Beira 128

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ISSN 1982-5994

anos

Conheça o estilo In Bust de fazer teatro com bonecos

Páginas 6 e 7.

Nesta edição • carne de búfalo é pouco consumida • iFNoPaP comemora 15 anos • Gó é matéria-prima para cereal

UFPa • aNo XXX • N. 128 deZeMBro e JaNeiro, 2015/2016


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. luiz cezar Silva dos Santos edição: rosyane rodrigues (2.386-DrT/Pe) reportagem: alice Martins Morais, Juliana Theodoro, Marcus Passos e Maria luisa Moraes (Bolsistas) e Walter Pinto (561-DrT/Pa) Fotografia: adolfo lemos, alexandre Moraes e Mácio Ferreira Fotografia da capa: alexandre Moraes ilustrações: Priscila Santos (cMP/ascom) charge: Walter Pinto Projeto Beira On-line: Danilo Santos atualização Beira On-Line: rafaela andré revisão: elielson de Souza Nuayed e Júlia lopes Projeto gráfico e diagramação: rafaela andré Marca gráfica: coordenadoria de Marketing e Propaganda cMP/ascom Secretaria: Silvana Vilhena impressão: Gráfica UFPa Tiragem: Mil exemplares

reitor: carlos edilson Maneschy Vice-reitor: Horácio Schneider Pró-reitor de administração: edson ortiz de Matos Pró-reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: edilziete eduardo Pinheiro de aragão Pró-reitora de ensino de Graduação: Maria lúcia Harada Pró-reitor de extensão: Fernando arthur de Freitas Neves Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: emmanuel Zagury Tourinho Pró-reitora de Planejamento: raquel Trindade Borges Pró-reitor de relações internacionais: Flávio augusto Sidrim Nassar Prefeito: alemar Dias rodrigues Junior assessoria de comunicação institucional - aScoM/UFPa cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto rua augusto corrêa, n.1 - Prédio da reitoria - Térreo ceP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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esde 1996, o Grupo In Bust Teatro com Bonecos tem apresentado ao público paraense espetáculos em que atores e objetos dividem a cena. as características dessa dramaturgia foram discutidas na Dissertação Sobrevoos e pousos sobre a dramaturgia do In Bust Teatro com bonecos, de autoria da pesquisadora adriana cruz, defendida no Programa de PósGraduação em artes/ica. adriana analisa o processo de criação do grupo com base em quatro espetáculos. a reportagem de alice Martins Morais traz os resultados dessa análise. apesar do seu alto valor nutricional, a carne de búfalo tem baixo índice de consumo no Pará. Pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em ciência animal afirma que uma das maiores barreiras para o consumo é a distribuição inadequada do produto nos supermercados, nos açougues e nas churrascarias de Belém. Também nesta edição: em Bragança, pesquisadores utilizam a pescada gó para desenvolver barra de cereal; eTDUFPa lança coletânea com obras raras do teatro regional; Núcleo de Teoria de Pesquisa do comportamento está desenvolvendo métodos de ensino para educação de crianças com dificuldade de aprendizado. rosyane rodrigues editora

ÍNDICE 2015: Dificuldades e realizações .......................................4 Pescada gó é ingrediente para cereal ................................5 a ciência do teatro com bonecos ......................................6 acervo dramatúrgico da amazônia.....................................8 carne de búfalo é pouco consumida ..................................9 Beira do Rio: 30 anos divulgando ciência ........................... 10 Pesquisa com macaco-prego ajuda educação infantil ............ 12 15 anos de Seminários embarcados .................................. 14 aniversário de Belém está em pauta ................................ 16 Saindo da invisibilidade ................................................ 18 o fotojornalista precisa estar preparado para capturar imagens que melhor traduzam um determinado tema. Para isso, é importante ir além de técnicas de fotografia e estar atento aos acontecimentos no ambiente da pauta, a fim de selecionar o momento ideal para registro. Trabalhar no Beira do Rio me possibilitou esse olhar diferenciado. em tempos de bombardeamento de informações, venho procurando acelerar meu olhar fotográfico à velocidade de um beija-flor. É dessa forma que busco o segundo perfeito para registrar fatos e ideias. adolfo lemos fotógrafo


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Mácio Ferreira

Opinião

Alexandre Moraes

2015: Dificuldades e Realizações

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iversas análises sobre a conjuntura nacional consideram ser este o pior contexto de crise econômica e política já observado no País desde o início do século passado: queda contínua do produto interno e inflação fora das metas estabelecidas, desemprego em alta e contas públicas em desalinho provocado por restrição na arrecadação e no descontrole nos gastos, escândalos sucessivos de corrupção e desarranjos nos elementos de protagonismo político; Tudo compõe um mosaico em que a atual realidade brasileira é apresentada sob a forma de um drama de repercussões ainda não conhecidas em sua totalidade. Foi nesse cenário de instabilidade que as universidades federais desenvolveram suas atividades no ano de 2015, com óbvias e deletérias consequências para o cumprimento de todo o elenco de ações que fazem parte de sua missão principal. Como ponto negativo de maior impacto na UFPA, registre-se o fato de que parcela da melhoria infraestrutural prevista teve que ser postergada, uma vez que o corte determinado pelo governo em investimentos (mais de 50%) alcançou,

inclusive, recursos extraorçamentários provindos de arrecadação própria e negociações institucionais. Entretanto, a despeito das dificuldades, ainda assim, há muito que comemorar no transcurso deste ano. De saída, as atividades estratégicas da Universidade desenvolveram-se sem qualquer atropelo maior. Aqui, encerramos o ano em ritmo normal e sem dívidas acumuladas, uma realidade completamente distinta da do conjunto das outras IFES, em que grandes instituições, como UFRJ e UFMG, se encontram em situação financeira muito delicada. Chegar a essa condição de equilíbrio orçamentário e normalidade funcional num ambiente desfavorável demandou da gestão um sólido planejamento de custos e gastos, cuja prioridade esteve sempre centrada na preservação do interesse das atividades fins da Instituição. Nossas ações pelo ensino continuaram em plena marcha evolutiva confirmada por diferentes indicadores de qualidade. Expandimos a rede de oferta de cursos de graduação pelo interior, fortalecendo nosso modelo multicampi com mais de trezentas novas vagas distribuídas em diversas áreas de formação profissional. Implantamos os campi de Ananindeua e Salinas, consolidando um arcabouço institucional no qual a UFPA se revela bem mais espraiada em suas iniciativas e com maior diversificação do conhecimento que produz e difunde. Na pesquisa e pós-graduação, os avanços foram extraordinários. Os novos cursos autorizados pela Capes, predominantemente em nível de doutoramento, seguem uma trajetória cujas metas associam o desenvolvimento regional à formação de recursos humanos em seu grau mais elevado. Os mais de 1200 alunos de doutorado atualmente registrados, que representam mais do triplo das matrículas observadas em 2010, bem como o expressivo crescimento das publicações e das cooperações nas atividades de pesquisa são de-

monstração evidente da pujança alcançada nesse eixo que compõe um dos três pilares fundamentais da instituição universitária. Em consonância com o Plano de Desenvolvimento Institucional, ampliamos os programas de capacitação de servidores, com destaque para as oportunidades oferecidas que permitiram mais de duzentos técnicos-administrativos elevarem sua formação para níveis de pósgraduação. As relações com a sociedade - estabelecidas por meio da prestação de serviços, de programas e de projetos colaborativos, assim como de cursos ofertados em várias modalidades e temas - foram significativamente incrementadas no ano em curso. As atividades expansionistas na UFPA receberam substancial apoio estrutural e financeiro para sua execução, resultando em um desempenho como, há muito, não se observava. Necessário também destacar progressiva importância no ambiente interno das políticas, com vistas a ampliar as atividades de internacionalização. Intensificaram-se as associações e cooperações com universidades estrangeiras, com um número bem mais elevado de estudantes em programas de mobilidade acadêmica. Por tudo isso que representou o esforço de uma comunidade que aposta na UFPA como força motriz do progresso desejado, vimos 2015 passar revelando, apesar dos obstáculos de um ano difícil, o momento singular vivido pela Instituição, hoje reconhecida, pela primeira vez, por várias agências de avaliação como uma entre as trinta melhores do País e mantendo, por larga diferença, a posição de melhor da Amazônia. Que 2016 venha encontrar nossa certeza de que a Universidade Federal do Pará será ainda maior e melhor em sonhos, virtudes e realizações. Feliz Natal! Feliz Ano Novo! Carlos Maneschy: Reitor da Universidade Federal do Pará


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Multicampi

Pescada gó é ingrediente para cereal Produto foi aprovado por mais de 86% dos provadores voluntários Fotos Acervo do Projeto

Marcus Passos

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á pensou em ir ao supermercado e encontrar outras opções além das tradicionais barras produzidas com proteínas de origem vegetal? Essa situação tem chance de se tornar realidade por causa da pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Pará. O Projeto “Elaboração de barras de cereais enriquecidas com proteína de peixe”, sob a coordenação da professora Marileide Moraes Alves, do Instituto de Estudos Costeiros (IECOS), está em andamento há quatro anos. O estudo desenvolvido no Laboratório de Tecnologia do Pescado, da Faculdade de Engenharia de Pesca de Bragança, surgiu em busca da inovação de um produto já consolidado no mercado e apreciado por um grande número de consumidores. O objetivo do projeto é a inovação de produtos dentro do ambiente produtivo e social de empresas de capital público ou privado. Nesse sentido, a incorporação do concentrado

Equipe mostra o processo de produção da barra de cereal

proteico de pescado revelase uma maneira inovadora de reformular a barra de cereal, proporcionando a aplicação de técnicas que possibilitam a introdução do pescado na dieta dos consumidores, de forma diferenciada. Segundo a pesquisadora, “a escolha por trabalhar com barra de cereais justifica-

se por se tratar de um produto com alto teor de fibras, baixo teor de gorduras e ser um alimento que vem conquistando grande número de consumidores. Inicialmente, as barras de cereais foram direcionadas aos praticantes de esportes, mas, hoje, é consumida por uma grande parte da população”. O peixe utilizado nas

barras de cereais foi a pescada gó (Macrodonancylodon). A espécie tem teor relativamente baixo de gordura, o que favorece a eliminação do odor e do sabor característicos dos peixes. Após a seleção do pescado, o próximo passo da equipe foi produzir barras de cereais com e sem a adição de concentrado proteico.

Análises químicas revelam alto valor nutricional Para a formulação do concentrado proteico, a matéria-prima teve que passar por alguns processos. Primeiramente, o filé da pescada gó foi triturado até ficar com uma aparência de massa homogênea. Em seguida, foi submetido a ciclos contínuos de lavagens com água gelada. Posteriormente, veio a etapa da prensagem e secagem em uma estufa, por um período de 24 horas, a uma temperatura de 50°C. Depois disso, o material foi triturado e embalado a vácuo até o momento da sua utilização.

Com o concentrado de proteína obtido, a equipe desenvolveu as barras de cereais. Por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Ministério de Agricultura, elas tiveram que ser submetidas às análises químicas. O resultado revelou uma concentração de 6,35% de lipídeos, 11,8% de proteínas, 10,25% de umidade, 0,75% de cinzas e 5,5% de pH. “Esses parâmetros servem para caracterizar o produto em relação à composição química e ao valor nutricional.

Os dados asseguram que o produto tem potencial para ser produzido e levado ao mercado consumidor. Quantitativamente, tem-se uma formulação com teores de lipídios baixos, com valor proteico relevante e diferenciado daqueles que já se encontram no mercado”, analisa a pesquisadora Marileide Alves. Para verificar a aceitabilidade da barra de cereal, a equipe realizou uma avaliação sensorial com 80 provadores voluntários, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 50

anos, frequentadores de duas academias de Bragança. Para um produto ser considerado aceito, os resultados do índice de aceitação devem atingir 70% de aprovação. A estatística final apresentou valores próximos a 86%. Um teste em relação à preferência indicou que 65% dos provadores preferiram a barra com proteína de pescado. Nesse sentido, a maior conquista da pesquisa é “desenvolver um produto inovador, com potencial para entrar no mercado”, conclui Marileide Alves.


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A ciência do teatro com bonecos Dissertação investiga processo criativo do Grupo In Bust Alice Martins Morais

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uando pensamos em ciência, lembramos laboratórios, animais, jalecos, cálculos, tecnologias. Essas são as associações mais comuns. Mas instituições como a Universidade Federal do Pará mostram, diariamente, que ciência vai muito além. Nesse contexto, surge a Dissertação Sobrevoos e pousos sobre a dramaturgia do In Bust Teatro

com bonecos, defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes/ICA. A autora é Adriana Cruz, uma das fundadoras do Grupo In Bust Teatro com Bonecos, referência nacional nesse tipo de manifestação artística. O grupo nasceu em Belém do Pará, em 1996. Desde então, vem consagrando um estilo de teatro que mescla características tanto do teatro de bonecos (no qual o foco da

história e dos personagens está no boneco) quanto do teatro de pessoas (no qual o foco está nos atores). O In Bust é uma companhia de teatro com bonecos, cujos espetáculos possuem uma contracena entre os atores e os objetos. Esse estilo, que a pesquisadora assume como único e denomina de “inbusteiro”, surgiu de experimentações de técnicas de trabalho em que o grupo pode criar e recriar as formas de contracena. No início, integravam o grupo David Matos, Adriana Cruz, Paulo Nascimento, Anibal Pacha e Jeferson Cecim. Hoje, o núcleo criativo é formado por Adriana Cruz, Paulo Nascimento, Anibal Pacha e Cristina Costa e conta com artistas

convidados, que atuam em atividades como sonoplastia e também podem compor o elenco. Nesses quase 20 anos, o grupo desenvolveu uma investigação artística contínua, fundamental para a elaboração de cada espetáculo. Mas, recentemente, surgiu a necessidade de desenvolver trabalhos acadêmicos, no estilo de pensar e de pesquisar da Universidade. Foi nessa perspectiva que Adriana Cruz produziu sua dissertação. Por ter atuado como dramaturga no grupo, a autora resolveu discutir o processo de criação com base na dramaturgia. Pela primeira vez, o In Bust seria objeto de pesquisa acadêmica.


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Teatro Pesquisa analisou quatro espetáculos do grupo Fotos Alexandre Moraes

Para o estudo, foram selecionados quatro espetáculos que melhor representassem as diversas formas de processos de criação do In Bust: Os 12 trabalhos de Hércules, Fio de Pão – A lenda da Cobra Norato, Catolé e Caraminguás e Humanos. Fio de Pão (1997) teve como mote principal a Lenda da Cobra Norato e foi o primeiro espetáculo em que o grupo começou a perceber esse estilo. Catolé e Caraminguás (2007) nasceu da leitura do texto Os ciúmes de um pedestre ou o terrível capitão do mato, de Martins Pena. Foi um espetáculo escrito por Adriana Cruz e, por isso, exemplifica como é esse processo de criação, no qual o boneco “dá texto” de uma maneira e o ator “dá texto” de outra maneira, ou seja, como o texto é dito por cada um dos envolvidos na cena. Hércules (2001), como diz o nome, é baseado na história dos 12 trabalhos de Hércules. O interessante é que foi um trabalho que partiu dos objetos. Tudo começou com as sucatas plásticas que o grupo achava que poderiam servir como boneco. Anibal Pacha, responsável pelo visual dos espetáculos, tinha vontade de trabalhar com esse material que vinha sendo coletado. Então, surgi-

ram os personagens de embalagens de xampu, por exemplo, dando personalidade às formas e, assim, construindo o espetáculo. Humanos (1997) é o espetáculo que, junto com Fio de Pão, deu início a esses rizomas. O grupo reuniu -se em uma garagem para exercitar a criatividade. Fizeram a cena desde a marionete até os bonecos gigantes. “Humanos é isso: uma grande experimentação de possibilidades de como usar o boneco de maneira ‘inbusteira’”, afirma Adriana Cruz. A epígrafe do livro Aberração, de Bernardo Carvalho, foi inspiração para o mote do espetáculo. Nele,

uma pegada humana surpreende e assusta uma caravana de bonecos. O espetáculo acabou sendo sobre o que seria o humano na visão de um boneco. Baseada nesses quatro espetáculos, a autora discute a dramaturgia ‘inbusteira’, destacando ainda elementos que caracterizam esse estilo. Um deles é a atuação com cenas abertas, “o que significa que, em algum momento do espetáculo, haverá cenas de improviso”, explica Adriana. Outro elemento é a participação do espectador na criação do espetáculo, já que existe essa construção contínua e momentânea.

Grupo faz questão de manter o tom divertido Um fator de destaque é a ideia de personagem. No modelo tradicional, o personagem é construído com base em um texto. No In Bust, não é assim. Por mais que o texto traga indicações, ele será

construído baseado no ator que o representa. Outra questão importante para o grupo é a ideia do ridículo. O ator deve estar disposto a mostrar as suas fraquezas. “Nós somos

Serviço O Casarão dos Bonecos é um espaço centenário que abriga o grupo e desenvolve inúmeros projetos com apresentações de espetáculos, oficinas, workshops, ensaios de grupos de artes da região e de outros Estados do Brasil. Além dos espetáculos e da pesquisa acadêmica, o núcleo inbusteiro trabalha na campanha de restauração do Casarão, localizado na Avenida 16 de novembro, número 815, Cidade Velha. Para colaborar, basta entrar em contato. Telefones (91) 32418981 ou (91)981105245,

e-mail salvecasarao@inbust.com.br

ridículos profissionalmente”, diz, sorrindo, Adriana Cruz. Isso faz com que todos os espetáculos do In Bust sejam risíveis. “Nós acreditamos que, sem diversão, falta alguma coisa”, afirma.

Bonecos e cenários de espetáculos estão em exposição permanente no Casarão dos Bonecos, em Belém.


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Memória

Acervo dramatúrgico da Amazônia Coletânea já disponibiliza obras raras ao público interessado Ilustração Priscila Santos

Coletânea "Teatro do Pará Vol.I", lançada em maio, traz peças do final do século XIX.

Marcus Passos

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e forma sucinta, pode-se entender a dramaturgia como a arte e a técnica de compor um texto para representá -lo no palco. Na Amazônia, figuras como Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, Nazareno Tourinho e Marília Menezes compõem um grupo de dramaturgos que representam, por meio de suas peças teatrais, momentos e épocas importantes dentro do contexto sócio-histórico

de determinada cidade ou região. Como forma de preservar e divulgar essas peças, a professora e pesquisadora Bene Martins, da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), coordena, desde 2009, o Projeto de pesquisa “Memórias da Dramaturgia Amazônida: Construção de Acervo Dramatúrgico”. O projeto irá formar um acervo de peças teatrais de dramaturgos amazônidas. “A ideia do trabalho surgiu devido à boa parte

dos alunos desconhecerem a dramaturgia da nossa região. A missão foi encontrar as peças que estavam bastante fragilizadas, tratá-las e, posteriormente, divulgá-las aos jovens dramaturgos e ao público interessado”, afirma a professora. As buscas pelas peças concentraram-se, primeiramente, na Biblioteca Pública Arthur Vianna. Futuramente, a pesquisa deverá coletar material nas bibliotecas da Universidade da Amazônia, na Academia Paraense de Letras, entre outras, além de acervos particulares. Até o momento, já foram catalogadas mais de 100 peças teatrais e 50 já se encontram digitalizadas. “Algumas obras estavam tão fragilizadas que não podiam ser tocadas. Nós fotografávamos os textos, para, em seguida, digitalizá-los. Além disso, em alguns materiais, você encontrava o título, mas não encontrava o texto, porque ele não estava arquivado, ou seja, é um trabalho minucioso de busca e recuperação”, explica a professora.

Memória preservada e devolvida ao público Para a pesquisadora Bene Martins, a importância do projeto está centrada na memória cultural dos povos. Ela considera que as peças teatrais tecem anseios, angústias e problemas comuns ao ser humano. Em qualquer lugar do mundo, as pessoas identificam-se com tais temáticas, por envolver questões relacionadas à vida cotidiana. Nestes termos, a professora acredita que a memória imaterial precisa ser tratada, preservada e devolvida ao público, daí a importância das publicações e montagens dos textos. Depois de ter o material coletado e restaurado, surgiu uma indagação por parte da equipe do projeto. De que adiantaria construir um acervo e não divulgá-lo?

Nesse sentido, foram desenvolvidos dois meios de divulgação. Uma página na internet (www. dramaturgiaamazonida.ufpa.br) que reúne, mediante autorização dos autores ou da família, parte das peças catalogadas. A página é um canal de divulgação mais rápido voltado, principalmente, para jovens dramaturgos, hoje, em rede diuturnamente. Outro modo de divulgar o trabalho é por meio dos seminários realizados anualmente pela equipe, durante o mês de maio. Cada edição homenageia um dramaturgo da Amazônia. Na primeira edição, em 2010, o artista homenageado foi Nazareno Tourinho. “O grande objetivo do evento é colocar em diálogo tanto

dramaturgos veteranos quanto os jovens aprendizes do ofício de escrever/ler/montar”, afirma a coordenadora da pesquisa. Este ano, durante o VI Seminário de Dramaturgia Amazônida, foi lançada a primeira coletânea de peças teatrais, organizada por Bene Martins e Zeffa Magalhães. O volume chamado “Coletânea Teatro do Pará” reúne oito textos, o mais antigo data do início do século XIX. “A publicação é o principal resultado do projeto. Conseguir publicar uma coletânea com oito peças, desde 1808, é uma recompensa. A nossa grande conquista é poder trazer essas peças, tratá-las e devolvê-las ao publico”, enfatiza a pesquisadora Bene Martins.


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Veterinária

Carne de búfalo é pouco consumida Faltam informação e distribuição adequadas do produto Maria Luísa Moraes

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e você é paraense ou vive no Estado há algum tempo, já deve ter experimentado a mozarela de búfala. Mas você já deu a mesma chance à carne do animal? Assim como o queijo e o leite, a carne possui menos gordura e colesterol que os derivados do boi. O Pará abriga o maior rebanho bubalino do País, com mais de 320 mil cabeças. Sendo assim, nada mais natural do que o crescimento do consumo

da carne de búfalo por aqui. A veterinária Cristiane Simon Marques pesquisou a relação do consumidor local com a carne bubalina e apresentou os resultados em sua Dissertação Perfil de consumidores e potenciais consumidores da carne de búfalo na cidade de Belém, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da UFPA, sob orientação do professor Ricardo Oaigen. O levantamento de dados utilizou um cálculo estatís-

tico baseado no total da população do Pará, de acordo com o IBGE. Foram aplicados 453 testes de análise sensorial, nos quais amostras de dois tipos de carne (bovina e bubalina) eram pareadas e identificadas apenas com números. Todos os voluntários responderam cerca de 30 questões relacionadas ao consumo ou não da carne de búfalo. A pesquisa também considerou o perfil socioeconômico dos participantes, a frequência de consumo e os motivos pelos quais eles consu-

miam ou não o produto. Cerca de 90,9% dos entrevistados já ouviram falar da carne de búfalo, no entanto apenas 18,1% consumiam o produto. 94% dos entrevistados estão dispostos a incluir a carne de búfalo em suas refeições, mas há fatores que dificultam esse consumo. Uma das maiores dificuldades é encontrar a carne de búfalo disponível nos supermercados, nos açougues e nas churrascarias da cidade. A veterinária explica que a produção de leite e queijo ainda é priorizada.

Consumidores desconhecem propriedades da carne nicidade e trombogenicidade (não se depositam nos vasos sanguíneos) e elevado conteúdo de ômega-3 e ômega-6”, explica Cristiane Marques. Em comparação com a carne de boi, a carne de búfalo mostra-se uma opção melhor e mais saudável. Estudos apontam que a substituição gradual da carne bovina pela carne de búfalo pode conferir importantes benefícios cardiovasculares assegurando uma parte substancial da dose diária de proteína recomendada. Outra preocupação dos consumidores é com relação

ao sabor. “A carne bubalina, quanto a sua palatabilidade, é semelhante à carne bovina “magra” dos zebuínos (os chamados “gados de corte”). Alguns testes sensoriais demonstraram que não existem diferenças marcantes quanto ao odor e sabor e quanto à cor, maciez e suculência”, afirma a pesquisadora. Aos poucos, essa barreira está sendo derrubada. “A busca por melhor qualidade de vida e alimentação equilibrada tem ocasionado uma procura por alimentos menos calóricos e mais nutritivos, o que é o

caso da carne bubalina”, observa Cristiane Marques. Para auxiliá-la na pesquisa, Cristiane consultou o professor José Lourenço Júnior, do PPGCAN-UFPA, consumidor de carne bubalina há mais de 40 anos. “A carne de búfalo possui 40% menos colesterol, 12 vezes menos gordura, 10% mais minerais, sendo 55% menos calórica e 11% mais proteica que a bovina. Sua carne contém menos gorduras saturadas, sendo indicada para pessoas de todas as idades”, avalia o professor José Lourenço Júnior. Alexandre Moraes

Na Europa, a carne de búfalo é considerada uma iguaria. Na Ásia, ela é bastante consumida em países como Índia, Malásia e Filipinas. No Pará, ainda é grande o desconhecimento em relação às propriedades funcionais da carne. “Sua composição possui baixos teores de gordura total e de marmoreio (gordura entremeada às fibras musculares, que não pode ser separada da carne), alto índice de ácidos graxos hipocolesterolêmicos (que auxiliam na retirada do “colesterol ruim” da corrente sanguínea) , menor ateroge-


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Depoimentos

Beira do rio: divulgando ciência há 30 anos Rosyane Rodrigues

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ano de 2015 foi especial para todos os que atuam na assessoria de comunicação institucional da UFPa, especialmente para os que fazem parte da coordenadoria de Divulgação científica, responsável pela produção do Jornal Beira do Rio. ao longo do ano, tivemos diversas ações comemorativas aos 30 anos do jornal, que culminaram com a exposição realizada em outubro, na Galeria césar Moraes leite, no campus Básico da UFPa.

o material exposto criou uma linha do tempo entrelaçando as mudanças editorais do jornal com o crescimento acadêmico e institucional da UFPa, ao longo desse período. e para encerrar esse tempo de celebração, esta edição substitui a tradicional entrevista por uma série de depoimentos sobre o Beira do Rio. Nosso desejo é que venham muitos outros 30 anos e o jornal siga firme o seu propósito de divulgar a ciência produzida pela Universidade.


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O Beira do Rio tem desempenhado um importante papel na Universidade. O jornal mostra o que é produzido na UFPA, numa linguagem acessível ao público, divulgando a Ciência para todos. Isso é importante para mostrar o que a Universidade está fazendo e como isso pode trazer benefícios para as pessoas. Carlos Maneschy, reitor/UFPA Escrevi no artigo que foi publicado na edição 126 do Jornal Beira do Rio que: “O passado, o presente e o futuro do jornal devem sempre nos lembrar de que ele é feito para e por pessoas [...] Então falar dos 30 anos do jornal é falar de gente, de várias pessoas que fazem e fizeram o Beira no dia a dia da Ascom, ao longo de três décadas, incluindo nessa história diversos futuros profissionais, os bolsistas/estagiários, estudantes que aprendem a fazer e a pensar jornalismo com o apoio da equipe de profissionais da Coordenadoria de Divulgação Científica – CDC: os jornalistas Rosyane e Walter, a designer Rafaela e o fotógrafo Alexandre, pessoas que contribuem, todas juntas, com o seu conhecimento para divulgar o ensino, a pesquisa e a extensão dentro e fora dos muros da Universidade e, principalmente, contribuem, diariamente, para a melhoria constante do “fazer”, do “construir” o Jornal Beira do Rio. Luiz Cezar S. dos Santos, Diretor da ASCom/UFPA O jornal surgiu da necessidade de divulgar o que estava sendo produzido na UFPA. Até então, o jornal era um boletim administrativo da Instituição, mas, a partir de 1985, tivemos a necessidade de criar um jornal para a divulgação científica. O Beira do Rio é uma referência para redações de diversos veículos de comunicação e mantém um compromisso, há

gerações, por contribuir para a formação acadêmica de vários estudantes de Jornalismo que foram bolsistas no jornal. Walter Pinto, jornalista Reunião de pauta, marcação de entrevistas, agendamento com o fotógrafo para fazer o “boneco”, decupagem, redação, deadline... Expressões que marcaram uma época de muito aprendizado, companheirismo e muita diversão! Parabéns, Jornal Beira do Rio! Te dobrei bastante, por muito tempo. Agora, aprecio as tuas curvas. E das palavras que me resta escrever, registro a “saudade”. Igor de Souza, jornalista, ex-bolsista do Beira do Rio Beira do Rio, jornal de título ameno e conteúdo caudaloso como o Guamá, rio que lhe oferece referência. Criado em 1985, na gestão Seixas Lourenço, quando a UFPA respirava os ares da abertura democrática, o periódico se mantém firme quanto aos objetivos de comunicar os resultados do “fazer acadêmico”, prestando contas dos investimentos públicos em ciência & tecnologia na Instituição. É dinâmico no alcance dos objetivos, não apenas porque superou a impressão em preto e branco, passando a usar cores, mas também por se renovar e incorporar, a cada edição, formas atraentes de comunicar ciência, caso da versão para crianças. As edições impressas e digitais são usadas de formas variadas, pois muitas vezes são a primeira notícia sobre este ou aquele empreendimento acadêmico. A repercussão do Beira vai além dos muros da Cidade Universitária. Jane Beltrão, antropóloga Ao visitar a exposição em comemoração aos 30 anos do Beira do Rio, não pude imaginar o tamanho da minha surpresa ao ver expostos os nomes de todos os bolsistas

de Jornalismo que escreveram para o jornal e, mais ainda, ao ver na capa de uma das edições a chamada da última matéria que escrevi para a publicação, em março de 2009. Não bastasse isso, corri os olhos para os anos seguintes e me espantei ao ver a matéria feita sobre a minha dissertação de mestrado, já em 2012, quando passei para a outra ponta do processo, de entrevistadora a entrevistada. Que honra e que privilégio fazer parte dessa história e se ver representada nela! Muito do que sou hoje como profissional, devo ao Beira e à Ascom UFPA, o que inclui todos os amigos queridos que fiz no tempo colorido em que estive por lá. Parabéns, Beira! Tamiles Costa, jornalista, ex-bolsista do Beira do Rio Com a exposição realizada em outubro, celebramos os 30 anos do Beira do Rio. Foi um momento muito especial, pois a publicação é um dos veículos de divulgação científica mais longevos da nossa região. Revisitar edições anteriores e selecionar algumas para a exposição me permitiu olhar, em retrospectiva, para a importância dos conteúdos publicados no jornal, ao longo desses anos. Rosyane Rodrigues, editora O Beira teve grande importância na minha vida pessoal e profissional, pois a oportunidade de atuar num veículo de divulgação científica foi motivo para investir no Jornalismo. Dois trabalhos que considero gratificantes foram as reportagens sobre as plantas ananás (de teor abortivo) e taioba (rica em nutrientes) publicadas, nas primeiras edições. Graças ao trabalho na Ascom e no Beira do Rio, eu consegui ir além, em busca de meus objetivos. Ver esse trabalho de 30 anos é uma satisfação. Léo Costa, jornalista

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O Beira do Rio, de um simples e limitado periódico interno, transformou-se, com o tempo, num símbolo da UFPA. Premiado em nível nacional como modelo de ferramenta de comunicação universitária, destaca-se por sua linguagem acessível, competente, atualizada, estampando a toda a sociedade paraense e brasileira os melhores frutos da produção acadêmica desta que é reconhecida como a melhor e mais importante universidade da Região Amazônica. Vida longa, portanto, a esta instituição da Instituição. Parabéns a todas as equipes, de ontem e de hoje (com uma lembrança especial ao Walter Pinto, seu idealizador de origem), que se dedicaram e dedicam ao crescimento e à consolidação deste importante meio de comunicação social acadêmica. O Beira emblematiza e ilustra, com rara felicidade, o significado do trabalho coletivo movido por um ideal republicano, ancorado em valores e motivações que se colocam acima dos interesses pessoais, corporativos e, mesmo, ideológicos - o que lhe garante continuidade e aperfeiçoamento no tempo. Vida longa ao Beira! Alex Fiúza de Mello, Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Técnica e Tecnológica Através de pautas externas para o Beira do Rio, consegui aprimorar minhas técnicas fotográficas, quando me deparava com situações extremas e, por muitas vezes, críticas de iluminação. O contato diário com entrevistados me ajudou a entender o comportamento e as limitações de cada pessoa, quando posta em frente à câmara fotográfica. Toda essa experiência deu suporte para meus trabalhos autorais, na hora de materializar minhas ideias. Alexandre Moraes, fotógrafo


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Psicologia

Pesquisa com macaco-prego ajuda educação infantil Objetivo é criar metodologias para crianças com dificuldade de aprendizagem Maria Luisa Moraes

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Alexandre Moraes

ico, ET, Raul, Eva... Você não conhece esses indivíduos, mas eles estão ajudando no desenvolvimento de métodos de ensino para a educação de crianças com dificuldade de aprendizado. O projeto, desenvolvido desde 1995 pela Escola Experimental de Primatas (EEP), é vinculado ao Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, da Universidade Federal do Pará (NTPC/UFPA), e, atualmente, coordenado pelo professor Olavo Galvão. O projeto tem como objetivo verificar o potencial pré-simbólico do macaco-prego (Sapajus sp.). Os macacos são colocados numa câmara experimental e recebem questões propostas na tela do computador. “Usamos o toque nos estímulos como indicador de escolhas. Dependendo do estímulo escolhido pelo macaco, ele recebe uma recompensa. Dessa forma, verificamos a capacidade de ele aprender a escolher aquele que definimos como correto”, explica o professor. Nos últimos anos, os estudos avançaram bastante, principalmente, na questão das relações arbitrárias. “A relação arbitrária está na base do comportamento simbólico, na medida em que a gente usa palavras que têm significado”, afirma Olavo Galvão. Conforme explica o professor, as palavras não fazem parte da natureza, elas são definidas culturalmente. “Aqui, no Brasil, a gente usa o português; no México, eles usam o espanhol, ou seja, a palavra ‘vermelho’, por exemplo, que, em espanhol, é ‘rojo’, é rapidamente aprendida por crianças, ao contrário dos macacos. Na verdade, você aprende as duas coisas, rojo e vermelho, em relação a uma. Nós dizemos que a relação transita de rojo para vermelho. Será que o macaco é


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capaz de fazer essa relação?”, questiona. A ideia é que, com base nos resultados dos experimentos com macacos, se façam adaptações para crianças com dificuldades. “Se essas crianças não estiverem num ambiente muito apropriado na infância,

elas acabam aprendendo de uma forma mais lenta que as demais. Então, para elas, essas tecnologias de ensino podem ser interessantes”, justifica o professor. No entanto é preciso dar um passo de cada vez. O macaco-prego é considerado um excelente modelo

experimental para o estudo do desenvolvimento cognitivo, pois tem várias similaridades com o ser humano. “O timing do macaco-prego é muito rápido. Quando vamos estudar um macaco de outra espécie, o guariba (Alouatta sp.), por exemplo, percebemos que ele

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tem uma lentidão especial, então temos mais dificuldade de interação com ele”. O macaco-prego tem a atenção dirigida e a concentração mais parecida com a humana, podendo responder até 60 questões seguidamente, para poder ganhar a recompensa.

Estresse diminui produtividades dos animais Parte importante da Escola Experimental de Primatas é o ambiente criado para a convivência dos macacos, essencial para o rendimento deles na pesquisa. Eles têm diferentes idades e os mais velhos costumam ser mal-humorados, o que acaba estressando seus companheiros. “É muito importante que o ambiente físico permita que os indivíduos tenham como se esconder do líder e, quando eles quiserem ficar sozinhos, tenham um cantinho para ficar”, explica Olavo Galvão. Além de permitir o isolamento, o ambiente também deve criar oportunidades para que os macacos se engajem em atividades

ocupando o tempo. “Procuramos evitar que ocorram brigas entre eles, pois isso prejudica a produtividade dos bichos”, afirma o professor. Há uma exigência de tratamento humanizado com os animais, por esse motivo, está sendo construída uma nova morada para eles, usando vidro em vez de grades para cercá-los. “Estamos com um projeto de enriquecimento ambiental, um arquiteto projetou estruturas em bambu para os macacos subirem”, conta o pesquisador. Para aumentar a qualidade de vida dos macacos, também existem, no novo espaço, oito cabines pequenas para que eles

não precisem estar juntos o tempo inteiro e, assim, possam ficar mais tranquilos, principalmente na hora das refeições. O fator ‘atenção’ também está bastante relacionado com o rendimento dos primatas na pesquisa. “Por exemplo, há uma fêmea com a qual tivemos muita dificuldade de trabalhar. Quando ela vai ao laboratório, não presta atenção na tela, fica escutando o barulho dos macacos aqui fora. Ela é muito ligada no que está acontecendo com os amigos, então se distrai muito”, conta Olavo Galvão. O professor logo esclarece que não é o fato de ela ser uma fêmea que influencia nesse

comportamento, pois outras fêmeas dedicam-se às atividades sem distrações. De acordo com o professor, deve-se ter cuidado com a qualidade do ensino, “se estamos tentando ensinar e passamos uma tarefa que ele não consegue resolver, ele fica nervoso e agressivo”. Assim, os pesquisadores tentam planejar problemas que os macacos consigam resolver, mas, ao mesmo tempo, os desafiem. “Não podemos ficar parados no mesmo problema, mas também não podemos dar um salto muito grande e passar tarefas que eles não sejam capazes de resolver”, justifica o professor.

Atividades já estão sendo testadas em crianças O trabalho de adaptação com crianças já começou a ser feito. Os primeiros testes foram com crianças com desenvolvimento normal, que foram submetidas a um teste de memória de posição, que consiste em acertar uma sequência de quadrinhos que acendem sistematicamente. “Os macacos aprenderam, chegam a fazer até nove sequências, mas, na média, eles acertam entre três e quatro. As crianças também têm dificuldade com esse procedimento. Ele serve para testar a habilidade executiva, que envolve o uso de diversas informações recentes para tomar uma decisão”, explica Olavo Galvão. As crianças, contudo, chegam a ter aproveitamento dobrado.

Essa atividade já foi adaptada e os pesquisadores do laboratório estão elaborando um artigo sobre ela. Há outro teste, também de função executiva, com lembrança de figuras. Essa atividade já foi feita com macacos e, agora, está sendo feita com crianças e espera-se obter dados interessantes comparando a eficiência da função executiva das crianças com a dos macacos. “Obviamente, a função executiva humana tem mais complexidade, além da medida nesse estudo. As diferenças no modo como humanos e macacos-prego resolvem problemas cognitivos são assuntos importantes a serem pesquisados”, avalia o coordenador. As crianças são testadas

mais rapidamente que os macacos, já que compreendem a atividade imediatamente. “O macaco demora bastante tempo, são meses para aprender a tarefa, fazer o teste e chegar ao seu desempenho máximo”, menciona o pesquisador. A criança aprende a atividade rapidamente e os testes podem ser aplicados imediatamente. O teste com crianças precisa ser mais rápido também visando evitar o efeito de cansaço, pois, quando a criança se enjoa da atividade, o rendimento tende a ser pior. Nos macacos, o efeito de cansaço já foi contrabalanceado. Os pesquisadores do laboratório já sabem como evitar cansar os animais. “Na criança, poucas tentativas bas-

tam, mas temos que repetir os testes com diferentes valores das variáveis, como diferentes intervalos entre uma tentativa e outra, e o teste acaba ficando chato e repetitivo”, avalia Olavo Galvão. Nenhum desses testes, por enquanto, foi feito com crianças com dificuldade de aprendizado. Para que eles ocorram, os pesquisadores do projeto estão formulando uma versão intermediária entre o que foi feito com os macacos e o que foi feito com as crianças. “E nós vamos ver as dificuldades de cada criança com problemas de desenvolvimento. Será a parte de desenvolvimento tecnológico a que a gente espera chegar”, conclui o professor.


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IFNOPAP

15 anos de Seminários Embarcados Próximo passo é transformar o projeto em campus flutuante Fotos Acervo IFNOPAP

Na edição de 2014, Miguel Chikaoka ministrou Oficina de Fotografia enquanto o navio se deslocava na Amazônia paraense.

Juliana Theodoro

U

m dos maiores projetos integrados da Universidade Federal do Pará comemora, no final deste ano, 2015, 15 anos de Seminários Embarcados. O Projeto “Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense” (IFNOPAP) levou, nos últimos anos, centenas de pesquisadores, professores, artistas e estudantes pelos rios da bacia fluvial da Amazônia. O IFNOPAP nasceu em 1993, pelas mãos da professora Socorro Galvão Simões, com o objetivo de pesquisar a oralidade na Amazônia paraense. A professora conta que a ideia surgiu do questionamento de uma aluna da disciplina Literatura e Mito, na qual se estudava mitos greco-latinos, mitos portugueses, mas não os mitos amazônicos.

“Eu me dei conta que, mesmo tendo nascido na Amazônia, não sabia exatamente o que era Matinta Pereira, muito menos o que era Boto... Daí me veio a ideia: eu posso fazer uma espécie de mapeamento do que se conta no Pará. Quando eu comecei a trabalhar com a Amazônia, eu, amazônida, mas encastelada lá nos castelos medievais portugueses, me encantei”, lembra a coordenadora Socorro Simões. Os primeiros passos da pesquisa foram ouvir os relatos de contadores de histórias, pessoas comuns, os próprios parentes dos participantes do projeto. Com o passar do tempo, o IFNOPAP cresceu e chegou aos campi da UFPA em Santarém, Castanhal, Abaetetuba, Bragança, Marabá e Cametá. Hoje, o projeto conta com um acervo de mais de 5.300 narrativas.

Aos poucos, os estudos das narrativas tornaram-se interdisciplinares, envolvendo estudantes e pesquisadores de Antropologia, História, Biblioteconomia, Comunicação e Educação. Em 1995, o IFNOPAP tornou-se, oficialmente, um projeto integrado contemplando todas as áreas do conhecimento e os três pilares educacionais da Universidade Federal do Pará: ensino, pesquisa e extensão. “Foi um momento marcante, porque nós atingimos o 3º item desse tripé. E isso aconteceu em Soure, Muaná e Ponta de Pedras. Vocês não têm ideia da corrida do povo das comunidades desses municípios, tivemos oficinas, desde Iniciação à Fotografia até Identificação de DNA, um trabalho feito com o apoio da Biologia”, conta a professora Socorro Simões.


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Encontro com Assurini é lembrança emocionante No novo formato, a produção científica cresceu ainda mais. Hoje, já se pode quantificar 29 dissertações, sete teses, além de inúmeros trabalhos de conclusão de curso e monografias de especialização, quatro curtas-metragens, mais de 10 documentários, CDs e DVDs, como Caleidoscópio Amazônico e Um Portal para Bragança, 28 livros publicados, entre eles, o Dicionário dos Assurini, o primeiro dicionário de língua indígena publicado no Pará. “Este é um momento que me comove sempre que eu lembro: o professor Alex Bolonha Fiúza de Mello entregando os livros para o chefe Assurini, lá em Tucuruí. Quando ele estava entregando, o chefe disse que

não saberia falar, mas poderia cantar, ele cantou e nós todos choramos. Há lembranças que, até hoje, me tocam profundamente”, comenta a professora Socorro Simões. Os primeiros seminários foram realizados nos anos de 1997 e 1998, com os temas “Narrativa Oral e Imaginário Amazônico” e “A Cultura Amazônica em suas Multivozes”, respectivamente. Em 1999, houve a grande novidade, o seminário seria embarcado. A bordo de um catamarã, os participantes assistiram às palestras, às oficinas e aos debates enquanto conheciam os rios amazônicos. Mas era preciso ir além, conhecer a verdadeira Amazônia e

o seu povo, e, a partir de 2001, os congressistas passaram a ter essa oportunidade, eles puderam sair do barco e visitar as comunidades locais, levando também serviço, cultura e arte. De acordo com a professora, é até difícil mensurar quantas pessoas já foram atendidas, de alguma forma, pelo projeto. “Uma prática que nós temos é sempre levar uma boa trupe de artistas paraenses: Paulo José Campos de Melo, Paulinho Assunção, Nego Nelson, Dadadá, Eder Jastes, Jaime Amaral, Iva Rothe e muitos outros já realizaram apresentações em praça pública. É fantástico e não há como quantificar o número de pessoas presentes”.

Oportunidade de vivenciar a Amazônia O IFNOPAP já esteve em 40 municípios paraenses. “O impacto social e educacional junto às populações do Pará não é menos significativo. Essa ligação entre uma universidade (UFPA) e essas populações é uma das únicas verdadeiramente autênticas que tenho presenciado tanto no Brasil como na América Latina, referente a serviços prestados às comunidades”, destacou o professor Leopoldo Bernucci, da Universidade de Davis, Califórnia, em seu depoimento sobre os 15 anos de Seminários Embarcados. Nomes como o do professor Bernucci fazem parte da história dos seminários, que também já contou com participantes da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina e, claro, de outras regiões do Brasil. O congresso é uma oportunidade dos pesquisadores locais assistirem, de perto, ao que está sendo produzido em outras instituições brasileiras e internacionais. “Quando se fala em Amazônia, o apelo é muito grande e, de imediato, se pensa em vir aqui e conhecer as nossas cidades e vivenciar as comunidades. Naturalmente que nunca irei desprezar a importância dessas participações nos seminários, mas, por incrível que pareça, ainda acredito que, para os pesquisadores

Desembarque à margem do Tapajós: estar entre as comunidades é experiência inesquecível.

de fora, o ganho é maior”, avalia Socorro Simões. “Conhecer a Amazônia e viver a sua cultura me fez uma pessoa muito melhor e, futuramente, quero passar isso para Jamaica e para o mundo, devolver tudo que eu vivi aqui para as outras pessoas também conhecerem e sentirem como este lugar é contagiante, no melhor sentido”, confirma Kristopher Samuel, estudante jamaicano do curso de Jornalismo da UFPA e participante do Seminário Embarcado, nos anos de 2012, 2013 e 2014. A 19ª edição do IFNOPAP ocorreu na primeira semana de dezembro, na Fundação Cultural do Estado do Pará (CENTUR), em Belém. Diante de tantas conquistas,

o próximo objetivo é transformar o projeto em um campus flutuante da UFPA, sempre em funcionamento. No sistema de ensino modular, ele atenderia às comunidades mais distantes do Pará, as que não recebem o apoio e os serviços prestados nos campi da Universidade. Enquanto esse sonho ainda está no papel, Socorro Simões já pensa nas próximas edições, destacando a relevância do evento. “É um trabalho que tem a cara da Universidade Federal do Pará, porque é um trabalho sobre a Amazônia, em uma universidade amazônica e trabalha com temas da Amazônia nas diversas áreas do conhecimento. E isso é de extraordinária importância”, conclui.


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aniversário de Belém está em pauta Projeto analisa discursos em torno do 4º centenário da cidade Alice Martins Morais

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O grafite, as redes sociais e o audiovisual estão entre os meios estudados.

or muito tempo, somente os indígenas habitavam a região que, atualmente, conhecemos como a floresta amazônica e contavam, uns aos outros, sobre o local, por meio da dança, das línguas, do formato das aldeias e mesmo pelos próprios corpos. a partir de 12 de janeiro de 1616, foram os colonizadores portugueses que passaram a falar sobre o local, por meio das construções, ao estilo europeu, das roupas dos habitantes e da própria língua oficial, que passou a ser o português. Daí em diante, chegaram também africanos, japoneses, italianos e franceses e passaram a falar do mesmo local de um jeito diferente, de acordo com suas experiências. Diferentes sujeitos construíram diferentes discursos para falar

sobre esta região. este processo de 400 anos não foi pacífico nem igualitário, pelo contrário, foi marcado pelo silêncio de memórias, pela imposição da língua portuguesa, pela arquitetura colonial. Hoje, esse local, com todas as suas contradições e desigualdades, se chama Belém e contempla uma porção vasta de sujeitos, os quais, para além da etnia ou origem, se diferenciam pela posição que ocupam na cidade. Neste momento político importante para se pensar na cidade e no modo como ela está sendo enunciada por suas diversas vozes, nasce o projeto de pesquisa aprovado pelo edital de ciências Humanas do cNPq “400 anos depois: experiências nas paisagens de Belém”, do instituto de letras e comunicação (ilc) da Universidade Federal do Pará. o objetivo deste projeto é analisar

as diferentes experiências comunicativas sobre o quarto centenário da cidade. o aniversário de Belém já está sendo um evento midiatizado na televisão, no rádio, nas redes sociais e até mesmo nos grafites espalhados pelos muros, em toda a região metropolitana. É um momento em que o estado e a sociedade são impelidos a falar da cidade, de uma forma ou de outra. esses discursos sobre Belém passam a ser objeto de investigação do projeto. o projeto discute as condições de possibilidades históricas e socioeconômicas deste momento. Para falar de Belém, é preciso perceber as peculiaridades da cidade, que, assim como em outras cidades latino-americanas, não cabem dentro de definições e padronizações eurocêntricas de cidade. alexaNDre MoraeS


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Mácio Ferreira

As visibilidades e os silêncios são observados O Projeto “400 anos depois: experiências nas paisagens de Belém” é coordenado pela professora Ivânia dos Santos Neves, docente do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) e do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM), ambos do ILC. Participam da equipe do projeto professores da UFPA e da Universidade Federal de Minas Gerais, assim como alunos do PPGCOM, do PPGL e das Faculdades de Letras e de Comunicação. “Como a linguagem midiática está tratando os 400 anos da cidade e como essas memórias vão ga-

nhar visibilidade ou se silenciar nas mais diversas formas de comunicação são alguns dos nossos principais interesses”, diz a professora. Já com os primeiros levantamentos da equipe do projeto, os resultados evidenciam uma diversidade nas formas de enunciar a cidade. Um exemplo foi quando, por ocasião das comemorações dos 398 anos da cidade, moradores do bairro Jurunas postaram, no YouTube um vídeo denúncia em relação aos alagamentos do local e fizeram questão de marcar uma atitude de protesto em relação ao aniversário da cidade e ao

descaso do poder público em relação ao seu bairro. Outro acontecimento de destaque nas redes sociais foi a reação negativa ao concurso promovido pela Prefeitura para escolher o logotipo do aniversário de 400 anos da cidade. Insatisfeitos com os critérios do edital, que não exigia uma postura profissional dos candidatos, designers da capital passaram a se reunir, virtualmente, pelo Facebook, em protesto, para criar logotipos alternativos que simbolizem a comemoração do aniversário. Para além do que os sujeitos falam, Ivânia Neves

esclarece que a própria cidade serve como um enunciado, por meio de suas paisagens, e chama atenção para o skyline de Belém, a estrutura horizontal da cidade que destaca o alcance vertical obtido pelos prédios. Os pesquisadores do projeto têm a missão de olhar para a cidade como um enunciado. “Quando se chega a Belém, sobretudo pelo rio, podemos perceber este skyline da cidade, que também marca o contraste entre esses prédios altos e uma grande parte da população que mora em espécies de favelas. E tudo isso é passível de interpretação”, completa a pesquisadora.

Análise será concluída em dezembro de 2016 Tudo começou com outro projeto de extensão da Faculdade de Letras (FALE), pelo qual, os pesquisadores foram às escolas realizar oficinas que envolviam a música e a cidade: o Projeto “Belém cantada em versos: retrato musical de uma cidade latino-americana”, financiado pela Proex. Nele, os pesquisadores trabalhavam com letras de músicas que falavam sobre a cidade. Os dois projetos são realizações do Grupo de Estudo Mediações, Discursos e Sociedades Amazônicas (GEDAI) e de professores convidados. O Projeto “400 anos depois: experiências nas paisagens de Belém” envolve vários subprojetos que permitem

pensar como estes 400 anos vão repercutir. Há pesquisadores estudando como este processo acontece nas redes sociais, no audiovisual, no grafite, na música e na comunicação institucional. Juntos, os componentes formam um grupo interdisciplinar, unindo Letras e Comunicação, que observa os discursos sobre o evento, com uma base teórica comum: a Análise do Discurso, cujo objetivo é investigar o processo de produção de sentidos em uma perspectiva histórica, ideológica e política. Faz parte das ações do projeto um processo de encontros entre os integrantes para compartilhar as pesquisas. Por enquanto, tem-se feito uma

análise prévia de textos veiculados nos diferentes suportes por onde a midiatização do aniversário de Belém tem se concretizado, realizando experiências analíticas que vão levar à produção científica que se espera como resultado. No segundo ano de realização, o projeto muda de rumo, pois, após o aniversário de Belém, chegará o momento de consolidar a análise do material coletado até sua finalização, em dezembro de 2016. “Nossa expectativa em relação às análises comparativas que poderemos realizar no conjunto do projeto é que os discursos colocados em circulação pelas campanhas institucionais de responsabilidade da

administração pública do município e do Estado possam ser convergentes com os discursos assumidos pelos grandes grupos de comunicação que enunciam sobre Belém e, em alguma medida, divergentes das manifestações que acompanhamos nas redes sociais da população da cidade”, avalia a professora Fátima Pessoa, pesquisadora do projeto, docente do PPGL e responsável por analisar a comunicação institucional veiculada pelo poder público sobre o quarto centenário da cidade. A expectativa é que o projeto gere trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, a fim de fomentar, de forma intensiva, os estudos da Análise de Discurso na Universidade.


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Resenha Saindo da invisibilidade Walter Pinto

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s indígenas brasileiros formam, de acordo com o censo de 2010, uma população não superior a 900 mil pessoas, o equivalente a 0,4% da população do Brasil. Deste total, 572 mil estão em áreas rurais, em terras reconhecidas pelos poderes públicos como terras de direito originário dos povos indígenas, que perfazem 13,3% de todas as terras brasileiras. São terras preservadas num país cada vez mais devastado pelo extrativismo selvagem, por isso mesmo alvo da cobiça e de invasão por não indígenas. Na Amazônia Legal, habitam 60% dos indígenas brasileiros, sendo que, destes, 15% estão em cidades. Habitando as periferias urbanas, distante de suas tribos, nem sempre são reconhecidos pelos não índios como indígenas verdadeiros. Por muito tempo, a legislação brasileira manteve todos os indígenas na condição de tutelados, ou seja, apenas parcialmente responsáveis por seus atos, necessitando, desta forma, de um tutor para mediar e conduzir suas necessidades. Em 1988, essa situação jurídica começou a mudar com a promulgação da Constituição Federal vigente, que, por força da pressão da sociedade organizada, reconheceu os indígenas como capazes de se representarem juridicamente. Mas a mudança colocou-os como agente de seus destinos e, aos poucos, com ajuda do movimento indígena, eles vão conquistando direitos que podem ser entendidos como correção de injustiças históricas. Uma dessas conquistas foi a implantação do curso de Licenciatura e Bacharelado em Etnodesenvolvimento, em 2010, na UFPA, resultado de um inovador programa de ação afirmativa, o PAPIT, apoiado pela Fundação Ford e, no âmbito da UFPA, coordenado pela professora Jane Beltrão. O curso, realizado pela Faculdade de Etnodiversidade, no Campus de Altamira, região sudoeste do Pará, oferece vagas não somente para indígenas mas também para populações tradicionais e quilombolas. O currículo do curso de Etnodesenvolvimento está estruturado com base no eixo central da Diversidade cultural e divide-se em sete núcleos de disciplinas: Sistemas de saúde, Educação, Direitos humanos, Sociedade e meio ambiente, Desen-

volvimento e sustentabilidade, Identidade, nação e território, Linguagem étnica e Atividade complementar. A metodologia é baseada na Pedagogia da Alternância, com dois períodos: o Tempo-Universidade, com aulas sempre no regime intervalar (janeiro e fevereiro, julho e agosto) e o Tempo-Comunidade, quando os discentes retornam aos locais onde moram, onde realizam atividades previamente planejadas de pesquisa, extensão e ensino, monitoradas pelos docentes. A primeira turma de Etnodesenvolvimento conclui o curso em 2015, apresentando uma taxa de evasão que comprova o êxito da experiência. Dos 45 estudantes iniciais, oriundos dos povos indígenas e comunidades tradicionais do Marajó, Tapajós, Transamazônica e Xingu, 40 chegam ao final da graduação. Outra turma já está em atividade letiva, enquanto novos alunos vão entrar via Processo Seletivo Diferenciado (estão concorrendo 284 candidatos para 45 vagas, ou seja, 6,31 candidatos por vaga). Parte das experiências de docentes e discentes nesta proposta inovadora de ensino está relatada no livro Etnodesenvolvimento & universidade: formação acadêmica para povos indígenas e comunidades tradicionais, que traz 19 artigos

escritos por docentes, discentes e colaboradores do curso, organizados em quatro capítulos: Etnodesenvolvimento e Educação, Pedagogia e vivências diferenciadas, Pedagogias e interculturalidade e Ensaios fotográficos. Os textos foram organizados por Assis da Costa Oliveira e Jane Felipe Beltrão. Juntamente com Edimar Antonio Fernandes, indígena kaigang, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, os organizadores afirmam que “certamente o Programa de Ações Afirmativas na UFPA traz resultados positivos, como pode ser observado em indígenas e estudantes do Curso de Etnodesenvolvimento que ingressaram por meio do PSE e encontram-se trabalhando em suas comunidades e em outras comunidades congêneres.” No entanto observam que “o balanço crítico dos nove anos de implantação das ações afirmativas na UFPA, iniciada no Programa de Pós-Graduação em Direito, demonstra que os ganhos institucionais estão ocorrendo à custa de muita mobilização e lutas sociais promovidas pelos povos indígenas e comunidades tradicionais, em conjunto com parceiros internos e externos”. Tal situação, explicam os autores, “revela que a instituição em si – em seus quadros gestores e membros estudantis, técnicos e docentes – ainda se apresenta resistente para compreender a aceitar as mudanças que se fazem imperiosas e urgentes”. No entanto reconhecem a busca por consolidar a existência de uma universidade plural e multiétnica, cujo processo atual ainda é a descolonização da instituição. “Não se trata de uma situação transitória para melhor incluir os povos indígenas e as comunidades, mas de uma nova cultura política universitária. Cabe destacar que tornar o diálogo com os povos indígenas e as populações tradicionais menos vertical e mais dialógico e intercultural é o desafio maior da Universidade”, afirmam. Serviço: Etnodesenvolvimento & Universidade: formação acadêmica para povos indígenas e comunidades tradicionais. Assis da Costa Oliveira e Jane Felipe Beltrão (organizadores). Editora Santa Cruz, 2015. 314 páginas.


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A Hist贸ria na Charge



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