Beira 126

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ISSN 1982-5994

anos

Pesca predatória prejudica comunidades ribeirinhas do Marajó.

Páginas 6 e 7

UFPa • aNo XXiX • N. 126 aGoSTo e SeTeMBro, 2015

Nesta edição • Clima X navegação • Acordos de pesca • Divisão do Pará


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UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Alice Martins Morais, Marcus Passos e Maria Luisa Moraes (Bolsistas); Walter Pinto (561-DRT/PA) Fotografia: Adolfo Lemos e Alexandre Moraes Fotografia da capa: Alexandre Moraes Ilustrações: Priscila Santos e Michel Mesquita (CMP/Ascom) Charges: Walter Pinto Projeto Beira On-line: Danilo Santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Elielson de Souza Nuayed e Júlia Lopes Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Secretaria: Silvana Vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Carlos Edilson Maneschy Vice-Reitor: Horácio Schneider Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Edilziete Eduardo Pinheiro de Aragão Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho Pró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar Prefeito: Alemar Dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - ASCOM/UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa, n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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m 2013, pescadores da bacia do rio Canaticu, no município de Curralinho, região do Marajó, começaram a observar que algumas espécies de peixe e camarão estavam diminuindo de tamanho, como também estava difícil de encontrá-las. O Projeto Marajó Viva Pesca, liderado por pesquisadores do Laboratório de Evolução e Desenvolvimento de Vertebrados, do Centro de Genômica e Biologia de Sistemas da UFPA, está na região realizando levantamento para descobrir as causas do problema. Com a ajuda da comunidade local, os pesquisadores observam tamanho e peso das espécies, examinam materiais de pesca e entrevistam pescadores. A pesca predatória é uma das hipóteses que estão sendo investigadas. Já as comunidades ribeirinhas de Cametá estão encontrando uma via alternativa para o desenvolvimento local, a partir dos acordos de pesca. Baseados na relação de confiança entre os envolvidos, os acordos estabelecem regras para a pesca e garantem o manejo dos recursos pesqueiros. De acordo com o professor Valcir Santos, autor da pesquisa, a percepção da comunidade é que houve melhoria na sua qualidade de vida. Leia também: pesquisa relaciona clima com os riscos de acidentes para quem navega pelos rios paraenses; a história dos tratamentos para impotência antes da pílula azul; parceria entre UEPA, Cesupa, Instituto Evandro Chagas e UFPA transforma peixe desidratado em temperos e evita desperdício. Na página 19, o leitor pode conferir as fotos da missão #minhaufpa, publicadas no @ufpa_oficial. Rosyane Rodrigues Editora

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Índice Jornal Beira do Rio, navegando desde MCMLXXXV ...................4 Muito mais que números e fórmulas ....................................5 Pesca sob ameaça no Marajó ............................................6 Navegação em perigo no Pará . ........................................8 A impotência antes da pílula azul ..................................... 10 Peixes desidratados viram temperos ................................. 12 Novas vias para o desenvolvimento ................................... 14 Nós e os outros na divisão do Pará .................................... 16 Amazônia na Agenda Ambiental Global .............................. 18

“O Beira do Rio me deu oportunidade de interagir mais com os entrevistados. A partir daí, eu podia guiá-los para produzir uma foto bem estruturada. E não parei mais! Adoro fotografia de estúdio, onde eu posso conduzir e formar o meu próprio quadro.” Laís Teixeira, fotógrafa


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Alexandre Moraes

Opinião Jornal Beira do Rio, navegando desde MCMLXXXV

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CMLXXXV, expresso na numeração romana, que corresponde a 1985 na grafia moderna, pode ser considerado como apenas mais um ano comum na vasta história do século XX; mas, para a história da Universidade Federal do Pará, é um ano singular, pois é o momento em que o Jornal Beira do Rio tem sua primeira edição impressa. 1985 é um ano marcado por grandes eventos no Brasil e no mundo, tais como, morre o presidente eleito Tancredo Neves; assume o vice, José Sarney. Nas primeiras eleições diretas para as prefeituras das capitais, Jânio Quadros é eleito em São Paulo; e Almir Gabriel, em Belém. Para o historiador Jacques Le Goff (2003), “Datar é, e será sempre, uma das tarefas fundamentais do historiador, mas deve fazer-se acompanhar de outra manipulação necessária da duração - a periodização -, para que a datação se torne historicamente pensável”. Ao completar 30 anos de informação, ou

seja, de histórias contadas, o Beira do Rio torna-se uma das memórias impressas da história da UFPA. Em 1985, é identificado, pela primeira vez, o buraco na camada de ozônio, fato que já gerou milhares de notícias pelo mundo afora e, consequentemente, também nas páginas do Beira do Rio. É o Ano Mundial da Juventude, pela ONU, e acontece o primeiro Rock in Rio, com shows do Queen, AC/DC, Iron Maiden, Scorpions e da cantora alemã Nina Hagen. Para Le Goff (2001), “Toda a história é bem contemporânea, na medida em que o passado é apreendido no presente e responde, portanto, a seus interesses, o que não só é inevitável como legítimo. Pois que a história é duração, o passado é ao mesmo tempo passado e presente”. Tanto que, na década de 80, já existia um Lula famoso, mas era o personagem do seriado de ação, esportes e aventura Armação Ilimitada (TV Globo), companheiro de Juba, da jornalista Zelda Scotch e do menino Bacana. Houve a estreia da novela Roque Santeiro, escrita por Dias Gomes, com os personagens Sinhozinho Malta e a Viúva Porcina. No mesmo período, o SBT consegue grande audiência com a minissérie americana Pássaros Feridos. Na música, Michael Jackson grava We Are The World, com a participação de diversos artistas. E, por aqui, era construído o Memorial da Cabanagem, obra de Oscar Niemeyer. A Tuna Luso sagrava-se campeã de futebol da Taça de Prata. Acontece o Círio de número 193. O Paysandu é campeão paraense de futebol, conquistando seu 34º título. É aprovada a reformulação do Regimento da UFPA, conforme a Resolução nº 549, do Conselho Universitário. A beira do rio para os viventes na e da Região Amazônica é item de colecionador de viagens, Reprodução

de aventuras e de histórias para contar, seja na forma oral, seja nas folhas de papel. Portanto, a escolha do nome do jornal científico da maior instituição pública de educação da Amazônia não poderia ser outra senão Jornal Beira do Rio. Parabéns, Beira do Rio, que venham mais 30, 60, 90 anos de páginas e páginas repletas, recheadas, ou melhor, inundadas de conhecimento e de informações. Em sua trajetória, o Beira do Rio começou em preto e branco, impresso na Gráfica Universitária. Em meados dos anos 90, passou para o formato tabloide e trazia o subtítulo Jornal do Campus, posteriormente, mudou para o formato Berliner (47 cm × 31,5 cm),vigorando até 2013, quando passou a ser bimestral e em formato de revista. Contudo, além do formato impresso, o Beira começou a ser disponibilizado em formato digital, inclusive com a digitalização dos números anteriores. Desde o seu surgimento como órgão informativo da UFPA, o objetivo é divulgar as ações da Universidade nas áreas de ensino, pesquisa e extensão e contribuir, significativamente, para que os conhecimentos produzidos na UFPA sejam difundidos amplamente para todo o mundo. O passado, o presente e o futuro do Jornal devem sempre nos lembrar que ele é feito para e por pessoas, gente que, há trinta anos, vem escrevendo a história do Beira do Rio, e terminamos esta homenagem com a afirmação de Calvino, transcrita do seu livro Seis propostas para o próximo milênio: “Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis”. Então que venham, e sejam escritos, bem como reescritos, os próximos anos e décadas do Jornal Beira do Rio. Luiz Cezar Silva dos Santos – publicitário, doutor em História pela PUC/SP. Professor da Faculdade de Comunicação e diretor da Ascom/ UFPA. E-mail: lzcezar@ufpa.br


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Aprendizagem

Muito mais que números e fórmulas Componente histórico humaniza ensino de Matemática Reprodução Alexandre Moraes

Alice Martins Morais

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omo surgiu o Teorema de Pitágoras? Mas para que inventaram a equação de segundo grau? Você já se fez essa pergunta enquanto estudava Matemática? Para responder a essas dúvidas e motivar os alunos dos cursos de Matemática, foi criado o Projeto de Pesquisa “Sobre o uso da componente histórica no ensino de Matemática”, no Instituto de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenado pelo professor João Cláudio Brandemberg Quaresma, referência nos estudos sobre História da Matemática em nível nacional, o projeto conta, ainda, com a colaboração dos professores Iran Abreu Mendes e Marcelo Miranda Serrão, além de alunos da graduação e pós- graduação. O projeto de pesquisa objetiva estudar o desenvolvimento histórico dos conceitos

matemáticos, analisar as características do pensamento matemático e sugerir formas de abordagem no ensino de Matemática a partir da utilização de problemas de cunho histórico. Em outras palavras, os pesquisadores debatem e criam estratégias para ensinar a Matemática a partir de sua história e motivar os alunos mostrando um lado do “ensino dos números” mais próximo do cotidiano.

O público preferencial do projeto são os alunos do curso de Graduação em Matemática, por meio das disciplinas Álgebra e Cálculo, ministradas pelo professor Brandemberg, na Faculdade de Matemática. Mas o projeto também chega ao ensino fundamental e médio, quando alunos da graduação e do mestrado usam a vertente histórica no ensino da Matemática em salas de aula das escolas de educação básica.

Além de apresentar a história, a pesquisa aplica esses conteúdos como uma forma de ensinar outros fundamentos, como a Álgebra, especialidade do professor, que estuda assuntos como Teoria dos grupos, Resolução de equações, Operações matemáticas e Polinômios. A história funciona, assim, como uma componente metodológica utilizada nas atividades realizadas em sala de aula.

Fórmulas, conceitos e tecnologias disponíveis na época Além de mostrar fórmulas matemáticas, o professor deve explicar em qual contexto os conceitos foram gerados, como eles se desenvolveram, quais tecnologias o matemático tinha à mão, na época, qual era a necessidade que exigiu a criação de tal conceito, entre outras pequenas histórias que servem para obter melhor compreensão dos assuntos. Segundo o professor, a intenção não é falar sobre história de vez em quando, mas trabalhar, na medida do possível, como em uma “novela”, que vai sendo acompanhada ao longo das aulas.

Brandemberg afirma que a reação dos alunos é positiva e, no geral, eles se sentem mais motivados ao perceberem um viés mais humano da Matemática e uma relação mais direta com suas próprias vidas, enxergando mais claramente a importância dos conteúdos. Apesar dos bons resultados, o projeto enfrenta dificuldades que vão desde a liberação de carga horária para dedicação à pesquisa até a falta de material específico na língua portuguesa sobre a história da Matemática relacionada ao ensino. Por isso, os pesquisadores produzem materiais traduzindo os prin-

cipais teóricos estrangeiros de forma acessível, o que é um grande desafio. Superando as dificuldades, os pesquisadores têm realizado seminários e minicursos, discutido e apresentado os resultados no Grupo de Estudos em História e Ensino de Matemática - GEHEM/UFPA. Entre os resultados mais significativos, talvez esteja a atração de alunos para esse tipo de abordagem. É grande o número de estudantes que procura o professor João Brandemberg para pedir orientação sobre o tema. Para quem ficou curioso e interessado, o professor

aconselha: para os alunos de graduação, a pesquisa de artigos e livros sobre o assunto, na internet; para a educação básica, os vídeos são elementos de complementação dos estudos, que podem tornar o assunto mais acessível e interessante. Por fim, uma dica de leitura: Em busca do infinito - Uma história da matemática dos primeiros números à teoria do caos, de Ian Stewart. “Eu acho que todo livro é bom”, diz o professor, que incentiva os alunos a adentrarem no assunto, da forma que acharem melhor e acredita que a Matemática é muito mais que números e fórmulas.


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Rio Canaticu

Pesca sob ameaça no Marajó Ribeirinhos denunciam ação predatória em Curralinho Fotos Acervo do Pesquisador

O estado de sobrepesca foi denunciado pelos pescadores do rio Canaticu. O problema afeta diretamente várias comunidades que praticam pesca de subsistência

Walter Pinto

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m 2013, pescadores de várias comunidades da bacia do rio Canaticu, no município de Curralinho, região do Marajó, começaram a observar um fenômeno raro para uma das regiões úmidas mais importantes do planeta, onde se encontra o maior arquipélago fluviomarinho do mundo: a diminuição sensível do pescado. Espécies como o camarão canela e peixes como mapará, pescada branca, tucunaré, filhote, manduré, traíra, aracu, entre outros, não só estão rareando, como também diminuíram de tamanho. A situação alarmou os pescadores que praticam a pesca de subsistência tirando das águas do Canaticu o alimento das suas famílias. Constatado o estado de sobrepesca, a colônia de pescadores local pediu ajuda ao Instituto Pea-

biru, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que trabalha com povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares nos Estados do Pará, Amapá e Maranhão. Coube aos técnicos do Peabiru contatar pesquisadores do Laboratório de Evolução e Desenvolvimento de Vertebrados, do Centro de Genômica e Biologia de Sistemas/ICB/UFPA, em Belém, para que realizassem um levantamento da ictiofauna do rio Canaticu, com objetivo de subsidiar a implementação de um acordo de pesca, que possa, efetivamente, resolver o problema. A partir de então, os biólogos Patrícia e Igor Schneider, ambos pós-doutores pela Universidade de Chicago, com ajuda dos pós-graduandos Cássio Freitas, Ruan Castro e Luiz Sérgio Lima, desenvolvem pesquisas com vista à recuperação e à conservação dos recursos pesqueiros

do rio Canaticu, por meio do Projeto Marajó Viva Pesca, coordenado por Patrícia Schneider. “O rio é bastante extenso e está dividido em três regiões – o baixo, o médio e o alto. Nosso trabalho concentra-se nesses três pontos”, informa a pesquisadora, que também coordena o Laboratório de Evolução e Desenvolvimento de Vertebrados da UFPA. A equipe conta com a ajuda dos pescadores no deslocamento pela bacia do rio. “Precisávamos de uma logística para chegar, por exemplo, ao alto do Canaticu, que fica dentro de uma reserva do Marajó”, explica a coordenadora. Os levantamentos estão sendo realizados nos períodos de seca e cheia. Os dados são lançados em tabela que, ao final, permitirá verificar a ocorrência, ou não, de mudança no padrão dos peixes, durante os dois anos de realização do projeto.


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Pesquisa observa tamanho e quantidade dos peixes Diferentemente do levantamento da ictiofauna clássica, que faz a coleta de peixes e análises em laboratório, a equipe de biólogos da UFPA não faz captura, optando por acompanhar os pescadores nas pescarias até a chegada do pescado as casas, quando realiza o trabalho de observação e anotação de tamanho, peso e identificação das espécies. Conforme explica Patrícia Schneider, “não faz sentido coletarmos cem peixes para exame em laboratório se os pescadores pescam para consumo próprio, imediato, em meio a escassez”. Outro diferencial do trabalho foi o envolvimento direto dos pesquisadores com os pescadores. Durante vários dias, eles visitaram dezenas de casas, examinaram os materiais utilizados nas pescas – hastes, redes, matapis – e realizaram entrevistas. A percepção de redução da quantidade e de tamanho do pescado no Canaticu, em diferentes estações (épocas de chuva e seca), foi confirmada pelos pescadores. Segundo eles, os peixes, principalmente os tidos por especiais, como o filhote, a pescada e o dourado, estariam menores e em quantidade reduzida. Todas as informações foram anotadas. Os pesquisadores querem saber

Os biólogos do Laboratório de Evolução e Desenvolvimento de Vertebrados, da UFPA, realizam a pesquisa com a ajuda direta dos pescadores

se elas, de fato, corroboram com os resultados que serão obtidos quando o relatório final da ictiofauna for concluído. “Precisamos saber se o peixe está no tamanho maduro, quando, efetivamente, pode ser pescado, ou se está muito juvenil, prestes a se reproduzir, quando não é ideal que seja pescado”, explica a coordenadora do Projeto Marajó Viva Pesca. O município de Curralinho, onde se localiza a bacia do rio Canaticu, na Ilha do Marajó, registra

a menor renda per capita do Brasil. É uma região economicamente pouco desenvolvida. A principal atividade econômica é a coleta do açaí. Quando é época de safra, os pescadores param de pescar e dedicam-se à coleta, aproveitando a valorização do produto. O Instituto Peabiru desenvolve, inclusive, um projeto de capacitação dos coletores de açaí, com ênfase no tratamento, objetivando torná-los exportadores e não meros fornecedores.

Barcos de Macapá seriam causa do problema A pesca no Canaticu é de subsistência. No mercado, não há peixes em grande quantidade. Quando a safra do açaí encerra, os pescadores voltam-se para o rio, em busca de alimentos para suas famílias. Entretanto a baixa quantidade e a redução no tamanho dos peixes vêm preocupando os pescadores. Eles são unânimes em atribuir a redução à pesca predatória que estaria sendo realizada por barcos grandes do Amapá, que aportam fora, enquanto enviam embarcações menores para fazer a pesca na bacia do Canaticu. Os biólogos da UFPA, se comprovarem a redução do pescado, admitem que a causa pode, mesmo, ser a pesca predatória.

A solução, neste caso, passa pelo estabelecimento de um acordo de pesca, uma medida legal capaz de proibir a pesca comercial realizada pelos grandes barcos, inclusive, na época do defeso, numa região em que a pesca é essencialmente de subsistência. O resultado do levantamento da ictiofauna do Canaticu poderá embasar o pedido de estabelecimento do acordo de pesca, que seria encaminhado pela Colônia de Pescadores aos governos do Estado e Federal, a quem cabe tomar as medidas cabíveis. A chegada da equipe de biólogos da UFPA à região do Canaticu, inicialmente, foi vista com desconfiança pela população ribeirinha.

Os pesquisadores perceberam que, à medida que se aproximavam das casas, muitos moradores fugiram para o interior da floresta. Foi com a ajuda do presidente da colônia de pescadores que o mal-entendido se esclareceu e o trabalho da equipe pôde, efetivamente, começar. A fuga, souberam depois os biólogos, aconteceu porque os moradores pensaram que se tratava de uma equipe de vacinadores, algo que ainda apavora grande parte da população local. A solução para que o mal-entendido não voltasse a ocorrer veio pela identificação da equipe por meio do uso de camisas do Projeto Marajó Viva Pesca.


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Geociências

Navegação em perigo no Pará Dissertação relaciona acidentes com extremos meteorológicos Maria Luisa Moraes

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ossuindo a maior bacia hidrográfica do planeta, não é surpresa que o território amazônico seja fonte constante de estudos e pesquisas. A dimensão dos rios, aliada ao clima úmido e chuvoso possibilitam inúmeros riscos à segurança de quem navega pela região. A Dissertação Acidentes com transportes hidroviários e os extremos meteorológicos no nordeste da Amazônia, defendida por Suanne Honorina Martins, sob orientação da pro-

fessora Maria Isabel Vitorino, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA), do Instituto de Geociência da UFPA, pesquisou os acidentes que ocorrem nos rios da Amazônia, especificamente, no nordeste paraense. Segundo a pesquisadora, 5,8% dos acidentes que ocorrem nos rios são causados por extremos meteorológicos, e quase todos eles tiveram vítimas fatais, o que confere extrema importância ao mapeamento feito por ela, dos dados fornecidos pela Capitania dos

Portos. “A nossa atmosfera é muito dinâmica. Precipitação e vento são as causas mais associadas aos acidentes. Por isso, resolvemos analisar melhor e ver quais são os eventos mais comuns no primeiro e no segundo semestre do ano”, explica Suanne Martins. Foi observado pela pesquisadora que é difícil obter respostas sobre os acidentes hidroviários ocorridos nos rios paraenses. “A Marinha notifica os acidentes apenas como mau tempo. Pilotos e práticos desconhecem a atmosfera local e

não dispõem de ferramentas que os auxiliem na previsão do tempo para a navegação e na identificação do que pode ter causado o acidente”, lamenta. Por meio dos dados obtidos com a Capitania dos Portos, a pesquisadora identificou os tipos de embarcações e observou quais eram mais propícias a certos tipos de acidente. “Com esses dados, também pudemos mapear onde ocorre o maior número de acidentes e identificar os tipos, por áreas e subáreas”, afirma a autora da pesquisa.


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Vento e chuva são principais causas de acidentes Fotos Alexandre Moraes

O índice de 60% de acidentes sem causa identificada surpreendeu Suanne Martins. “Os acidentes tinham relação com os extremos meteorológicos, mas não sabiam dizer se era vento, se era precipitação ou se os dois juntos. Detectamos os eventos que potencialmente ocorreram no dia exato de cada acidente”, relata. Esse trabalho de precisão dos fatores que causam os acidentes foi “extremamente satisfatório”, afirma. Também foi constatado que,de dezembro a maio, a causa mais comum de acidentes é a chuva e, de junho a novembro, a causa mais comum é o vento. Segundo Suanne Martins, no segundo semestre do ano, os ventos encontram uma atmosfera livre de instabilidade, em que não existe nebulosidade “e, sem atrito, ficam mais livres para agir. Com a ação do vento sobre a superfície da água, dependendo da velocidade desse vento, as ondas crescem num ritmo avassalador e aumentam de tamanho rapidamente”, explica. A pesquisadora adverte que não são apenas os fenômenos naturais que causam vítimas fatais nos acidentes. “Geralmente, os barcos

que trafegam pela Amazônia têm uma construção precária, não têm coletes salva-vidas em número suficiente, levam passageiros e cargas no mesmo ambiente. Diante de um evento de extremo meteorológico, fica difícil evitar o acidente”, avalia. Esse tipo de estudo na Região Amazônica é de grande relevância, pois os rios ainda são um dos principais meios de transporte da população, “As nossas hidrovias são as nossas estradas. Elas são utilizadas por busca de atendimento médico, por quem precisa vender seus produtos, por crianças que trafegam nos

barcos-escola. A população precisa desses rios”, alerta. Para evitar mortes, o ideal seria utilizar embarcações de aço naval, com equipamentos de salvatagem adequados e com mais sistemas de informação que auxiliem a navegação, como a previsão do tempo. “Existem ferramentas que podem nos fornecer dados sobre o tempo. E, talvez, até nós, os meteorologistas, em parceria com a Capitania dos Portos e com a Marinha, pudéssemos fazer um trabalho de prevenção, para que esses acidentes com vítimas fatais não ocorram”, sugere.

Estudo propõe ação da Capitania, Marinha e UFPA Suanne Martins alerta para o fato de que a maioria dos barcos que circula no Estado é feita de madeira, que é uma estrutura mais frágil e mais predisposta a naufrágios com vítimas. “Já que essa é a realidade, é preciso chamar a atenção, pois pode ser trágico”, afirma. As áreas mais próximas ao oceano são as mais perigosas. Por esses rios serem mais largos, há uma tendência maior dos barcos naufragarem em razão das águas ficarem agitadas por causa dos ventos de brisa marítima e ventos alísios de escoamento básico, vindos do Nordeste. “A área da Baía do Marajó é mais propensa à ocorrência de acidentes do tipo naufrágio. A partir do momento em que se adentra no continente, esse tipo de acidente

diminui”, diz a pesquisadora. No entanto Suanne explica que isso não significa que outras subáreas não sejam perigosas, pois o tipo de acidente é que vai mudando à medida que se adentra ao continente. “Como os rios ficam mais estreitos, há uma dificuldade de navegação, principalmente, quando eles estão secos, baixos e as águas estão mais rasas. Então, não deixa de ser um fenômeno hidrometeorológico”, explica. Os acidentes mais comuns nessa área são abalroamento (choques mecânicos entre as embarcações), colisões (choques com qualquer objeto físico que não seja embarcação) e encalhe (qualquer obstáculo que impeça o barco de navegar). “Se as precauções não forem

tomadas pelos órgãos fiscalizadores, será difícil evitar acidentes com embarcações superlotadas tanto de passageiros como de cargas, diante de um evento extremo meteorológico”, avalia a pesquisadora. “Se a Capitania dos Portos, a Marinha e a UFPA promoverem ações para melhorar a navegação, com certeza, muitos desses acidentes serão evitados”, afirma Suanne Martins. “Este trabalho não vai ficar só guardado na biblioteca. Nós pretendemos divulgá-lo o máximo que pudermos, para que este estudo seja um meio pelo qual os acidentes possam ser evitados e a socioeconomia seja consolidada com menos danos às embarcações e à vida humana que trafegam nestas hidrovias”, finaliza a autora da dissertação.

Estudo indica que embarcação de madeira tem estrutura mais frágil e mais predisposta a naufrágios com vítimas.


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A impotência antes da pílula azul Estudo analisa história do tratamento da disfunção erétil Walter Pinto

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á uma década e meia, o cientista social e antropólogo paraense Leonardo Fabiano Sousa Malcher vem se dedicando ao estudo de diversos temas, como a história da Medicina no Brasil, juventude, gênero e sexualidade. Durante o doutorado em Antropologia Social na UFRGS, esse cientista, graduado pela UFPA, onde também cursou o mestrado, aprofundou seus estudos acerca da medicalização da sexualidade e da impotência

sexual masculina. Ao buscar definir o objeto de pesquisa para o doutorado, concluído em 2007, Leonardo Malcher pensou que seria interessante investigar como a Medicina brasileira tratou a questão da impotência sexual no Brasil, antes do advento do Viagra. Durante a pesquisa de campo nos arquivos da Biblioteca Nacional, na Academia Nacional de Medicina e na Biblioteca da UFRJ, o pesquisador teve acesso a um vasto material sobre a impotência sexual masculina, desde o final do século XIX até

1998, ano de surgimento do Viagra. Apesar de ter conseguido um material surpreendente e vasto, Leonardo concentrou seu estudo no período de 1920 a 1940, quando as discussões relativas à impotência foram mais acaloradas. Na entrevista a seguir, ele aborda alguns aspectos dessas questões.

Ideias de masculinidade Devemos entender questões como gênero, masculinidade, sexualidade sempre

a partir de seu caráter social e histórico. O que concebemos em sociedade como padrões aceitáveis ou não do que é ser homem e mulher varia de sociedade para sociedade e em diferentes contextos históricos também. Assim, podemos afirmar que é difícil definirmos uma masculinidade brasileira, já que esta se configura de diferentes formas, em diferentes regiões do Brasil. De maneira geral, uma masculinidade considerada socialmente hegemônica, ou


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Pioneirismo da Medicina Nas minhas pesquisas, consegui perceber que, na virada do século XIX para o XX, a Endocrinologia estava se consolidando, nacional e internacionalmente, como área pioneira no estudo da impotência. Havia uma discussão a respeito da possibilidade de rejuvenescimento do ser humano, a qual influenciou a ideia de que a impotência, a partir do equilíbrio dos hormônios, poderia ser tratada. Cientistas como Brown-Séquard, Steinack e Voronoff foram fundamentais naquele momento. Com eles, a influência dos diferentes hormônios no organismo passou a ser investigada de forma “científica”, a partir de vários experimentos com animais e seres humanos. Tais autores, conhecidos por diferentes técnicas

“Com Freud, a sexualidade deixou de ser assunto tratado pela Medicina”

de utilização dos hormônios, trouxeram um novo olhar sobre o ser humano débil, envelhecido precocemente, impotente.

Primeiros tratamentos As várias possibilidades de entender o tema advêm dos autores, todos estrangeiros, acima descritos. Brown-Séquard foi conhecido pela utilização, na forma de comprimidos ou injeções, de hormônios extraídos de animais sadios que evidenciassem força, vitalidade e juventude. Steinack propôs a ligadura dos canais deferentes no homem (duas estruturas tubulares de diâmetro minúsculo, mas muito compridas, cuja função é transportar os espermatozoides provenientes dos epidídimos para o exterior). A ideia consistia no fato de que, se um dos canais deferentes fosse cortado e ligado para dentro do próprio homem, este poderia retomar a juventude se “retroalimentando” com as necessidades hormonais do próprio organismo. Voronoff, um polêmico médico franco-russo, desenvolveu a técnica de enxertos testiculares de diferentes animais no corpo humano, baseado na ideia de que hormônios de animais sadios pudessem aderir ao corpo humano, suprindo, assim, as necessidades hormonais, principalmente, a testosterona em falta no organismo masculino.

Homossexualidade A discussão científica da época, baseando-se na possibilidade de cura da impotência e do envelhecimento precoce por meio do reequilíbrio hormonal, considerou também, seguindo essa mesma lógica, a possibilidade de cura dos homossexuais. Acreditava-se que a homossexualidade era causada por um desequilíbrio hormonal, o aumento

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Entrevista

Leonardo Fabiano Sousa Malcher dita normal (em contraposição à outra, patológica, como a Medicina buscou e busca sempre padronizar), é aquela que ainda reproduz ideais que remetem às características dos homens como aqueles que devem ser fortes, ativos, racionais, e à ideia, por exemplo, de que homem não chora. Uma masculinidade que “funciona” em nossa sociedade ainda é aquela que é ativa, ilimitada e heterossexual.

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“Buscar a cura da impotência do idoso era considerado imoral” do hormônio do outro sexo no corpo errado. Equilibrar os hormônios faria com que o homossexual, tratado comumente como “invertido” pela Medicina, pudesse se reinverter para a sua sexualidade “normal”, heterossexual.

Sexualidade adequada É impressionante como a sexualidade passa a ser quase que ausente nas discussões da Medicina. Isso se dá por volta da década de 1940, quando há a entrada das “ideias freudistas”, como se costumava dizer, no Brasil. A Medicina ocupouse da questão da sexualidade, e da sexualidade masculina, em um período muito específico da sociedade brasileira. Em um período de consolidação do Brasil e também da ideia de povo brasileiro, a Medicina deveria se preocupar com o futuro do País. Mas como consolidar a ideia de Nação e de povo brasileiro se o número de homens impotentes continuasse subindo? Era a questão que, de forma direta ou indireta, os médicos faziam naquele momento.Qual a sexualidade considerada adequada? Quais os padrões para a sexualidade no Brasil? A Medicina, neste período, instituiu os padrões da sexualidade em um contexto social específico. Parece que, resolvido o “problema” ou

sendo estabelecida a forma de tratar da questão e com a entrada das ideias de Freud, a sexualidade passou a ser assunto de outra área e não mais da Medicina.

Idoso: rejuvenescimento sem virilidade O ideal de masculinidade, por muito tempo, esteve ligado fortemente ao matrimônio, à monogamia, à heterossexualidade e à reprodução. O que se esperava de um jovem com envelhecimento precoce era que buscasse cura para seu problema. Mas se o idoso buscasse rejuvenescer, suas intenções deveriam passar longe da possibilidade de recuperação da virilidade, da potência sexual. A Medicina entendia a impotência sexual no idoso como algo esperado, que fazia parte de um momento da vida de todo homem. Desta forma, a busca de cura para a impotência do idoso era considerada imoral. Era um momento em que predominava a lógica do casal matrimonial, heterossexual. Ela indicava que, se as mulheres, em determinado momento da vida, não podem mais reproduzir, a impotência viria acompanhar o homem em um período de pausa da reprodução. Mas, se este homem estivesse em sua puberdade e juventude, a reconquista da virilidade perdida seria considerada “moralíssima”.

Masculinidade na Academia Nas universidades e institutos de pesquisa, a questão das masculinidades que, em determinado momento, era bem menos discutida que a questão feminina, hoje, tem um panorama um tanto diferente, quando diversas masculinidades ganharam lugar na abordagem acadêmica.


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Amazônia

Peixes desidratados viram temperos Processo utiliza resíduos de matérias-primas e evita desperdício Processamento: pescado in natura, desidratado e transformado em farinha.

Fotos Acervo do Pesquisador

Marcus Passos

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consumo de peixe no Brasil dobrou nos últimos 10 anos. Segundo dados do IBGE, em 2013, a média de consumo nacional foi de 14,5 kg por habitante. No ano passado, o Brasil teve uma produção estimada de 2,4 milhões de toneladas de pescado. No Pará, região rica em diversidade pesqueira, o panorama não é diferente. Em 2015, durante a Feira do Pescado, foram ofertadas cerca de 300 toneladas de peixe. Observando esse potencial e variedade, um grupo de pesquisadores resolveu criar o Projeto de pesquisa “Elaboração e avaliação da qualidade de produtos desidratados formulados a partir de espécies de peixes da Região Amazônica”. O trabalho é resultado de uma parceria entre a Universidade do Estado do Pará (UEPA), o Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa), o Instituto Evandro Chagas (IEC) e a Universidade Federal do Pará (UFPA) – instituição responsável pela coordenação geral. “Pensamos um projeto que pudesse trabalhar o pescado da nossa região visando aproveitar a diversidade local. Vivemos em um lugar que tem uma grande demanda de pescado e, às vezes, isso gera desperdício. Então, para evitar o desperdício, resolvemos transformar essas matérias-primas em produtos desidratados”, explica Davi Brasil, coordenador geral e professor da Faculdade de Engenharia Química, ITEC/UFPA. Foram analisadas cinco espécies de pescado da região – escolhidas levando em consideração o consumo e a comercialização: piramutaba, dourada, pescada branca, pescada amarela e tainha. A coleta do material ocorreu na Feira da 25 de Setembro e no Mercado do Ver-o-Peso. A equipe adquiriu, em média, 20 unidades de peixes de cada espécie. Segundo Luciane Brasil, professora do Cesupa e da UEPA, “o objetivo da pesquisa foi elaborar produtos desidratados a partir de cinco espécies de pescados e fazer um controle de qualidade físico-química e sensorial das matérias-primas coletadas e dos produtos finais obtidos. Assim, o apoio das quatro instituições e o financiamento da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará (Fapespa) foram fundamentais para o desenvolvimento do trabalho”.


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Pesquisa propõe microunidade de processamento A primeira etapa do projeto consistiu na análise de duas comunidades pesqueiras, localizadas próximo à Região Metropolitana de Belém. A finalidade era levantar quais seriam as condições da população local para desenvolver os produtos desidratados, a partir das espécies de pescados presentes na localidade. Também foram observadas quais as adequações necessárias para a fabricação dos produtos desidratados e de que forma o poder público e o capital privado poderiam atuar nisso. Nessa etapa, a equipe buscou conhecer as características socioeconômicas e os hábitos alimentares das duas comunidades. “Aplicamos um questionário para saber a disponibilidade de recursos para se implantar uma microunidade de processamento de pescado. Ou seja, definimos com eles o interesse em ter uma empresa de beneficiamento e comercialização de peixe”, explica o professor Davi Brasil. Concluído esse processo, começaram as etapas de análises. Primeiro, o pescado foi coletado e encaminhado para o laboratório do Cesupa, para ser realizado o preparo das matérias-primas, secagem e

Planta baixa da microunidade de processamento de pescado

armazenamento sob congelamento. Uma parte foi usada como matéria-prima para desenvolver os produtos finais e outra parte foi reservada para a realização da caracterização nutricional, físico-química, sensorial e microbiológica. O Centro Universitário do Pará ficou responsável pelas análises microbiológicas, nutricional, física e físico-química. A caracterização química foi divida em duas partes, referentes à caracterização dos compostos inorgânicos, analisados pelo Instituto Evandro Chagas, e a parte da caracterização dos compostos orgânicos, analisados pela UFPA. A análise sensorial foi feita pelo Cesupa. “A caracterização química verificou a presença de mercúrio,

a quantidade de ômegas 3 e 6, de ácidos graxos e de gorduras, além de uma variedade de metais. Na caracterização microbiológica, analisamos se o pescado estava apto para o consumo. Na parte físicoquímica, foram observados os níveis de proteína, lipídios e carboidratos. Na caracterização física, verificou-se o peso, o comprimento e as demais medidas, além do frescor do peixe”, explica a professora Luciane Brasil. “Essas análises conferiram se o peixe tinha condições de ser processado para gerar um produto com qualidade. Depois disso, fomos para a etapa de elaboração do produto por meio de uma metodologia que está em processo de patente”, diz Marcelo Lima, do Instituto Evandro Chagas.

Durabilidade dos temperos é de seis meses A elaboração do produto final contou com três etapas: a secagem artificial, o processamento e a formulação. O resultado final consistiu na elaboração de quatro produtos desidratados com variadas formulações. Foram cinco formulações de farinha; sete formulações de sopa desidratadas, saborizadas com pescado regional; cinco temperos em pó e três temperos em forma de tablete. Além disso, a pesquisa adotou como proposta aproveitar os resíduos das matérias-primas utilizadas na produção dos temperos. Um exemplo foi a carcaça do peixe, reaproveitada para a produção das sopas desidratadas e dos temperos em formato de tablete. Também foram utilizados ingredientes naturais da culinária paraense – como ervas

da região – durante o desenvolvimento do produto final. Concluída essa etapa, a equipe realizou uma avaliação de controle de qualidade nos temperos. Os produtos passaram por uma análise físico-química, microbiológica e sensorial. Esta última contou com a avaliação de 50 provadores para cada tempero produzido. Como resultado microbiológico, ficou constatado que o produto é estável, com durabilidade de seis meses. As principais vantagens desses temperos são as possibilidades de agregar valor para a economia local; a baixa aditivação em relação aos produtos comercializados pelas indústrias, uma vez que a cor do produto é oriunda do próprio pescado, além da adição de uma baixa quan-

tidade de sal; a oportunidade de incorporação do produto como parte de uma alimentação saudável para a população da região e o aumento do desenvolvimento científico regional, pois estamos agregando conhecimento às matérias-primas para a formulação de produtos, pontua o pesquisador Marcelo Lima. Segundo Davi Brasil, “foi importante saber a qualidade tanto referente à toxidade, quanto em termos nutricional dos peixes que são consumidos na nossa região. Assim, o trabalho conseguiu constatar que os pescados não apresentam metais tóxicos que possam acarretar algum tipo de problema na população. Outro ganho da pesquisa foi as derivações acadêmicas, com a produção de sete Trabalhos de Conclusão de Curso e uma Tese”.


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Baixo Tocantins

Novas vias para o desenvolvimento Comunidades ribeirinhas utilizam acordos de pesca com sucesso Alice Martins Morais

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Os acordos evitam a pesca predatória e auxiliam o manejo dos recursos pesqueiros.

em só de projetos impulsionados pelo governo ou com participação de empresas privadas se faz a construção de um mundo melhor. Foi o que descobriu o professor Valcir Bispo Santos, que, descrente das formas tradicionais de desenvolvimento que têm como protagonista central o Estado, abriu o olhar para iniciativas da sociedade civil. Entre as descobertas, estão os acordos de pesca, baseados em relações de confiança, instituídos por comunidades ribeirinhas de Cametá. O professor Valcir Santos, da Faculdade de Economia, ICSA/ UFPA, abordou a temática em sua Tese Território e Capital Social em Acordos de Pesca no Baixo Tocantins: uma abordagem institucionalista,

defendida no início deste ano, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na década de 1980, com a instalação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, os pescadores de Cametá e da região do Baixo Tocantins, que fica à jusante da Usina, sofreram diversos impactos na sua forma de viver. A implantação da barragem na descida do rio ocasionou várias mudanças sociais e econômicas, acarretando, entre outros fatores, a inundação de áreas florestais, o que provocou graves problemas ambientais. Segundo os moradores da região, várias espécies de peixes quase desapareceram por conta da brusca mudança na qualidade da água. Além disso, os pescadores estavam, à época, em uma situação de pouca

produtividade de peixe e de muito gasto com materiais de pescado. Assim, em cada comunidade, foram estipuladas regras para a pesca local, ainda na década de 1980. Na Colônia de Pescadores Z-16, de Cametá, 23 localidades ribeirinhas praticavam os acordos de pesca, em 2005. A base dos acordos de pesca é o combate às formas predatórias de pesca e de manejo dos recursos pesqueiros. Um exemplo das regras desses acordos é determinar quais apetrechos (equipamentos ou acessórios) são proibidos ou não. Outra norma é a proibição de pesca em determinados períodos, como a época do defeso, período de reprodução dos peixes. Mais um exemplo é a proibição da pesca nas áreas de postos de criação (áreas de reprodução de peixe). Fotos Alexandre Moraes


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Acordos são firmados a partir da relação de confiança Esses acordos não são oficiais, não criam leis nem geram multas. Eles utilizam algo que vai além: a relação de confiança entre os moradores ou o “capital social”. De acordo com o professor Valcir Santos, as comunidades partilham os mesmos valores e gostos musicais, participam de festas, solenidades religiosas e mutirões, compartilham produtos de pescarias, sobretudo os que envolvem o “mapará”, o peixe mais apreciado pelas famílias ribeirinhas de Cametá. Por isso conseguem usar a moeda da confiança em um sistema de desenvolvimento civil. Os próprios ribeirinhos decidem quem vai fiscalizar internamente as normas dos acordos de pesca. Eles escolhem os “agentes ambientais voluntários”: pessoas da própria comunidade que recebem treinamento e kit com equipamentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Apesar de não poder aplicar multas nem apreender materiais, o agente ambiental pode notificar as irregularidades e encaminhá-las ao Ibama. Existem também as lideranças da comunidade, que são constituídas socialmente, sem nenhum processo formal. As lideranças são aquelas pessoas mais participativas na vida comunitária, que se destacam,

muitas vezes, nas reuniões e eventos da Igreja. O professor Valcir Santos observou que cada uma das três comunidades ribeirinhas possui características diferentes: Cuxipiari Carmo distingue-se pela forte tradição organizativa, que serviu de base para a formação de diversas lideranças ribeirinhas. Em um sentido quase oposto, a comunidade ribeirinha da Ilha de Jaracuera Grande não possui a mesma tradição, mas tem se destacado como uma das comunidades que mais avançam nas práticas dos acordos de pesca, inclusive com a introdução de inovações em técnicas de pesca. A comunidade de Pacuí está situada em um nível intermediário de evolução institucional, pois, apesar de não haver uma tradição organizativa forte, consegue manter a iniciativa de acordo de pesca em funcionamento. Nas três comunidades, o mapará compõe a base alimentar. Em Cametá, o arroz com feijão são substituídos por peixe, açaí e farinha. Assim, a pesca significa um momento de celebração. É feita de forma coletiva, com regras já existentes antes dos acordos, mas foram consolidadas por eles. A política de solidariedade atinge, inclusive, famílias que não são formadas por pescadores.

Hoje, a iniciativa está fragilizada e sem apoio institucional O aumento da participação política por meio dos acordos de pesca mudou a percepção dos próprios ribeirinhos, que acreditam ter havido uma melhoria na sua qualidade de vida. Para eles, qualidade de vida não significa quantidade de consumo anual, mas sim o acesso ao peixe e aos produtos que não tinham antes dos acordos, como o tão apreciado mapará.

Infelizmente, os acordos de pesca estão fragilizados atualmente: por um lado, as novas gerações parecem ter acesso a outras formas culturais além da cultura ribeirinha; por outro, o Ibama já não apoia a formação de agentes ambientais voluntários, talvez em razão das intervenções que a política ambiental sofreu com o licenciamento de projetos polêmicos e de grande porte,

como as Hidrelétricas do Rio Madeira e de Belo Monte. Em virtude da sua pesquisa, o professor Valcir Santos participou de uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. O objetivo era ampliar o debate sobre o tema “A Perda dos Direitos dos Pescadores com a MP 665/2014”. A Medida Provisória afeta o Seguro-Defeso, por ser este uma moda-

lidade do Seguro-Desemprego. Como projeto, o professor quer voltar a Cametá para apresentar a pesquisa, atualizar algumas informações e participar de iniciativas que fortaleçam os acordos de pesca. Com experiência na área de Economia Regional, Valcir Santos também pretende voltar seu olhar para outro tema: a economia criativa no Ver-o-Peso.


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Comunicação

Nós e os outros na divisão do Pará Pesquisas analisam discursos construídos durante plebiscito Ilustração Michel Mesquita

Maria Luisa Moraes

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m 11 de dezembro de 2011, o plebiscito que consultou os eleitores paraenses sobre a criação dos Estados de Carajás e de Tapajós poderia ter mudado a história da Amazônia e do País. No entanto o resultado do pleito apontou para a não criação dos dois novos Estados. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o “não” levou 66% dos votos, enquanto o “sim”, 33%. No Pará, Estado que abriga a população votante e as áreas que seriam desmembradas, fala-se a respeito do assunto há, pelo menos, 30 anos, de acordo com os estudos da jornalista Thaís Braga. A pesquisadora interpretou as formas simbólicas construídas pelos jornais impressos O Liberal e Diário do Pará, especialmente, no ano de 2011. A abordagem foi tema da Dissertação Nem eu, nem o outro;

qualquer coisa de intermédio – estudo exploratório de formas simbólicas sobre o plebiscito para a criação dos Estados de Carajás e de Tapajós.

Orientada pela professora Alda Cristina Costa, do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, da Universidade Federal

do Pará (PPGCOM/UFPA), Thaís Braga utilizou a metodologia da Hermenêutica de Profundidade, proposta pelo sociólogo britânico J. B. Thompson. Foram examinadas 135 edições, 78 delas, do Diário do Pará; e 57, de O Liberal. “Quando pensava no assunto, era como se eu rasgasse um pedaço de papel ao meio. Percebi que as propostas a favor e também as contrárias ao desmembramento territorial não continham um projeto de Estado nem um projeto de Amazônia”, avalia a pesquisadora. A escolha de tratar o jornalismo impresso produzido em Belém deve-se a sua afinidade com a prática jornalística. “Minha escola foi o jornal impresso – e isso tanto me ajudou quanto me atrapalhou em alguns momentos em que precisei separar a pesquisadora da profissional”, lembra Thais.

Contextualização e reinterpretação do noticiário A hermenêutica proposta por J. B. Thompson analisa as formas simbólicas inseridas em determinado contexto. Por isso é importante entender o que é a Amazônia, o que é o Estado do Pará, como foi o processo de ocupação desses territórios. Essa contextualização histórica foi trabalhada na primeira fase do trabalho. Em seguida, foi feita uma análise formal ou discursiva, na qual foi possível aplicar outras técnicas de estudo, como a análise histórica e a análise de conteúdo. A fase seguinte foi a interpretação e reinterpretação das formas simbólicas identificadas. “Reinterpretação, porque as formas simbólicas identifica-

das a partir do noticiário a respeito do plebiscito já foram interpretadas pelos jornalistas, pelos meios de comunicação, pelas próprias pessoas que vivenciaram o processo de consulta pública”, afirma. Um ponto abordado na pesquisa, demonstrado na própria referência ao poeta Mário de Sá Carneiro no título da dissertação, é a questão do outro e da outridade. “O outro é aquele a quem eu me dirijo e quem eu preciso respeitar para julgar pertinente ouvir e ser ouvido por ele”, explica Thaís Braga. “O outro, no noticiário sobre o plebiscito, foi, algumas vezes, negligenciado. O outro - Carajás e Tapajós - estava distante não só geograficamen-

te da Metrópole mas também simbolicamente”, avalia a jornalista. O outro surge a partir da noção da diferença entre as pessoas. O noticiário, num primeiro momento, apresenta o outro como algo exótico, algo a ser temido. Depois, passa a vê-lo como inimigo/ estrangeiro. “Se o jornalismo não conseguir promover o debate democrático entre esses diferentes, garantido o mínimo de respeito, então, o jornalismo perde a dimensão da própria existência. A rivalidade existente entre os territórios paraenses pode ter fundamento nessa ideia de inimigo e de estrangeiro”, avalia. Thaís Braga explica

que uma pesquisa na área da Comunicação se caracteriza pela interseção de três eixos: as práticas discursivas, os interlocutores e o contexto histórico. Ela estava atenta aos interlocutores, que se colocam em contato via meios de comunicação. “Os meios de comunicação, na verdade, são instituições que têm associações políticas e econômicas. É importante ter isso em mente para não tratá-los como ‘espelho da realidade’, conforme algumas teorias”, explica. “No fundo, os jornais impressos não tiveram peso na decisão das pessoas, mas têm uma responsabilidade, uma vez que institucionalizam um dizer social”, conclui.


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Campanhas publicitárias mostraram Estados diferentes Alice Martins Morais

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im ou não? Essa foi a pergunta que norteou as conversas, os debates e até mesmo as brigas no segundo semestre de 2011. No geral, duas grandes frentes de campanha foram construídas: a “Sim” e a “Não”. Analisar como as campanhas publicitárias discursaram no horário gratuito de propaganda eleitoral na televisão paraense foi o objetivo da dissertação de Evelyn Cristina Ferreira de Aquino, defendida no Programa de Pós-Graduação

em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM/UFPA), sob orientação da professora Netília Seixas. Em 2011, o plebiscito gerou mudanças visíveis: adesivos nos carros indicavam o posicionamento dos motoristas, o número de vendas de artefatos com a bandeira do Pará aumentou no Ver-o-Peso, debates sobre a divisão do Estado ocorriam nas instituições acadêmicas e nos lares paraenses. E grande parte dessa movimentação acontecia em resposta ao que era dito na televisão.

Foi por isso que a publicitária Evelyn Aquino interessou-se pelo tema. A pesquisa Sim ou não? O plebiscito no Pará, estratégias discursivas e sentidos nas campanhas televisivas observou como se constituíram as estratégias discursivas nas campanhas televisivas das frentes pró e contra a criação dos Estados do Carajás e do Tapajós no plebiscito de 2011, no Pará, e quais os sentidos ofertados por essas estratégias. A propaganda política começou no rádio e na televisão no dia 11 de novembro e foi até

o dia 7 de dezembro de 2011. Os programas tinham 10 minutos de duração, cada um. Ao todo, foram produzidos 80 programas, 20 deles analisados para a dissertação. Pode-se dizer que a campanha do “Sim” mostrou situações sociais agravantes de miséria, falta de saneamento, saúde e educação nas regiões afastadas da capital, ou seja, onde seriam os Estados de Carajás e Tapajós. Já a campanha do “Não” destacou a identidade simbólica do Pará, mostrando elementos como o açaí, o carimbó e o brega.

“Sim”e “Não” usaram extensão territorial como argumento O que mais chamou atenção de Evelyn Aquino foi o diálogo que as duas frentes mantiveram entre si. O que uma dizia, a outra respondia, mantendo uma disputa mais próxima. Ao longo do estudo, a publicitária percebeu algumas estratégias que marcavam os discursos de cada frente. A frente contra a criação dos Estados usou como recurso a integridade regional, a ingerência externa e os Estados inviáveis. O primeiro envolveu a união do Estado, a grandeza territorial, a riqueza de recursos, o mul-

ticulturalismo e o dinamismo das atividades econômicas, questões ameaçadas pela divisão. O segundo denunciou o que seria uma ingerência externa, já que o interesse na divisão seria de grupos políticos e econômicos. Nesse discurso, estavam presentes termos de desqualificação, como “Parazinho”, além de expressões como “cortar o Pará em pedaços”. O terceiro, o discurso dos Estados inviáveis, mostrava que tanto o Pará perderia com a criação do Carajás e do Tapajós quanto os novos Estados já nasceriam sufocados por dívidas, o que

inviabilizaria o seu desenvolvimento. Enquanto isso, a frente a favor usou o discurso do desenvolvimento, do abandono e da ingovernabilidade. A primeira estratégia destacou o discurso econômico, embasado em valores legais exorbitantes, como a maior repartição do Fundo de Participação dos Estados, além de citar Estados que foram divididos e deram certo, como Tocantins e Mato Grosso do Sul. O segundo discurso foi um dos principais argumentos da campanha do “Sim”: a necessidade da descentralização

de investimentos para aumentar o crescimento de regiões menos desenvolvidas. As duas frentes também usufruíram de um mesmo discurso: o da extensão territorial. Contudo cada uma abordou um ponto de vista diferente. O “Sim” apresentou a imensidão de área como entrave para a ação do governo em todo o Estado. A dimensão territorial foi mostrada pelo “Não” como algo positivo, com riquezas naturais, possibilidades de atividades econômicas e heterogeneidade cultural que marca a identidade paraense.

Material audiovisual tornou a pesquisa desafiadora Um momento decisivo ocorreu em 18 de novembro de 2011, quando a frente Pró-Tapajós mostrou pessoas em Belém levando tapas na cara, como uma forma de ataque à falta de propostas do “Não”, para melhorar a situação do Estado. A partir desse período, o governador Simão Jatene (PSDB-PA) passa a ser citado diretamente na campanha do “Sim” e, por isso, posiciona-se explicitamente contra a divisão. Tudo isso serviu como um

clímax na história do plebiscito, causando uma reviravolta nas identificações da população com as campanhas. Evelyn Aquino já havia trabalhado com o tema plebiscito durante a sua Especialização em Jornalismo, Cidadania e Políticas Públicas, pela Universidade da Amazônia. Para ela, o audiovisual chama atenção por ser um conjunto de imagem, palavras e sons que devem ser trabalhados juntos e separados, o que torna a pes-

quisa um desafio. Para a publicitária, as campanhas poderiam ter avançado no tratamento da identidade paraense se a discussão sobre a reconfiguração do Pará fosse tomada como de interesse público. A ameaça de mudança repentina obrigou a sociedade a conhecer o assunto minimamente para intervir no processo, mas não fortaleceu o debate, pois as lideranças políticas das campanhas, em detrimento da seriedade, es-

colheram usar o emocional impulsivo e desinformado para atender a interesses particulares de poder. Segundo Evelyn, o plebiscito foi importante, pois “trouxe à tona uma discussão que é histórica no Pará: o reordenamento do seu território”, deu ao povo o poder de decidir sobre a formação de Estados pela primeira vez no Brasil e fez os paraenses enxergarem o Estado para além da área onde vivem.


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Resenha Amazônia na agenda ambiental global Brenda de Castro

Reprodução Alexandre Moraes

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Serviço Amazônia na agenda ambiental global, Alberto Teixeira da Silva. Belém: NUMA/UFPA, 2015.

questão ambiental emergiu da agenda global nos anos 1970 e, apesar dos diferentes caminhos que a discussão tenha seguido, o tema continua tendo forte influência nas relações internacionais. Não diferente, a Amazônia também continua sob os holofotes internacionais. No ano em que temos o lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, faz-se simbólica a obra de Alberto Teixeira da Silva, reiterando combinado aos ODS que, ao contrário do que se chegou a imaginar, a questão ambiental não será apenas uma moda, mas uma tendência constante e reestruturante do cenário internacional. Em cinco capítulos, a partir de produções e pesquisas de duas décadas, Silva leva-nos por diversos caminhos necessários para entender a Amazônia e a Agenda Ambiental Global. Logo na introdução, traz-nos uma instigante ambientação da discussão e dos principais dilemas que a envolvem: o imaginário que reduz a Região Amazônica ora à fronteira de expansão desenvolvimentista, ora a santuário de conservação, visões que, frequentemente, anulam o empoderamento regional sobre seu próprio destino e, raramente, reconhecem os povos urbanos, tradicionais e moderno que aqui coexistem; a relação de dependência e herança de políticas e o seu posicionamento como espaço neocolonial na economia global; o emaranhado de atores que aqui atuam e possuem interesses conflitantes como o próprio EstadoNação, os atores internacionais e a sociedade civil organizada. Destarte, Silva discute, em seu primeiro capítulo, as transições

paradigmáticas que marcarão o cenário em que a questão ambiental se relaciona com a Amazônia na contemporaneidade: o surgimento do ambientalismo, a evolução da discussão desenvolvimentista para um viés mais sustentável, a ascensão de novos atores no sistema internacional e, por fim, a própria modernidade. No capítulo seguinte, a discussão ambienta-se no contexto amazônico, ressaltando o processo de ocupação e a degradação que marca a história da região, tendo como base para esta abordagem o garimpo de Serra Pelada. Possibilitando, deste modo, uma análise também de viés prático, em consonância com a prévia reflexão conceitual. O capítulo traz, também, outras análises sobre iniciativas voltadas para a sustentabilidade e os desafios atuais para o desenvolvimento econômico da região, como o desmatamento. O capítulo três retoma a explanação no âmbito conceitual e propõe a tendência que se tem concretizado no âmbito da gover-

nança e o modo como este novo tipo de relação entre os atores tem influenciado na gestão de recursos naturais, trazendo como exemplo a dinâmica presente no Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7). As ideias abordadas no capítulo quatro dizem respeito à questão da segurança como um todo, mas tratam de novas geopolíticas consequentes da globalização, entre as quais, a internacionalização e a securitização. Por fim, o debate direciona-se para a América do Sul e discute a integração regional e a governança, analisando o papel da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e ressaltando a importância de um ator que reúna e concentre as diretrizes das políticas para a região. Percebe-se que, no tocante à Amazônia, a agenda ambiental global, carece, ainda, de um fortalecimento de instituições capazes e aptas a discutirem o melhor caminho para a região, como a OTCA. Fugir dos reducionismos globais e locais, afastar-se de interesses enviesadores de atores que se autoproclamam porta-vozes do melhor caminho para a região, mas, muitas vezes, estão em desencontro com o real anseio da população local. Silva perpassa por pontos extremamente relevantes para entender o cenário em que a Amazônia está atualmente. Une as peças do quebra-cabeça das principais discussões que envolvem o tema até agora, definindo os atuais desafios, as conquistas e as tendências para a problemática ambiental na região. Guia-nos por considerações teóricas e de práxis, aplicando as discussões em questões ainda pendentes na Amazônia, propiciando uma releitura da região para ela mesma e para quem mais pretender entendê-la.


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A Hist贸ria na Charge

#minhaufpa



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