Beira 130

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ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXX • N. 130 • aBriL e Maio, 2016

Cosplayers trazem cultura pop japonesa para Belém

Páginas 6 e 7.

Nesta edição • Biodiesel regional • sífilis em 1920 • Fluxos de migração


UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar silva dos santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Alesson Rodrigues, Daniel sasaki, Hojo Rodrigues e Maria Luisa Moraes (Bolsistas), Walter Pinto (561-DRT/PA) Fotografia: Adolfo Lemos e Alexandre Moraes Fotografia da capa: Adolfo Lemos Charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: Danilo santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson nuayed, José dos Anjos Oliveira e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom secretaria: silvana Vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Carlos Edilson Maneschy Vice-Reitor: Horácio schneider Pró-Reitor de Administração: Francisco Jorge Rodrigues nogueira Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Edilziete Eduardo Pinheiro de Aragão Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Maria Iracilda da Cunha sampaio Pró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto sidrim nassar Prefeito: Alemar Dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - AsCOM/UFPA Cidade Universitária Prof. José da silveira netto Rua Augusto Corrêa, n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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ocê está passeando na Estação das Docas, em Belém, apreciando o pôr do sol à margem da Baía do Guajará. De repente, em sua direção, caminham três garotas vestidas como personagens de história em quadrinhos ou desenho animado. O olhar de surpresa e admiração é comum para Avany, Wanessa e Lênory, as cosplayers que ilustram a reportagem sobre a pesquisa realizada por Paula Ramos para a dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA. O estudo discute corpo, gênero e performance entre os fãs da cultura pop japonesa em Belém. A reportagem “Degenerados e contagiantes” revela as estratégias utilizadas nas primeiras décadas do século XX para controlar a doença venérea mais perigosa da época: a sífilis. Pesquisando os Jornais Folha do Norte, Estado do Pará e A Província do Pará, a historiadora Luiza Helena Miranda Amador descobriu que a doença era uma ameaça ao progresso do País e, por isso, era tratada como caso de polícia. Também nesta edição: A escola itinerante criada para formar professores indígenas; Grupo de Física Experimental avança com pesquisas publicadas em revistas internacionais; O drama da migração para os que fogem das guerras; O patrimônio de Fortalezinha escolhido pelos moradores da Ilha. Rosyane Rodrigues Editora

Índice Pedagogia em Breves: os sentidos de uma história de 20 anos ....4 Uma escola itinerante ....................................................5 Cosplayers, Otakus e Lolitas .............................................6 Física Experimental avança na UFPA ...................................8 Buriti, maracujá e castanha-do-pará ...................................9 Migração sob o olhar da Antropologia ................................ 10 Cartões, faltas e muito estresse ...................................... 12 Fortalezinha vista pelos seus moradores ............................ 13 Degenerados e contagiantes ........................................... 14 Cinejornal conta a história da cidade ................................ 16 A presença europeia na foz do Amazonas ........................... 18

Cada fotografia expressa uma realidade, um sentimento. Usando o olhar como um filme, a imagem é captada não somente com o click da câmera, mas também com toda a emoção que está ao redor. Assim, fotografia não é um mero registro, mas um livro de uma folha só. Adolfo Lemos fotógrafo


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Acervo Pessoal

Opinião

Piotr Lewandowski/Free Images

Pedagogia em Breves: os sentidos de uma história de 20 anos

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o campus da Universidade Federal do Pará de Breves, existe um memorial cujas placas listam nomes de pioneiros dos cursos de História, turma de 1990, e de Pedagogia, turma de 1995. À parte o seu simbolismo, elas se impõem como documento histórico para a Universidade em Breves. Nomes e fatos são e serão sempre importantes para compreendermos e mantermos, no presente, uma dose de consciência hermenêutica necessária e prudente. Afinal, sem reflexão sobre a história e com a história, a Universidade perde parte do seu sentido, construído em 25 anos de existência material. Assim, incito aqui a necessária reflexão com dois questionamentos: o que significam os 25 anos de existência material de uma instituição formadora? E o que representam 20 anos de oferta de formação universitária? Se for correto dizer que devemos dimensionar a evolução de uma instituição como a Universidade — que é secular — não por anos — como em nossa existência —, mas por décadas, então 25 anos representam muito. Como formação, pode significar a possibilidade de o sujeito histórico se inserir no presente pela articulação deste com o passado. Pode representar

a dissolução da consciência e da verdade; mas também — evocando o pensamento educacional de Adorno — pode significar a produção de uma consciência verdadeira, que levaria à formação de uma consciência emancipada. Pode produzir a negação e até a exclusão da história, assim como sua afirmação. Pode dissolver a busca pela verdade — razão de ser da Universidade — por um tipo de conhecimento dito racional, que subestime qualquer saber que não o acadêmico. Pode produzir o encontro do saber científico com o popular. Enfim, pode abrigar mudanças consideráveis dentro da Universidade e fora dela. Contudo talvez não possa mudar a compreensão de que é a história — em sentido dialético — que possibilita exercer o pensamento crítico com a Ciência tampouco a compreensão de que é a universidade que oferece — nela e a partir dela — um espaço mais apropriado para tal exercício da crítica. Alguém deve se perguntar aonde, afinal, quero chegar com esses questionamentos e essas respostas reflexivas que visam suscitar a consciência e instigar a alma, ou seja, aonde quero levar, pedagogicamente, o que penso. Com efeito,

quero localizar, nos paradoxos e nas ambiguidades da instituição Universidade Federal do Pará, o guardião de sua identidade universitária em Breves: o curso de Pedagogia e sua trajetória de 20 anos de formação de formadores, de emancipação de consciências. E agora o faço porque 25 anos são, no simbolismo dos ritos populares, o que se chama jubileu de prata: período que não se comemora a cada ano que entra, porque, mais que cronológico, é um marco histórico; porque não devemos esquecer a importância desse curso nem da Universidade na história educacional e institucional de Breves; porque, com colegas professores e professoras, ajudei a sedimentá-lo. Meu respeito e minha admiração ao legado de professores e professoras, alunos e alunas, funcionários e funcionárias que, no decorrer dessa história e ao longo do tempo de cada um, ajudaram a construir este curso em Breves. Se a Pedagogia se ocupa da escola, então esta se relaciona com a família, com os meios de comunicação e com todas as outras instâncias ou agências educadoras — diriam Caruso e Dussel. Afinal, a Pedagogia prolonga-se, cada vez mais, no tempo: o que se inicia em nossa infância chega à vida adulta e acompanha-nos até que nossa consciência, nossa alma — nossas luzes, afinal — se apaguem. Eis por que vejo muito a ser saudado e celebrado neste jubileu, que se encerrou com a entrada do novo ano. Se celebramos as pessoas, os fatos, os feitos e os desfeitos, então por que não celebrar o bem imaterial que é formar pedagogos e pedagogas? Celebremos, portanto, o curso de Pedagogia em Breves, de suas origens ao presente! Celebremos os 25 anos do Campus do Marajó–Breves! Celebremos o futuro que a Universidade sempre representa! Viva! Carlos Élvio Neves Paes é professor da Faculdade de Educação do Campus Universitário do Marajó-Breves. carlos@ufpa.br


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Educação

Uma escola itinerante Pesquisa investiga a formação de professores indígenas no Pará Acervo da Pesquisa

Daniel Sasaki

Pará é o Estado com o terceiro maior contingente populacional indígena do Brasil.

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ão é de hoje que a educação brasileira está em crise. Além da falta de infraestrutura nas escolas públicas, muitos apontam a baixa qualidade no ensino como o principal vilão, problema que está diretamente ligado à formação e à eficiência do trabalho do professor. Se a formação do professor “da cidade” é problemática, como imaginar a situação da formação do professor “da floresta”? Para responder a essa pergunta, a professora Maria Lúcia Martins Pedrosa Marra defendeu a tese intitulada Escola Itinerante: uma experiência de formação de professores Indígenas no Estado no Pará, Brasil, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal do Pará. De acordo com a pesquisadora, o objetivo de sua pesquisa era analisar a formação dos professores indígenas no Pará e, para isso, seu objeto de pesquisa foi o curso, em nível médio, de formação de professores índios do Pará conhecido como “Escola Itinerante”, ofertado pela Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc).

Para a professora, era necessário estudar como essa formação se realizava. “O meu interesse foi em função das demandas que existiam sobre a história desses indígenas que já eram professores nas escolas, mas eram professores leigos e não recebiam como os outros professores”, explica. A professora diz que a investigação é fundamental ao percebermos a lentidão na implementação de políticas públicas direcionadas à população indígena. Esse problema toma dimensões preocupantes no

Pará, Estado com o terceiro maior contingente populacional indígena do Brasil. A política oferecida pela Seduc foi fruto de um forte movimento, principalmente dos índios Tembé, que reivindicaram melhorias na formação de seus professores. A formação deveria ocorrer no Instituto de Educação do Pará (IEP), porém não havia como deslocar os indígenas até Belém. Assim, a escola tornou-se efetivamente itinerante, com professores saindo daqui em direção aos polos, localizados próximo às aldeias.

Uma assembleia em que todos ouvem com respeito Algo que chamou bastante atenção da pesquisadora foi a capacidade de politização e articulação dos indígenas. “Eu participava de algumas reuniões que não eram relacionadas à educação, nas quais eles discutiam assuntos importantes para a comunidade. Todos participavam, dos idosos às crianças, com profundo respeito. Todos tinham o direito de falar. Ficava nítido que eles brigam pelo que querem”, avalia Maria Lúcia Marra. Alguns grupos indígenas não concordaram com a forma como a Escola Itinerante estava sendo realizada e lutaram por um modelo de formação de professores dentro da sua aldeia, como foi o caso dos

índios Mundurucu. “Eles não queriam participar da Escola Itinerante justamente pela demora da formação. Então foram ao Ministério Público e conseguiram criar outro modelo de formação na própria aldeia, oficializado por meio de protocolos do Ministério da Educação”, lembra a pesquisadora. De acordo com Maria Lúcia Marra, as demandas indígenas dentro do Ministério envolvem não apenas a educação mas também outras questões, como saúde, demarcação de terras e bilinguismo. A pesquisa realizada de 2011 a 2015 teve a preocupação de trazer à tona as problemáticas que envolvem as políticas públicas voltadas para os

índios. “Há uma grande morosidade quando se trata de questões indígenas. Tudo é muito difícil e demorado. No Pará, existe apenas uma escola considerada escola indígena. Há muito para ser feito, muitas decisões para serem tomadas pelas lideranças políticas”, avalia Maria Lúcia. Sobre os quatro anos de pesquisa, a professora relata a oportunidade que foi encontrar uma nova cultura e aprender com seus costumes. “É uma descoberta que faz a gente enriquecer e mudar a forma de pensar. Diminuímos os nossos preconceitos e percebemos que temos muito a aprender com os indígenas”, conclui.


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Antropologia

Cosplayers, Otakus e Lolitas Grupos trazem para a Amazônia a cena da cultura pop japonesa Daniel Sasaki

“É Da esquerda para a direita, os organizadores do Anime Geek: Chandler Souza, Hanako Nishiya e Helen Silva.

algo muito gratificante ser alguém que você admira e se identifica, nem que seja por algumas horas. Apesar de todo o tempo gasto com o preparo e todos os problemas enfrentados, quando eu me olho no espelho, vejo que tudo valeu a pena”. Para Lênory Alessandra, estudante de Letras, caracterizarse de um personagem fictício é algo que vai além do que apenas vestir uma fantasia, é uma questão de personalidade e identificação. Foi o intuito de compreender as relações que envolvem a cultura pop japonesa entre jovens e adultos

de Belém que levou a antropóloga Paula Ramos a elaborar a sua Dissertação, intitulada Cosplayers , Otakus e Lolitas: etnografia de corpo, gênero e performance no universo da cultura pop japonesa em Belém do Pará, realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará, sob orientação do professor Ernani Chaves. De acordo com a pesquisadora, a proposta do trabalho era fazer uma investigação etnográfica e bibliográfica sobre jovens e adultos que fazem parte de grupos da cultura pop japonesa, como otakus, cosplayers e lolitas, baseada no olhar de mulheres que fazem parte

desses grupos. “Quando resolvi fazer um trabalho sobre a cultura japonesa, não queria fazer apenas uma descrição, decidi ir além. Realizei o trabalho para mostrar quem são esses personagens sociais, compreender suas identidades, que estão relacionadas com a questão do corpo e da performance”, afirma. Paula Ramos explica que o cosplay é um termo derivado da expressão inglesa costume play, que seria a representação de um personagem. “Os japoneses adaptaram o termo, mas se preocuparam em realizar o cosplay com uma perfeição ímpar, inspirados nos personagens da sua própria cultura pop”, explica. Alexandre Moraes


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Eventos reúnem jovens com interesses em comum Em Belém, é comum cosplayers realizarem encontros em eventos direcionados à cultura pop japonesa. Helen Silva é a coordenadora geral de um dos maiores eventos do gênero da capital, o Anime Geek. Para ela, coordenar o evento é poder trabalhar com uma de suas paixões. “Eu participei da organização do primeiro evento em Belém, que ocorreu em 2002. No ano seguinte, fundei um grupo junto com outros amigos, e nosso primeiro evento foi em 2004. Depois de alguns anos, saí do grupo e fiz alguns eventos menores, mais específicos, até retornar, em 2012, com uma nova proposta, que era agregar, em um mesmo evento, tudo aquilo que os jovens usam para se divertir, como games, animes, cinema, música e livros. Assim surgiu o Anime Geek”, conta.

Além de cosplayers, os eventos também são frequentados por outros grupos que se identificam com a cultura pop japonesa, como otakus e lolitas. Paula Ramos explica que há uma diferença entre ser otaku no Japão e no Brasil. “Os otakus, no Japão, são conhecidos como nerds que evitam o contato social. O termo chegou ao Brasil nos anos de 1990, com o sucesso dos desenhos japoneses. O termo otaku começou a ser usado pelos brasileiros apenas para diferenciar o nerd que se identificava com a cultura japonesa”, esclarece a pesquisadora. De acordo com Paula, apesar de, não necessariamente, se vestirem de acordo com os personagens da cultura pop, como fazem os cosplayers, os otakus também possuem vestimentas de identificação, como camisetas customizadas e acessórios que remetem ao kawaii, termo

japonês que significa algo “fofo” ou “bonito”. Já as Lolitas são mulheres que aderem a uma moda alternativa que remete à Era Vitoriana. «O seu modo de vestir vem agregado ao estilo kawaii, que é “fofo”, “inocente”. Além das roupas, elas também apresentam o comportamento das europeias do século XIX, pois incorporam a maneira de falar, agir e pensar”, explica Paula. Apesar de a Era Vitoriana representar uma época de opressão à imagem feminina, a pesquisadora afirma que isso não é algo que deva ser relacionado com o comportamento das Lolitas. “Diferente daquela época, quando as mulheres eram obrigadas a agir de certo modo, as Lolitas fazem isso porque querem, sem que ninguém as esteja obrigando”, revela a autora da pesquisa.

Wanessa Aires, 21 anos, pratica cosplay por causa do seu interesse pelos produtos da cultura pop japonesa, como animações (conhecidas como animes), histórias em quadrinhos (conhecidas como mangás). “Eu sempre gostei de mangás e dos animes que eram exibidos na televisão. Quando cresci, descobri o que era a cultura japonesa e o que significava fazer cosplay. Eu me apaixonei e hoje gasto o quanto posso para produzir cosplay”, afirma. A jornalista conta que realizar um cosplay requer muita preparação e vai além de apenas se vestir como um personagem. É uma questão que envolve uma identificação pessoal. “Nós passamos horas para ficar o mais parecido possível com o personagem. Não fazemos só a roupa, também é necessário o cuidado em interpretar o personagem escolhido. Eu fico horas pesquisando as poses e o modo de falar. É preciso incorporar, conhecer e pesquisar a fundo o assunto. A escolha se dá por aquele personagem com quem eu me identifico e quero ficar parecido”, explica Wanessa. Para Avany Martins, 27 anos,

apesar de todos os problemas que um cosplayer sofre, como assédio e preconceitos, realizar cosplay é uma atividade que compensa. “Em eventos, é comum sofrermos assédios tanto físico quanto verbal, principalmente dos homens. Também sofremos preconceito, algumas pessoas debocham, dizem que é uma atividade apenas para crianças. Apesar de tudo, é recompensador você ouvir elogios e poder estar ali, vestida de um personagem de quem você gosta e com quem se identifica. É incorporar alguém que você quer ser”, revela a designer gráfica. A respeito do preconceito sofrido por otakus, cosplayers e Lolitas, Paula Ramos afirma que a sua pesquisa tem o objetivo de desmistificar qualquer imagem errônea sobre esses grupos. “Eu queria desconstruir qualquer pensamento preconceituoso. A minha tentativa foi mostrar que esta não é uma atividade para criança, que a imagem que as pessoas têm deles é errônea. Nessas atividades, existem temas fortíssimos, como gênero, sexualidade e identidade”, conclui a pesquisadora.

Adolfo Lemos

Deboche, assédio e preconceito são frequentes

Avany, Wanessa e Lêrony escolhem os personagens de acordo com as suas personalidades.


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Nanotecnologia

Física Experimental avança na UFPA Grupo já publicou nove artigos em revistas internacionais Alexandre Moraes

Alesson Rodrigues

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ciência tem descoberto formas de produzir materiais mais eficientes e funcionais que podem ser aplicados em uma grande variedade de áreas. Setores como saúde, energia, agricultura, recursos hídricos, entre outros, vêm sendo beneficiados pela pesquisa em Ciência dos Materiais há anos. Dentro deste ramo, a Física da Matéria Condensada ajuda a entender o comportamento da matéria nas suas estruturas mais básicas, ou seja, com base no comportamento e nas propriedades de seus átomos e moléculas, sendo esta uma área de estudos que cresce no Pará. Ajudar a entender a matéria e contribuir para o crescimento da ciência na Amazônia são as duas principais missões do Grupo de Espectroscopia Eletrônica e Vibracional

(GEEV) da Universidade Federal do Pará. O grupo foi criado, em abril de 2014, no Programa de Pós-Graduação em Física (PPGF) da UFPA, pelos professores Waldeci Paraguassu Feio e Newton Martins Barbosa Neto. Apesar da pouca idade, o grupo já deu contribuições significativas para a ciência

na região, com a publicação de nove trabalhos em revistas internacionais e a formação de um mestre. A ideia principal da criação do grupo foi contribuir com o desenvolvimento da Física Experimental, na área de matéria condensada e espectroscopia na Amazônia, um sonho que caminha com os

fundadores do grupo desde que eram colegas de graduação. Dessa forma, a equipe vem contribuindo para o aumento da infraestrutura local da pesquisa, com a criação dos laboratórios em funcionamento e em fase de implantação. Entre as pesquisas do GEEV, algumas já merecem destaque, como o estudo de materiais com estrutura do tipo metal orgânico. Recentemente, dois trabalhos foram realizados com esse tema pelo professor Waldeci Paraguassu Feio, em colaboração com pesquisadores do Institute of Low Temperature and Structure Research, na Polônia, e do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC). Esses trabalhos foram publicados na Revista científica norte-americana Inorganic Chemistry, considerada uma das revistas de grande impacto na área de Ciência dos Materiais.

Professores querem atrair novos pesquisadores para a área Os artigos trazem valiosas contribuições para o entendimento da estabilidade e dos mecanismos de transformação estrutural de três compostos pertencentes à classe dos materiais com estrutura do tipo metal orgânico. Esses materiais, segundo Waldeci Feio, além de possuírem propriedades multiferroicas (materiais que têm dois parâmetros de ordem independentes que podem interagir), o que aumenta sua aplicabilidade em dispositivos eletrônicos, também possuem estrutura cristalina com altíssima área disponível, o que lhes dá grande potencial no uso em processos catalíticos e armazenamento de gases. “Alguns dos materiais com estrutura metal

orgânica já vêm sendo testados em tanques automotivos com impressionante eficiência e podem representar uma completa revolução nesta área”, diz o professor. Outra pesquisa do grupo que merece destaque é o trabalho realizado pelo professor Newton Martins Barbosa Neto, em colaboração com as Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (UFOP), o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e o Departamento de Materiais e Interfaces do Instituto de Ciências Weizmann, em Israel. Publicado na Revista norte-americana NanoLetters, uma das mais importantes na área da Nanotecnologia, o artigo

Strain Discontinuity, Avalanche, and Memory in Carbon Nanotube Serpentine Systems, que pode ser traduzido para Tensão descontínua, avalanche e memória em sistemas serpentinos de nanotubos de carbono, analisa o comportamento de várias serpentinas de tubos de carbono de 1 nanômetro (equivalente a 1 milímetro dividido em 1 milhão de partes) de diâmetro, que foram arrastadas em uma superfície de quartzo cristalino, para que fossem observados os processos de interação entre os materiais. Um dos objetivos é descobrir como os átomos dos materiais manipulados se comportam, além de desenvolver novas formas de trabalhar com a escala nanométrica.

A principal conquista dos trabalhos foi o fortalecimento da produção científica no campo da Física Experimental na Amazônia, área que ainda é pouco explorada na região. “A Amazônia é um parque gigantesco de matéria e quase ninguém pesquisa isso, até mesmo pela baixa densidade de pesquisadores. O nosso objetivo é construir interesse pela pesquisa em Física Experimental no Pará”, afirma o professor Newton Neto. Segundo os professores, o Estado do Pará possui apenas quatro pesquisadores do CNPq que se dedicam à Física Experimental, número que ainda é muito reduzido para os padrões nacionais e internacionais.


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Biotecnologia

Buriti, maracujá e castanha-do-pará Projeto transforma resíduos de matéria-prima regional em fonte de energia limpa Daniel Sasaki

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m tempos em que as pessoas estão cada vez mais preocupadas com a emissão de gases poluentes que possam agravar o efeito estufa, processo natural de aquecimento da superfície da Terra, e com a possibilidade do fim de fontes de energia como petróleo e gás natural, aumenta-se a busca por fontes de energia renováveis e não poluentes. Uma das formas de energia limpa é o biodiesel, um biocombustível feito de plantas (óleos vegetais) ou animais (gordura), que pode ser utilizado para vários fins. Foi essa preocupação que levou o pesquisador Rogério Cunha Brito a elaborar a Dissertação Produção de Ésteres Etílicos Utilizando Rejeito do Processo de Neutralização do Óleo do Buriti, Maracujá e Castanha-do-Pará, sob orientação do professor Luís Adriano Santos, do Progra-

ma de Pós-Graduação em Biotecnologia (PPGBiotec) do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Segundo Rogério Brito, a produção de biodiesel por meio de fontes de biomassa surge como uma alternativa de energia limpa e renovável buscando substituir, parcial ou totalmente, o diesel derivado do petróleo, fonte de energia fóssil e não renovável, com prazo de esgotamento. De acordo com o pesquisador, o objetivo da pesquisa era obter biocombustível de uma matéria-prima de baixo valor econômico. “Como há uma corrida mundial na busca de novos processos para obtenção de energia renovável conhecida como energia verde, os pesquisadores têm experimentado diferentes matériasprimas de baixo custo, com intuito de obter energia limpa e renovável. Esse foi nosso objetivo. Utilizamos uma biomassa

Alexandre Moraes

residual do refino dos óleos vegetais, para produzir biocombustível”, explica Rogério. A escolha de trabalhar com o resíduo do refino dos óleos de buriti, maracujá e castanha-do-pará surgiu da preocupação de utilizar uma matéria-prima regional. “Existe um polo de refinaria de óleos vegetais, Beraca Sabará, no município de Ananindeua, que possui uma parceria com a UFPA. Eles encaminham os resíduos que seriam descartados ao Laboratório de Catálise e Oleoquímica para realizarmos o processo de reutilização e reaproveitamento”, afirma o pesquisador.

Resultado final é ponto de partida para novas pesquisas Rogério Cunha Brito explica que o principal objetivo da sua pesquisa era utilizar os resíduos provindos da refinaria de óleos vegetais e transformálos em biocombustível. Para isso, foi necessário realizar dois processos: a acidificação e a esterificação. “Os resíduos que seriam descartados foram submetidos à catálise ácida, buscando transformá-los em ácidos graxos, que é a matériaprima do biodiesel. Em seguida, foi realizado o processo de esterificação para, assim, chegar ao produto final”, explica. De acordo com o orientador da pesquisa, professor Luís Adriano Santos, apesar de todos os problemas en-

frentados, o estudo conseguiu cumprir as expectativas. “O processo de pesquisa foi extremamente árduo, como todo trabalho de pós-graduação. Surgiram obstáculos de logística, pois, em alguns momentos, o material acabou e tivemos que solicitar mais. No entanto o Rogério foi até o final e conseguiu executar um trabalho que considero ponto de partida para pesquisas que envolvem outros tipos de matérias-primas, catalisadores heterogêneos e até mesmo biocatalisadores, como as enzimas imobilizadas”, avalia. Parâmetros – Apesar de não atingir todos os parâmetros

estabelecidos pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o resultado da pesquisa excedeu as expectativas. “Conseguimos transformar os resíduos neutros (sabões) em ácidos graxos por meio da acidificação e, a partir destes, obtivemos ésteres etílicos por meio da esterificação. Dos parâmetros exigidos pela ANP, consegui determinar quatro, o que é ótimo para uma pesquisa de dois anos. Atingimos o objetivo inicial: utilizar um rejeito e transformá-lo em ésteres etílicos”, afirma Rogério Brito. “O que diferenciou esta pesquisa, em relação às outras que trabalham com biodiesel,

foi reaproveitar um rejeito vegetal, utilizar um sistema de refluxo vertical e banho de óleo, um sistema simples, que requer pouco consumo de energia, diferenciando do reator. Outro ponto relevante foi a utilização do etanol, um reagente orgânico, não tóxico, utilizado na reação de esterificação, além do pequeno volume de ácido sulfúrico, que, após a reação, não é despejado no meio ambiente, é armazenado para o descarte correto”, explica o pesquisador. Rogério quer continuar a pesquisa e chegar a um produto de qualidade, que possa ser comercializado para, assim, diminuir os danos causados ao meio ambiente.


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Entrevista

Jane Felipe Beltrão

Migração sob o olhar da Antropologia O drama de quem foge da guerra, da fome e da violência Walter Pinto

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Europa vem sendo o destino do maior fluxo migratório já registrado na história do considerado Velho Mundo. Imigrantes desesperados do Oriente Médio e da África colocam pressão sem precedentes sobre os países da União Europeia. Mais de 350 mil deles estiveram nas fronteiras da UE entre janeiro e agosto de 2015, em comparação com 280.000 em 2014, segundo estimativa da Organização Internacional para as Migrações

(OIM). Os principais motores da migração, segundo as informações da mídia, são os conflitos na Síria e no Afeganistão e a violência na Eritreia. Na ânsia de fugir da violência da guerra, mais de 2.600 migrantes afogaram-se nas águas do Mediterrâneo no ano passado, segundo a OIM. Para a antropóloga Jane Felipe Beltrão, professora da UFPA, vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a situação de guerra nos países africanos e asiáticos foi uma “criação” da Guerra Fria. Os imigrantes

são “tomados como ‘bárbaros’ e poucos conseguem ver a imposição sobre esses povos. Assim, direitos humanos são esquecidos e “as situações de violação se multiplicam nos navios e nos abrigos nos quais pessoas são estupradas (...), passam fome, vivem situações de violenta humilhação e de atentado à dignidade humana”, diz a antropóloga. O mundo assistiu, principalmente em 2015, à chegada de milhares de imigrantes do Oriente Médio e da África à

Europa pelo Mediterrâneo. Os imigrantes têm enfrentado barreiras em países da Comunidade Europeia, principalmente nos que enfrentam crises econômicas, como Portugal, Espanha e Grécia. A questão econômica é, de fato, o que está por trás dessas barreiras? Creio que, inicialmente, é preciso compreender que a economia é, necessariamente, uma construção cultural e, como tal, se diferencia de sociedade para sociedade, portanto as demandas econômico-culturais Alexandre Moraes


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estão imbricadas. Os fatos que acontecem no Oriente Médio e nas proximidades possuem raízes profundas, afinal, a hegemonia política europeia e norte-americana – no século XX – sempre considerou povos e territórios além das franjas do Mediterrâneo de forma assimétrica, sob as botas de exércitos reais ou não. Portanto a crise existente hoje foi “criação” da Guerra Fria, que, por vezes, se torna quente. Por sua vez, Portugal, Espanha e Grécia fazem parte de uma União Europeia que não os “favorece”, pois as contribuições são diferenciadas e as imposições assimétricas se fazem sentir, dentro do artificialismo político criado pelos europeus. Síria, Afeganistão, Iraque e Eritreia estão entre os países com maior fluxo de imigrantes à Europa. Os imigrantes fazem uma travessia de grande risco. A mídia costuma apontar a situação de guerra nesses países para justificar a saída. É essa, de fato, a causa dessa corrente migratória? Eu desloco o foco para o nível político. Afinal, o Imperialismo europeu, ao final do século XIX, retalhou a África e os demais territórios por interesses políticos, econômicos e a história de viés positivista, feita pelos colonizadores, nos ensinou a não ver resistência entre os povos colonizados. Qual de nós teve acesso à defesa da soberania feita pelos reinos africanos, por exemplo? Assim sendo, as liberdades democráticas não foram totalmente experimentadas pelos povos colonizados tampouco puderam adaptar os modelos “importados” de organização política e social. Dez ou 20 anos de “surtos” democráticos, sob vigilância de grandes potências, são, institucionalmente, nada diante da desorganização promovida nos espaços sujeitos ao Imperialismo. A nós, só aparece a

face da intolerância religiosa e da jihad, que, ao longo dos últimos cem anos, se modificou de forma radical. Na Europa, os imigrantes estão enfrentando dificuldades de adaptação. Além dos problemas econômicos, há os choques de cultura e até de violência. Há algum paralelo de embate cultural na história das correntes migratórias? Penso que há paralelos, entretanto eles são pouco conhecidos. Sempre refiro, em sala de aula, que não se fala em Holocausto nas Américas, porque os povos originários – caso dos indígenas – e os povos transplantados – caso dos africanos – não professavam o judaísmo nem habitavam o Velho Mundo. A dominação política “obrigará” os povos deslocados, de forma compulsória, a “ se europeizarem”, tal qual os portugueses o fizeram com pessoas indígenas e africanas, produzindo “limpezas étnicas”, que se caracterizam pelo genocídio – morte aos deslocados – e etnocídio – adesão a padrões culturais homogeneizantes, de forma impositiva. Agora, africanos e asiáticos são tomados como “bárbaros”, os quais, é preciso combater, sob pena de sucumbir a sua suposta selvageria. Todas as mazelas produzidas pelos colonizadores vão ser computadas na conta da suposta dinâmica populacional europeia. Poucos conseguem ver a imposição e, assim, os direitos humanos são esquecidos, as situações de violação se multiplicam nos navios, nos abrigos em que pessoas (mulheres e

crianças, mas também homens e meninos) são estupradas, passam fome, vivem situações de humilhação e de atentado à dignidade humana. Seria diferente se a imigração fosse dirigida aos países da América do Sul? Não. Na verdade, custame acreditar que, depois de anos colonizados, não acolhemos as pessoas, compulsoriamente, deslocadas por catástrofes, sistemas políticos opressivos. Fico preocupada com a ocorrência, em diversas proporções: com os que vêm de fora da América (asiáticos vulnerabilizados, em diversos países); com os que vêm de dentro – entre países latino-americanos (haitianos e bolivianos no Brasil); e com os de dentro de um mesmo país (sem terra, indígenas e quilombolas). Nossas políticas de migração são restritivas e não protegem o cidadão, são tentáculos estatais. Mas o que esperar de sistemas democráticos pouco capazes de vencer as amarras impostas em anos de colonização?

“Nossas políticas de migração são restritivas e não protegem o cidadão”

O Brasil tem criado barreiras para receber imigrantes? Quem são os imigrantes que fazem do Brasil ponto de chegada? Sim, tanto que, na Associação Brasileira de Antropologia (ABA), trabalhamos permanentemente em um Comitê Migrações e Deslocamentos, sob a coordenação de Bela Feldman-Bianco (Unicamp) e de Igor Machado (UFSCar), tendo como membros: Adriana Piscitelli (PAGU/Unicamp); Giralda Seyferth (Museu Na-

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cional/UFRJ); Liliana Sanjurjo (UFSCAR/CEMI-Unicamp); Marcia Anita Sprandel (Senado Federal) e Taniele Rui (CEBRAP), especialistas que permanecem atentos às políticas e agem, nos limites de nossas possibilidades, como associação acadêmica. Ultimamente, temos haitianos, bolivianos, coreanos, entre outros, como migrantes no Brasil. Mas o número de sírios e libaneses parece ter aumentado, inclusive em Belém, onde, agora, as pessoas com vestes étnicas e véus aparecem no cotidiano da cidade e ainda despertam curiosidade. Os imigrantes no Brasil possuem liberdade para professar seus cultos religiosos e sua cultura própria? Teoricamente, sim, mas se pensarmos no quanto desrespeitamos o estado laico que as agências dos movimentos sociais permitiram criar... Entretanto é preciso lembrar o avanço de religiões de caráter evangélico, cujas práticas não são minimamente respeitosas. A intolerância e o desrespeito são denunciados dia a dia, assustando os praticantes de outras religiões, especialmente, os de matriz afro-brasileira. Como a legislação trata a questão dos imigrantes no Brasil? De forma draconiana, salvo no caso de refugiados, mesmo estes não têm proteção integral. Penso que, no Brasil, pelos relatos de africanos e latino -americanos – estudantes da UFPA, oriundos de convênios – os problemas que enfrentam não são diferentes dos que – como migrantes – passamos em países europeus e, no caso dos africanos, a discriminação afasta a possibilidade de agregação. Inclusive, dentro da UFPA, pouco se faz para combater o racismo institucional, que esmaga e apaga tudo que de correto podemos fazer.


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Saúde

Cartões, faltas e muito estresse Síndrome de Burnout é comum entre árbitros de futebol Maria Luisa Moraes

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brasileiro é um povo efusivo e passional, e uma das coisas que nos fazem vibrar é o futebol. Reações intensas, como lágrimas, gritos, pulos de alegria e xingamentos, são comuns quando estamos nos estádios ou mesmo quando acompanhamos as partidas pela televisão. Figuras bastante conhecidas desse universo, as quais, quase sempre, são alvos dessas reações, são o árbitro ou o assistente, popularmente chamado de “bandeirinha”. O profissional de arbi-

tragem tem o papel de mediar o jogo e identificar lances irregulares que podem resultar em punições, como cartões, pênaltis, faltas, além de controlar o tempo do jogo, apitando o início e o fim das partidas e determinando os acréscimos, quando for necessário. Em razão de toda essa pressão e da cobrança dos atletas, das comissões técnicas, dos dirigentes, dos torcedores e da imprensa para que não cometam erros, muitos desses profissionais desenvolvem doenças ligadas ao estresse, como a Síndrome de Burnout. O professor Daniel Alvarez Pires, da

Faculdade de Educação Física do Campus de Castanhal, desenvolveu a pesquisa “Percepções da Síndrome de Burnout entre árbitros de futebol”, que investiga melhor esse assunto. A Síndrome de Burnout é caracterizada pelo estresse crônico relacionado ao trabalho. “No caso dos árbitros, as críticas ao seu trabalho ocorrem com uma frequência maior do que as manifestações de reconhecimento. É quase impossível terminar um jogo sem cometer um erro, pois são centenas de tomadas de decisão ao longo dos 90 minutos. As marcações do árbitro são fisca-

lizadas por todos no contexto esportivo, deixando-o exposto às críticas, ofensas verbais, ameaças e agressões físicas”, explica Daniel Pires. A falta de reconhecimento reflete-se na desvalorização do árbitro, que não tem salário fixo, carteira assinada e direito a férias, recebendo por jogos arbitrados. Essa situação obriga os árbitros a terem uma segunda atividade profissional, o que gera uma sobrecarga de trabalho. Essa sobrecarga, aliada, muitas vezes, à reação negativa da comunidade esportiva, torna comum o aparecimento da síndrome.

Tensão está presente antes, durante e depois dos jogos Essa tensão se manifesta não apenas no momento da partida mas também antes e depois. Antes da partida, a pressão é por uma boa atuação. Durante o jogo, prevalece o estresse envolvendo o relacionamento com atletas, treinadores e torcida, além da autocobrança pelos acertos nas tomadas de decisão. Depois do jogo, é comum

haver reclamações em virtude de possíveis erros cometidos pela equipe de arbitragem. Sobre isso, o professor Daniel Pires ressalta que a cobertura da mídia influencia bastante. “A mídia tem uma grande responsabilidade na construção da imagem do árbitro, pois cria mecanismos para fazer julgamentos, avaliações e discordar do mediador do jogo”, avalia. Os dados utilizados no estudo foram coletados na Federação Paraense de Futebol (FPF), em Belém, e na Federação Amapaense de Futebol (FAF), em Macapá. Também foram levantadas informações referentes à idade,

ao sexo, ao tempo de arbitragem e ao nível de escolaridade. Um inventário com nove itens analisou as três dimensões da síndrome no contexto esportivo: exaustão física e emocional, reduzido senso de realização esportiva e desvalorização esportiva. Resultados – Segundo os resultados, não há diferença significativa na ocorrência da síndrome entre homens e mulheres. “Imaginamos que, por serem mais emotivas, as mulheres seriam mais propensas ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout. Entretanto o estudo não confir-

mou essa hipótese”, observa o pesquisador. A pesquisa, feita no Pará e no Amapá, mostrou uma relevante diferença entre os índices de burnout nos árbitros dos dois Estados. No Amapá há uma alta incidência da Síndrome, os árbitros são menos reconhecidos e é menor a perspectiva de realização na carreira. No Pará esse resultado é menor, ainda que a cobrança da torcida, dos clubes e da imprensa no contexto do futebol paraense seja um fator causador de estresse. Sobre o árbitro Dewson Fernando Freitas da Silva, paraense selecionado para integrar o quadro da FIFA em 2015, o professor ressalta que esse tipo de reconhecimento melhora a autoestima e evita o burnout. Segundo o professor, a preparação psicológica também é importante, pois pode evitar que a empolgação inicial ceda lugar às percepções de estresse. A prática já é adotada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e pelas federações de alguns Estados.


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Museologia

Fortalezinha vista pelos seus moradores História oral e fotografia ajudam comunidade a eleger patrimônio Hojo Rodrigues

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lugar é, absurdamente, lindo”. É assim que a fotógrafa e estudante de Museologia da Universidade Federal do Pará Flávia Souza descreve Fortalezinha, comunidade localizada na ilha de Maiandeua, município de Maracanã, no nordeste do Estado, vilarejo da região do Salgado paraense que inspirou o Projeto de pesquisa “Patrimônios (in)visíveis – A fotografia documental como processo de investigação artística”. Com os estudos sobre patrimônio realizados na graduação, Flávia sentiu-se instigada ao perceber que,

normalmente, são os órgãos institucionalizados que determinam o que é oficialmente patrimônio em uma comunidade, em um Estado ou em uma Nação, deixando de fora da eleição os usuários dos patrimônios. A fotógrafa pensou, então, em uma maneira em que a comunidade pudesse eleger seu próprio patrimônio, com base em memórias, heranças culturais e símbolos presentes no seu cotidiano. Com o lançamento do edital do IV Prêmio de Arte e Cultura pela Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, Flávia Souza viu a oportunidade de realizar uma pesquisa acadêmica e artística em Fortalezinha e viver a Museologia na prática. O projeto

foi vencedor em 2014, com vigência de março/2015 a março/2016. A pesquisadora realizou sete visitas ao vilarejo e fez mais de 40 entrevistas. A metodologia mesclou entrevistas gravadas, trabalho de campo, vivência e troca de saberes com os habitantes. No entanto a noção de patrimônio apropriada por eles é diferente da noção acadêmica. “O conceito de patrimônio é abrangente, sobretudo, é aquilo que nos pertence, que está na memória ou o que uma localidade nos oferece, então, eu perguntava aos moradores o que eles mais gostavam na comunidade ou o que mais identificava o lugar”, explica.

Resultado: visibilidade aos patrimônios invisíveis Fortalezinha tem muitos moradores surdos. Flávia Souza, com o apoio dos professores do Grupo “Mãos que Comunicam”, organizou uma roda de conversas com os deficientes auditivos para explicar o projeto. Tudo o que ela falava era traduzido em LIBRAS pelos professores. Para surpresa da pesquisadora, a maioria dos surdos identificou o carimbó, tradição forte na ilha, como patrimônio imaterial. Flávia viu a fotografia não apenas como ferramenta de registro da pesquisa, mas também como um meio de refletir sobre conceitos de patrimônios, heranças e atividades culturais. “A fotografia gera conhecimento. Ela deu visibilidade a esses patrimônios invisíveis”, explica. “A exposição fotográfica é o produto que mostra o resultado final das pesquisas”, destaca ela, que realizou a primeira exposição do projeto em Fortalezinha, agradando tanto os moradores da comunidade quanto os turistas. Já na exposição realizada no hall do prédio da Reitoria da UFPA, Flávia foi parabenizada por muitas pessoas por causa da sensibilidade artística, ao mostrar o cotidiano do vilarejo. Além da exposição, foram

realizadas as oficinas “Elaboração de Projetos Culturais”, ministrada pela museóloga Deyse Marinho; “Desvendando Patrimônios Locais” e “O Universo Sensível da Câmera Obscura”, ministradas por Flávia e pela fotógrafa Marise Maués. Essas duas últimas foram destinadas às crianças e aos adolescentes da comunidade. Paraíso dos Coqueiros – Nas oficinas, a maioria das crianças desenhou pessoas dançando carimbó, enquanto os jovens desenharam o Paraíso dos Coqueiros. “Talvez pelo fato de ser um lugar de onde se tem uma visão panorâmica da praia, o Paraíso dos Coqueiros é muito procurado pelos jovens para namorar”, explica Flávia Souza. Durante a pesquisa, foram Fotos Acervo do Pesquisador

identificados alguns símbolos que representam Fortalezinha, eleitos pelos moradores do vilarejo. A Casa de Pedra e as ruínas da igreja Estrela do Mar estão na memória dos moradores. A paisagem, que inclui a praia, o mangue e até o vento, é classificada como patrimônio natural. A Festa da Iluminação, evento realizado no dia 2 de novembro, quando os moradores homenageiam seus antepassados; as brincadeiras infantis; a arquitetura nativa; a pesca e o surf também são considerados patrimônios. “Tudo o que está na exposição foi identificado pelos moradores”, explica Flávia. A fotógrafa pretende continuar com o projeto e pensa na construção de um museu no vilarejo. “Tive, nesta experiência, a confirmação do que quero fazer dentro da Museologia”, conclui.

Abaixo, o desenho do Palácio dos Coqueiros, apontado como patrimônio pela comunidade, e o registro da exposição realizada na Ilha.


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História

Degenerados e contagiantes Em Belém, no início do século XX, sífilis era caso de polícia Walter Pinto

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rabalhar com jornais antigos faz parte do cotidiano profissional da historiadora Luiza Helena Miranda Amador, que trabalha no setor de microfilmagem da Biblioteca Pública do Pará, um dos arquivos mais importantes para a pesquisa histórica em Belém. Folheando exemplares dos Jornais Folha do Norte, Estado do Pará e A Província do Pará das primeiras décadas do século XX, ela percebeu que a sífilis era uma doença venérea muito entranhada na sociedade daqueles anos. Quem

lhe disse isso foi a enorme quantidade de anúncios publicados na imprensa oferecendo tratamento e até cura para a doença, embora os jornais fossem das décadas de 1910, 1920 e 1930 e a penicilina, antibiótico que, efetivamente, curava a sífilis, só surgisse em 1943. Assim surgiu o tema que Luiza Miranda desenvolveu no Mestrado em História, na UFPA. A sífilis era uma doença perigosa e de alta incidência. Podia afetar o sistema nervoso, deixar lesões no corpo e levar a óbito. Mas, na seção Estatística de Morte dos diários

paraenses, poucas mortes lhe foram atribuídas. Uma explicação possível era a carga moral da doença, estigmatizada por ser sexualmente transmissível. Interessada em descobrir mais sobre a doença e os seus significados, a pesquisadora concentrou sua atenção entre os anos 1915 e 1934, período sob o efeito do chamado “Sanitarismo”, tornado política pública pelo governo federal. O controle da sífilis ficou a cargo da Inspetoria de Lepra e Doenças Venéreas. A pesquisa teve como fontes os jornalões da época, as revistas médicas espe-

cializadas, as poucas teses médicas existentes e os livros sobre profilaxia no Pará. O resultado foi a Dissertação Degenerados e Contagiantes: a luta contra a sífilis no Pará, orientada pelo professor Márcio Couto Henriques e defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, da UFPA. O estudo revela o discurso de médicos e intelectuais sobre o futuro do Brasil, depois da Abolição e da Proclamação da República. Entendiam que o brasileiro era um povo doente e sem ânimo, incapaz de construir o progresso da Nação.

Doença era grave ameaça ao projeto de futuro do País O futuro dependia do progresso e este só aconteceria quando o corpo enfermiço nacional fosse curado de suas doenças. A sífilis era, então, uma grave ameaça ao projeto de futuro, pela facilidade de transmissão contraída pelo contato sexual, o que transformava as prostitutas em vilãs dessa história. Seus corpos foram considerados propagadores da doença. Os homens que pensavam a Nação se preocupavam com a prostituição e consideravam-na um mal necessário. Eram condescendentes com a moral masculina: entendiam a prostituição

como um meio para os homens exercerem toda a sexualidade fora do casamento. A saída era estabelecer um controle sobre as prostitutas, de modo a estarem sempre saudáveis. Efetivamente, este controle teria que ser sanitário, a cargo de alguém qualificado para tal, com o auxílio da polícia e o apoio da imprensa. Vindo do Paraná, o médico sanitarista Heráclites de Souza Araújo desembarcou em Belém, em 1921, para atuar no Departamento de Saúde da Profilaxia Rural do Estado. Ele desenvolveria seu trabalho em Belém, em-

bora o nome do departamento sugerisse ações no meio rural, denominação dada pelo governo federal para as áreas do País mais distantes do Rio de Janeiro. Heráclites redigiu um regulamento específico para as meretrizes, o qual lhes restringiu a livre circulação pelas ruas de Belém. Agora, elas só poderiam exercer a profissão em zonas específicas, sob a vigilância da polícia. O regulamento também instituiu uma caderneta de identificação para as meretrizes, expedida pela polícia, após exame a cargo do Instituto

Médico Legal. Todas tinham que se submeter a exame médico periódico para atualização da caderneta. Um carimbo indicava a presença ou não da doença e seu estágio, cabendo interdição das que apresentassem quadros mais graves. Periodicamente, o Jornal Folha do Norte publicava nomes e números de registro das prostitutas obrigadas ao exame. Também as pensões estavam sujeitas ao regulamento. Só podiam frequentá-las as prostitutas sadias. O discurso oficial falava em harmonia, mas estava longe da realidade, segundo a pesquisadora.

Prostitutas articulam estratégias para burlar o controle O regulamento instituiu um campo de tensão no exercício da prostituição em Belém. Embora a polícia, frequentemente, prendesse meretrizes sem cadernetas, muitas burlaram as ordens e continuavam a frequentar as pensões, com a conivência dos proprietários

dos estabelecimentos, os quais ganhavam com o aluguel de quartos. Na tentativa de garantirem o direito ao trabalho, algumas entraram com Habeas Corpus na Justiça, mas não há registro de algum êxito. Duas delas conseguiram liminares liberando-as do exame, “por

tolher a liberdade”. Outra estratégia era apresentar à autoridade um companheiro para provar que nunca foi prostituta. A polícia e a justiça tinham um grande problema para enquadrar a prostituição como delito no período pesquisado. O Código Penal não a consi-

derava crime. Restava, então, enquadrar as prostitutas por vadiagem, algazarra, bebedeira, desordem pública e também por serem portadoras de sífilis. “Elas eram consideradas um perigo para a saúde pública por serem potenciais propagadoras da doença. A prostituição que


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se tornou o grande alvo da polícia era a do baixo meretrício. Não encontrei nenhuma referência nos documentos sobre a ação junto às prostitutas de luxo. Todos falam sempre da ralé, como observo nas falas do chefe de polícia de então, Nogueira de Farias”, observa a pesquisadora. Nogueira de Farias incorporava o regulamento com rigor. Ele não dava tréguas às meretrizes e às pensões baratas em que elas trabalhavam. As pensões não passavam de “açougues de carne humana, fontes de doenças, sem qualquer higiene”. Expressava preconceitos ao descrever as prostitutas: “meretrizes sifilíticas, com seus cabelos desgrenhados, seminuas e semiébrias de noites mal dormidas, atravessavam a rua, constantemente para beber cachaça nos botequins. Eram mulheres que mostravam as mamas balofas e deformadas. Sentadas, catavam piolhos umas das outras, com suas pernas enceradas”. O regulamento suscitou um intenso debate sobre prostituição em Belém. Havia os defensores do seu fim, puro e simples, e os que se mostraram favoráveis, mas apenas se devidamente regulamentada, com mulheres sadias confinadas a zonas restritas e específicas. Elas não podiam ficar andando pelas ruas oferecendo seus

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serviços, colocando em risco a sociedade, como fazia Tertuliana, uma meretriz que vendia açaí nas ruas. O Jornal Folha do Norte acusava-a de ser sifilítica e estar burlando o regulamento. O jornal de Paulo Maranhão exigia que a polícia internasse Tertuliana no Asilo São Sebastião, local de isolamento dos sifilíticos, um hospital de madeira nas matas do Guamá, onde, hoje, é o Hospital Barros Barreto. Mesmo entre os médicos de Belém, o Regulamento de Heráclites não era uma unanimidade. Havia os que se posicionaram contra o regulamento em função de ser pautado, unicamente, pela obrigatoriedade de a mulher prostituta se submeter ao exame. Estranhavam porque sabiam que a sífilis não era uma doença exclusiva das meretrizes. Os homens também a contraíam, mas, para estes, não havia qualquer regulamento que os obrigasse ao exame, muito pelo contrário. Como observou Luiza Miranda, para alguns homens, ser sifilítico denotava a ideia de sexualidade exacerbada, um trunfo de afirmação da masculinidade. Uma visão diametralmente oposta em relação à mulher prostituta, cuja doença a tornava “um risco à sociedade”.

Nas primeiras décadas do século XX, os anúncios de tratamentos para a sífilis eram comuns nos Jornais

Folha do Norte, Estado do Pará e A Província do Pará.

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Cinejornal conta a história da cidade Projeto resgata produções de Líbero Luxardo e Milton Mendonça Maria Luisa Moraes

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os anos 1950, a televisão chegava ao Brasil ainda em preto e branco e com um pequeno alcance, visto que, por ser novidade, era um item caro e presente em poucas casas brasileiras. neste cenário, o rádio e o jornalismo impresso eram as principais formas de propagação de notícias no País. Em Belém e em outras capitais, havia também os cinejornais, que precedem a própria TV, existindo desde as primeiras décadas do século XX. Eram curtasmetragens de conteúdo noticioso que antecediam os filmes nas sessões de cinema. Com a vontade de resgatar esse material, surgiu o Projeto “A Produção de Cinejornais no Pará nas décadas de 1940, 1950 e 1960”,

criado e coordenado pela professora Ana Lucia Lobato de Azevedo, da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará (FAV/UFPA). “são filmes que têm relevância para quem estuda a história do cinema. no caso específico de Belém, soma-se, ainda, o fato de que esses são quase a única produção cinematográfica que existe na cidade, naquele momento”, explica. Os cinejornais eram exibidos em várias cidades brasileiras além de Belém, mas a produção concentrava-se em capitais de maior porte, como são Paulo e a capital federal da época, Rio de Janeiro. Eles começaram a ser produzidos no início do século XX e existiram até meados dos anos 1980, sendo, gradativamente, substituídos pelos jornais de televisão. “A produção do jornalismo

televisivo passa a ter mais agilidade e dinamismo que os cinejornais, que levam certo tempo para chegar aos cinemas, considerando-se as formas de produção da época”, lembra Ana Lucia. no caso de Belém, era um processo ainda mais lento, pois o material filmado era enviado para o Rio de Janeiro para gravação da locução, edição de som e mixagem, só então se chegava à cópia final, aquela que seria exibida nos cinemas. Esses filmes eram compostos por várias notícias que tratavam de política, moda e cultura, entre outros assuntos. Eles poderiam conter apenas uma notícia, ou várias, o mais comum era que apresentassem mais de uma. Havia, também, as edições especiais, que cobriam um evento específico, como a morte de algum político ou artista célebre.

Em pauta: a política, a cultura e os costumes Os cinejornais constituem uma produção extremamente importante, seja como fonte de conhecimento da história do cinema brasileiro realizado no Pará, seja como fonte de conhecimento da história do Estado, pois são imagens raras abordando alguns interessantes aspectos da vida local. “são importanFOTOs ACERVO DO PROJETO

tes, portanto, para o conhecimento das atividades político-culturais, dos costumes, das mentalidades em vigor na cidade de Belém e do Estado do Pará naquele momento,” avalia Ana Lucia Lobato de Azevedo. A professora foca sua pesquisa em dois cineastas do cenário paraense, Líbero Luxardo e Milton

Mendonça. nos anos de 1940 e 1950, a produção dos cinejornais em Belém ficou a cargo de Líbero Luxardo. Ainda nos anos 1950 e na década seguinte, Milton Mendonça também começou a produzir. segundo a pesquisadora, Milton produziu cinejornais até meados da década de 1960.


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De acordo com Ana Lucia, grande parte dessa produção perdeu-se ao longo dos anos, em decorrência da falta de conservação, o que dificultou a pesquisa. “Muito pouco restou desses filmes. Em relação à produção de Líbero Luxardo, por exemplo, eu consegui localizar apenas um cinejornal, de

1959, uma edição especial sobre o falecimento de Magalhães Barata, político importante na história do Pará”, relata. Esse vínculo entre os cinejornais e a política era comum, em virtude do apoio econômico oferecido pelos políticos a essas produções cinematográficas. Ana Lucia cita

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como exemplo que, em são Paulo, existia um cinejornal aliado ao então governador do Estado, Adhemar de Barros, e, no Rio de Janeiro, destaca-se o Cine Jornal Brasileiro, produzido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), ligado ao governo de Getúlio Vargas, durante o Estado novo.

A Província do Pará também foi fonte de pesquisa Para fortalecer a pesquisa e suprir a inexistência de alguns filmes, Ana Lucia Lobato de Azevedo pesquisou também em outras fontes, principalmente nos jornais impressos. naquele momento, havia dois jornais principais em circulação no Estado: A Província do Pará e a Folha do Norte. A pesquisadora conta que Magalhães Barata e Paulo Maranhão, proprietário e editor-chefe da Folha do Norte, eram inimigos ferrenhos. Por esse motivo, os cinejornais realizados por Líbero Luxardo e vinculados ao político paraense não eram divulgados pelo jornal de Paulo Maranhão. Por essa razão, a pesquisa concentrou-se no Jornal A Província do Pará. Hoje, esses jornais antigos só são encontrados na Biblioteca Pública Arthur Vianna, porém faltam exemplares de diversos períodos da década de 1940. Em 1955, os cinejornais realizados por Líbero Luxardo ganharam o título de Amazônia em Foco e passaram a ter produção seriada, podendo-se constatar, nes-

se momento, a existência de uma das características da produção de cinejornais, a periodicidade. Essa periodicidade, entretanto, era um tanto irregular, como se pode observar pelos anúncios localizados. “É importante dizer que tal situação não era uma prerrogativa da produção paraense, de modo que os cinejornais realizados em outros Estados brasileiros enfrentavam o mesmo problema”, alerta. Armazenamento – Já durante os anos 1960, Milton Mendonça foi o principal realizador dos cinejornais no Pará, porém seus filmes também sofreram com a falta de armazenamento em condições adequadas. O cineasta teve o que restava de sua obra restaurada em 2008, por meio de Edital do BnDEs, no entanto as películas não estão na íntegra. “Temos vários trechos de filmes misturados, parte de um cinejornal está colado a trecho relativo a outro cinejornal, as notícias se repetem, não sendo possível reconstituir os

filmes da forma como foram feitos e exibidos. Foi possível datar o período aproximado a que eles se referem, em função das notícias divulgadas”, explica a professora. A produção de Milton Mendonça é ligada ao governo de Aurélio do Carmo, governador que acabaria sendo deposto pelo Golpe Militar, portanto, no material existente, o maior número de matérias diz respeito às ações do seu governo. Importantes instituições também tinham destaque nesses cinejornais: “são veiculadas, por exemplo, notícias a respeito do Banco de Crédito da Amazônia (BCA), da superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (sPVEA)”, conta a pesquisadora. Além da importância histórica, deve-se levar em conta que a realização de filmes no Pará daquele momento, seja por profissionais, seja por amadores, era extremamente rara, demandando equipamentos e materiais caros aos quais poucos tinham acesso.

Nos fotogramas reproduzidos abaixo, da esquerda para a direita: Baile das Flores, cortejo fúnebre de Magalhães Barata e José da Silveira Neto na Escola Primária da UFPA.


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Resenha A presença europeia na foz do Amazonas Reprodução

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epois de refazer os passos do escritor Inglês de Souza na Amazônia, por meio de uma leitura socioantropológica, e de escrever uma introdução à Arqueologia no contexto amazônico, com base nos impactos causados pela ação humana, o historiador Mauro Vianna Barreto, professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFPA, publica seu terceiro livro, Soldados, comerciantes, colonos e índios: A disputa europeia pela foz do Amazonas (1616-1647), desta vez, analisando a disputa entre potências colonialistas da Europa pela ocupação da foz do rio Amazonas durante as três primeiras décadas de fundação da, hoje, quatrocentona Belém do Pará. Antes de mais nada, convém alertar que o livro não se insere no conjunto de obras que tratam exclusivamente de Belém, publicadas no rastro das homenagens pelos 400 anos. A antiga cidade do Pará está presente no texto com a construção do Forte do Presépio, a abertura das primeiras ruas, as casas de madeira e palha que abrigaram os primeiros moradores, entre outros aspectos. Mas a cidade é quase uma coadjuvante no contexto geral da obra. Dela, o autor destaca o significado da fundação no processo de luta pelo domínio do grande rio. Da leitura de Soldados, comerciantes, colonos e índios depreende-se que a fundação de Belém, em 1616, foi apenas o primeiro ato dos portugueses na disputa que travariam contra piratas, corsários, comerciantes e aventureiros franceses, ingleses, holandeses, irlandeses pelo controle da foz do Amazonas, nas três décadas seguintes. Pela enorme boca do rio, na fronteira da Guiana Francesa e do atual Estado do Amapá, os aventureiros vislumbravam acessar o interior da Amazônia, em busca das riquezas, e estabelecer bases de comércio e povoação na abandonada região, legalmente pertencente, pelo Tratado de Tordesilhas, à Coroa espanhola. A partilha das terras ao sul do Equa-

dor, entre Espanha e Portugal, nunca foi bem aceita pelos anglo-irlandeses e batavos. Embarcações carregadas de produtos das colônias espanhola e portuguesa eram alvos frequentes da ação dos corsários estrangeiros. Em pleno contexto da expansão marítima e comercial no Ocidente, guiados pela sede de riqueza, eles lançaram-se ao mar, estabeleceram rotas de contrabando nas Antilhas, desceram até a região fronteiriça entre Guiana e Amapá, adentraram a Amazônia pela grande embocadura do Amazonas, até chegar à imensa floresta ao Norte do Brasil. A primeira colônia inglesa na Amazônia data de 1609, três anos antes de os portugueses fundarem Belém. Seguindo a rota do rio, ingleses, holandeses, irlandeses e também os zelandeses, nem sempre com apoio de seus reinos, fundaram colônias, ergueram fortificações, fizeram benfeitorias, sem se descuidar de manter uma relação amistosa com os

indígenas, de quem dependiam para avançar por rios e matas e de quem adquiriam, principalmente, o fumo, produto de alto valor no mercado europeu, trocado por produtos manufaturados. Os portugueses logo perceberam a importância estratégica do rio Amazonas. O primeiro embate dos lusos aconteceu no Maranhão, com a expulsão dos franceses. Em seguida, fundaram Belém, de onde partiram para expulsar os invasores. Os ataques portugueses às fortificações podiam ser diretos ou por meio de cercos, com objetivo de sitiar os invasores, deixando-os sem contato com o rio, por onde podiam chegar navios com reforço militar e alimentos. Tanto o ataque quanto a defesa utilizavam os indígenas que conseguiam aliciar para as suas hostes. Os portugueses atacavam não só as fortificações mas também as aldeias próximas delas. Os índios, que formavam a grande maioria dos soldados arregimentados pelas forças beligerantes, foram as maiores vítimas das lutas pela ocupação da Amazônia. E, neste capítulo, assoma a figura de Bento Tenreiro Aranha, o cruel capitão exterminador de índios amazônicos. Como observa Mauro Vianna Barreto, os portugueses assenhorearam-se do imenso Vale do Amazonas não sem a complacência da Coroa ibérica. A Espanha isentou-se do ônus de expulsar os inimigos europeus de uma área remota, em que não tinham condições imediatas de intervir. Portugal deu carta branca para seus colonos ultrapassarem a fronteira de Tordesilhas a fim de expelirem os invasores, expandindo seus limites territoriais com a anexação das posições tomadas no Delta amazônico. A obra é uma síntese de fácil leitura, indicada para professores e estudantes de História de todos os níveis de ensino, assim como para o público em geral. Serviço: Soldados, comerciantes, colonos e índios: a disputa europeia pela foz do Amazonas (1616-1647), Mauro Vianna Barreto. Coleção Debates. Editora Estudos Amazônicos, 2016.


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A Hist贸ria na Charge

#calouroUFPA2016



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