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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2010

Entrevista

“Devemos ter um respeito escrupuloso com a diversidade”

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 79 • Janeiro, 2010

Mácio Ferreira

UFPA pesquisa câncer gástrico

Antonio Silva: "nossa missão é promover a equidade na formação universitária"

Beira do Rio – Qual a importância da cátedra para o intercâmbio cultural entre o Brasil e os países africanos? Antonio Correia e Silva – É uma medida de grande alcance, que vai beneficiar as relações acadêmicas centradas na temática africana. Agora, a cátedra pode ser usada para ações de extensão e dará aos estudos africanos uma nova visibilidade. Beira do Rio – Existem outros projetos de intercâmbio com outras universidades brasileiras? A.C.S. – Com certeza. O Brasil é uma referência no ensino. Nós temos uma parceria ampla e forte com algumas instituições, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com quem nós temos cursos de pós-graduação realizados em Cabo Verde e com professores cabo-verdianos como tutores, o que, para nós, é fundamental, pois permite investir na capacitação de docentes. Ainda temos parcerias com as Universidades Federais da Bahia e do Ceará e com a Universidade Estadual Paulista. São essas instituições que fazem parte do nosso rol de amigos no Brasil.

fizemos vários estudos, encomendamos outros e o nosso diagnóstico é que muitos candidatos não irão demandar um curso de graduação, mas cursos profissionalizantes, pois eles geram mais oportunidades de emprego. No início, essa proposta foi recebida com alguma estranheza pelo Ministério da Educação e pela sociedade – diziam que a universidade deveria oferecer, apenas, cursos de graduação e de pós-graduação. Alguns diziam que outra instituição deveria ofertar os cursos profissionalizantes. Mas é preciso pensar nas condições do nosso país. É mais fácil investir na estrutura que já existe do que criar outra, com todos os custos que isso implicaria. Quando criamos esse produto acadêmico, ficamos na expectativa, mas a juventude aderiu e os cursos têm tido muita procura. Esse é um sinal de que a juventude vê a educação não só como um bem de prestígio, mas também como um bem que viabiliza o seu projeto de vida. Há, aqui, um movimento de mudança em termos de mentalidade. E a universidade tem que estar na vanguarda, não pode ficar refém do passado.

"A liberdade, a autonomia, tudo se conquista na pós-graduação"

Beira do Rio – Qual o papel da Escola de Negócios e Governação? A.C.S. – O projeto é uma “coqueluche” na universidade. Cabo Verde é um país bem genuíno, conhecido internacionalmente pelo padrão da boa governança. E nós queríamos que houvesse uma escola que continuasse a formar os administradores públicos. Para criar o modelo econômico autossustentável, precisamos formar gestores, então, criamos uma escola que reúne a administração pública

e a privada, seguindo o pressuposto de que essas duas áreas não são mais dicotômicas, mas se encontraram e, hoje, são complementares.

em várias ilhas. Nós somos um país com desafios enormes: temos quatro mil quilômetros quadrados, não temos meio milhão de habitantes, não temos base agrícola e precisamos, urgentemente, produzir e dar um salto. Em 35 anos de independência, somos um país alinhado internacionalmente pela boa gestão, pela democracia, pelos direitos humanos, pelo investimento na educação, mas que precisa dar um salto em termos econômicos, pois continua a viver do transporte aéreo, das remessas de migrantes e da ajuda pública da Nova Guiné. Precisamos criar um modelo de desenvolvimento autossustentável.

Beira do Rio – Há seis meses, uma nova equipe de gestores tomou posse. Quais são os principais projetos dessa equipe? A.C.S. – Vamos iniciar um novo ciclo. Passaram os primeiros anos, quando precisávamos colocar a universidade para funcionar, mesmo em condições muito precárias. Hoje, a nova equipe tem o papel de consolidar a universidade. Avançamos na pós-graduação com o apoio de vários parceiros. Agora, é preciso começar a produzir de forma independente. Beira do Rio – O continente africano Precisamos consolidar a pós-graduação, é sempre visto como um “todo”, sem pois é aí que a universidade se autoconsque sejam discutidas as diversidades titui. A liberdade, a autonomia, tudo se econômicas e socioculturais entre os conquista na pós-graduação. Quando já seus países. O que a universidade tem é possível fazer pós-graduação, significa feito para modificar esse olhar? que a universidade atingiu a maioridade. A.C.S. – Nós temos incentivado o A reforma curricular na graduação tamconhecimento mútuo entre as sociedabém é necessária. Estamos formatando des. No acordo que fechamos com a os cursos, dando maior racionalidade aos Universidade Federal do Pará, há um currículos e propiciando o diálogo com ponto importante, que é a circulação outros sistemas de enside agentes culturais para no, o que irá propiciar que, pela Universidade mobilidade e reconhecide Cabo Verde, o mundo mento. Nossa geografia conheça Cabo Verde nas interna (arquipélagos) e suas especificidades e nossa geografia no munnós também conheçamos do (diáspora) nos deixam outras sociedades. Hoje, dispersos. Queremos que o que falta na cultura a nossa universidade chemundial é a diversidade. gue aos cabo-verdianos É preciso que a antropoque vivem na Ilha do diversidade se manifeste, Príncipe, na Europa, nos pois ela, assim como a Estados Unidos, em Anbiodiversidade, também "A universidade é riqueza. É certo que os gola ou na Argentina. É fundamental que o Enafricanos ficaram reféns dever estar na sino a Distância tenha a das idealizações em torno capacidade de mobilizar vanguarda, não das nações homogêneas, alunos e chegar a esses pois as nações multiétnipode ficar refém cas tiveram dificuldade países. em se constituir, resvado passado" Beira do Rio – Então, lando para o genocídio. hoje, o Ensino a DisDesde então, a diferença tância é um grande ficou sendo vista como desafio? algo perigoso, que pode detonar o A.C.S. – Sim. Nós estamos distribuídos conflito a qualquer momento. Muitas em ilhas, nove delas são habitadas. vezes, criam-se unidades artificiais, Portanto, com o Ensino a Distância, escamoteando a diferença. Mas a difevamos cumprir a nossa missão de rença pode ser compatível com a paz e formar com equidade – a igualdade de com a coparticipação. Todos os povos, oportunidade de formação universitária por meio das suas universidades, devem precisa estar apoiada em determinados se conhecer nas suas manifestações mecanismos e um deles é o EAD. Esculturais. A universidade deve ter um tamos instalando o campus virtual, que respeito escrupuloso pela diversidade e permitirá estarmos com nossos cursos pelo patrimônio cultural.

A

Rede Paraense de Genoma está buscando as causas para os altos índices de câncer gástrico entre a população amazônica. O Projeto, parceria entre o Instituto de Ciências Biológicas/UFPA, o Governo do Estado e a Embrapa, tem como objetivo identificar o sequenciamento genético das células para encontrar formas mais adequadas de tratamento. Em 2008, Belém foi a 13ª colocada no ranking mundial de cidades com maior incidência da doença. A ação da bactéria H. pilory, as condições sanitárias deficientes, o fator genético e a dieta alimentar estão entre as possíveis causas. Pág. 6 e 7

Moradia

Um jeito de viver e morar em Belém

Câncer: entre os fatores de risco, está a dieta alimentar à base de alimentos fermentados, como a farinha de mandioca

Poluição

Câncer

Rejeitos contaminam águas Pacientes terão atendimento dos rios da amazônia Há 20 anos analisando as águas de importantes rios da região, o Laboratório de Química Analítica só vê

aumentar o índice de contaminação por micro-organismos e metais pesados. Pág. 5

Mundo das Engenharias mais próximo Pág. 10

Educação

UFPA observa práticas pedagógicas voltadas para discussão de relações étnico-raciais em escolas de quatro Estados da Região Norte. Pág. 11

Unidade de Atendimento do Hospital Barros Barreto inicia atividades ainda em janeiro para 'desafogar' Ofir Loyola . Pág. 8

Extensão

Inventários e testamentos revelam aspectos da vida material da população da cidade no início do século XX. Pág. 3

Discussão racial não chegou à escola

ampliado

Em apenas dez anos, Rio São Joaquim virou esgoto a céu aberto

Coluna do Reitor Carlos Maneschy escreve sobre o desafio de alterar o cenário na Amazônia. Pág. 2

Opinião Jussara Martinelli apresenta o "corrupto" que habita as praias brasileiras. Pág. 2

Entrevista Antonio Silva conversa sobre os novos desafios da Universidade de Cabo Verde. Pág. 12

Alexandre Moraes

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m lugar onde são construídos projetos de vida, que, mais tarde, irão culminar com projetos de uma nova nação. Criada recentemente, a Universidade de Cabo Verde não quer fórmulas prontas, mas também não rejeita bons exemplos, experiências bem sucedidas e parcerias. A Uni-CV quer encontrar o caminho para o desenvolvimento autossustentável do país. Para isso, tem investido em tecnologia e em modelos de cursos que atendam a sua geografia particular, tem buscado, na diáspora, os talentos para a construção desse projeto. Em visita ao Brasil para a inauguração da segunda Cátedra Brasil-África de Cooperação Internacional, sediada na UFPA, Antonio Correia e Silva, reitor da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), deu entrevista exclusiva ao Jornal Beira do Rio. De acordo com o reitor, esse intercâmbio cultural é saudável e vem preencher uma lacuna. “Hoje, o que falta na cultura mundial é a diversidade”, afirma Antonio Correia e Silva.

Wagner Meier

Rosyane Rodrigues

Beira do Rio – Além dos tradicionais cursos de graduação e de pós-graduação, a Universidade de Cabo Verde oferece cursos profissionalizantes. Esses cursos surgem a partir de demandas sociais, voltados para áreas em que há carência de mão de obra qualificada ou a partir de uma proposta da universidade? A.C.S. – Um pouco das duas coisas. Antes da instalação da Uni-CV,

Fotos Alexandre Moraes

Estabelecendo parcerias, Universidade de Cabo Verde busca maior visibilidade para os estudos africanos.


Educação

Coluna do REITOR Carlos Maneschy

reitor@ufpa.br

O desafio de alterar o cenário da Amazônia

a Amazônia, concentra-se parcela significativa dos ativos econômicos e ambientais mais estratégicos relacionados com a biodiversidade e as condições climáticas, o que transfere à região um permanente interesse planetário no destino dessa enorme área geográfica, que, no Brasil, representa mais de 60% do território nacional. Colocada, nas décadas mais recentes, como foco da atenção acurada de observadores internos e externos, a região amazônica se vê posicionada em um contexto de contradição de aspectos diversos, dentre os quais, dois são percebidos de forma bem evidente: a preocupação internacional com o meio ambiente não se traduz em esforço concreto quando se trata de, globalmente, arcar com os custos da sua preservação; os governos não concebem projetos nacionais de desenvolvimento em que a Amazônia figure como eixo de convergência de investimentos necessários a uma radical transformação no país, capaz de projetar o Brasil como elemento de destaque nas relações mundiais de comércio. O certo é que, em uma região com recursos minerais e banco genético sem igual, de bacia hidrográfica com manancial de água doce em volume a lhe conferir destacado papel planetário, detentora de riquezas com diversidade sem paralelo, se convive,

ainda, com problemas, em alguma medida, semelhantes àqueles encontrados nos mais pobres lugares ao redor do mundo. Mantidas as políticas de ocupação e desenvolvimento da Amazônia, as quais, ao longo de séculos, não conseguem superar os altos índices de desigualdade nem tampouco fazem regredir o ataque predatório aos insumos da floresta, a região continuará apresentando o perfil de simples fornecedora de matérias-primas. E sem capacidade de produção de bens manufaturados, com muito maior valor incorporado, fica mantida a prevalência da pobreza e destruição ambiental nos processos locais de exploração econômica. Como alterar o curso dessas constatações num mundo em que biodiversidade, alta tecnologia e novos negócios passam a ter importância cada vez mais crescente, descortinando oportunidades únicas para que a Amazônia possa explorar e preservar seu patrimônio natural, com garantia de geração de renda, sobretudo à população socioeconomicamente mais fragilizada? A busca pelas respostas a essa indagação tem sido o amálgama a juntar interesses e demandas envolvendo pesquisadores, agentes públicos, empresários, trabalhadores e intelectuais. De comum, a certeza de não haver possibilidade de desenvolvimento

com sustentação social e ambiental sem uma mudança profunda no atual modelo de exploração e ocupação, para a qual o pressuposto deve ser a inadiável necessidade de se investir expressivamente em ciência, tecnologia, inovação e infraestrutura, com ênfase em transporte, comunicações e energia. Dotar a região das condições em que ciência, tecnologia e inovação possam promover as esperadas transformações econômicas implica estruturação de um ambicioso programa de formação de profissionais com competência para desenvolver as técnicas e os processos adequados ao aproveitamento das riquezas regionais, e com o pensamento crítico e reflexivo para o exercício pleno da cidadania. As universidades são fundamentais nesse esforço, observando-se aqui o caráter essencial de se acelerar a formação de doutores de modo a triplicá-los em número nos próximos cinco anos, e de se lhes assegurar, por meio do financiamento público, a implantação de laboratórios modernos e de fronteira em ciências. É do mesmo modo importante a participação das instituições universitárias na melhoria da qualidade da educação básica. Em parceria com os governos, é indispensável a efetivação de ações pelas quais o ensino de Matemática, Física, Química e Biologia ganhe lugar privilegiado nas políticas educacionais.

OPINIÃO

Jussara Moretto Martinelli

O

que é? O que é ? Escava, mas não é tatu; vive em galerias, mas não é obra de arte; revolve a areia, mas não é trator; está presente nas praias paraenses de água salgada, mas não é turista; é “corrupto”, mas não é gente? Para matar essa charada, é preciso estar atento à natureza e perceber que, durante o verão, os turistas invadem a casa deste animalzinho pouco conhecido por aqui. Apelidado de “corrupto” em outras regiões brasileiras, ele pertence ao grupo Thalassinidea (talassinídeo). Desde a descrição da primeira espécie em 1792, um total de 556 foi descrito, distribuído em um claro gradiente latitudinal, sendo mais frequente em baixas altitudes, como na zona costeira do Pará. Para o Oceano Indo-Pacífico Oeste, foram encon-

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA beiradorio@ufpa.br - www.ufpa.br Tel. (91) 3201-7577

A quantidade de institutos de pesquisa em C&T na Amazônia é reconhecidamente pequena para a dimensão do desafio de alterar o cenário baseado na produção de baixo valor agregado. Assim, unidades de pesquisa de elevado nível científico devem ser criadas para atuar em projetos voltados ao desenvolvimento regional. A recuperação de áreas degradadas para reaproveitamento em atividades econômicas, o apoio tecnológico a empresas do agronegócio, a valorização de práticas de manejo e exploração utilizadas por povos tradicionais e a cooperação com países vizinhos no campo de C&T para constituição de uma agenda amazônica em ciências devem fazer parte dos objetivos estratégicos de uma pauta integrada para as instituições regionais de ensino e pesquisa. O futuro da Amazônia deve, portanto, ser estruturado em um projeto de desenvolvimento com suporte numa vigorosa economia do conhecimento para exploração dos recursos naturais. Na condição de maior centro de educação superior e mais ampla rede de formação pósgraduada na região, a UFPA tem consciência da responsabilidade que lhe cabe no esforço de se associar com outros agentes públicos e privados para alcançar padrões socioeconômicos mais elevados com a correspondente segurança ambiental.

jussara@ufpa.br

“Corrupto” até na praia! tradas 36% das espécies e 22% estão presentes no Atlântico Sudoeste. Para a costa brasileira, foram citadas 42 espécies. A maioria dos Thalassinidea (95%) habita águas oceânicas rasas (0 a 200 metros) e somente três espécies são encontradas em profundidades maiores que 2.000 metros. Os adultos são bentônicos (vivem associados ao fundo) e a fêmea, após a reprodução, carrega os ovos no abdômen até que haja a eclosão da larva, que, diferentemente do adulto, vive na região pelágica (coluna d’água), presente no plâncton estuarino e costeiro. O tempo de vida desse animal varia de um a três anos, em média. Apesar da aparência bizarra (meio lagosta, meio camarão), esse invertebrado não tem nada de corrupto e ainda contribui para a riqueza de

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nossas praias, já que tem uma função semelhante à da minhoca, revolvendo a areia e permitindo que outros organismos tenham acesso ao alimento nela presente. As galerias construídas por esses crustáceos podem ser identificadas nas praias a partir de suas aberturas, que são pequenos furos rodeados de pelotas fecais que se assemelham a grãos de lama agrupados. Essas galerias podem ser interconectadas e complexas, servindo de proteção para esses organismos. Elas são consideradas, atualmente, como os maiores e mais profundos sistemas de galerias já registrados no ambiente marinho, servindo, também, como ferramenta útil para a identificação de antigas linhas de costa, auxiliando os pesquisadores a interpretar as variações ocorridas no nível do mar, ao longo do tempo

geológico. Embora esse crustáceo sirva de isca para a pesca costeira de outras localidades, aqui, no Pará, ele está preservado e serve como indicador de praias sem poluição, uma vez que ele é muito sensível a impactos ambientais. Agora, da próxima vez que encontrar um “corrupto” desses por aí, lembre-se de que pelo menos este contribui para a manutenção de um ambiente rico não só para ele, mas também para toda a sua comunidade. Por essa razão, é benquisto nas praias em que habita. Jussara Moretto Martinelli é doutora em Ciências Biológicas pelo Instituto de Ciências Biológicas da UFPA e pesquisadora do Laboratório de Biologia Pesqueira e Manejo de Recursos Aquáticos/ICB.

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Carolina Pimenta Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Cleide Magalhães(1.563-DRT/PA)/Diolene Machado /Glauce Monteiro(1.869-DRT/ PA)/Igor de Souza/ Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/Killzy Lucena/Rosyane Rodrigues(2.386-DRT/PE)/Suzana Lopes/Walter Pinto (561DRT/PA); Fotografia: Alexandre Moraes/Wagner Meier; Secretaria: Carlos Júnior/Felipe Acosta; Beira on-line: Leandro Machado/ Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Karen Correia; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.

Temática étnico-racial não chegou à escola Pesquisa observa práticas pedagógicas em Estados da Região Norte

Walter Pinto

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discussão sobre inserção da temática étnico-racial, com ênfase nas culturas afro-brasileira e africana, na formação de professores e no currículo da Educação Básica, completou seis anos desde que o governo federal outorgou a Lei nº 10.639/2003, que rege a importância do tema para o ensino escolar. Apesar da intensidade das discussões que o tema vem suscitando na educação brasileira, a questão ainda não faz parte das preocupações da grande maioria das escolas. Para efetivar a implementação da Lei, o Ministério da Educação (MEC) e a Unesco promoveram uma pesquisa que teve por objetivo mapear as escolas brasileiras onde são desenvolvidas práticas pedagógicas voltadas à discussão das relações étnico-raciais em sala de aula. Os relatórios produzidos por pesquisadores de cada região do Brasil servirão para balizar a formulação de políticas públicas pelo MEC e pela Unesco sobre a implementação da Lei nº 10.639/2003. Na Região Norte, coube ao Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais (Gera), do Instituto de Ciências da Educação da UFPA, coordenar as pesquisas. Segundo a professora Wilma de Nazaré Baía Coelho, coordenadora do Gera, foram selecionadas, inicialmente, trinta escolas de todos os Estados da região, com base em informações fornecidas pelos gestores escolares sobre o modo e o nível como as práticas estão ocorrendo naqueles espaços. Após a análise das informações, foram selecionadas seis escolas localizadas no Amapá (1), Pará (1), Tocantins (2) e Amazonas (2). Os pesquisadores do Gera passaram de sete a dez dias vivenciando o cotidiano dessas escolas, observando não somente as práticas em execução, assim como seus documentos (regimentos, projetos pedagógicos e projetos escolares), professores, alunos e a relação deles com o entorno. Embora os gestores informassem sobre a existência de práticas sistemáticas nas seis escolas, observa Wilma Coelho, constatou-se que havia um descompasso entre informações e realidade em, pelo menos, três delas.

n Discussão é necessária

Professores ainda não têm formação necessária para discurtir o tema Nestas, os pesquisadores observaram a ocorrência de ações mais pontuais que sistematizadas. Constatou-se que, de certo modo, apenas três escolas apresentaram práticas mais sistematizadas em relação à discussão étnico-racial em seus documentos. Nelas, as aulas com enfoque sobre a cultura afro-brasileira e africana são ministradas por professores negros e autodeclarados brancos. Mas os pesquisadores perceberam que as práticas mais sistematizadas ou mais enraizadas são desenvolvidas por professores negros. Sob coordenação de Wilma Coelho, a equipe que realizou o trabalho na Região Norte foi composta por Ivany P. Nascimento, Mauro C. Coelho (pesquisadores); Aiannny N.

Monteiro, Rodrigo A. da Silva, Tunai Almeida (estagiários); Felipe T. Moraes e Rafaela Costa (pesquisadores voluntários). As experiências das seis escolas do Norte estão relatadas no conjunto de práticas das 36 escolas selecionadas em todo o Brasil. Ao pensar políticas públicas para serem desenvolvidas nas escolas a partir da observação da prática pedagógica, MEC e Unesco optaram por um caminho contrário àquele geralmente adotado: o de propor definições estruturais para a educação, sem consulta prévia às escolas. "É uma atitude muito louvável", afirma Wilma Coelho, ressaltando que é a primeira vez que esse tipo de pesquisa se dá nesse movimento. "Tenho muito orgulho de fazer parte dela", afirma.

n Escolas não terão que criar nova disciplina A legislação que trata da introdução da temática cultural afrobrasileira e africana na Educação Básica e na formação de professores não aponta para a criação de uma disciplina específica nos currículos. Wilma Coelho explica que a temática tem de ser trabalhada na matriz curricular da Educação Básica e dos cursos superiores, fazendo parte das disciplinas como um todo. "A Lei nº 10.639 é específica em falar sobre áreas (História, Artes, Língua Portuguesa). Portanto, dentro dessas áreas, há as disciplinas que a comportam. O que se pretende é discutir a temá-

tica no corpo documental da escola", informa. O conjunto jurídico que versa sobre a temática - a Lei nº 10.639\2003, o Parecer CNE\CP 003\2004 e a Resolução CNE\CP 01\2004, que alterou a Lei nº 9.394/96 - ainda precisa ser lido e compreendido pelo conjunto de professores, não só pelos universitários, mas também pelos da Educação Básica. Recentemente, foi realizado, em Belém, o I Seminário Nacional e o III Seminário Regional sobre Formação de Professores e Relações ÉtnicoRaciais. Pretendeu-se, com os eventos, divulgar, ampliar e socializar os resul-

tados das pesquisas realizadas direta e indiretamente sobre a temática. Em 2010, o Gera realizará um curso de pós-graduação lato sensu para formar professores do ensino fundamental sobre relações raciais. O projeto já foi aprovado pelo MEC. O objetivo é formar um grupo de 45 professores na temática étnico-racial de modo estrutural. O curso será gratuito, com os candidatos se submetendo à prova, à entrevista, ao exame de currículo e à carta de intenção. A prioridade será dada aos professores da Educação Básica das escolas públicas, mas todos poderão se inscrever.

O Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais (Gera) foi criado em 2006, logo depois que Wilma Coelho retornou do doutorado. Atualmente, congrega professores da UFPA, da UEPA, da rede pública de ensino, além de alunos da graduação e da pós-graduação. Tendo formado 14 alunos da graduação por meio da Iniciação Científica, o Gera introduziu a temática étnico-racial, na pósgraduação da UFPA, com a disciplina "Relações Raciais e Formação de Professores”, ministrada pela pesquisadora. No que tange à pesquisa, o Núcleo já realizou sete projetos, todos relacionados a alguma linha de financiamento. Sobre o longo tempo decorrido para implementação da temática étnico-racial nos currículos escolares, Wilma Coelho observa que se passou muito tempo entendendo somente a formação eurocêntrica como aquela efetiva nos currículos escolares e na formação de professores. Mudar essa realidade epistemológica leva tempo, “não basta discutirmos a temática sem o devido conhecimento. Não podemos repetir os mesmos erros dos debates acerca dos Parâmetros Curriculares Nacionais, dentro dos quais havia pluralidade cultural para ser trabalhada de maneira transversal. Mas o que vimos, no entanto, foi um trabalho incipiente e que, de certo modo, não aconteceu de acordo com os objetivos daqueles documentos”. Sobre o papel da UFPA nos debates, a coordenadora do Gera afirma que a Universidade não tem se mostrado refratária à discussão. “Recentemente, foi criada uma Assessoria de Diversidade ligada à Reitoria. Então, imagino que, com a atuação dessa assessoria representada pela professora Marilu Campelo, a discussão tem sido encaminhada nos institutos, com objetivo de incluir a temática na matriz curricular dos cursos de formação. Considero essa discussão necessária”, finaliza. Walter Pinto

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BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2010 –

Wagner Meier

Mácio Ferreira

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Wilma Coelho: discussão necessária


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BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2010 –

Urbanização

Saúde

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Universidade Federal do Pará criou, no Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS), o serviço de Primeiros Atendimentos. O objetivo é atender servidores, alunos e comunidade que precisem de atendimento médico dentro da Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto, em Belém. O serviço faz parte da política de humanização das relações de trabalho e valorização das pessoas, uma das prioridades da nova administração superior. Nos últimos quatro meses, mais de 480 usuários foram beneficiados com atendimentos médicos e de enfermagem. Segundo a médica Regina Mendonça, coordenadora de Vigilância em Saúde do Servidor, da Diretoria de Qualidade de Vida da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoal (Progep), a ideia surgiu a partir da avaliação do contexto geográfico em que a UFPA está inserida e da grande quantidade de pessoas que circulam todos os dias pelo Campus. “A Progep se preocupou em manter o serviço no Bettina, um estabelecimento de referência na área

Wagner Meier

Hospital Universitário tem posto médico para servidores e alunos

Em três meses, mais de 390 usuários já foram beneficiados de saúde. Garantimos a infraestrutura de que precisávamos dentro da própria Instituição, assegurando o bemestar dos membros da comunidade. O Bettina também é nosso parceiro na realização de exames complementares, além do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), do Laboratório de Análises Clínicas do Centro

Biológico e do curso de Farmácia”, ressalta. De acordo com o médico Murilo Morhy, diretor do Hospital, não se trata de um pronto-socorro. “Não é um serviço de urgência/emergência e não funciona para atendimentos graves, mas para atender aos que procurarem o serviço de forma espontânea. A

demanda no atendimento ainda não foi suficiente para seu crescimento, por isso reiteramos que o usuário procure-o sempre que precisar”. O novo serviço possui três leitos, oxigênio, aparelhos de nebulização e de pressão, teste de glicemia e uma sala para curativos leves. Conta, ainda, com uma equipe formada por três médicas, três técnicos de enfermagem e uma enfermeira, que atende ocorrências leves, como crise hipertensiva, hipoglicemia, dores abdominais e na cabeça, febre, diarreia, vômito, cólicas, viroses, pequenas escoriações, entre outros mal-estares. “O usuário, quando chega aqui, passa pela triagem com a enfermeira. Se houver necessidade, segue para a consulta com o médico de plantão, o qual conversa com o paciente, examina-o e prescreve a medicação. Caso os sintomas persistam, fazemos o encaminhamento devido”, relata a médica Vera Pantoja, que atua no serviço. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, no Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, portão IV do Campus Guamá.

Extensão

Acervo Projeto

Caravana aproxima estudantes das Engenharias

Equipe esteve na Feira de Orientação Profissional da Seduc Igor de Souza

O

que seria do mundo sem os engenheiros? Com certeza, nossas casas, nossas ruas, nossos transportes e, por que não dizer, as nossas vidas não seriam as mesmas. E para despertar o interesse dos estudantes do ensino médio para esta área técnico-científica, a Engenharia, o Instituto de Tecnologia (ITEC) da Universidade Federal do Pará elaborou o Projeto

“Caravana Pará Tecnológico”. Com um financiamento de 500 mil reais provenientes da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Projeto “Caravana Pará Tecnológico” foi aprovado no final de 2006, por meio do Edital lançado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), chamado “Programa de Promoção e Valorização das Engenharias” (Promove), cujo objetivo foi selecionar projetos inovadores para apoio financeiro

em ações que promovessem uma maior interação das ciências da Engenharia com as atividades de ensino de Ciências Exatas e Naturais nas escolas do ensino médio, visando despertar vocações e recrutar mais e melhores estudantes para as áreas tecnológicas da Engenharia. O professor e diretor geral do ITEC, José Augusto Lima Barreiros, explica que, “apesar do nosso Projeto ter sido aprovado em 2006, só agora, em 2009, iniciamos as atividades, pois houve alguns atrasos devido aos repasses de verba da Finep e sucessivas trocas no comando da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), que é a nossa coparticipante do Projeto”. Com o recurso financeiro em mãos, o Projeto conseguiu adquirir um ônibus especial para levar os alunos e professores de Engenharia para as escolas de ensino médio, além da produção de vídeos institucionais do ITEC e das faculdades que o compõem, produzidos pela Academia Amazônia. Atualmente, a UFPA, no Campus de Belém, possui os cursos de Engenharia Civil, Elétrica, Naval, Química, de Alimentos, da Computação, Mecânica, Sanitária e Ambiental, além do curso de Arquitetura e Urbanismo. Diversos professores, técnico-administrativos e alunos das faculdades citadas estão participando do Projeto aprovado.

n Projeto atenderá escolas públicas Em 2009, o “Caravana Pará Tecnológico” passou por dois lugares estratégicos para efetivar os objetivos do Projeto. O primeiro foi a Feira de Orientação Profissional do Ensino Médio e Tecnológico, promovida pela Seduc e realizada no Hangar – Centro de Convenções da Amazônia, em agosto. A outra visita foi à Escola de Aplicação da UFPA, em outubro. Em ambos, os alunos do ensino médio entraram em contato com os projetos científicos dos estudantes do ITEC, com os materiais utilizados pelos profissionais da Engenharia e assistiram aos vídeos com depoimentos e explicações dos docentes e discentes sobre o exercício e a importância da profissão. Também foram realizados testes vocacionais com os alunos, antes e depois das atividades do Projeto. “Fazemos os testes para verificar, exatamente, os efeitos que estamos causando nos estudantes que entraram em contato com as atividades da Engenharia, para saber se houve, ou não, o interesse pelas áreas apresentadas”, explica Jocy Lopes, técnico em assuntos educacionais do ITEC. Este ano, o Projeto quer fortalecer a parceria com a Seduc, mapeando as Feiras Científicas e Culturais das escolas, momento propício para a execução da “Caravana” no interior e na Região Metropolitana de Belém.

O jeito de viver e morar em Belém

Inventários e testamentos do início de século XX são fontes de pesquisa Diolene Machado

A

s primeiras décadas do século XX, em Belém, são marcadas por uma intensa circulação de objetos importados e mudanças na construção de residências. Influenciadas por um discurso governista que buscava implantar a modernização do espaço urbano, famílias abastadas procuram aprimorar seus espaços domésticos e adquirir mobiliário luxuoso, louças de porcelana e de cristal. Desejosos de se integrar a uma sociedade burguesa em formação, os habitantes buscavam, por meio desses bens e de novos padrões de moradia, assimilar práticas culturais europeizadas. Até mesmo os que não possuíam recursos para adquirir objetos importados, recorriam a imitações dos produtos europeus já produzidos na cidade e anunciados em jornais. Considerando esses aspectos como relevantes para uma análise das alterações econômicas, sociais e culturais que acompanharam o processo de urbanização na cidade de Belém, nesse período, a professora Elane Cristina Rodrigues Gomes concentrou seus estudos para compor a dissertação de mestrado “Vida material: entre casas e objetos, Belém 1920-1945”, defendida, recentemente, no curso de Mestrado em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Por meio de consulta à documentação cartorária e a jornais da época, como Folha do Norte e Folha Vespertina, a pesquisadora

Alexandre Moraes

Bettina oferece Primeiros Atendimentos Cleide Magalhães

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Padrão europeu: em 1920, o piano era sinal de prestígio e bom gosto dos donos da casa constatou que o discurso governista republicano, pautado em parâmetros de civilização, na higiene e na manutenção da saúde familiar, amplamente divulgado na imprensa, interferiu em muitos aspectos da vida material da população belenense. Os inventários e testamentos consultados no acervo do Centro de Memória da Amazônia permitiram perceber os significados construídos

pelos moradores acerca de suas moradias e dos objetos que adquiriam. “Observando as residências e os hábitos dos moradores daquela época, foi possível sentir as transformações e permanências no jeito de morar e viver. Nos inventários, constavam tanto objetos de alto como de baixo valor. Desde um simples copo a uma vassoura elétrica, uma novidade para a época”, explica a pesquisadora.

O orientador da dissertação, Antonio Otaviano Vieira Junior, ressalta a importância do estudo, já que mostrou um tema e um período ainda pouco explorados pela historiografia local. “Os objetos têm uma 'biografia'. Isso inclui a possibilidade de pensarmos que o consumo, a circulação de mercadorias e o 'gosto' também são construções históricas”, afirma o historiador.

n A casa como cartão de visita

n Mudanças chegam à cozinha

Na Belém do início do século XX, a residência era considerada quase uma vitrine da família. As mais abastadas buscavam incluir, na sala de visitas, encanto visual, bem-estar físico e objetos suntuosos. Quando ocorriam visitas, os convidados aguardavam, ansiosamente, ser recepcionados pelos proprietários. Após os cumprimentos e os agradecimentos de praxe, as visitas eram acompanhadas até uma sala de espera ou de visita. Observações constantes dos convidados mostravam a expectativa quanto à ornamentação e à organização desse espaço. “Era neste espaço que ficavam os elementos de maior ostentação, como cortinas, tapetes, sofás, cadeiras com muitos detalhes e incrustações. A sala de visita tinha um significado especial, porque era como se fosse um cartão de visita, revelando a distinção do proprietário", observa Elane Gomes. Outro objeto que não poderia faltar numa residência abastada era o piano, o instrumento musical simbolizava prestígio e bom gosto em uma sociedade de padrões europeus. Entretanto, o instrumento poderia ser objeto de uso em certas

A chegada de aparelhos eletrônicos às residências afastou a ideia de trabalho doméstico caracterizado por desgastes físicos. A praticidade e o conforto dos novos objetos, amplamente divulgados pela imprensa da época, difundiam a ideia de estabelecer hábitos elegantes em substituição aos antigos, criando uma prática doméstica em que a arrumação dos elementos determinava as distinções sociais. Entre o final do século XIX e o início do século XX, a cozinha era considerada um espaço desorganizado, isso em virtude de sua localização mais próxima ao quintal. Os fogões, até o final da década de vinte, eram, em sua maioria, à base de carvão ou de lenha, gerando uma enorme quantidade de fumaça, sujando paredes e panelas. Considerada pelas autoridades sanitárias uma zona crítica que precisava ser modernizada, a cozinha passou a ser alvo das preocupações de médicos e engenheiros que viam, na falta de ventilação e na fumaça do ambiente, um campo propício para epidemias. No período estudado, a cozinha passa a ter valor significativo para os moradores, que passam a associar sujeira a casas mais modestas. É assim

residências e, em outras, um simples ornamento. A pontualidade nas ações de lazer, trabalho ou descanso passou a ser determinada pelo relógio, objeto que também ornamentava as residências abastadas, nas paredes, nas mesas ou nas cabeceiras de camas. No início do século XX, passou a ser considerado objeto de orientação dos habitantes da cidade, “a função era, acima de tudo, transmitir uma mensagem que regulava o comportamento dos indivíduos, determinando as ações a partir do movimento dos ponteiros, assegurando eficiência nas tarefas”, acrescenta a professora. A sociabilidade durante as refeições assim como a religiosidade das famílias da época se faziam presentes na varanda. A disposição dos móveis, como geladeiras, aparadores, guarda-louça, quadros da Santa Ceia, e mais os objetos de descanso, como cadeiras de balanço, demonstram como esse espaço também pode ter servido como lugar de convivência e de circulação de pessoas. “Isso expressa um emaranhado de utilidades, ou como área de descanso e de refeição, ou de descontração, ou de todas essas ações concomitantemente”, explica.

que a paisagem da cozinha se altera, gradualmente, nas novas construções e recebe objetos modernos, como fogões a gás e geladeira, além de revestimentos com lajotas para pisos e paredes. O espaço se aproxima mais da casa e ganha um novo significado, que, aos poucos, molda o comportamento das pessoas. A figura da “dona de casa” ocupou esse cenário e desempenhou funções indispensáveis na orientação do uso dos aparelhos modernos. Cabia a ela ensinar a empregada a conviver com as inovações tecnológicas capazes de tornar a vida doméstica mais eficaz e, acima de tudo, mais higiênica. Assim, a dona de casa passa a desempenhar um novo papel no interior do espaço doméstico, mais de gerenciamento do que de execução. Um estudo sobre a vida material e a formação da sociedade de consumo em Belém é o próximo passo de Elane Gomes. “Com o passar do tempo, os objetos vão se 'vulgarizar', adquirindo simplicidade. Hoje, por exemplo, você não precisa ser de uma família abastada para ter uma TV de plasma. Verificar o significado dos objetos a partir de 1940 é o meu próximo foco”, adianta a pesquisadora.


4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2010

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2010 –

Células-tronco

Neuroquímica

Tratamento é esperança para pacientes de doenças neurodegenerativas Fotos Alexandre Moraes

O

nome é complicado: desordens neurais agudas do sistema nervoso central. Mas, infelizmente, suas causas são bem cotidianas. Os acidentes de trânsito, os ferimentos com arma, as quedas e os derrames afetam a estrutura do funcionamento do sistema responsável pela transmissão de informações ao nosso corpo, incluindo as ordens para a realização de movimentos. Não há cura para esses tipos de lesões e traumas, mas a terapia com células-tronco adultas traz esperanças para o desenvolvimento de um tratamento mais eficaz. Walace Gomes Leal, pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas e coordenador do Laboratório de Neuroprotecão e Neurorregeneracão Experimental da Universidade Federal do Pará, explica que o Laboratório se dedica a estudos sobre os fenômenos que acontecem durante os acidentes vasculares encefálicos (popularmente conhecidos como derrames cerebrais) e durante os traumas crânio-encefálicos ou da medula espinhal, ou seja, quando uma queda ou um acidente causam um impacto no cérebro ou na medula afetando, assim, seu funcionamento.

n Transplantes minimizam perdas

Projeto foi contemplado com programa de apoio a Núcleos de Excelência O objetivo é analisar de que forma terapias que utilizam célulastronco, aquelas com capacidade de transformação ou de adaptação em qualquer ambiente ou função no organismo, podem colaborar com o processo de recuperação dos indivíduos que sofrem com esses proble-

mas. “As sequelas e a dificuldade de recuperação dos pacientes são muito próximas. Investigações científicas com animais sugerem que o uso de células-tronco pode indicar uma excelente perspectiva para minimizar os efeitos dessas doenças", assegura o pesquisador.

n Bons resultados com terapia anti-inflamatória No Laboratório de Neuroproteção e Neurorregeneração Experimental da UFPA, “simulamos um acidente vascular cerebral em roedores e analisamos os efeitos no cérebro para propor terapias com células-tronco adultas retiradas da medula óssea, ou seja, da cavidade interna de ossos, como o fêmur. Induzimos a lesão e tratamos parte dos animais com alguns milhões de células-tronco e outros com uma solução de controle, comprovando que este procedimento é benéfico e minimiza o processo lesivo instaurando um mecanismo de neuroproteção”, narra Walace Leal. Para o pesquisador, a principal contribuição do trabalho, no entanto, foi a observação dos efeitos que o ambiente afetado pela doença exerce sobre as células-tronco trans-

plantadas. “Perguntamo-nos: se o meio patológico prejudica outras células num processo de degeneração secundária, será que ele também não ataca as próprias células-tronco durante a terapia celular? A partir daí, tratamos os animais para minimizar a inflamação antes de transplantar as células-tronco. Neste grupo, a lesão primária é menor, a expansão é menos intensa, registramos a presença de um grupo maior de células no entorno da área, comprovando que houve uma preservação neural e a performance motora dos animais foi recuperada mais adequadamente”. A descoberta confirmava a hipótese de que a ação terapêutica pode ser melhor quando o ambiente patológico é atenuado antes da terapia celular, o que indica que os fenômenos ligados às lesões

também atacavam as células-tronco implantadas. Esses resultados ajudaram o Laboratório a se tornar um dos 52 projetos brasileiros aprovados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para integrar a Rede Nacional de Terapia Celular e um dos dez projetos contemplados pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência no Estado do Pará. "O próximo passo é usar as células-tronco em uma espécie de macaco-prego. Se continuarmos a obter sucesso com a terapia anti- inflamatória, associações com outros pesquisadores nos permitirão testar este tratamento em humanos no futuro, com uma perspectiva de recuperação mais ágil para pacientes que também devem apresentar menos sequelas”, revela Walace Leal.

As células-tronco mais famosas são as embrionárias, as que surgem durante a fecundação de um óvulo por um espermatozoide e que têm a capacidade potencial para se transformar em qualquer outro tipo de célula. No entanto, há outros tipos de célulastronco: as adultas. Quantidades expressivas delas são encontradas no cérebro, na medula óssea e em cordões umbilicais. Elas têm como principal função a substituição de células que sobrevivem pouco tempo, como as células sanguíneas, ou daquelas perdidas durante traumas e lesões. "No cérebro, por exemplo, quando ocorre uma lesão, célulastronco neurais mudam, naturalmente, seu curso de reposição de células mais velhas e passam a migrar para a área afetada. Porém, apenas 1% delas sobreviverá na nova área. É um mecanismo natural não-eficiente”, conta Walace Leal. O pesquisador, pós-doutor em neurogênese e terapia celular, explica que o principal benefício que as células-tronco trazem para as regiões neurológicas doentes não é sua propensão de se converter no tipo de células que há no local, mas a sua capacidade de criar um efeito neuroprotetor naquele ambiente. Toda lesão no sistema nervoso cerebral é, necessariamente, degenerativa, ou seja, expande-se com o passar do tempo. O primeiro grupo de células morrerá em poucos minutos na área que recebeu o impacto. Mas os problemas se intensificam com o tempo. Isso porque ocorrem inflamações, acúmulo de substâncias tóxicas para o organismo, produção excessiva de radicais livres, entre outros efeitos, que vão avançando em torno da área já afetada. Esse fenômeno é chamado de degeneração secundária. "Quando transplantamos células-tronco para a região que sofreu o trauma, elas minimizam as perdas, protegem as células e evitam que a lesão se expanda ao diminuírem os mecanismos que causam a degeneração secundária, criando, assim, uma neuroproteção, por propiciarem um ambiente favorável à regeneração e ao reparo cerebral", explica o pesquisador.

Primeiros resultados indicam que o uso de células-tronco pode minimizar efeitos causados por traumas e acidentes vasculares

Pesquisa investiga dependência química Uso contínuo de drogas prejudica autocontrole do indivíduo

Killzy Lucena

Q

ue o consumo abusivo de drogas gera um problema para o indivíduo, isso não é novidade. Porém, quando esse consumo faz com que o indivíduo não trabalhe, roube e até mate para conseguir a droga, um problema social está instalado. Quando e por que o “gostar” – sensação prazerosa promovida pelo uso da droga, se transforma em “querer” – uso compulsivo, independente das consequências adversas? A resposta para essa pergunta é pesquisada pelo biomédico José Inácio Lemos Monteiro Carvalho, professor da Faculdade de Medicina Veterinária do Campus de Castanhal, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Sabe-se, até então, que, com o uso frequente, a droga causa menos euforia e ocorrem diversas alterações neuroquímicas e morfológicas no cérebro. É possível que essas modificações cerebrais possam auxiliar a compreender as alterações comportamentais em dependentes químicos. Com mestrado e doutorado na área de neurofarmacologia, o professor José Inácio pretende investigar o envolvimento dos receptores canabinoides (CB1) - receptores onde atua o principal princípio ativo da maconha - nas alterações comportamentais e encefálicas promovidas pelo etanol em ratos. É importante ressaltar que, mesmo se tratando de um animal de laboratório, há similaridades entre o cérebro do rato e o do ser humano, bem como entre alguns efeitos do

Wagner Meier

UFPA integra Rede de Terapia Celular

Glauce Monteiro

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Estímulos visuais, auditivos ou olfatórios podem desencadear a busca compulsiva pelo álcool etanol (álcool) nas duas espécies. Algumas das estruturas mais envolvidas com abuso de drogas são o hipocampo – relacionado com memória contextual; a amígdala – relacionada com associação de estímulos e características emocionais, seja induzida por contexto, som, cheiro, seja por pistas visuais; e o córtex préfrontal – envolvido com o autocontro-

le. Essas estruturas apresentam grande quantidade de receptores canabinoides (CB1) e já existem estudos sugerindo o envolvimento de receptores CB1 com a dependência química. “Vamos investigar o bloqueio desses receptores administrando substâncias diretamente no cérebro dos animais, na amígdala ou no hipocampo. Esses animais vão ser

previamente operados para o implante de cânulas nas regiões do encéfalo, de interesse da pesquisa. Assim, será possível verificar (no animal acordado) os efeitos do bloqueio do receptor CB1 de uma ou outra estrutura e se esse bloqueio pode interferir em alterações comportamentais promovidas pelo etanol”, explica o professor José Inácio.

n Experimento com roedores

nAmbiente afeta comportamento

É sabido que roedores têm aversão a ambientes claros, mas se associarmos algum tipo de droga a esse ambiente, o animal permanecerá nele por mais tempo. Isso pode ser confirmado com o uso do modelo da preferência de lugar condicionada. Trata-se de uma caixa de madeira com três compartimentos: dois de igual tamanho (22 x 40 cm), diferindo, apenas, na textura do piso e na coloração das paredes, um é branco e liso e o outro é preto e rugoso; e o compartimento central, mais estreito e com coloração acinzentada, medindo 11 x 40 cm. “Inicialmente, colocamos o rato no compartimento central por 15 minutos e verificamos quanto tempo ele gasta em cada compartimento, sem nenhuma droga. Fazemos duas exposições para que o animal se habitue e, na terceira exposição, também de 15 minutos, medimos a preferência basal pelo ambiente branco e pelo preto. Observamos que a maioria dos ratos “prefere” o compartimento escuro, ficando a maior parte do tempo nesse ambiente, quase não explorando o lado branco. A partir dessa fase, condicionamos os animais, pareando um dos compartimentos com álcool e o outro com soro fisiológico, sete dias em cada

Várias teorias explicam o uso compulsivo de drogas. Uma delas propõe que o consumo contínuo prejudicaria o autocontrole. Assim, o dependente (adicto) passa a buscar a substância mesmo em ambientes aversivos ou perigosos. De acordo com o professor José Inácio Carvalho, existem vários estudos sugerindo que não apenas a droga tem a capacidade de ativar vias de recompensa cerebrais, mas também, com o uso frequente, ambientes associados ao etanol (bares, casa de amigos, botecos) podem ativar essas vias mesmo que o álcool não seja ingerido. O pesquisador lembra que, ao ir para uma clínica de recuperação, o indivíduo consegue ficar sem consumir a droga porque, além da substância não estar disponível, o ambiente não está associado à droga. Entretanto, ao sair da clínica de recuperação, o indivíduo retorna a um contexto com várias pistas associadas à droga, sinalizando a disponibilidade da substância. “Quanto mais frequente o uso, mais estímulos são associados à droga. Assim, aquele bar, aquele amigo, o sabor daquela cerveja podem motivar o consumo do álcool. Quanto maior a frequência, mais estímulos passam a estar associados com a droga e a apresentação de qualquer

compartimento, de maneira alternada, durante 14 dias. No 18º dia, os animais não recebem nenhuma injeção e são novamente colocados no centro da caixa. Nossos dados confirmam outros estudos científicos, mostrando que os animais permanecem, a maior parte do tempo, no lado (branco) que foi associado com o álcool”, detalha José Inácio Carvalho. A partir do momento em que a preferência foi instalada, é feito um protocolo de extinção no qual os animais são reexpostos, por vários dias, à caixa experimental até voltarem a níveis de preferência próximos ao período anterior ao condicionamento com álcool, passando a maior parte do tempo no compartimento preto da caixa. Assim, interpreta-se que o rato não tem mais "preferência", pois "aprendeu" que o ambiente (lado branco da caixa) não está mais associado à droga. De acordo com o professor, fazer esse tipo de pesquisa na UFPA não tem sido fácil. Trabalhando desde março, a equipe conseguiu realizar apenas dois experimentos em função das reformas no laboratório, das dificuldades de conseguir e tratar os animais, além da falta de equipamentos.

um deles: contextuais, visuais, olfatórios ou auditivos, pode desencadear uma busca compulsiva pela droga, independente das consequências”, completa José Inácio. Nesse estado, cabe diferenciar o conceito neurobiológico de adicção e de dependência. Segundo o pesquisador, a dependência é caracterizada pela síndrome de abstinência, quando o indivíduo para de consumir a droga e apresenta uma série de respostas fisiológicas e comportamentais que vão do aumento da ansiedade até tremores. Entretanto, indivíduos com a "síndrome de abstinência alcoólica" não, necessariamente, deixam suas atividades sociais de lado para consumir ou procurar a droga. A adicção é um termo mais complexo e caracteriza a perda do controle do uso. O indivíduo não consegue desenvolver nenhuma atividade e ainda se põe em situações de risco para obter a droga. “Existem estudos sugerindo que alguns genes podem aumentar ou diminuir a predisposição do indivíduo para se tornar adicto. Outros fatores são os econômicos e os socioculturais. Sabemos que cocaína, maconha e heroína são drogas ilícitas, enquanto o álcool é lícito, mais barato e tem acesso mais fácil”, diz o pesquisador.


8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2010

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2010 –

Poluição

Câncer

Jéssica Souza

O

Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), da Universidade Federal do Pará, há anos, interna pacientes com câncer, particularmente os casos de tumores no tubo digestivo, os quais são tratados com procedimento cirúrgico. Do ponto de vista do Sistema Único de Saúde (SUS) e da especificidade dos casos oncológicos, o Barros Barreto vai começar a atender portadores da doença, oficialmente, em 2010, a partir da inauguração da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon). A Unacon foi idealizada por um convênio entre Ministério da Saúde, Instituto Nacional do Câncer, Secretaria de Saúde Pública do Pará e Universidade Federal do Pará. O projeto iniciou em 2003 e hoje já está em fase de conclusão. O ponto alto desse projeto é a instalação do acelerador linear, equipamento indispensável para o funcionamento da unidade, o qual já se encontra no Hospital. O acelerador serve para o tratamento de radioterapia nos pacientes com câncer. A unidade terá, ainda, um andar superior para sediar um laboratório para atividades de pesquisa, ensino e extensão em oncologia. “A ideia é que a unidade sirva não apenas para prestar assistência aos pacientes, mas também para trabalhar na produção de conhecimento, afinal, o Barros

n Barros Barreto é referência regional Com 50 anos de funcionamento, completados no dia 15 de agosto de 2009 e 19 anos pertencendo à Universidade Federal do Pará (UFPA), o Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB) busca, hoje, maior autonomia gerencial e financeira, que atenda aos interesses da assistência e do ensino e fortaleça sua atuação como hospital público de acesso universal e gratuito a toda a população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). A instituição começou a funcionar em 1959, com atividades voltadas, apenas, para tratamento de pacientes portadores de tuberculose, passou por diversas transformações e, hoje, é considerado um dos principais serviços de saúde da Região Norte, sendo referência regional em pneumologia, infectologia, endocrinologia e diabetes, além de referência nacional em AIDS. “A missão do Hospital, hoje, é prestar atenção à saúde com excelência e referência para a alta complexidade, formar recursos humanos e gerar conhecimento", afirma o diretor Eduardo Leitão. Para o futuro, a expectativa é ser um referencial público de formação acadêmica especializada e de prestação de serviços de alta confiabilidade em saúde na Amazônia.

Wagner Meier

Unidade do Barros Barreto inicia atividades ainda este mês

Unidade vai abrigar atividades de pesquisa, ensino e extensão Barreto é um hospital universitário", observa o diretor do HUJBB, médico e professor Eduardo Leitão. O espaço abrigará, ainda, as atividades da PósGraduação em Oncologia da UFPA, salas e equipamentos de pesquisa. A previsão é que a unidade comece a funcionar ainda este mês. A partir daí, o Hospital Barros Barreto passa a ofertar ao paciente com câncer um tratamento multimodal, com cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Com a finalização da estrutura física do prédio destinado à unidade, a UFPA deve promover concurso público para a contratação de pessoal. A estimativa inicial é contratar 210

novos profissionais especializados. "Para se ter uma ideia da importância da Unacon, cerca de mil novos casos, por ano, de pacientes com câncer deverão ser atendidos e tratados por meio dessa unidade. O local poderá atender em torno de 6.300 sessões de quimioterapia, além de 40.500 campos de radioterapia", afirma Eduardo Leitão. A intenção é desafogar a demanda no Hospital Ofir Loyola (HOL), atualmente, principal referência local para o tratamento de câncer. De janeiro a outubro de 2009, 326 casos de pacientes com câncer foram internados e tratados no Hos-

pital Barros Barreto. Com a Unacon, esse atendimento deve aumentar e se oficializar. O Hospital, inclusive, já tem novos profissionais no quadro de cirurgiões para casos de tumores de cabeça e pescoço e do aparelho digestivo, já esperando a demanda que virá com a inauguração da Unacon. Segundo o diretor do HUJBB, a unidade não vai resolver o problema de atendimento oncológico no Pará, mas vai, seguramente, desafogar o Ophir Loyola, que está atendendo acima de sua capacidade. "Existem, inclusive, pacientes que estão sendo transferidos para realizar tratamento em outros Estados por falta de suporte do HOL", destaca Leitão. O projeto do Ministério da Saúde e do INCA prevê a instalação de outras unidades em cidades do interior do Estado, como Santarém, Tucuruí, Altamira, a fim de que a capital não seja o destino de todos os pacientes que necessitem de tratamento. A Unacon deverá atuar de forma integrada com as faculdades da área de saúde da UFPA e com os programas de Pós-Graduação. A pretensão é que a atividade na unidade enriqueça ainda mais a produção de conhecimento e pesquisa sobre o assunto. O atendimento aos pacientes começará tão logo a Unacon seja inaugurada e os profissionais contratados. Os pacientes precisarão de encaminhamentos por meio de unidades, postos de saúde e ambulatórios do SUS.

Incidência de câncer no Pará Estimativas para o ano 2010 das taxas brutas de incidência por 100 mil habitantes e de número de casos novos por câncer, em homens e mulheres, segundo localização primária*. Homens Localização Primária Neoplasia maligna Próstata Traquéia, Brônquio e Pulmão Estômago Cólon e Reto Cavidade Oral Esôfago Leucemias Pele Melanoma Outras Localizações Subtotal Pele não Melanoma Todas as Neoplasias

Estimativa dos Casos Novos Estado Capital Casos Taxa Bruta Casos Taxa Bruta 700 250 420 130 120 60 140 30 720 2.570 870 3.440

17,91 6,55 10,82 3,36 3,17 1,53 3,70 0,79 18,53 66,15 22,41 88,68

330 130 190 70 60 30 50 ** 210 1.080 510 1.590

43,49 16,67 25,15 9,25 8,39 3,64 6,5 1,27 27,84 143,18 67,98 210,44

Mulheres Localização Primária Neoplasia maligna Mama Feminina Colo do Útero Cólon e Reto Traquéia, Brônquio e Pulmão Estômago Leucemias Cavidade Oral Pele Melanoma Esôfago Outras Localizações Subtotal Pele não Melanoma Todas as Neoplasias

Estimativa dos Casos Novos Estado Capital Casos Taxa Bruta Casos Taxa Bruta 640 790 160 140 230 120 70 20 20 950 3.140 1.140 4.280

16,77 20,82 4,14 3,83 6,15 3,08 1,73 0,41 0,47 25,04 82,76 29,99 112,78

400 330 90 70 120 50 40 ** ** 620 1.740 380 2.120

* Números arredondados para 10 ou múltiplos de 10 ** Menor que 15 casos Fonte: INCA (http://www1.inca.gov.br/estimativa/2010/index.asp?link=tabelaestados.asp&UF=PA)

47,90 39,36 11,19 8,88 14,94 5,50 4,68 1,03 1,08 74,36 208,69 45,17 253,86

Laboratório analisa rios da Amazônia Rejeitos industriais e domésticos contaminam águas da região

Suzana Lopes

Á

gua para beber, navegar e ter momentos de lazer é o que não falta na Amazônia. A região tem o maior recurso hídrico do Brasil – banhada pelas Bacias Amazônica e Araguaia-Tocantins - que totaliza 55,29% das águas que banham o País, o maior rio do mundo em volume de água (o Rio Amazonas, com uma vazão de 190 mil metros cúbicos por segundo) e concentra 73% da água doce do Brasil. Mas, quantidade nem sempre é qualidade. Paradoxalmente, está na Amazônia o Estado brasileiro com o 4º pior atendimento por rede de abastecimento de água e de esgoto sanitário, o Pará. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, mais da metade da população paraense não recebe água tratada em casa e mais de 97% destinam indevidamente seus rejeitos, que acabam sendo despejados diretamente nos rios. Soma-se a esse problema a contaminação das águas causada por rejeitos industriais. O resultado é um ciclo vicioso em que homem e natureza se destroem mutuamente. Nesse contexto, desde 1988, o Laboratório de Química Analítica e Ambiental (Laquanam), da Universidade Federal do Pará, tem se dedicado a realizar análises químicas sobre a qualidade das águas amazônicas. O objetivo é detectar possíveis contaminações e, a partir dos resultados, oferecer aos órgãos públicos ambientais subsídios para a resolução de tais problemas.

EM DIA

Fotos Wagner Meier

Pacientes têm atendimento ampliado

Extensão

Estão abertas as inscrições para apresentação de propostas ao Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX) para o ano de 2010. As propostas devem ser encaminhadas até às 18h do dia 13 de janeiro, no site da PROEX. O Edital pode ser consultado no site http://www.proex. ufpa.br/. São 300 bolsas de extensão no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) cada, por 10 meses, com início das atividades em 01/03/2010.

No início da década de 90, o Rio São Joaquim tinha águas cristalinas Nos mais de vinte anos do Laquanam, sob a coordenação da professora Simone Pereira, da Faculdade de Química da UFPA, foi possível analisar rios importantes da região, entre eles, os Rios Solimões, Amazonas, Xingu, Tapajós, Tocantins, Pará, Barcarena, São Joaquim, Guamá, Dendê, Conde, Curuperê e Murucupi e a Baía do Guajará. As pesquisas trouxeram dados alarmantes. Além da contaminação causada por micro-organismos, decorrente do lançamento indiscriminado de esgotos, observou-se a grande presença de metais pesados na composição da água dos rios, em quantidades acima do permitido pela Resolução 357/05, do Conse-

lho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O cádmio (metal que, se ingerido, pode causar câncer), por exemplo, foi encontrado em altas quantidades no Rio Pará, em 2002 (3,86 microgramas por litro), no Rio Dendê, também em 2002 (8,50), e no Rio Murucupi, em 2009 (3,37), sendo que o máximo permitido pelo Conama é de um micrograma por litro. A presença de elementos tóxicos nas águas da região afeta a vida nos rios, causando problemas na cadeia alimentar (peixes contaminados – homens contaminados) e, a longo prazo, pode provocar mutações genéticas nos animais aquáticos.

n Contaminação: causas naturais e antrópicas As causas do excesso de alguns metais nos rios da Amazônia são diversas. “Certos metais fazem parte da geoquímica da nossa região, como o ferro, o alumínio e o manganês. Por isso, dependendo do local, a contaminação dos rios, por esses elementos, pode ter causas naturais, antrópicas ou ambas", explica a professora Simone Pereira. No caso de locais onde a exploração mineral e as indústrias funcionam em grande escala, como em Barcarena, o problema natural é agravado pela falta de tratamento dos rejeitos da produção industrial, os quais acabam chegando aos rios. Mas não é só o efluente industrial que polui as águas. Os rejeitos domésticos também são levados diretamente aos rios pelo precário sistema de esgoto das cidades. "É preciso maior conscientização da sociedade. A água dos rios será a água que vamos receber na nossa torneira. Se ela estiver contaminada, causará problemas de saúde”, alerta a pesquisadora. De fato, segundo dados de 2008, da Organização Mundial de Saúde, 28 mil pessoas morrem por ano, no

Brasil, por causa de doenças como Cólera, Hepatite A e Febre Tifoide, provocadas por água contaminada e más condições sanitárias. Para garantir a qualidade de nossos recursos hídricos, são necessários esforços, sobretudo, políticos. A começar pelo saneamento básico das cidades amazônicas, proporcionando um fluxo que tanto forneça água limpa à população quanto destine, devidamente, os rejeitos dos esgotos, para que não desemboquem nos rios. O segundo ponto crucial da questão é a maior rigidez na aplicação das leis ambientais. "Nós já temos bastantes leis ambientais. Falta, agora, tornar mais eficiente a sua aplicação e fiscalização", acredita a professora Simone Pereira. Para ela, é fundamental haver maior integração dos órgãos reguladores, como Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Ministério Público, Vigilância Sanitária, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Delegacia do Meio Ambiente. E mais: é preciso investir em pesquisas: “Os resultados que ob-

Zoologia De 7 a 11 de fevereiro de 2010, acontece, no Hangar – Centro de Feiras e Convenções da Amazônia, o XXVIII Congresso Brasileiro de Zoologia. Serão ofertados 24 minicursos, 32 simpósios e nove palestras magnas com grandes nomes da Zoologia. Para mais informações, consulte o site www.cbzool2010.com.br

Prêmio Podem ser feitas, até o dia 12 de março de 2010, as inscrições para o Prêmio “Experiências Educacionais Inclusivas”, promovido pelo Ministério da Educação, com o objetivo de valorizar as iniciativas que efetivam o direito à educação de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. Mais informações no site http://peei.mec.gov.br/interna. php?page=1

Pediatria A professora Aurimery Gomes Chermont, do Instituto de Ciências da Saúde, teve trabalho publicado na Revista Pediatrics, periódico oficial da Academia Americana de Pediatria. O artigo tem como base os resultados apresentados em sua tese de doutoramento, “Glicose e Contato Pele-Pele para a Redução da Dor Aguda em Recém-Nascidos a Termo: ensaio clínico randomizado e controlado”. Para conferir o artigo, acesse http://www.ufpa.br/ascom/ links/outros/artigo.pdf Simone Pereira: falta investimento temos com as nossas pesquisas no Laboratório de Química Analítica e Ambiental são enviados para os órgãos ambientais para respaldarem processos e minimizarem os danos causados pela contaminação. Mas ainda faltam investimentos para os laboratórios que realizam as análises", chama a atenção.

Antropologia “Brasil Plural: conhecimentos, saberes tradicionais e direito à diversidade”, esse será o tema da 27ª Reunião Brasileira de Antropologia, a ser realizada de 1º a 04 de agosto de 2010, em Belém, na UFPA. Mais informações no site http://www. abant.org.br

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Genoma

Rede Paraense de Genoma estuda causas de câncer gástrico Projeto é parceria entre Instituto de Ciências Biológicas da UFPA, Governo do Estado e Embrapa O Instituto Nacional do Câncer prevê que, em 2010, ocorram mais de 13 mil novos casos de câncer de estômago entre os brasileiros. Sem considerar os tumores de pele não-melanoma, nas Regiões Norte e Nordeste, o câncer de estômago é o segundo mais frequente em homens (sendo 10 para cada 100 mil habitantes) e o terceiro entre as mulheres (6/100 mil). Há algum tempo, o Estado do Pará e, em especial, a capital, Belém, vêm apresentando uma das maiores incidências de câncer gástrico não só no país como no mundo, porém o panorama pode ser muito mais alarmante do que constatam os dados oficiais. Segundo explica o professor Paulo Assumpção, cirurgião oncológico do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB/UFPA), a estimativa de câncer com o método que o Inca utiliza se baseia na quantidade de atestados de óbito que têm como causa o câncer gástrico, ou Fatores ambientais: alimentos salgados ou mal conservados devem ser evitados como medida de prevenção cidência da doença em 2008. “Em alguns países, esses índices já foram diminuídos enormemente por conta da tecnologia. Em países do leste asiático, na América do Sul e na África, ainda há um índice muito alto de um tipo de câncer gástrico característico e que, provavelmente, está associado à ação de uma bactéria chamada Helicobacter pylori”, explica Artur Silva. No caso da Amazônia, os altos índices podem ser causados tanto pela ação da bactéria, facilitada por condições sanitárias deficientes, como pela alimentação inadequada da população e pelo fator genético em si.

De acordo com o geneticista, a formação diferenciada da população da Amazônia, com foco na miscigenação de índios, negros e europeus, pode ter gerado um componente genético mais suscetível ao câncer de estômago. Além disso, a dieta paraense está muito baseada em peixes salgados, que, sabidamente, causam problemas gástricos, ou mesmo em alimentos fermentados, como a mandioca, a farinha, o tucupi. “É claro que tudo isso são especulações. É necessário investigar a fundo para se ter um panorama mais acertado sobre a doença”, afirma. E para isso, serve a Rede Genoma Pará.

n UFPA é referência nacional em estudos genéticos A Rede Genoma Pará surgiu a partir de vários movimentos. Desde o ano 2000, quando o governo organizou o Programa Genoma Brasileiro, logo após ter sido sequenciado o primeiro genoma, no hemisfério sul, pelo grupo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Ministério da Ciência e Tecnologia decidiu democratizar a tecnologia genômica. Foram selecionados 25 laboratórios em todo o Brasil para participar do grupo. Na composição da Rede Genoma Brasileiro, a UFPA foi a única universidade do Pará a ser selecionada. “Fomos um dos grupos de maior sucesso dentro da Rede, com capacidade de produção extremamente salientada e ficamos com essas atividades aqui, após o fim do grupo. Depois, integramos outras Redes até 2007, quando fomos convidados pelo governo do Estado a implantar um

laboratório de biotecnologia e entendemos que era fundamental ter, no Pará, uma área forte de genômica”, conta o professor Artur. Atualmente, a UFPA sedia um laboratório de genômica e proteônica equipado com um sequenciador de genoma, máquina denominada, tecnicamente, de Solid, que coloca a Universidade como referência nacional em estudos genéticos. O equipamento permite um acesso acelerado ao código genético de uma célula, o que possibilita a análise de micropartículas de células em metaplasia (que já sofreram alteração) e células cancerígenas retiradas do estômago doente. A Universidade foi a primeira, na América Latina, a utilizar essa tecnologia. O sequenciamento genético do câncer gástrico tem como meta o desenvolvimento de novas terapias para a melhoria da qualidade de vida

do paciente portador da doença, que, de modo geral, passa por tratamentos muito traumáticos. “A partir de uma amostra de tecido tumoral isolado de um paciente com câncer, comparada a uma amostra de tecido não-tumoral da mesma pessoa, analisamos os genes que estão ligados na célula cancerosa e os genes que estão ligados na célula normal e vemos quais são aqueles que estão diferenciados”, explica Artur Silva. Segundo o pesquisador, esses genes diferenciados são de interesse da indústria farmacêutica, pois podem indicar os caminhos para o desenvolvimento de drogas mais eficazes. “Identificando esses componentes de células, podemos sugerir novos alvos para o tratamento da doença, os quais não dependam somente de cirurgia, radioterapia ou quimioterapia”, observa o geneticista.

n Produção de pimenta-do-reino Entre outras áreas de interesse da Rede Genoma Pará, está a análise de bactérias de interesse biotecnológico, seja de bactérias causadoras de alguma patologia em animal ou em humano, seja de interesse do meio ambiente ou somente de prospecção biotecnológica, que possa vir a produzir algum produto interessante. No momento, outra linha de pesquisa vem sendo desenvolvida, em parceria com a Embrapa, para investigar a ação do fungo fusarium em plantações de pimenta-do-reino. O Brasil é o maior produtor mundial de pimenta-do-reino e, o Pará, o maior produtor nacional. “Quando os pimentais são atacados pelo fusarium, a terra se torna inapropriada para a cultura da pimenta, pois permanece infectada por alguns anos. É importante descobrir as relações que a planta estabelece com o hospedeiro e, assim, poder indicar caminhos de alvos tecnológicos que possam ser trabalhados com a finalidade de conter a infecção e impedir que haja prejuízos de perda de plantações e de solos”, explica o coordenador Artur Silva. Recentemente, a Rede Genômica também formalizou parceria com o Instituto Evandro Chagas, exponencial, na Amazônia e no Brasil, na investigação de algumas patologias provocadas por vírus ou bactérias. A previsão é investigar as possíveis causas da evolução de vírus, como o da dengue hemorrágica, bem como desenvolver vacinas e testes moleculares para diagnóstico de diversas doenças.

seja, o levantamento de informações depende do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), mas, em pleno século XXI, muitos médicos não se sensibilizam em preencher os atestados de óbito como deveriam. “Há uma incoerência entre a estimativa oficial e a real, que se dá muito em função de atestados de óbito não condizentes com o que realmente ocorreu. Se o médico aponta no atestado de óbito causa de morte desconhecida, a real causa da morte não pode ser indicador de incidência. Isso traz vários problemas, pois, no caso do câncer gástrico, se não é apontado como causa de morte elevada no país, o Governo não faz investimentos”, explica Paulo Assumpção. O Pará é o segundo Estado do País em número de mortes apontadas como de causa desconhecida. “Hoje, oficialmente, considerando essas informações, não somos um Estado com grande incidência de

câncer gástrico, mas a quantidade de pacientes em tratamento, aguardando cirurgia ou em pós-operatório ainda é muito grande”, revela o cirurgião. No Hospital Barros Barreto, que ainda não é especializado em oncologia, as doenças neoplásicas ficam sempre entre a segunda e a terceira causa da internação hospitalar, o que demonstra a frequência da doença no Estado. Em Belém, o hospital de referência em atendimento oncológico é o Ofir Loyola, gerido pelo Governo Estadual. O Barros Barreto está concluindo a sua Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (leia matéria na página 8). “Oficialmente, nós ainda não atendemos os casos de oncologia. Ainda assim, a nossa demanda espontânea é extremamente elevada. O que fazemos em maior grau é o tratamento cirúrgico que, na verdade, é a parte mais importante do tratamento do câncer de estômago”, complementa Paulo Assumpção.

n Formação de recursos humanos em oncologia Com mais de 10 anos, a linha de pesquisa Genética e Câncer Gástrico, na UFPA, tem apresentado resultados significativos na produção de conhecimento sobre tumores de estômago, numa colaboração entre o Instituto de Ciências Biológicas e o Hospital Barros Barreto. A parceria já rendeu inúmeras teses de mestrado e doutorado, além de diversas publicações de artigos em revistas internacionais. Hoje, a UFPA é o grupo brasileiro que mais publica, em língua inglesa, sobre o câncer gástrico. Recentemente, inclusive, foi elaborada uma proposta de Doutorado Interinstitucional (DINTER), sob a tutela da Capes, que, caso aprovada, ofertará, inicialmente, 20 vagas para alunos da UFPA, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e da Universidade Federal do Amapá (UFAP). O objetivo é fomentar o ensino, a pesquisa e a formação de recursos humanos em oncologia nas Regiões Norte e Nordeste. O HUJBB também trabalha em parceria com a Rede Genoma Pará na tentativa de identificar os fatores de riscos genéticos, como também os marcadores de agressividade do tumor gástrico. A meta é investigar alvos moleculares para terapia, uma vez que o objetivo do tratamento oncológico é evitar a lesão de células normais do organismo. Esses tratamentos, denominados alvodirigidos, atuam, especificamente, na célula doente, preservando as células normais. No Pará, os índices de cura para a doença, de um modo geral, ainda são muito baixos. Isso revela que, cada vez mais, os diagnósticos

Wagner Meier

n Belém: alta incidência da doença é preocupante

Mácio Ferreira

A

lto ou baixo. Gordo ou magro. Pele branca, negra ou morena. Cabelos louros, castanhos, ruivos. Olhos claros ou escuros... No momento em que você se olha no espelho, na verdade, o que você vê é a expressão do seu genoma, ou seja, o material que está dentro das suas células, que se decodifica e se manifesta por meio de características físicas e psicológicas. Até o fato de você estar lendo essa matéria e estar entendendo é devido a essas características celulares e, dentro de nossas células, quem comanda as funções é, justamente, o genoma. Em outras palavras, genoma é o material genético que está dentro de nossas células, é toda a informação hereditária de um organismo, contida em um DNA. Ele pode, inclusive, indicar a propensão do ser humano a determinadas doenças, como o câncer. Um dos tipos mais agressivos de tumor e que mais atinge a população amazônica, o câncer gástrico, está sendo estudado pela Rede Paraense de Genoma, projeto do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará, desenvolvido em parceria com o governo do Estado e a Embrapa. A Rede, coordenada pelo professor Artur Luiz Silva, tem como objetivo identificar o sequenciamento genético de células a fim de buscar soluções para problemas de caráter biotecnológico ou de saúde pública, como é o caso do tumor de estômago. O resultado do sequenciamento vai ajudar a desvendar as formas adequadas para o tratamento da doença. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer gástrico é o segundo mais frequente na Região Norte, sendo Belém a 13ª colocada no ranking mundial de cidades com maior in-

Alexandre Moraes

Jéssica Souza

Paulo Assumpção: educar e prevenir

Fatores de risco O câncer de estômago, como todo tipo de câncer, tem dois grupos de fatores de risco: os ambientais e os genéticos. Saiba como combater e prevenir a doença.

Tucupi, ingrediente de pratos típicos paraenses, faz parte da lista de "risco" para esse tipo de tumor têm ocorrido tardiamente. Para modificar esse panorama, é necessário fazer um diagnóstico precoce, além de diminuir a exposição aos fatores de risco, melhorar as condições sanitárias, manter uma dieta saudável e colocar em prática medidas educativas de combate à doença e prevenção dela. A Universidade tem papel fundamental nessa ação educativa. Um projeto de extensão do Instituto de Ciências da Saúde (ICS/UFPA) desenvolve, na rede estadual de ensino fundamental, medidas que envolvem a elaboração de cartilhas

que falam sobre os riscos do câncer de estômago, sobre os alimentos favoráveis à defesa do organismo, bem como sobre aqueles que oferecem risco aumentado e sobre a ação da H. pylori. Além disso, há iniciativas de promoção de palestras com a temática “Câncer gástrico: educar é prevenir”. “Essa medida educativa é muito importante, pois é a exposição aos fatores de risco desde a infância que provoca a propensão ao desenvolvimento do câncer gástrico”, observa o cirurgião Paulo Assumpção, coordenador do projeto.

Fatores ambientais: os alimentos que não vão à geladeira, que são salgados ou mal conservados, as más condições sanitárias e, em especial, a bactéria Helicobacter pylori, principal causadora das úlceras e tumores do estômago, favorecem a grande incidência de câncer gástrico. Fatores genéticos: existem condições genéticas que favorecem a ocorrência de neoplasias gástricas, que, entretanto, ainda são objetos de investigação científica. Indivíduos com história familiar de câncer apresentam risco aumentado para a neoplasia. Sintomas: o câncer de estômago, como regra, em estágio inicial, apresenta poucos sintomas ou ausência deles. Somente o exame endoscópico é capaz de diagnosticá-lo em fase precoce. Massa palpável na parte superior do abdome, aumento do tamanho do fígado e presença de linfonodo (íngua) na região supraclavicular esquerda (região inferior do pescoço) e nódulos periumbilicais indicam o estágio avançado da doença. Tratamento: o tratamento cirúrgico é a principal alternativa terapêutica para o câncer de estômago. Radioterapia e quimioterapia são considerados tratamentos secundários que, associados à cirurgia, podem determinar melhor resposta ao tratamento. Prevenção: para prevenir o câncer de estômago, é fundamental uma dieta balanceada, composta de vegetais crus, frutas cítricas e alimentos ricos em fibras. Além disso, é importante o combate ao tabagismo e a moderação na ingestão de bebidas alcoólicas.


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