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ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXiX • N. 121 • oUTUBro e NoVeMBro, 2014

Projeto Viola em Grupo atende crianças em situação de risco Páginas 6 e 7 Letramento

Gênero

Ensino fundamental

Família, amigos e vizinhos

Projeto analisa o impacto do regime de ciclos no cotidiano escolar. Páginas 8 e 9

Rede de apoio social ajuda trabalhadoras a manterem atividades. Página 16


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UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Direção: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE) Reportagem: Amanda Pinho, Brenda Rachit e Marcus Passos (Bolsistas). Walter Pinto (561-DRT/PA) Fotografia: Adolfo Lemos e Alexandre Moraes Fotografia da capa: Alexandre Moraes Ilustrações: Benelton Lobato/Newton Corrêa/CMP/Ascom Charges: Walter Pinto Projeto Beira On-line: Danilo Santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Júlia Lopes e Cintia Magalhães Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Coordenadoria de Marketing e Propaganda CMP/Ascom Secretaria: Silvana Vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

Reitor: Carlos Edilson Maneschy Vice-Reitor: Horácio Schneider Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos Pró-Reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Edilziete Eduardo Pinheiro de Aragão Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho Pró-Reitora de Planejamento: Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar Prefeito: Alemar Dias Rodrigues Junior Assessoria de Comunicação Institucional - ASCOM/UFPA Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto Rua Augusto Corrêa n.1 - Prédio da Reitoria - Térreo CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará Tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


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Todos os anos, a edição Outubro/Novembro é especial para nós. Além de divulgar as pesquisas realizadas pela UFPA, com temas relacionados ao Círio de Nazaré – a grande festa católica do povo paraense -, essa edição também traz o encarte voltado para o público infantil, o qual, carinhosamente, nós chamamos de Beirinha. Nas páginas 14 e 15, a reportagem assinada por Marcus Passos levanta os trabalhos acadêmicos que tiveram o Auto do Círio como objeto de análise. Em 20 anos, o espetáculo já rendeu TCCs, dissertações e teses. O Beirinha traz reportagens sobre os cursos ofertados para o público infantil pelas Escolas de Teatro e Música da UFPA, além de uma entrevista com o publicitário Bruno Melo, sobre a carreira de escritor. O papel da escola no enfrentamento da violência sexual infantojuvenil, o poder transformador da música entre jovens em situação de risco, os desafios que o regime de ciclos impõe ao cotidiano escolar, o uso de tecnologias para motivar crianças com dificuldades de aprendizado são alguns dos temas que você encontrará nas reportagens a seguir. Boa Leitura!

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Índice Política de Assistência Estudantil da UFPA .............................4 Educar, cuidar e proteger ................................................5 O poder transformador da música ......................................6 Regime de ciclos impõe desafios ........................................8 “Literatura é mais verdadeira” ....................................... 10 RPG digital facilita alfabetização .................................... 12 Relações de trabalho em Bacuriteua ............................... 13 Novos olhares sobre o espetáculo ..................................... 14 Entre família, amigos e vizinhos ..................................... 16 Direito comprova excelência .......................................... 17

Rosyane Rodrigues Editora

Engenharia de Pesca: importância para a Amazônia ............... 18

Berlindas em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré. Fotografia de Alexandre Moraes


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Opinião Adolfo Lemos

Política de Assistência Estudantil da UFPA

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m 2007, foi aprovado pelo Ministério da Educação o Plano Nacional de Assistência Estudantil, com a finalidade de ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal. Constatou-se que condições de vulnerabilidade socioeconômica provocavam alto índice de evasão nos cursos de graduação das universidades públicas. Segundo dados do Centro de Registro e Indicadores Acadêmicos (CIAC), de 2007, das 50 (cinquenta) Instituições Federais de Ensino Superior, a Universidade Federal do Pará situava-se em 15º lugar em taxa de conclusão, todavia, em relação ao número de ingressantes, ficava em 3º lugar. Por isso, a UFPA aderiu ao Plano Nacional de Assistência Estudantil em 2009 e a pró-reitora de Extensão (PROEX) assumiu o desafio de elaborar Políticas de Assistência Estudantil. Para desenvolver as ações, foi criada a Diretoria de Assistência e Integração Estudantil (DAIE). A DAIE criou um conjunto de programas que visam à integração acadêmica, científica e social do estudante e incentiva o exercício pleno da cidadania para promover o êxito acadêmico. Para tanto, bus-

Alexandre Moraes

ca aproximar-se cada vez mais do cotidiano do estudante em situação de vulnerabilidade socioeconômica, diminuindo os riscos de abandono e insucesso acadêmico. Hoje, cerca de 15.000 alunos participam direta e indiretamente dos Programas de Assistência Estudantil. Sem essas ações, não seria possível reduzir a evasão causada pelas dificuldades econômicas e sociais. O Programa Auxílio Permanência é, atualmente, o maior programa responsável por garantir condições de permanência a alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Para muitos estudantes, o auxílio significa a possibilidade de continuação dos estudos. É o caso de Natália Magno, que se graduou em Licenciatura em Língua Francesa em 2013, na UFPA, e hoje participa do Programa de Assistentes Brasileiros de Português no Centre Internacional d’ Études Pédagogiques em Paris, França. Quando estudante, Natália passou a receber o Auxílio Permanência e afirma que, sem a concessão do auxílio, não poderia ter concluído com qualidade a graduação e concorrer à bolsa para o programa na França. A Política de Assistência envolve a proteção global ao estudante,

por isso, as ações dão-se em várias frentes, com diversos programas: Programa Kit Acadêmico permite aos alunos de cursos como Medicina e Odontologia a compra de material didático que tem custos elevados e é indispensável para a aprendizagem prática. Programa Estudante Saudável garante assistência médica em diversas especialidades. Programa Casas de Estudantes atende alunos que não dispõem de moradia. Programa de acesso à língua estrangeira permite qualificação a muitos estudantes para concorrerem a bolsas de estudos em intercâmbios internacionais. Programa de apoio a atividades científico-acadêmicas concede passagens rodoviárias e ajuda de custo para deslocamento e estada em outros Estados brasileiros. Encontra-se em fase de conclusão o Auxílio-Creche, que garantirá a estudantes com filhos conciliarem a maternidade e a paternidade com a qualidade dos estudos. José Maia Bezerra Neto - Diretor de Assistência e Integração Estudantil/ PROEX e-mail: josemaia@ufpa


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Educação

Educar, cuidar e proteger Escolas são aliadas no combate à violência sexual infantojuvenil Alexandre Moraes

Brenda Rachit

“É

bom ser criança, ter de todos atenção. Da mamãe, carinho. Do papai, a proteção. É tão bom se divertir e não ter que trabalhar. Só comer, crescer, dormir, brincar”. A música do compositor Toquinho retrata bem o que, geralmente, se espera de uma infância saudável. Mas há um grande número de crianças e adolescentes cuja infância é marcada pelo abuso e pela exploração sexual. Esse tipo de violência assombra não só o Brasil mas também o mundo todo. O Estatuto da Criança

e do Adolescente (ECA) diz que as crianças não podem ser “objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, ex-

ploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus

direitos fundamentais”, sendo assim, o violador desses direitos é passível de penalidade tanto quanto o individuo que é negligente diante desses fatos. Em 2007, foi implementado no Pará o Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infantojuvenil no território brasileiro (PAIR), cujo objetivo era articular e fortalecer a rede de enfrentamento à violência sexual no Estado. Um diagnóstico realizado em 16 municípios paraenses constatou a frágil ou até mesmo inexistente participação das instituições escolares no processo de enfrentamento.

Pesquisa realizou diagnóstico em 16 municípios A escola é onde a criança passa boa parte do seu tempo. Assim, o educador é um agente em potencial para identificar, dentro da sala de aula, possíveis vítimas de abuso sexual. Há indícios de que podem ser o ponto de partida para a descoberta e o enfrentamento desses casos. Tomando a escola como aliada no combate à violência sexual, o professor Genylton Odilon Rego da Rocha, do Ins-

tituto de Ciências da Educação (ICED) da Universidade Federal do Pará, desenvolve o Projeto de Extensão “Empoderando as escolas públicas de Belém para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes”. O professor executa o projeto com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo e Formação de Professores na Perspectiva da Inclusão, o Includere, do qual é coorde-

nador. O grupo é formado por pesquisadores do ICED, dos campi de Castanhal, Bragança, Breves, da Unifesspa, alunos da Pós-Graduação em Educação e alunos de Enfermagem da UFPA. Segundo o professor, o principal objetivo é “promover o empoderamento das escolas para que elas possam participar de forma mais qualitativa da rede de enfrentamento”. Este fortalecimento acontece

por meio de cursos e palestras, no intuito de diminuir as dúvidas sobre o tema. O projeto também capacita os educadores para identificar crianças que já estejam em situação de violência. Quando isso ocorre, a escola deve denunciar o caso ao órgão responsável pelo atendimento à vítima. Em geral, o violador é alguém da sua convivência, como tios, avós, pais, vizinhos ou amigos.

Exploração e abuso exigem medidas específicas As vítimas dificilmente se expressam de forma verbal, contando o que lhes aconteceu, mas pedem socorro indiretamente. Genylton Rocha explica que mudanças comportamentais repentinas são comuns às vítimas. Elas podem se tornar agressivas, arredias ou introspectivas. Também podem se expressar por meio de textos e desenhos com conotações

sexuais, além de manifestações físicas de agressão, como sangramentos e hematomas. A violência sexual pode ocorrer por meio de exploração ou abuso. Segundo o professor, exploração sexual ocorre quando a criança ou o adolescente são utilizados para fins sexuais em razão de alguma compensação pelo ato. Isso implica não só explorações

domésticas ou de pequeno porte mas também redes de prostituição e grandes rotas de tráfico. O abuso, por sua vez, acontece sem relações de troca, trata-se de crianças e adolescentes que são seduzidos e forçados ao ato sexual por um adulto, são filmados ou fotografados para fins pornográficos. O abuso sexual ocorre havendo ou não

contato físico. O pesquisador adverte que todos esses casos exigem tratamento e medidas específicas. “Há um conjunto de pesquisas contribuindo para fazermos um melhor diagnóstico da rede de enfrentamento, sobretudo ao que diz respeito à escola e ao papel dos educadores e trabalhadores da área da Saúde”, avalia.


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Extensão

O poder transformador da música Projeto Viola em Grupo atende crianças em situação de risco Fotos Alexandre Moraes

Projeto atende a demanda criada pela formação de grupos musicais de igrejas católicas e evangélicas.

Marcus Passos

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e segunda a quinta-feira, William Breno Rodrigues Castro, de 15 anos, sai de sua casa e carrega, dentro de um estojo, um companheiro inseparável durante as suas tardes na Escola de Música da Universidade Federal do Pará. Ao entrar na sala de aula, retira da mala uma viola e começa a ajustar os acessórios, pois, logo em seguida, começará a sua aula no Curso Técnico em Viola. Essa história começou em 2010, quando William Castro conheceu o Projeto de Extensão “Viola em Grupo: Adolescentes com Dificuldade de Aprendizagem”, coordenado pelo professor e músico Antônio de Pádua A. Batista. No projeto, ele

aprendeu sobre as notas musicais e como manusear corretamente os instrumentos. Posteriormente, William avançou para o Curso Básico e, atualmente, faz o Curso Técnico de Viola, ambos oferecidos pela Escola de Música. Esse processo foi iniciado pelo Programa de Viola. O projeto teve sua origem em razão da crescente demanda de vagas existente na área de viola, influenciada, principalmente, por grupos musicais de igrejas católicas e evangélicas e pela carência de músicos de viola que se apresentam em orquestras de linguagens erudita, sacra e popular em Belém. Com isso, em 2009, foi implantado na Associação Civil ‘Movimento República de Emaús’, no bairro Benguí, o Projeto ‘Viola em Grupo’.

Como objetivo, o trabalho pretende oferecer educação musical a crianças e adolescentes em situação de risco social, como forma de fortalecer as alianças familiares. Isso visa promover oportunidades para que esses alunos tenham acesso ao ensino técnico profissionalizante de Música. Os responsáveis pelos jovens também podem fazer os cursos e as oficinas oferecidas pela Escola de Música. Para William Castro, esse projeto tem uma grande importância. “A música aumentou meus conhecimentos gerais e me ajudou em diversas matérias. Além disso, ela auxilia na minha concentração, no controle da timidez, além de fortalecer as minhas relações sociais”, revela.


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Equipe multidisciplinar supervisiona 25 alunos Mesmo oferecendo oportunidades a esses adolescentes, ainda há barreiras a serem superadas. “Há um impacto cultural entre o que é oferecido pelo projeto de extensão e aquilo que é vivenciado por esses jovens no seu dia a dia. Ainda que a viola – um instrumento erudito – tenha parte do repertório regionalizado nas aulas do grupo, ela possui uma linguagem diferente”, exemplifica o professor Antônio de Pádua. O crescimento do ensino coletivo de instrumentos musicais ocorre por causa da abrangência das visões educacionais e do fomento de políticas para democratizar o ensino. Em Belém, iniciativas como o Projeto Cururu, da Paróquia Santo Antônio de Lisboa, que ensina Instrumentos Musicais, Canto e Teoria Musical para jovens, e o Projeto Nemade, da Assembleia de Deus, representam isso. No ponto de vista da Universidade, há um aumento de professores que trazem na sua prática pedagógica uma visão voltada ao ensino coletivo. Um dos princípios norteadores do programa refere-se às dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos adolescentes. “Elas vão desde transtornos psíquicos e limitações físicas a lares desfeitos ou vizinhanças que não contribuem em nenhum aspecto para o aprendizado desses jovens. Por isso, nós queremos que eles se sintam importantes dentro daquele contexto social e a música faz com que eles produzam algo de bom”, avalia o professor.

Para gerenciar tudo isso, o projeto conta com uma equipe formada por coordenadores, psicólogos, assistente social e dois alunos da graduação, que participam como monitores. Juntos, eles comandam um grupo que, hoje, gira em torno de 25 alunos, que entram no programa a partir dos oito anos e permanecem até os 17 anos.

Egressos são alunos de cursos de graduação Como planos futuros, William Castro espera se formar no Curso Técnico em Música, com Habilitação em Viola. Mas ele ressalta que seu interesse pela música é apenas como uma atividade de prazer, de contentamento. Futuramente, essa atividade será conciliada com o curso de Direito ou com alguma área da Engenharia, que são os campos que o atraem profissionalmente. Ao longo de cinco anos de atuação, o Projeto “Viola em Grupo” apresentou bons resultados. Entre eles, estão o ingresso de oito alunos nos cursos técnicos e dois, nos cursos da graduação ofertados pela Escola de Música da UFPA. Além disso, Antônio de Pádua também aponta as alterações positivas no convívio social e familiar dos adolescentes como pontos importantes nesse processo desenvolvido pelo programa.

"Os alunos entram no programa aos 8 anos e podem permanecer até os 17", afirma o professor Antônio de Pádua.

“O projeto dá visibilidade à Universidade e contempla a sua proposta, que é levar o ensino, a extensão e a pesquisa para a sociedade.

É o nome da Universidade Federal do Pará, como uma instituição que promove essas ações e está acessível a todos”, conclui o professor.


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Letramento

Regime de ciclos impõe desafios Projeto analisa impactos do novo sistema no cotidiano escolar Marcus Passos

E Diferentes formatos textuais, como o impresso, o vídeo e as histórias em quadrinho, ampliam o repertório das crianças.

m fevereiro de 2006, foi sancionada pelo presidente da República a Lei n°11.274, que estabeleceu a duração mínima de nove anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. A partir daí, os municípios, os Estados e o Distrito Federal tiveram até 2010 para pôr em prática essa medida. Passados oito anos desde a implementação da lei, muito ainda se discute sobre as suas reais implicações no cotidiano escolar das crianças e dos adolescentes. O Projeto de pesquisa “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental

de nove anos e da inserção do laptop na Escola Pública Brasileira” tem como foco, justamente, essa questão. Elaborado em 2010 e vigente desde 2011, o projeto constitui-se em uma proposta interinstitucional entre membros da Universidade de São Paulo (USP), que assume a coordenação geral do programa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), que tem como coordenador local o professor Thomas Massao Fairchild, do Instituto de Letras e Comunicação (ILC). É objetivo da pesquisa criar, experimentar e discutir práticas e ideias que garantam a inserção das crianças na escrita e na leitura den-

tro do ensino fundamental estendido para os nove anos e da proposta do regime de ciclos de aprendizagem, observando também o descompasso entre o tipo de demanda que recai sobre a profissão de professor e aquilo que é oferecido na sua formação inicial. No novo regime, o ensino fundamental começa um ano antes, indo do 1° ao 9° ano. Diferente do sistema de séries, que compreendia da 1ª séria à 8ª série. “Este é um ponto sensível, pois a criança ingressa no ensino fundamental um ano mais nova. E ainda não há um currículo definido para o 1° ano – sendo reproduzidas as práticas do infantil ou adiantadas as da antiga primeira série”, afirma o professor.

Fotos Alexandre Moraes


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Para os críticos,ciclos podem ocultar problemas A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, afirma que a educação básica poderá se organizar em regime de ciclos, podendo os Estados, os municípios e as escolas adotaremno ou não. Nesse sistema, o ensino fundamental possui quatro ciclos: ciclo I (1 a 3 anos), ciclo II (4 e 5 anos), ciclo III (6 e 7), ciclo IV (8 e 9). Essa organização tende a evitar as rupturas e a fragmentação durante o percurso escolar, assegurando a continuidade do processo educativo tanto dentro do mesmo ciclo quanto na passagem de um ciclo para o outro. No entanto essa proposta é vista por alguns setores da sociedade como uma tentativa de ocultar o problema da repetência, da reprovação e da evasão. Nesse processo, os alunos só podem ser retidos no fim de cada ciclo. Isso coloca para a escola a necessidade de criar formas de trabalho que permitam acompanhar as crianças ao longo do ciclo. “Assim, há necessidade de criar soluções para as situações que surgem ao longo do processo. Por exemplo, como ensinar uma criança a ler no terceiro ano e seus colegas já leem? Além disso, é comum os professores se identificarem a uma ‘série’, por ela

Projeto quer trazer propostas para a formação de professores a partir das dificuldades enfrentadas nas salas de aula.

ter um currículo próprio. Enquanto o regime de ciclo significa que não há um currículo fechado para o primeiro, segundo ou terceiro ano”, enfatiza Thomas Fairchild. No projeto, há um preparo para a escrita. De uma parte, operações linguísticas necessárias para a compreensão da lógica alfabética, como a capacidade de separar mentalmente as palavras em sílabas, perceber semelhanças e diferenças sonoras que se desenvolvem em práticas orais. De outra parte, o contato com textos longos e complexos, com estruturas recorrentes das narrativas também pode se dar na fala, de modo que a oralidade desempenha um papel importante no trabalho

desenvolvido com a alfabetização. “O cerne do ensino envolve aquilo que o professor observa em primeira mão, ou seja, o desempenho e o progresso dos alunos. Na prática, o projeto traz algumas propostas que são novas, mas também incorporamos trabalhos que seriam considerados ‘tradicionais’ – como o ensino de caligrafia, o trabalho de ‘coordenação fina’ e, em alguns casos, a cópia e o ditado”, explica Thomas Fairchild. “O importante é fazer um enfrentamento dos dados, das demandas concretas com as quais a escola se depara e não exaltar uma metodologia ‘inovadora’ que supostamente funcione por si só”, avalia o professor.

Pesquisa foi realizada na Escola de Aplicação A pesquisa também utilizou ferramentas tecnológicas, o que, na visão de Thomas Fairchild, mostrou-se uma experiência interessante. Como exemplos, estão os programas para montagem de apresentações que combinam imagens, letras e sons e aqueles que servem para criar atividades e jogos. Além disso, com o computador, o projetor e as caixas de som, aumenta-se a possibilidade de transitar entre diferentes suportes de textos. “Conhecer diferentes versões de uma mesma história escrita, em quadrinhos e em vídeo, não é apenas diversificar o repertório da criança. É uma forma de mostrar que um texto resulta de escolhas, que, ao adaptar

um texto para outro formato, é preciso escolher o que será mantido, o que será suprimido, o que será acrescentado. Esse é, no fundo, o trabalho da linguagem – falar ou escrever é fazer escolhas, é decidir o que se vai deixar de dizer”. As atividades do projeto em Belém ocorrem na Escola de Aplicação da UFPA. De acordo com os resultados apresentados pela coordenação local, verificou-se que a maior parte dos alunos se alfabetizou no 1° ano do ensino fundamental. E alguns estudantes que terminaram o 2° ano apresentaram uma leitura autônoma, caracterizada pela leitura em silêncio, sem a ajuda do professor, de textos razoavelmente longos e complexos.

Nesse sentido, a pesquisa vem contribuindo academicamente ao “rever o currículo dos cursos de formação de professores, ao levantar questões com as quais os docentes convivem diariamente e não são discutidas. Normalmente se espera que a escola tome conhecimento do que se faz na universidade e se adapte. Consideramos necessário instituir também a via contrária. A importância do projeto está em promover que seja a escola a trazer algo para a universidade e exigir dela, a universidade, que se adapte e repense a partir do que acontece na educação básica”, conclui Thomas Fairchlid.


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Entrevista

Gunter Karl Pressler

“Literatura é mais verdadeira” Gunter defende o texto literário em comparação ao histórico Adolfo Lemos

Walter Pinto

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rofessor de Teoria Literária do Instituto de Letras e Comunicação da UFPA e autor de livro sobre a recepção de Walter Benjamin no Brasil e sua influência na formação da intelectualidade brasileira, Gunter Karl Pressler tornou-se um dos maiores especialistas na obra de Dalcídio Jurandir. Na UFPA desde 1996, ele tem se dedicado ao estudo da recepção da literatura e sua relação com a sociedade. Para este professor alemão interessado na cultura amazônica, a literatura é a forma mais completa de representar a realidade. Na entrevista abaixo, ele fala um pouco de seu trabalho com Dalcídio, das obras que fundaram a tradição literária na Amazônia, da relação entre História e Literatura, tece críticas ao modelo adotado na Feira Pan-Amazônica do Livro e diz por que não considera catastrófico o fim das leituras obrigatórias no vestibular da UFPA.

Primeiro contato Meu primeiro contato com a obra de Dalcídio Jurandir ocorreu no curso de Mestrado em Teoria Literária, na UFPA, quando um aluno me ofereceu o livro Três casas e um rio e perguntou-me se podia ser seu orientador. Depois de lê-lo, imediatamente me perguntei como aquele autor não era falado nos centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Logo percebi a estrutura narrativa particular daquele romance moderno, a complexidade do discurso entre narração e descrição. Fiquei deslumbrado diante de um autor esquecido e tratado como um regionalista menor. Então, comecei a me interessar por sua obra, sempre buscando enfocá-la

a partir da sua estrutura de romance moderno. Após me tornar professor efetivo da UFPA, entrei no Programa de Interiorização e tive a oportunidade de ministrar aulas em diferentes municípios paraenses. Aquela experiência colocou -me em contato com diferentes realidades culturais, o que me fascinou. Depois de oito anos na Amazônia, fiz meu

primeiro pós-doutorado, na Universidade de Constança, no sul da Alemanha, onde estudei a estética da recepção com o assistente de H.R. Jauss e de Wolfgang Iser, professor K.Stierle. Quando voltei, passei a me envolver mais ainda com cultura e com a literatura da Amazônia. O ponto de partida para esses estudos foi a obra de Dalcídio.

Dalcídio na Academica Dalcídio é, hoje, um autor canonizado no Pará, e dele se fala muito, mas continua sendo pouco lido. Não se pode aceitar a desculpa de que seus livros não estão disponíveis. Eles existem e estão circulando. Na Universidade, o resgate da sua obra ocorreu


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nos anos 1980 e articulou-se exatamente por ocasião dos 60 anos de Chove nos campos de Cachoeira, quando realizamos um evento, em 2001, aqui, na UFPA. Nos meios acadêmicos, ele vem sendo estudado, mas por meio de uma abordagem superficial, que está relacionada à ausência de um desdobramento teórico maior. Há que se analisar a obra dalcidiana no contexto da literatura brasileira e universal, dentro do que se chama romance moderno, o que não acontece. Isso revela uma certa deficiência na formação teórica dos pesquisadores. É o caso do chamado “círculo do extremo norte”, um conceito tornado canônico, mas nunca foi usado pelo próprio Dalcídio. Tal conceito ficou como marca, repetida sem qualquer rigor crítico. É necessário que se estudem mais os livros de Dalcídio, evitando-se, assim, a reprodução superficial do já dito. Evidentemente, isso requer uma formação teórica mais ampla de literatura, conhecimento de estrutura do romance moderno, da literatura de um Marcel Proust, de um James Joyce. Produzir estudos críticos sobre a interface entre história e literatura é mais complicado do que se imagina.

História da Amazônia Minhas pesquisas sobre a Amazônia começaram por um estudo comparativo entre o romance Ribanceira, de Dalcídio, e as Cartas de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador-geral do Grão-Pará e do Maranhão. Num dos volumes das Cartas, minha atenção foi direcionada aos desenhos da cidade de Gurupá, onde Dalcídio trabalhou em 1929. A partir daí, estabeleci um discurso entre as cartas do Mendonça Furtado e a história reconstruída pelo romancista. O resultado foi um estudo que chamei de A reconquista da

Região Amazônica pela colonização portuguesa. Foi em 1751 que teve início a Política Pombalina de reconquista da Amazônia pelos portugueses. Para dar cabo da tarefa, o Marquês de Pombal enviou à Amazônia seu irmão, Mendonça Furtado, juntamente com uma comissão internacional. Em 1753, Mendonça Furtado começou uma viagem que duraria três anos, partindo de Belém até Barcelos, não encontrando espanhóis em terras amazônicas. Nas cartas que enviou ao irmão, ele descreveu o estado em que encontrou vilas e aldeias por onde perlustrou. Pude, então, estabelecer um nexo com a narrativa de Dalcídio Jur a n d i r, e m Ribanceira, na qual descreveu a situação de ruína do forte e da cidade de Gurupá, ressaltando o desleixo da politica pública na Amazônia, nas primeiras décadas do século XX.

os desejos, o imaginário, coisas que não estão nos documentos.

Os pioneiros O primeiro romance amazônico, Simá, publicado em 1857, foi escrito por um baiano, Lourenço da Silva Araújo Amazonas. Trata-se de um romance histórico que se passa nos rios Negro e Solimões. Resgata as causas das revoltas de Lamalonga e Cabuquena, acontecidas em 1757. Naquele mesmo ano, também foram publicados os romances O Guarani, de José de A l e n c a r, e Madame Bovary, de Flaubert. Apesar de fundar a literatura na Amazônia, Simá simplesmente não aparece na história da literatura brasileira. Outra obra ausente é o poema épico Muhuraida, de Henrique João Wilkens. O poema foi publicado em 1819, em Portugal. Somente em 1960, Muhuraida foi resgado e publicado no Brasil.

“Dalcídio é um autor canonizado no Pará, mas continua sendo pouco lido”

Literatura e História Aristóteles disse que a literatura é mais verdadeira que a história. A história segue modelos e, ao se dedicar aos acontecimentos do passado, reduz o passado porque introduz na sua análise uma visão ideológica, política. Então, o que a história nos apresenta é uma ficção produzida por uma comunidade acadêmica política nacional, que faz uma leitura do passado em função do presente, do interesse do Estado, da Nação, do grupo dominante. A literatura não tem esse compromisso todo e, por ser livre, é mais verdadeira. Ela inclui a totalidade da vida,

Literatura e identidade Até hoje, a questão da conceituação da literatura amazônica não está resolvida. Existem os conceitos de literatura amazônica, literatura de expressão amazônica, literatura da Amazônia. Há, inclusive, dentro desses conceitos, subdivisões que remetem à literatura paraense, à literatura amazonense, à literatura acreana. Mas, qual seria a diferença da literatura amazonense para a paraense? Creio que nenhuma. Toda literatura feita em território do Brasil é literatura brasileira. Existe uma diferença entre mapa e

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território real. No Brasil, as regiões têm características próprias por causa da geografia e das situações históricas e políticas. No Nordeste, a seca e o sertão árido estão expressos na cultura como em nenhuma outra cultura regional. Na Amazônia, há a particularidade da água e da floresta, o rio como rua. São essas particularidades culturais e as referências históricas, que constituem a chamada literatura brasileira.

Feira Pan-Amazônica Na Amazônia, os autores de um Estado raramente são conhecidos em outros Estados. Penso que a Feira poderia ser uma possibilidade de se fazer uma política de unir os Estados amazônicos, um momento para se ver a representação da sua reprodução cultural. Um segundo momento seria envolver os países pan-amazônicos. Somente depois se deve pensar na Itália, no Japão, no Qatar. Penso que o melhor seria fazer uma feira bienal, porque não há produção literária em escala suficiente para uma feira anual. Se você trabalhar só com os autores paraenses, verá que logo não haverá quem homenagear. Este é um outro motivo para que se estenda a Feira aos outros Estados da região.

Leitura obrigatória Graças a Deus, não existe mais leitura obrigatória no Processo Seletivo da UFPA. É um prazer trabalhar com aluno que gosta de ler e não com quem é obrigado a ler. Até hoje me lembro de um exemplo na sala de aula quando um aluno reclamou do tamanho do livro. Portanto, não gosto de trabalhar com alunos que não estão abertos à leitura. É algo que deve partir deles como um impulso. Se assim não for, não será a obrigação que conseguirá torná-los leitores.


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Tecnologia

RPG digital facilita alfabetização Game ajuda crianças com dificuldades de aprendizagem Acervo do Pesquisador

Brenda Rachit

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o aprender a ler e escrever, a criança potencializa a comunicação e exercita a imaginação de forma mais ampla. Mas esse processo pode acontecer tardiamente quando a criança apresenta dificuldades de aprendizado. Esse quadro interfere diretamente em sua capacidade de raciocínio, além de comprometer o desenvolvimento de sua linguagem falada e escrita. A introdução do lúdico no processo de aprendizagem é um apoio fundamental para que a criança consiga superar suas dificuldades. Para isso, é ne-

cessária a inclusão de métodos inovadores de ensino. O pesquisador Elton Sarmanho Siqueira

produziu a Dissertação ALE RPG Jogo Digital para Aprendizado de Crianças em Leitura

e Escrita, em que desenvolveu um jogo digital que contribuiu para a melhoria no desempenho escolar de crianças com dificuldade de aprendizado. O trabalho, orientado pela professora Dionne Cavalcante Monteiro, foi apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação, no Instituto de Ciências Exatas e Naturais (ICEN) da UFPA. Desde a graduação, Elton Sarmanho já optava por pesquisas na área de Computação Gráfica, relacionadas à modelagem de ambientes 3D, visualização de informação e jogos digitais. Isso o levou a aprofundar de forma mais específica o tema.

Desafios estimulam a curiosidade e motivam os alunos Em 1980, foi implantado no Brasil o Programa de ensino “Aprendendo a Ler e Escrever em Pequenos Passos” (ALEPP). Esse programa utiliza métodos de ensino visual e auditivo e foi aprimorado com a inserção de novas tecnologias. Porém algumas crianças não se mostravam motivadas a realizar as tarefas propostas pelo programa. O A LEPP te v e s u a v e r sã o

informatizada chamada de Gerenciador de Ensino Individualizado por Computador (GEIC), um sistema criado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Nesse contexto, o trabalho de Elton Sarmanho apropriou-se das tarefas e dos procedimentos de ensino do GEIC, aprimorando-os de forma a tornar o aprendizado mais atraente. Na fase

de testes, 63% dos alunos optaram exclusivamente pelo ALE RPG. O jogo foi projetado com o apoio de psicólogos, pedagogos e profissionais da área da Educação da UFSCAR e da UFPA. “Eles nos ajudaram a melhorar algumas questões do jogo, até que ele ficasse estável”, explica o pesquisador. O game contém desafios que estimulam

a curiosidade e motivam as crianças a aprenderem o conteúdo necessário para o processo de leitura e escrita. Somente após a conclusão de 85% do projeto, foram realizados os testes com as crianças. Foram avaliadas questões comportamentais e de desempenho entre 19 alunos de uma escola pública de São Carlos (SP), com faixa etária entre oito e 12 anos.

Para seguir jogando, a criança deve ler corretamente Elton Sarmanho escolheu o motor do jogo, ou motor gráfico, também conhecido como game engine, que seria uma biblioteca ou pacote de funcionalidades para desenvolvimento de jogos. O game engine escolhido foi XNA, desenvolvido pela Microsoft. Esse motor abrange um conjunto de tarefas que facilita o trabalho com animações, sons, inteligência artificial, texturas, ce-

nários e outros elementos para funcionamento do jogo. O pesquisador enfatizou características do RPG (Role Playing Game), definido como um jogo de interpretação de personagens. O RPG possibilita ao jogador a vivência do conteúdo e a experimentação, pois o personagem evolui e ganha experiência a cada etapa concluída. O enredo consiste no desafio de preencher um álbum

de figurinhas. O jogador dialoga com os personagens do cenário. Esses personagens são animais que pedem para o personagem realizar algumas tarefas. Ao concluí-las corretamente, ele é recompensado com moedas de ouro e acessórios. No decorrer do diálogo, ocorrem as atividades didáticas que consistem em tarefas de ensino, as quais ajudam a criança a ler e escrever de forma

correta. Além disso, o diálogo é construído sem texto, somente com imagens para que a criança se esforce em interpretar a situação atual do jogo. Segundo a pesquisa, o jogo exercita a resolução de conflitos, incentivando a criatividade e a desenvoltura do jogador. Os objetivos e desafios motivam a criança a aprender. Todas as tarefas aprimoram seu desenvolvimento cognitivo.


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Bragança

Relações de trabalho em Bacuriteua Prática do aviamento ainda é comum entre patrões e catadores Alexandre Moraes

Amanda Pinho

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om o aumento da procura e da pressão mercadológica sobre os produtos vindos do mangue, estudos que propõem a problematização e a compreensão das relações sociais e dos modos de emprego ligados à coleta do caranguejo tornam-se cada vez mais relevantes. Foi nesse contexto que o pesquisador Marcelo do Vale Oliveira desenvolveu a Dissertação Trabalho e territorialidade no extrativismo de caranguejos em Pontinha de Bacuriteua, Bragança-Pará, sob orientação da professora Maria Cristina Alves Maneschy. A pesquisa foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Ambiental (PPGBA) do Instituto de Estudos Costeiros (IECOS), da Universidade Federal do Pará (UFPA). “O objetivo da dissertação foi analisar como os tiradores de caranguejos se

apropriam dos territórios. Para isso, examinamos as condições e as relações de trabalho, suas percepções sobre o caranguejo e o ecossistema de manguezal, e como seus agentes regulam o acesso às áreas de captura nos manguezais”, explica Marcelo

Oliveira. A pesquisa observou um grupo de dez tiradores de caranguejo e buscou, também, proporcionar maior visibilidade social aos trabalhadores da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, em Bragan-

ça. Segundo o pesquisador, “a seleção da comunidade se deu pelo seu destaque entre as comunidades da península bragantina, com maior número de tiradores em atividade e sua grande produtividade”. Além disso, o professor Ipojucan Campos, da Faculdade de História da UFPA, já tinha contato com os tiradores de caranguejo, o que facilitou o acesso à comunidade. Segundo Marcelo Oliveira, foram “escolhidos homens adultos, experientes, que se consideram profissionais do ramo, do qual tiram o sustento familiar”. O acompanhamento desses trabalhadores ocorreu entre julho de 2011 e novembro de 2012. Nesse período, foram realizadas 36 entrevistas e a observação participante. “Levantei dados sobre a trajetória ocupacional, o trabalho, as escolhas dos locais de captura e sua repartição entre grupos diferentes de tiradores”, explica Marcelo.

O espaço é de todos, até que alguém chegue primeiro O principal resultado da pesquisa aponta para uma dupla representação dos catadores de caranguejo sobre a divisão de território no mangue. Em constante alternância, a primeira representação é que o manguezal não tem donos, podendo ser explorado igualmente por todos, ou seja, “é de todo mundo”. A segunda representação, por sua vez, aponta para uma apropriação territorial momentânea, na qual já se verificam restrições de acesso, assim como regras na utilização de áreas específicas. “O direito temporário a esse território dura o tempo que, efetivamen-

te, o grupo está explorando os recursos naturais da área, podendo ser diário ou apenas algumas horas. Nesse sentido, o manguezal ‘é de quem chegar primeiro’”, sendo que há coexistência e fluidez entre essas representações, explica o pesquisador. Ainda jovens, esses homens são inseridos nesse ofício por conta da necessidade de complemento à renda familiar e da falta de oportunidades de emprego. Em sua maioria, os entrevistados afirmam ter iniciado no ramo entre 11 e 17 anos. Eles se consideram especialistas, mas realizam atividades complementares, como pesca

e trabalhos agrícolas. A pesquisa revela, ainda, que “esses tiradores detêm um conhecimento elaborado sobre o ambiente em que atuam, incluindo os ciclos biológicos do caranguejo, as fases lunares e as marés, que influenciam na organização e nas técnicas de captura”, diz Marcelo. Trabalho desvalorizado - As relações de trabalho observadas pela pesquisa são alicerçadas na prática do aviamento, na qual os patrões e os marreteiros estabelecem relações com os catadores, tornando-os fornecedores leais por meio do adiantamento de pequenas

quantias. “Essa prática é reforçada por noções de ‘ajuda’, segundo princípios de dádiva e reciprocidade, a partir de um ‘contrato verbal’”, afirma Marcelo. A pesquisa aponta para uma discrepância entre o valor recebido pelos trabalhadores do manguezal e o valor obtido pelos patrões. “Observamos que o preço da cambada (14 caranguejos vivos) é definido pelo patrão, sem interferência do tirador, e os marreteiros e patrões auferiam ganhos de pelo menos três vezes acima do que foi pago aos tiradores, por cambada”, revela o pesquisador.


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Entrevista Pesquisa

Alexandre Moraes

Novos olhares sobre o espetáculo Auto do Círio é tema de artigos, TCCs, dissertações e teses Alexandre Moraes


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Marcus Passos

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concentração começa em frente à Igreja do Carmo. Milhares de pessoas aguardam o início da apresentação. O cortejo inicia-se, segue rumo à Igreja da Sé, passa pela Igreja de Santo Alexandre e concentra-se entre os

Palácios Lauro Sodré e Antônio Lemos, local da apoteose. Seguindo o roteiro acima, o Auto do Círio percorre as ruas da Cidade Velha, na sexta-feira que antecede a procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Em sua 20ª edição, o espetáculo “caminhante” segue reafirmando uma de

suas propostas, a valorização do patrimônio arquitetônico e cultural da cidade. Idealizado em 1993, pelas professoras Zélia Amador de Deus e Margaret Refkalefsky, o projeto contou com a direção do teatrólogo Amir Haddad, que ficou no comando do espetáculo até 1995. Nesses

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20 anos de existência, o Auto do Círio serviu como objeto de pesquisa acadêmica por diversas instituições de ensino. O projeto de caráter extensionista, articulado com o ensino e a pesquisa, embasou artigos, monografias, dissertações e teses, confirmando-se como um rico campo de estudos.

Trabalho de Conclusão de Curso analisa carnavalização Em 2008, o pesquisador Eduardo Wagner defendeu, na Faculdade de Artes Plásticas, o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado O Auto do Círio: a carnavalização imagética do espetáculo, sob orientação do professor Miguel Santa Brígida. “A carnavalização é um espírito festivo que está pre-

sente nas práticas culturais. E carnavalização imagética é o conceito referente à visualidade das escolas de samba que delinearam a identidade visual e espetacular que o Auto do Círio possui”, explica Eduardo Wagner. O trabalho contou com o conceito de carnavalização extraído da obra de Mikhail

Bakhtin e também utilizou como referência Michel Maffesoli e Felipe Ferreira. Teóricos do campo da Semiótica também foram usados para discutir os conceitos de imagem, signo e símbolo. Todo esse referencial ajudou na definição da carnavalização imagética como um processo de assimilação de elementos visuais das escolas

de samba pelo Auto do Círio. “Ao estudarmos o espetáculo, conhecemos também as relações sociais, culturais e históricas mantidas no contexto da cidade. A cultura popular possui uma rica gama de caminhos que nos levam à pesquisa, e o Auto do Círio é uma prova disso”, enfatiza o pesquisador.

O exagero, as cores e as texturas caracterizam figurino No ano de 2010, a direção geral do Programa de Extensão da Escola de Teatro e Dança da UFPA passou para as mãos do professor Beto Benone. Três anos depois, esse envolvimento com o Auto do Círio culminou na produção da Dissertação Três vestidos fazem pra se apresentar: um estudo sobre o vestir no espetáculo o Auto do Círio, sob orientação da professora Ana Karine Jansen de Amorim e coorientação da professora Carmem Izabel Rodrigues. Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes,

a pesquisa teve por objetivo “estudar o espetáculo a partir de uma análise da visualidade, que é algo riquíssimo de significações durante o cortejo, e verificar o que as significações representam para o ator e o espectador nas suas relações de afetividade com os processos de criação”, revela Beto Benone. Ao longo do trabalho, o autor propõe-se a analisar um novo conceito chamado de “figurino-fantasia”. Sua concepção refere-se a um hibridismo entre o figurino e a fantasia que se deslocam de um espaço-tempo

para outro momento qualquer, exercendo a função de figurino dentro de um determinado espetáculo. O “figurino-fantasia” é pensado e concebido a partir de referências carnavalescas. No Auto do Círio, o artista está livre para criar e recriar a partir de seus referenciais. A pesquisa também revela que as principais marcas desse vestir são as misturas de cores, o exagero e as texturas. Isso estabelece laços com o trabalho do autor, que vive o momento real ou imaginário para uma única apresentação,

que fica registrada na memória da cidade, por meio do canto, da dança e do impacto visual desse vestir. De acordo com Beto Benone, as produções acadêmicas sobre o Auto do Círio permitem aos artistas registrarem os seus processos criativos. “Esses trabalhos são significativos para a história artística e para a divulgação de ideias e pensamentos. Por isso, esse espetáculo é uma caixa de surpresas recheada de caminhos para desembocar em vários estudos da Arte”, finaliza o professor.

leia Mais MARCELIANO, Ana Carolina. O Auto do Círio – Pavilhão de Flora: Performance da memória. Ensaio Geral, Edição Especial, Belém, v. 5, n. 9, 2013. MOREIRA, Francisco Edilberto Barbosa. Três vestidos fazem pra se apresentar: um estudo

sobre o vestir no espetáculo o Auto do Círio. 2012. 116f. Dissertação (Mestrado em Artes). Instituto de Ciências da Arte, Universidade Federal do Pará, 2012. SANTA BRÍGIDA, Miguel de. O auto do círio: drama, fé e car-

naval em Belém do Pará. 2003. 200 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas). Escola de Dança, Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, 2003. WAGNER, Eduardo. O Auto do Círio: A Carnavalização Imagé-

tica do Espetáculo. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso. Instituto de Ciências da Arte, Licenciatura Plena em Artes Plásticas, 2008. *Todos os trabalhos estão disponíveis na Biblioteca do ICA


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Gênero

Entre família, amigos e vizinhos Rede social ajuda mulheres a exercerem seus múltiplos papéis Acervo do Pesquisador

A pesquisa foi realizada com trabalhadoras que praticam a criação de abelhas sem ferrão e o extrativismo do açaí.

Marcus Passos

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a conquista do direito de frequentar as Instituições d e E n s i n o S u p e r i o r, e m 1879, até a eleição da primeira mulher presidente do Brasil, em 2010, inúmeras questões foram postas em debate a respeito do universo feminino, no âmbito da sociedade brasileira. Temas como gênero, trabalho, ambiente fami-

liar e posição social entraram no roteiro de análise do corpo civil. Para incrementar esse debate, uma investigação pioneira proposta pela pesquisadora Neuzeli Maria de Almeida Pinto buscou trabalhar esse fenômeno entre mulheres de classes populares. Os resultados estão na Tese As Redes de Apoio Social e as Relações de Trabalho de Mulheres em Comunidades Rurais do Maranhão e

Ribeirinhas da Região Amazônica, defendida pela pesquisadora, no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, da Universidade Federal do Pará, sob a orientação dos professores Fernando Pontes e Simone Silva. O estudo teve como objetivo identificar como se organizam as redes de apoio social entre mulheres que praticam a meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão) e mulheres ribeirinhas extrativistas de açaí. “A atuação e participação das mulheres nos contextos em que estão inseridas interferem nas decisões familiares, na formação das redes de apoio social, na participação ativa do trabalho, além da criação e atuação nos movimentos comunitários como um beneficio mais amplo para toda a comunidade”, diz a pesquisadora. As comunidades que serviram de base para o estudo foram as Ilhas da Belém Insular (Ilha do Combu e Ilha Grande) e as localidades do município de Belágua (Preazinho e Marajá), situadas no nordeste maranhense.

Além de mães e esposas, também trabalhadoras As redes de apoio social revelam-se como um fator importante para a manutenção e estruturação das atividades desenvolvidas pelas mulheres nas comunidades estudadas. Assim, o apoio dos familiares, amigos, vizinhos e grupos de trabalho torna-se fundamental para a existência dessa rede. Segundo a pesquisadora, “a participação das mulheres nessas redes garante o exercício da atividade da meliponicultura e da coleta do açaí e, consequentemente, a ocupação e a renda para a sobrevivência das famílias, além de serem determinantes para definir as funções de gênero no âmbito familiar e a atuação nas associações comunitárias”.

Alguns fatores favorecem a presença dessas redes nas comunidades. Por exemplo, não há acúmulo de atividades, com isso, o tempo livre das mulheres é dedicado ao contato com outros membros da família. O fato de o trabalho estar estabelecido ao redor das residências também facilita a existência dessa rede de suporte social. Geografia – No interior do Maranhão, “a atividade da meliponicultura funciona como mediadora no acesso às novas ações e no direcionamento do trabalho produtivo das mulheres”, diz Neuzeli Almeida. Nas comunidades ribeirinhas, a autora observou que “as mulheres têm, na coleta do açaí, uma melhor

expectativa de sobrevivência e qualidade de vida”. A pesquisa também aborda a multiplicidade de papéis executados pelas mulheres. “As transformações na sociedade acarretaram alterações no papel social da mulher. Ao antigo modelo de mãe e esposa, foi acrescido o de trabalhadora. Assim, percebe-se que as mulheres ainda são as principais responsáveis pelas atividades domésticas e pelo cuidado com os filhos e familiares”, revela a autora. Nesse sentido, as redes de apoio social vêm facilitar o exercício dessa multiplicidade de papéis, tornando-se crucial para a sustentação dessa estrutura.


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Pós-graduação

Direito comprova excelência Estudo indica compromisso do Programa com a inclusão social Walter Pinto

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urante o período de 2005 a 2009, a Fundação Carlos Chagas, com apoio da Fundação Ford, desenvolveu um programa que ofereceu condições para que os Programas de Pós-Graduação em Direito pudessem incorporar os direitos humanos como objeto de suas pesquisas. Das oito propostas inscritas no edital, três foram selecionadas: a da Universidade de São Paulo, a da Universidade Federal da Paraíba e a da Universidade Federal do Pará. Após quase uma década do lançamento do edital, as Fundações Carlos Chagas e Ford consideraram oportuno realizar um estudo retrospectivo de avaliação para verificar o desenvolvimento e os possíveis desdobramentos dos

programas incentivados até o ano de 2009. Os resultados do estudo foram apresentados em seminário realizado em Belém, em setembro passado. A metodologia utilizada pela equipe que realizou a avaliação – formada pelas pesquisadoras Sandra Unbehaum (coordenadora), Ingrid Viana Leão e Camila Magalhães – envolveu coleta e leitura de documentos sobre os programas, os currículos e as ementas das disciplinas dos cursos em realização; os Currículos Lattes dos docentes e discentes; o levantamento de dissertações defendidas até 2011; o diálogo do Direito com outras ciências; os dados sobre matrículas e defesas, entre outras informações. Em seguida, foram realizadas entrevistas com os coordenadores e professores dos

programas, com aplicação de questionário on-line. Uma das conclusões da avaliação ressalta que, na UFPA, desde a criação do Programa de PósGraduação em Direito Público, em 1983, a abordagem relacionada aos direitos humanos sempre permeou o ensino e a pesquisa. Mas foi somente com o edital de 2003 que os Direitos Humanos se tornaram uma área de concentração. As pesquisadoras que realizaram o estudo esclareceram que, apesar de os Programas da USP, UFPB e UFPA disporem de doutorado, o foco prioritário foi dado aos cursos de Mestrado em Direitos Humanos. Considerando o período delimitado para o estudo (2005 a 2011), o PPGD/UFPA liderou em número de dissertações, com 83 defesas contra 61, da UFPB, e 31, da USP.

Perspectiva é consolidar a internacionalização Os principais resultados da avaliação ressaltam a excelência do PPGD/UFPA, compatível com a nota 5 obtida em avaliação da Capes, no período assinalado. Segundo as pesquisadoras, os programas das três instituições corresponderam às “expectativas do edital, sobretudo no que diz respeito ao diálogo com outras áreas do conhecimento, tanto por meio de um processo seletivo que permite candidatos não juristas como por meio do envolvimento de professores externos à Faculdade de Direito, com formação em outras áreas das Ciências Humanas”. A antropóloga Jane Beltrão, por exemplo, é professora permanente do PPGD/UFPA. Outro ponto ressaltado foi a “adoção de Medidas de Inclusão Social no processo seletivo e a concessão de bolsas de pesquisa aos mestres em Direitos Humanos”. A inclusão social, segundo Sandra Unbehaum, é um ponto ainda considerado tímido nos Programas de Pós-Graduação, mas chama atenção a sensibilidade do PPGD/UFPA, que “teve o cuidado de pensar uma ação específica para a inclusão dos indígenas, criando um processo específico para eles, que previa, inclusive, a concessão de bolsa”. quanto à Linha de Pesquisa Direitos Humanos e Meio Ambiente, do PPGD/UFPA, a avaliação destaca o foco para os conflitos sociais, as questões ambientais e a proteção dos povos tradicionais, que fortalecem discursivamente as lutas políticas.

O estudo destacou a relação dos discentes do PPGD/UFPA com o setor público, oportunizando elementos importantes para a prática dos direitos humanos em carreiras públicas. Outro ponto ressaltado foi o empenho do programa em buscar a internacionalização, inclusive sendo “um dos responsáveis pela criação, em 2007, do Consórcio Latino-Americano de Pós-Graduação em Direitos Humanos, cujo objetivo é a articulação das experiências de ensino e pesquisa em Direitos Humanos na América Latina”. Para o coordenador do PPGD/UFPA, Girolamo Domenico Treccani, é fundamental que todo curso lance um olhar para si mesmo, na busca de entender a sua realidade e a sua história. “A reflexão que nos foi trazida mostra que o Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA, do Instituto de Ciências Jurídicas, é um dos poucos do Brasil que tem como linha fundamental a defesa dos direitos humanos e está dando certo”, afirma.

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Opinião Acervo Pessoal

Engenharia de Pesca: importância para a Amazônia

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Alexandre Moraes

s regiões geográficas brasileiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) foram colonizadas e desenvolvidas historicamente de modo muito diverso. A Região Norte (Amazônica) - legalmente incluindo territórios de cinco países (Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Venezuela) - apresenta lógicas diferentes de produção, competição, assalariamento, consumo e de formação intelectual, todas, no entanto, ligadas por apenas duas línguas, de alegre identidade cultural, e poderes políticos que, embora diversos, se mostram atualmente capazes de costurar pactos entre as elites oligárquicas, no sentido da manutenção da unidade regional. Em verdade, somos muito diversos e qualquer política de desenvolvimento científico-tecnológico deve levar em conta esse aspecto. Os problemas socioeconômicos das Regiões Norte ou Nordeste não são exclusivos. São problemas do País e as lideranças políticas, econômicas e intelectuais precisam atuar num projeto de integração comum, como o Plano Nacional de Desenvolvimento, também chamado como Plano de Metas, que tinha o célebre lema “cinquenta anos em cinco”, democraticamente esboçado na década de 1950, por Juscelino Kubistchek. Além de premiar o mérito já instalado, é necessário induzir o surgimento do mérito em outras áreas do conhecimento, em diferentes regiões geopolíticas. Nas décadas de 1964 a 1983 (anos de governos militares no Brasil), foi esboçado um outro projeto comum, porém autoritariamente e para atender interesses, sobretudo, externos. O projeto comum a que nos referimos necessita ser interna e democraticamente pactuado, conter projetos regionais que definam dispositivos revistos e permanentemente atualizados, como aquele apresentado pelo economista Celso Furtado, na vigência política da 1ª Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). A atualização é necessária, porque o sonho da primeira não contemplava os desafios da Ciência e da Tecnologia, que viriam impor-se, basicamente, a partir dos anos 1970, ficando o Brasil na contramão da história. A profissão do engenheiro de pesca

encontra respaldo nas prerrogativas da Lei Federal nº 5.194/66, que permitiu ao Conselho Federal da Engenharia e Agronomia - CONFEA legislar e deliberar a Resolução nº 279, em 15 de junho de 1983, regulamentando a profissão. O ofício está incluído no campo das Ciências Agrárias e dedica-se ao cultivo, captura e industrialização de pescado marinho e de água doce. Os cursos de Graduação em Engenharia de Pesca surgiram como decorrência da pressão de mercado, em resposta ao desenvolvimento crescente da indústria pesqueira no Brasil, notadamente a partir da 2ª metade da década de 1960. O marco dessas iniciativas ocorreu em 1970, com a implantação do primeiro curso de Engenharia de Pesca na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), ao qual se juntaram mais 22 outros cursos (atualmente 23), o mais jovem deles é o do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), no Campus de Cabedelo. Os cursos têm por objetivo promover a formação técnico-científica para desenvolvimento e aplicação de métodos e técnicas de localização, captura, beneficiamento, conservação, produção, sanidade e reprodução de organismos aquáticos. Atualmente, encontram-se representados em 15 dos 17 Estados costeiros brasileiros, com marcado e natural desequilíbrio na concentração regional: Norte (Pará e Amapá), Sul (Santa Catarina e Paraná), Sudeste (São Paulo e Espírito Santo), Nordeste (Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão). Há também representação em dois Estados interiores, ambos na Região Norte (Amazonas e Rondônia). Segundo a Federação das Associações dos Engenheiros de Pesca do Brasil (FAEP-Br), estes cursos graduaram, até 2013, mais de 5 mil engenheiros de pesca, 75% deles oriundos das instituições pioneiras, como a UFRPE e a Universidade Federal do Ceará (UFC). Por sua vez, os dados oficiais de 2014, do CONFEA, apontam apenas 1.694 engenheiros de pesca registrados na entidade de classe. A compreensão da importância da Pesca e da Aquicultura como um veículo de produção de proteína em larga escala para a sociedade, o respeito intransigente para com o defeso (período de reprodução das espécies), a importância da organização da categoria profissional em associações e sindicatos, a fiscalização rigorosa de empresas e profissionais do setor pesqueiro, o cuidadoso registro e a manutenção das marcas e patentes são desafios a serem alcançados, para a continuidade do desenvolvimento humano livre, solidário, justo, autônomo e crítico. Enfim, a rica e deslumbrante Amazônia está aí e os profissionais da Engenharia de Pesca podem ajudar a desenvolvê-la, preservá-la e/ou conservá-la, pois detém uma relevante função socioeconômica e ambiental. Dioniso de Souza Sampaio - Engenheiro de Pesca e professor do Instituto de Estudos Costeiros da UFPA. sampaio.ds@gmail.com


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A História na Charge

Em Tempo Prêmio I

Prêmio II

Prêmio III

O professor Rômulo Simões Angélica, do Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica (PPGG) e da Faculdade de Geologia da UFPA, recebeu a Medalha de Ouro Henry Gorceix, destinada aos profissionais que se destacaram pela excelência na formação de recursos humanos nas Geociências. A premiação ocorreu durante o 47º Congresso Brasileiro de Geologia.

Na ocasião, o geólogo Patrick Araújo dos Santos recebeu o Prêmio Fernando Flávio Marques de Almeida, que homenageia o autor do melhor artigo de Geologia publicado em periódico nacional, indexado nos dois últimos anos que precedem ao ano da realização do congresso. O artigo é resultante da dissertação de Patrick Santos, concluída no PPGG/UFPA.

O bacharel em Direito Paulo Arthur Cavalcante Koury, recém-formado pela UFPA, foi o vencedor do Prêmio Silvio Meira – Ano 2013, outorgado pelo Instituto Silvio Meira àquele com o melhor desempenho geral do Estado, em todo o curso jurídico, ao longo da graduação. Paulo Arthur receberá bolsa integral para realizar estudos de pós-graduação em Portugal.

Ranking

Pesquisa

Academia

A UFPA ficou em 29ª colocação no Ranking da Folha de São Paulo, que avaliou 192 instituições de ensino. Entre os cursos de graduação, Biomedicina, do Instituto de Ciências Biológicas, foi o melhor classificado, em 7º lugar. Os itens avaliados foram pesquisa, inovação, ensino, mercado e internacionalização. O Ranking da Folha foi divulgado em setembro.

A Secretaria de Estado de Cultura de Portugal está disponibilizando arquivos para pesquisa com dados referentes a personalidades cujas biografi as, produção artística ou atividade política estão sob a guarda da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Para mais informações, acesse o link http:// arquivos.dglab.gov.pt/

Os professores Jerônimo Lameira Silva (química/Biotecnologia), João Vital da Cunha Júnior (Física), Cleidson Ronald Botelho de Souza (Ciência da Computação) e Nils Edwin Asp Neto (Oceanografia Física) foram empossados como membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC). A entidade não tem fins lucrativos e seu foco é o desenvolvimento científico do País.



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