grande destaque na Região Norte, sendo concebidos, respectivamente, como o segundo e o terceiro jornais com maior tempo de circulação no Pará. “Eu escolhi esses jornais, porque eles estão disponíveis no acervo da Biblioteca Pública Arthur Vianna, em Belém, e na Biblioteca Nacional, no Rio de

Reproduções dos jornais O Liberal (1946) e Folha do Norte (1896).

Janeiro, e também por terem essa importância no contexto do jornalismo local’’, revela Lívea. A pesquisadora analisou 110 anos de produção jornalística desses periódicos, desde 1896 até 2006, com recortes de dez em dez anos, dos meses de janeiro e julho. “Como não tinha como eu ler todos os jornais desse período, eu li as edições dos meses de janeiro e julho, de 10 em 10 anos. Li as edições desses meses de 1896 e, depois, pulei para as edições dos mesmos meses (janeiro e julho) de 1906. Eu escolhi esses meses pelo intervalo de tempo igual entre eles e por ambos iniciarem os semestres’’, explica.

Com o tempo, o caráter opinativo perdeu espaço A pesquisa teve um caráter inesperado para Lívea Colares. Feita a leitura de todas as edições dos anos e dos meses estipulados, de um corpus composto por 588 textos, sendo 387 publicados em O Liberal e 201 pertencentes à Folha do Norte, percebese que foi O Liberal, jornal mais recente, que trouxe um número maior de textos sobre literatura e não o mais antigo, Folha do Norte, como era esperado.

No entanto a jornalista ressalta que é necessário considerar as mudanças ocorridas nos dois jornais: “são vários aspectos envolvidos. Mudou a linha editorial, o jornal passou a ter mais cadernos e mais páginas, logo, espaço maior para matérias de vários tipos, inclusive um caderno só sobre cultura, no qual está a literatura’’. Outro aspecto que a pesquisa revelou foi que houve um aumento no número de textos sobre literatura, mas eles se

tornaram cada vez mais informativos e, aos poucos, perderam o caráter opinativo e crítico. “Quase não há mais análises, resenha e crítica de livros, apenas notícias do mundo literário, como lançamentos, feiras ou notícias sobre os autores. É interessante destacar que houve um aumento no volume de textos, mas a pauta literária está cada vez mais factual e informativa’’, destaca Lívea Colares. É possível dizer que, hoje, o relacionamento entre

o jornalismo e a literatura está mais “frio”, se comparado ao do passado. Pesquisas com essa vertente histórica e analítica da imprensa regional ainda são raras no Pará. Em conclusão, Lívea diz: “houve muitos aspectos que puderam ser explorados e, como toda pesquisa, esta abriu outros caminhos de estudo, caminhos que abrem precedentes para outras pesquisas que podem ajudar a entender um pouco mais a história do jornalismo impresso paraense”.


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Entrevista

Gilmar Pereira da Silva

“O que nos une é a diversidade” Pós-graduação e política de inclusão avançam nos campi do interior Alexandre Moraes

Walter Pinto

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trajetória do pedagogo e doutor em Educação Gilmar Pereira da Silva está intimamente ligada ao interior do Pará. Inicialmente, como professor do Campus de Abaetetuba e, depois, como coordenador do Campus de Cametá. Sua gestão muito contribuiu para mudar a feição deste campus, até então problemático. Instalado numa pequena escola doada pela prefeitura municipal, o campus oferecia apenas os cursos de Letras e Pedagogia. Com o apoio do Reuni, o campus aumentou sua estrutura física, cresceu para dez cursos ofertados, passou de 150 para mais de três mil alunos, implantou núcleos em Mocajuba, Baião, Oeiras e Limoeiro do Ajuru e, hoje, oferece o Mestrado em Educação e Cultura. Todos esses avanços tornaram Cametá uma referência no Baixo Tocantins. Eleito vice-reitor da UFPA, Gilmar Pereira da Silva fala da presença da UFPA no interior, da imagem resultante dessa presença, dos novos rumos da Interiorização, do avanço da pós-graduação e da política de inclusão, uma das linhas de atuação da atual Vice-Reitoria.

Política revolucionária A UFPA no interior do Estado nasceu da vontade acadêmica da administração superior na gestão do reitor Seixas Lourenço, assumida pelos demais reitores e pró -reitores. Nasceu, também, de uma demanda extraordinária do interior, de uma grande mobilização. A UFPA era uma universidade pública federal apenas da capital. A partir de 1987, ela assumiu a configu-

ração de uma instituição que se dispôs a sair da estrutura do Guamá e implantar -se no interior, onde descobriu vocações. A política inicial da Interiorização foi revolucionária. As pessoas que tiveram a predisposição de assumir as coordenações dos campi naquele momento desempenharam um papel importantíssimo porque, na verdade, não dispunham de

orçamento próprio. Havia apenas um convênio entre UFPA e prefeituras municipais, por meio do qual a Universidade enviava os docentes, e as prefeituras cediam prédios e pessoal técnico-administrativo. O objetivo inicial era a formação de professores. Mas, a partir de 1994, quando os campi passaram a ter alguma autonomia, começaram a sur-

gir os primeiros bacharelados, consolidando-se, então, um novo horizonte. Hoje, a leitura que temos é que alguns campi são verdadeiras universidades, alguns com mais de três mil alunos. A grande conquista nessa dinâmica ocorreu quando a UFPA se assumiu como Universidade Multicampi. O foco exclusivo sobre a capital cedeu espaço ao interior. Isso


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possibilitou avanços importantes, como os campi terem assento nos Conselhos Superiores.

UFPA no interior Algo que muito me alegra é ter podido acompanhar a história destes trinta primeiros anos da UFPA no interior e constatar o quanto ela tem contribuído para o desenvolvimento das regiões no Estado. Como sujeito que circula no interior, observo que não existe nenhuma instituição tão respeitada e querida pelas populações como a UFPA. Ela está, verdadeiramente, entranhada na sociedade. É querida, mesmo! Não só os alunos, mas também a comunidade interiorana vive a Universidade. As prefeituras, os sindicatos, as associações, as cooperativas estão dentro da Universidade, utilizam a estrutura dela em seus eventos. Há um sentimento de valoração, de expectativa, de ansiedade por parte dos estudantes, em poder cursar uma universidade federal. Os meninos se sentem diferentes. A gente tem a sensação de acolhimento em todos os lugares onde a UFPA está presente. Temos, hoje, 12 campi e estamos presentes em quase 70 municípios, seja por meio do Parfor, seja por cursos flexibilizados. Infelizmente, não dispomos de recursos e condições para atender a todas as reivindicações pela presença da UFPA em mais cidades paraenses.

Polos regionais A dinâmica do desenvolvimento dos campi fez-se de tal maneira que se implantou algo que passamos a chamar “Interiorização da Interiorização”. Os campi estão, agora, criando núcleos em outros municípios. Cametá, por exemplo, criou quatro núcleos na região. Abaetetuba está presente em Acará, Tomé-Açu, Igarapé-Miri

e Barcarena. O raio de ação dos campi está em ampliação. Hoje, nenhum campus se sente responsável, exclusivamente, pelo seu município, mas pela região na qual está inserido. Consolida-se, dessa forma, a ideia inicial dos fundadores da Interiorização, que era a dos campi como polos regionais.

Pós-graduação no interior É interessante observar que, no começo, havia apenas algumas adesões à Interiorização. Havia um receio do novo. Pe n s o , p o rém, que esse receio exprimia mais um cuidado das pessoas com os rumos incertos do momento. Trinta anos depois, registro, com satisfação, uma mudança interessante: a própria capital se dá conta de que todas as ações no interior são fundamentais. Hoje, nos conselhos superiores, você sente a presença do interior, os coordenadores não são mais olhados de forma diferente, estão no mesmo nível dos demais conselheiros. O coordenador de campus é um gestor que dialoga com o reitor, com os prefeitos, com a sociedade. Os campi cresceram tanto que já não cabem no antigo desenho das décadas de 80 e de 90, de universidade com institutos em Belém e campi no interior. Hoje, os campi têm seus próprios institutos e núcleos. Um avanço notável ocorreu quando os campi passaram a oferecer pós-graduação. Temos, hoje, mestrados e doutorados em Bragança e Castanhal, e mestrados em Altamira, Abaetetuba, Ananindeua, Cametá e em

Tucuruí. É uma nova etapa desta Universidade Multicampi.

Vocações regionais A UFPA vem dialogando com os setores produtivos municipais. Esse diálogo permitiu identificar vocações naturais regionais. Em Bragança, por exemplo, dada a riqueza dos recursos costeiros, desenvolvemos um grande trabalho na área da Biologia Costeira. Em Altamira, há experiências nas Ciências Agrárias e um grande trabalho relacionado ao desenvolvimento de populações tradicionais, indígenas, quilombolas etc. Em Tucuruí, uma experiência interessante desenvolveu-se nas engenharias, tendo como laboratório a própria hidrelétrica. Em Marabá, a vocação mineral foi muito importante para o desenvolvimento da área das Geociências e Engenharia de Materiais. Então, de cada campus, nós pinçamos alguma coisa da vocação regional, sem contar o próprio processo de ensino, por meio do qual procuramos sempre focar a cultura local. Em Cametá, a UFPA trabalha forte na área da cultura, por isso temos lá um Mestrado em Educação e Cultura. Estudantes e professores da região têm a oportunidade de sistematizar as suas experiências e os seus valores culturais. Também buscamos preparar o pessoal para os desafios do desenvolvimento tecnológico.

Acolhimento aos diferentes. É esse conceito que queremos trabalhar na atual gestão

Linha de atuação Eu parto da tese de que, na UFPA, somos um grande conjunto de companheiros de trabalho. Cada um de nós poderia

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estar investido no cargo de reitor ou vice-reitor. Então, quando assumimos essa tarefa, temos que fazê-la muito bem. Isso passa pela compreensão da maneira como cada um propõe a sua lógica. Não existe a obrigação do meu interlocutor concordar comigo nem a de eu concordar com todo mundo, mas temos a obrigação de ouvir e respeitar o outro e encaminhar as proposições que forem importantes do ponto de vista institucional. Estamos colocando em prática a política de não criar embaraços para os avanços individual e coletivo das pessoas. Um dos nossos grandes desafios é trabalhar a inclusão dos sujeitos nas mais diversas áreas. O que distingue a UFPA, e nos une, é a diversidade e é este conceito que queremos trabalhar na gestão atual, o acolhimento dos diferentes. A Universidade tem de desenvolver o papel de acolher a todos e trabalhar em todos os campos do conhecimento, segundo a perspectiva de acolhimento daqueles que fazem coisas e pensam diferente da gente.

Política de inclusão Estamos avançando na questão da inclusão e queremos avançar mais. Há questões graves nessa área, como a da acessibilidade, um problema sério das universidades brasileiras. A maioria dos nossos prédios foi construída há quarenta anos. A ideia de inclusão é muito recente. Você não via cegos, surdos, cadeirantes na UFPA, em décadas passadas. Não havia uma política de inclusão para esses sujeitos. A administração superior criou uma assessoria para cuidar da inclusão, ligada diretamente ao reitor. Ela está cuidando de quilombolas, de negros, de indígenas, de ribeirinhos, de portadores de necessidades especiais. Penso que é importante darmos visibilidade para essas pessoas. É preciso que elas façam parte da cena, do espaço. Para nós, esta é uma tarefa importante. Penso que avançaremos muito nos próximos quatro anos.


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Mídia

Pronto para o consumo Conteúdo violento está nos jornais, na TV e nas redes sociais Fotos Alexandre Moraes

Primeira etapa: equipe catalogou edições dos jornais paraenses Diário do Pará, O Liberal e Amazônia Jornal.

Brenda Rachit

“D

ivulgação e exploração de matéria capaz de emocionar, impressionar, indignar ou escandalizar”. Essa é a definição para a palavra “sensacionalismo”, de acordo com o dicionário Aurélio. E esse tem sido o pano de fundo de boa parte das manchetes dos jornais impressos ou televisivos. A exposição da violência de forma nua e crua é cada vez mais frequente e tem servido de aliada na disputa pela audiência. Esse caráter sensacionalista das notícias sobre casos de violência é um dos principais questionamentos dentro das ações do Projeto de pesquisa “Mídia e violência: As narrativas midiáticas na Amazônia paraense”, coordenado pela professora Alda Cristina Costa, da Faculdade de Comunicação,

do Instituto de Letras e Comunicação/UFPA. Para a pesquisadora, a mídia deve ir além da publicização dos fatos. É preciso fomentar a reflexão diante da realidade a que se expõe. “Geralmente, a mídia trata o assunto de forma espetacularizada, banalizada e não chega a abrir um debate com a sociedade. É preciso um jornalismo mais sério, mais responsável, mais comprometido”, afirma Alda Costa. Um dos objetivos do projeto é propor uma linguagem alternativa a esse formato jornalístico apelativo e espetacularizado. “Essa linguagem alternativa deve abordar uma questão ética. Não podemos esquecer que estamos lidando com pessoas. É levar em consideração o sentimento, o respeito, o compromisso que o jornalismo deve ter com os indivíduos de quem ele fala”, acrescenta a professora.

O projeto foi estruturado em três etapas. A primeira analisou as narrativas de três grandes jornais impressos de Belém. Foram consideradas as fotografias, as expressões utilizadas, o modo como o indivíduo é tratado nas matérias, entre outros aspectos. A equipe catalogou 365 edições de 2012 dos jornais Diário do Pará e O Liberal. Posteriormente, foi feito um recorte de seis meses. Destes, três meses foram do primeiro semestre; e outros três, do segundo. Outro veículo analisado foi o Amazônia Jornal, porém, por ser menor, o recorte foi de apenas três meses. Um mês escolhido aleatoriamente do primeiro semestre; e dois meses, do segundo. “Nós dividimos por categorias. Dentro das categorias, selecionamos o que consideramos as manchetes, as fotografias e as fotos violentas”, explica


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Abordagens não respeitam nem vítimas nem acusados A segunda etapa consistiu no mapeamento e na análise de programas televisivos de caráter popular e suas abordagens. “São programas direcionados para classes sociais com menor poder aquisitivo, as quais têm a violência como tema principal. Essa violência passa a ser utilizada como instrumento de consumo, como instrumento de atração”, explica Alda Costa. A etapa seguinte foi a análise das mídias sociais.

A professora enfatiza como essas ferramentas têm contribuído para a repercussão de fatos. Alda Costa relembra o caso ocorrido em 2014, quando dez pessoas foram assassinadas em bairros periféricos de Belém. As execuções ocorreram como revanche pela morte de um policial, apontado como integrante de um grupo de milícia. A pesquisadora relembra da repercussão que o

caso teve nas redes sociais, principalmente no aplicativo whatsapp, pelo qual, vídeos, áudios e fotos eram enviados massivamente. “As instituições fecharam as portas porque todos ficaram com medo. As informações se proliferaram de tal forma que, em certo momento, você não sabia o que era real e o que era ficção”, afirma. Para Alda Costa, uma das questões mais sérias a serem analisadas é o modo

simplista como a violência tem sido tratada. A exposição desnecessária de detalhes dos casos de violência não tem gerado reflexão, mas medo. Segundo Alda, além de a vítima e dos familiares serem expostos, o acusado é tratado como um sujeito desprovido de qualquer direito. “A dignidade e os direitos humanos não são levados em conta. Isso atenta contra os princípios do jornalismo e da democracia”, afirma.

Expectativa é provocar uma mudança de linguagem Alda Costa afirma que o papel dos meios de comunicação não é sentenciar casos, mas informar e esclarecer por meio de uma linguagem ética. Segundo a professora, é fundamental cobrar dos meios de comunicação essa postura para que os veículos respondam, de forma satisfatória, à expectativa da sociedade. As pessoas, principalmente as vítimas de violência, acabam esperando que a mídia seja uma mediadora, que cobre das autoridades uma resolução para os casos veiculados. “Então a mídia é importante, porque dará visibilidade à dor, fará com que os poderes instituídos observem o que está acontecendo e tenham uma ação de justiça”, afirma a pesquisadora. Diante disso, a professora observa que as pessoas compram os jornais e assistem a eles não por gostarem de suas abordagens, mas por, justamente, de alguma forma, se identificarem com uma realidade que lhes é próxima. Para ela, as pessoas percebem, no que é noticiado, um contexto do qual elas fazem parte. Mas, ao mesmo tempo, elas não pretendem se deparar com a exposição pública do que lhes causa dor. Alda Costa afirma que há estudos sobre mídia e violência em outros Estados que obtiveram como resultado mudanças significativas nas abordagens jornalísticas locais. Os jornais não deixaram de noticiar

os casos de violência, porém passaram a utilizar uma linguagem diferenciada. Para a pesquisadora, com o projeto, a Universidade cumpre um papel social na sua relação com a sociedade. Na Universidade Federal do Pará, esta é a primeira pesquisa relacionada à mídia e à violência. A professora lembra que existem outros estudos sobre violência, porém com abordagens e perspectivas diferentes. O projeto acontece em parceria com a UFPA e o CNPq. A equipe do Projeto “Mídia e Violência: As narrativas midiáticas na Amazônia paraense” é composta, também, pelo professor Wilson Barp, do Programa de

Pós-Graduação em Defesa Social e Mediação de Conflitos, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ UFPA; pela professora Ivana Oliveira, da Universidade da Amazônia; por três bolsistas e por outros colaboradores. A professora explica que há necessidade de parcerias que possibilitem a interação com outras áreas do conhecimento, para que seja possível compreender algumas questões. “Hoje, percebo que precisamos fazer um projeto maior, que faça a interface com outras áreas do conhecimento para que possamos dar uma resposta, não definitiva, mas que nos permita compreender o que está acontecendo”, conclui.

A professora Alda Costa com alunos colaboradores do projeto.


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"Eu era o funcionário 'café com leite'", conta o professor de Matemática Pedro Michel, deficiente visual.

Um conceito amplo e acolhedor Legislação propõe nova definição de “pessoa com deficiência” Renan Monteiro

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uem pode ser considerado deficiente? Quem deve ser atendido pelas políticas de inclusão? E, ainda, o que é a deficiência? Essas perguntas encontram-se indiretamente ligadas à pesquisa de mestrado do advogado João Resques. Intitulada O Conceito Normativo de Pessoa com Deficiência para fins de reserva de vagas no Mercado de Trabalho, a dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito, do Instituto de Ciências Jurídicas (UFPA), e orientada pelo professor José Claudio Monteiro. No âmbito dos direitos humanos e da inclusão social, o foco principal do estudo foi analisar o conceito de pessoa com deficiência disposto na legislação nacional e

internacional, inquirindo quem são os integrantes desse grupo vulnerável que possuem o direito às vagas reservadas no mercado de trabalho. “Eu escolhi esse tema porque percebi que havia um grande problema relacionado a quem tinha o direito a concorrer às vagas reservadas. Esse problema se repete nas cotas raciais. No entanto, para as pessoas com deficiências, a questão não se resolvia com a autodeclaração’’, explica o advogado. O Decreto federal n° 3.298/99 adotou um conceito normativo de pessoa com deficiência e determinou quem teria direito à reserva de vagas. “O decreto acabou negligenciando várias deficiências, como a diabetes, o autismo, os pacientes renais crônicos e os portadores do vírus HIV. Várias pessoas que

sofrem discriminação e são excluídas do mercado de trabalho não foram abrangidas pelo decreto’’, explica João Resques. Esse conceito restrito, que predominava relativamente até 2009, mudou com uma convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos das pessoas com deficiência. Essa convenção dispõe de um conceito normativo “aberto’’ sobre a deficiência, tratando-a não apenas como específica do direito ou da medicina, mas também como das ciências sociais. “É um conceito muito mais amplo que precisa de uma análise interdisciplinar para que você possa considerar quem possui deficiência e quem não possui. Não dá para criar um rol específico de deficiências’’, analisa o autor da dissertação.


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Direito Lei Brasileira de Inclusão reproduz conceito da ONU A Lei Brasileira de Inclusão Social (Lei 13.146/15) ou Estatuto das Pessoas com Deficiências reproduziu o conceito da convenção da ONU. No entanto, após a sua incorporação ao sistema jurídico brasileiro, essa nova ótica não anula o Decreto n° 3.298/99. Este, desde então, passa a ser utilizado apenas como guia para juízes e administradores que elaboram os editais do concurso público. “Se há uma pessoa com paraplegia e essa deficiência está no decreto, não precisa de grande esforço para comprovar

a sua necessidade. Agora, se tem uma pessoa com vitiligo - sabendo que existem casos que não acarretam nenhuma perda das funções corporais, mas ainda assim as pessoas sofrem discriminações – e o vitiligo não está no decreto, é preciso fazer uma análise específica. Será que, de acordo com os conceitos que nós encontramos lá no Estatuto da Pessoa com Deficiência, essa pessoa com vitiligo pode ser considerada excluída do mercado de trabalho por conta de sua deficiência?”, questiona João Resques.

O autor da dissertação diz, ainda, que algumas exatidões matemáticas não podem ser utilizadas rigorosamente. “Se há a limitação de até 30 decibéis para ser considerado um deficiente auditivo e a pessoa não consegue escutar até 29 decibéis, será que ela não possui uma deficiência? Isso é algo que a convenção da ONU tenta resolver ao fugir da rigidez numérica e ser mais flexível’’, explica João. Essa mudança de paradigma, de uma definição restrita sobre a deficiência para outra mais ampla, se-

gundo João Resques, implica algumas dificuldades, mas faz-se necessária para afirmar a inclusão social de todas as deficiências. “É um conceito mais aberto que, sem sombra de dúvidas, é mais difícil de aplicar. Demanda diálogo e trabalho interdisciplinar. É mais suscetível à fraude, mas não comete injustiças. E não perpetuar injustiças deve ser a nossa grande preocupação, pois o mercado já produz essas injustiças. Se o Estado as reproduz, ele está fazendo algo errado na política de inclusão’’, avalia.

Políticas afirmativas não garantem vagas no mercado O termo ‘discriminação positiva’ é utilizado por João Resques em sua dissertação. Segundo ele, trata-se de identificar a diferenciação das pessoas deficientes e usá-la para incluir. “A deficiência pode ser um símbolo de identificação e de inclusão’’, afirma João. No mercado de trabalho, o reconhecimento das diferenciações faz-se essencial, porque, apesar de a reserva de vagas ou outras políticas afirmativas serem garantidas por lei, essas pessoas ainda têm grande dificuldade em conseguir emprego. Pedro Michel, professor de Matemática, é deficiente visual e relata que sempre teve muita dificuldade em lecionar, por discriminação das empresas e de seus membros. “Eu já trabalhei em uma empresa por seis meses. Como percebi que era deixado de ‘canto’ e era o funcionário ‘café com leite’, eu saí’’, revela Pedro. O deficiente visual Hélio Afonso também fala sobre as suas dificuldades. “Nas tentativas que eu fiz, os cargos que ofereciam eram o mais simples possível e é aí que começa a discriminação. Você luta para ser um advogado e é convocado em uma empresa para ser um

empacotador? Por que não trabalhar no setor jurídico da empresa?’’, questiona. Em sua entrevista, Hélio, estudante da UFPA, aponta para outra questão: a responsabilidade que tanto os órgãos públicos quanto os privados devem ter com a Lei de Inclusão Social. ‘‘O meu foco depois de formado é fazer concurso público, porque a lei em órgãos públicos tem que ser cumprida.

Procurar emprego nas empresas privadas é mais complicado’’, avalia o estudante. O autor da dissertação finaliza dizendo que o fato de uma pessoa não poder andar ou enxergar, por exemplo, por si só não é uma deficiência, mas pode tornar-se uma a partir do momento em que esta pessoa está no ambiente que o exclui. “Antigamente, nós tratávamos a deficiência como

se ela estivesse na pessoa. O que o novo conceito veio trazer é: a deficiência não está na pessoa, ela está na sociedade, no ambiente que não consegue receber a todos. Essa mudança de paradigma do conceito de deficiência torna-se um problema de saúde e social. Por isso é que nós trabalhamos hoje com um conceito que diz que a deficiência é uma questão biopsicossocial’’, conclui.

Números no Brasil

Infográfico Priscila Santos


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Gestão

Olhando para além do horizonte Fadesp busca alternativas para incrementar receita Walter Pinto

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riadas no interior das universidades públicas como parte da estratégia de aumentar a captação de recursos financeiros e facilitar o processo de aplicação de recursos nas necessidades institucionais, sob a forma de serviços e contratação de pessoal especializado, as fundações de amparo à pesquisa desenvolvem importante papel na vida acadêmica nacional. Na Universidade Federal do Pará, a Fadesp cumpre com essa finalidade há 41 anos, de modo assíduo e, muitas vezes, de importância vital para o pleno funcionamento da Instituição. Na década de 1980, por exemplo, a UFPA deu início a um ousado projeto de Interiorização que, rapidamente, alcançaria êxito diante da demanda por pessoal qualificado nos municípios paraenses, mas encontrou enorme dificuldade para a execução da missão por não dispor de quadro docente suficiente. O recurso encontrado para viabilizar a interiorização durante sete anos em que a UFPA esteve no limite da sua expansão passou pela Fadesp. Coube à Fundação realizar concurso

público e contratar docentes para os campi do interior. “O exemplo da Interiorização serve para ilustrar a capacidade da Fundação em, reconhecendo o interesse da Universidade, absorver programas estratégicos, de grande escala, como a Interiorização provou ser, a ponto de gerar duas novas universidades no interior do Pará”, assinala Fernando Arthur Neves, diretor Executivo da Fadesp. “Até hoje, a Fundação vem cumprindo, com muita responsabilidade, o seu papel de apoiar as ações estratégicas da UFPA, como faz em relação ao pleno funcionamento dos hospitais universitários, reconhecendo a importância da saúde pública e da manutenção de espaço de ensino e serviço nos Hospitais Barros Barreto e Bettina Ferro e Silva”, complementa. Em quatro décadas, a Fadesp vem acumulando conhecimento via estudo, experiência e prática. Essa expertise é mobilizada, por exemplo, na elaboração de Relatórios de Impactos Ambientais, Eia-Rima, para construção de hidrelétricas na Amazônia. A Fundação também alcançou experiência na realização

de concursos públicos para todas as esferas de governo, colocando como exigência para si a formulação de questões originais, como consta em seu portfólio. Todo esse conhecimento foi importante para que a Fadesp ampliasse o apoio às universidades e às instituições de pesquisa na Amazônia. Além da UFPA, a fundação serve à UFRA, desenvolve ações na UFOPA, representa a UNIFESSPA e o IFPA, e trabalha com o Museu Emílio Goeldi, cuja direção comprovou, por meio de pesquisa de opinião, o alto nível de satisfação de seus pesquisadores com a Fundação (80%). A Fadesp também contribui com o governo do Estado com projetos de desenvolvimento institucional, a exemplo do Projeto “Fábrica de Software”, perfeitamente enquadrado à nova exigência da legislação, que é o desenvolvimento de produtos específicos. Segundo Fernando Arthur, o desenvolvimento de projetos é uma área que a fundação expandirá em 2017, “isso está sendo bem desenhado, por se tratar de um novo eixo a ser consolidado e representa o seu espaço de expansão na parceria com o Estado”.

Desafio é ampliar diálogo com setor produtivo Fernando Arthur Neves considera que, hoje, o grande desafio da Fadesp é expandir o diálogo entre meio científico e sociedade, particularmente focado no setor produtivo. Mas sabe que esta nova missão se reveste de um elevado nível de dificuldade em larga medida, porque as instituições de ensino e pesquisa não desenvolveram a cultura de transformar os resultados de pesquisas em tecnologias capazes de melhorar ou gerar produtos para o mercado. “Nosso desafio é auxiliar as instituições que apoiamos na formatação de produtos e acelerar a mediação entre elas e os setores produtivos, de modo que os produtos possam gerar recursos

para ambas as partes”, ressalta o diretor Executivo da fundação. Uma forma de alcançar esse objetivo é dar mais visibilidade às potencialidades dos laboratórios, através do Portal da Fadesp (https://www.portalfadesp.org.br), que disponibiliza uma ferramenta chamada “Oportunidades de Negócios”, por meio da qual governos e demais setores produtivos da sociedade podem conhecer as capacidades e os serviços oferecidos por instituições apoiadas pela Fadesp. O link remete ao Sistema de Mapeamento de Competências (SMC), “destinado ao cadastramento de unidades de pesquisa, ensino e extensão da UFPA, de outras institui-

ções de Ciência e Tecnologia, assim como de empresas e profissionais autônomos interessados em atuar como parceiros em projetos que podem ser transformados em produtos, processos e tecnologias, bens culturais e práticas inovadoras, que irão gerar o desenvolvimento e o bem-estar para a sociedade”. Segundo a Fadesp, o SMC permite às empresas buscar “soluções para otimizar os resultados de gestão e aperfeiçoar processos ou produtos, por meio de consultorias e serviços tecnológicos, além da oportunidade de disponibilizar seus serviços estabelecendo, assim, uma parceria de sucesso. Oferecemos serviços de consultoria técnica


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especializada, com credibilidade, aliando inovação e qualidade.” A Fadesp está trabalhando na ampliação dessa área de atuação, buscando estimular o cadastramento de mais pesquisadores

na ferramenta que se assemelha a uma “vitrine de expertises”. Também está desenvolvendo uma estratégia de comunicação institucional para reforçar o uso da ferramenta pelos setores produtivos da socie-

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dade, assim como está qualificando a sua gerência de negócio para ampliar a sua atuação, haja vista o incremento de novas instituições de ensino e pesquisa que atuam na Amazônia.

Fundação sente os efeitos da crise econômica Como todas as instituições de apoio à pesquisa, a Fadesp também foi duramente atingida pela crise econômica do País. A crise causou uma diminuição de receita em função da queda no financiamento de novos projetos, situação agravada, ao longo do tempo, por uma questão econômica estruturante relacionada aos hospitais universitários, cujos repasses oficiais mantiveram-se abaixo dos custos de manutenção, gerando descompasso, porque o quadro de despesas continuou o mesmo, sobretudo a folha de pessoal. “A Fadesp está enfrentando um problema real no gerenciamento das folhas de pagamento. É importante que todos saibam. Houve um momento em que a Fundação cresceu, porque havia uma economia em crescimento. Mas, à medida Alexandre Moraes

que a economia entrou em colapso, as receitas diminuíram, ficando em nível abaixo das despesas”, explica o diretor Executivo. Uma alternativa à crise passa pelo enxugamento da máquina, inclusive da própria Fundação, como ele ressalta: “estamos fundindo coordenações, mas ainda não é o suficiente para que o maior número possível de empregos seja preservado”. Outra alternativa é mapear novos nichos de investimento, solução que a Fundação está empenhada em efetivar, como faz por meio da ferramenta “Oportunidades de Negócios”, em que busca ampliar o espectro de serviços para prefeituras, governo do Estado e setores produtivos. Também está empenhada em habilitar melhor os pesquisadores das instituições que apoia, na busca por investimentos internacionais,

como já acontece na UFPA, com a Geologia, a Biologia e algumas áreas das engenharias. Os desafios da atual gestão da Fadesp são imensos, difíceis, mas não impossíveis. Passam, principalmente, pelo aumento dos financiamentos, algo que depende da ousadia dos pesquisadores em apresentar novos projetos ou produtos. “Temos que ter a capacidade de fazê-los trazer à fundação suas propostas, que podem ser, por exemplo, soluções para prefeituras e empresas, soluções não necessariamente grandes, mas pensadas dentro de formatos específicos. A Fundação é uma alternativa para acelerar a chegada dessas propostas ao setor produtivo e, consequentemente, à sociedade que espera por inovações e serviços mais eficientes”, finaliza Fernando Arthur.

Pesquisadores serão incentivados a buscar investimentos internacionais.


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Resenha Uma proposta anarcometodológica para as Artes Walter Pinto

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Serviço

Alexandre Moraes

Anarcometodologia: o que pode uma pesquisa em Arte. Luizan Pinheiro. UFPA, 2016. 312 páginas.

as primeiras páginas de Anarcometodologia: o que pode uma pesquisa em Arte, seu autor, o professor Luizan Pinheiro, da Faculdade de Artes Visuais da UFPA, deixa clara a aventura desnorteante que o leitor terá pela frente, se for um desavisado “que gosta muito e quer permanecer em sua zona de conforto”. A advertência, assinada pelo artista Táta Kinamboji, recomenda ao leitor se afastar do livro, se não estiver “disposto a caminhar por terrenos movediços, enfrentar tempestades, se deslocar de tudo o que lhe foi dito como verdade absoluta e se dispor a ser mais um agente de mudança”. No entanto, se estiver disposto a “transpor a ditadura do pensamento imposto pela violência colonizado-

ra e cultivar a arte em território de liberdade”, sugere seguir em frente, pois em Anarcometodologia encontrará alguns caminhos entre os muitos labirintos possíveis. Quando da publicação do livro, o autor alertou os leitores sobre suas características incomuns, anárquicas e artesanais, uma experimentação e busca para além da estrutura acadêmica tradicional. A pesquisa em Arte é o tema central do livro, entendida como a “produção de um pensamento aberto e experimental de objetos que produzam, num certo nível, intervenções fundamentais no solo social, cultural e educacional, assim como no próprio pensamento”. O autor toma os parâmetros instituídos pela Associação Brasileiras de Normas Técnicas, a ABNT, tornados obrigatórios para a produção acadêmica, e submete-os à crítica, observando a inconveniência do uso na pesquisa em Arte. O espírito rebelde, criativo e um tanto iconoclasta de Luizan Pinheiro já ficara exposto desde sua tese Pichação: arte contemporânea, defendida em 2008 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e como professor de Metodologia de Pesquisa em Arte, do Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Ciências das Artes, da UFPA, que define como “antidisciplina”, na qual, mais do que enfatizar métodos e técnicas de pesquisa presentes em diversos trabalhos de autores comprometidos com o pensamento, buscou ampliar o olhar por sobre as articulações entre Arte, Ciência e Filosofia. Muito do que está presente em Anarcometodologia nasceu

como produto dessa experiência em sala de aula e do enorme aporte de leituras realizadas pelo autor, acadêmicas ou não. Para os amantes de textos que subvertem a lógica e produzem óticas transgressoras, incomuns, porém dotadas de sentido real e lírico, como faz, por exemplo, o poeta pantaneiro Manuel de Barros em suas criações (uma delas, por sinal, Luizan pinça como epígrafe: “trabalho arduamente para fazer o desnecessário”), o livro deve agradar bastante. Num dos artigos mais criativos do livro, o autor faz alusão à exigência aos que produzem trabalhos acadêmicos de “fundamentarem o pensamento em um conjunto de autores, conceitos e teorias que, o tempo todo, tem a função de garantir os argumentos e as afirmações acerca de qualquer questão-problema que, por ventura, vimos a intuir, discutir.” O livro de Luizan não foge do consumo em fontes diversas, mas sua originalidade e o pioneirismo de estudar a produção de Arte fora dos cânones, certamente, vão dotá-lo de capacidade para tornar-se fonte própria e referencial na área. O livro está organizado (o termo talvez não seja exato em se tratando de uma obra essencialmente anárquica) em quinze temas, escritos entre 2011 e 2015: Homo Teoricus; O que pode uma pesquisa em arte; Diálogos; Introduzir não é preciso; Morte ao anexo; Ex-citações; O corpo informe; Objetivo é...; Atirem na Dona Norma; Anarkhos; Ninguém pode dizer o que pode uma pesquisa em arte todos podem dizer; As beatas são...; Desorientar, as dissertações; ABNT, Ansiedade Básica e Novas Táticas; Manol Al; HB: uma viagem. Há, também, um apêndice, ou melhor, apendicite, segundo o autor, com os textos: Fu$conha em Fug@! Cannabis e videotransgressão; Mar de cílios. Ou no bar com Celina...; Memórias literofragmentárias do pau. O livro está à venda na Livraria da Editora Universitária da UFPA, no campus Guamá.


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A Histรณria na Charge

#minhaufpa



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