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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009

Entrevista

“O livro é o melhor instrumento de transmissão de cultura”

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 78 • Dezembro, 2009

Tecnologia local recria azulejos

Beira do Rio – A Edusp é uma das maiores editoras universitárias do País. Existe uma receita de sucesso? P.M.F. – Muito trabalho e dedicação, além da facilidade de termos acesso à melhor produção científica. Queira ou não, a Edusp representa a maior universidade do Brasil, que, hoje, está entre as 50 melhores do mundo. É evidente que a USP tem uma produção de alta qualidade. Agora, cabe à editora captar os melhores livros, publicá-los, divulgá-los bem e fazer com que circulem. Além disso, sou uma pessoa que defende o livro em qualquer circunstância, pois acredito que o livro é o melhor instrumento de transmissão da cultura. Tecnologicamente, não se inventou nada melhor, seus únicos inimigos são o fogo e a água, evitando isso, ele funciona em qualquer lugar.

Critérios de seleção claros ganham respeito e confiança da comunidade

Beira do Rio – Como as obras são selecionadas para publicação? P.M.F. – Em todas as universidades, é preciso ter critérios. Eles devem ser claros para ganher respeito e credibilidade na comunidade acadêmica. Todos os livros devem ser examinados por especialistas, que irão emitir um parecer. Este parecer será submetido à comissão editorial, que é a instância que aprova ou

Wagner Meier

Beira do Rio – A internet, com as vendas on line, facilitou o acesso dos leitores aos lançamentos de vocês? P.M.F. – A internet não é a solução total para o livro, mas é um instrumento de divulgação que não pode ser desprezado. Hoje, o ISBN permite que você localize um livro em qualquer canto do mundo. Num país de dimensões como o Brasil, a rede tem um papel fundamental, pois você localiza a obra daqui, tem como acessar a editora e há, sempre, mecanismos de se encomendar. No momento, ela auxilia muito mais as livrarias do que as editoras. Beira do Rio – De que maneira a experiência da Edusp poderá contribuir com o fortalecimento da Editora da UFPA? P.M.F. – Demonstrando que os problemas do livro são iguais em todo lugar, o que muda é o tamanho do problema. Nós somos órgãos públicos e temos as mesmas dificuldades, mas as pessoas precisam acreditar que podem fazer.

Beira do Rio – Lançar coleções é uma estratégia de mercado? Quais são as que têm maior repercussão? P.M.F. – A publicação em coleções tem benefícios tanto de produção como de imagem. Internamente, Beira do Rio – Como você garante o projeto as editoras universigráfico de todos os litárias podem contrivros que serão publicabuir com a difusão do dos, a obra tem maior conhecimento cienvisibilidade e durabitífico? lidade de permanênP.M.F. – Hoje, elas são cia num catálogo. Ao o melhor canal de dimesmo tempo, sendo vulgação científica. Os bem planejada, uma livros publicados por coleção é um cartão de uma editora são escoNa Edusp, visita e ajuda a criar a lhidos pelo mérito. A identidade da editora pergunta que se deve a receita do externamente. Mas é responder é: esse livro preciso avaliar quanestá contribuindo com sucesso é do vale a pena criar a novas descobertas? No trabalho e coleção. Se você tem Brasil, as editoras unidez títulos de peso na versitárias são a grande decidação área da Teoria Literánovidade no mercado ria, por que lançá-los editorial, por cumpriindividualmente se é rem um papel que o possível criar uma coleção de textos mercado não cumpre, o do investiliterários? É a demanda quem demento a longo prazo. Mas nós não termina. A nossa coleção mais bem podemos trabalhar com a lógica do sucedida é a “Coleção Acadêmica”, mercado, precisamos achar o caminho na área das Ciências Exatas, uma adequado para que o nosso produto área não explorada pelas editoras chegue a quem ele se destina. Para universitárias. É uma das coleções isso, precisávamos criar uma rede de mais premiadas pela Câmara Brasilivrarias entre as editoras universitáleira do Livro, que oferece o Prêmio rias para que os nossos livros circuJabuti de Literatura, justamente por lassem, respeitando as necessidades publicar coisas inéditas. de cada campus.

Na Boulevard Castilhos França, ainda é possível encontrar casarios com as fachadas azulejadas

Reduto

Mosqueiro

Pesquisa conta história da vila operária

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Cidade Velha

Tráfego intenso prejudica patrimônio

Migração

"Bucólicos" e "farofeiros" disputam praias da Ilha Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPA identificou a disputa por ter-

ritório entre os dois tipos de turistas que utilizam a orla oeste da Ilha, do Areião ao Ariramba. Pág. 8

Experiências da família Onuma revelam as dificuldades enfrentadas pelos migrantes japoneses que chegaram ao nordeste do Pará, em 1929. Pág. 9 .

Entrevista

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Desde o final do século XIX praia é opção de lazer e descanso

Fluxo de ônibus é excessivo

Os japoneses brasileiros de Tomé-Açu

Pajelança

Barragens

Religião e medicina na Amazônia

Os dramas dos deslocamentos compulsórios

O historiador Aldrin Figueiredo lança livro sobre as práticas da pajelança e de religiões afro-brasileiras entre os anos de 1870 a 1950. Pág. 3

Construção de hidrelétricas faz com que milhares de famílias percam a noção de espaço, tempo e organização social. Pág. 10

Plínio Martins Filho conversa sobre a importância das editoras universitárias para a divulgação científica. Pág. 12

Coluna do Reitor Carlos Maneschy discute sobre o papel das fundações no apoio às universidades. Pág. 2

Opinião Heliana Baía Evelin fala sobre mestiçagem e sistema de cotas no Brasil. Pág. 2

Alexandre Moraes

Beira do Rio – O desafio do projeto é ele ser bilíngue ou representar a grande mudança da Edufpa? P.M.F. – As duas coisas, pois elas são inseparáveis. Uma editora é o instrumento de publicidade de uma universidade. É ela quem dá a dimensão e o estágio de conhecimento que essa universidade está. Se você tem a possibilidade de reeditar um excelente produto e também reestruturar

todo o planejamento e a identidade visual da editora, essa é uma oportunidade única.

desaprova um livro. A decisão não é do diretor da editora. Diferente de uma editora particular, você tem procedimentos e eles precisam ser seguidos à risca para que haja confiabilidade e credibilidade. Você não pode publicar uma obra porque o autor é amigo, importante ou famoso. O que interessa, para a seleção de um livro, é o aspecto qualitativo, ou seja, o valor que esse livro tem, a contribuição que ele traz. Não devemos levar em conta critérios financeiros, pois que assim, a editora universitária perderá a sua razão de ser, que é publicar a melhor produção da universidade, além de trazer contribuições que possam melhorar o ensino e formar bibliografia para os cursos que a instituição oferece.

Wagner Meier

Beira do Rio – O senhor foi convidado para atuar como editor da edição bilíngue dos Diálogos de Platão, já traduzido por Carlos Alberto Nunes. Como será feito esse trabalho de forma a privilegiar a obra e seus leitores? Plínio Martins Filho – Uma edição bilíngue exige um projeto gráfico diferenciado. A minha função como consultor é achar a pessoa certa e orientá-la durante o projeto gráfico, considerando o público-alvo de uma editora universitária. Será uma obra de referência, por isso um trabalho permanente. Nossa ideia é que seja o ponto de partida para uma nova fase da editora, com uma nova cara. No fundo, essa mudança é uma adequação aos tempos. As editoras precisam, de vez em quando, se reciclar em função do público e das mudanças tecnológicas. Talvez eu tenha sido convidado em virtude da minha experiência com a Edusp, para mostrar que é possível fazer um bom trabalho quando se tem um bom produto.

"Você não pode publicar uma obra porque o autor é amigo ou importante"

Wagner Meier

Há 38 anos, ele mantem uma relação afetiva e profissional com o livro. Atualmente, à frente da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), seu trabalho é selecionar o que há de melhor entre a produção científica da universidade paulista e tornar esse material acessível ao público interessado, onde quer que ele esteja. À convite da Editora Universitária da UFPA (Edufpa), Plínio Martins Filho, esteve em Belém para as primeiras reuniões de planejamento da edição bilingue (português/grego) da obra Diálogos de Platão. A oportunidade também servirá para que a Editora da UFPA ganhe uma nova identidade visual. O editor encara a mudança como uma adequação aos tempos, necessária diante do surgimento de novas tecnologias e das exigências dos leitores. Para ele, as editoras universitárias funcionam como instrumento de publicidade das suas universidades."É a editora que dá a dimensão e o estágio de conhecimento em que a universidade está", afirma.

Fotos Alexandre Moraes

De acordo com Plínio Martins Filho, ainda não foi inventada nenhuma tecnonologia que supere a funcionalidade do livro. Rosyane Rodrigues

P

rofessores dos Institutos de Tecnologia e de Geociências da UFPA analisaram 19 amostras de azulejos portugueses, frenceses e alemães para verificar as características físicas, químicas e mineralógicas das peças. O objetivo é conseguir recompor as lacunas das fachadas de prédios históricos de Belém, utilizando técnicas de restauro mais apropriadas ao nosso clima. Os pesquisadores estudam possibilidades de fabricar réplicas dos azulejos em Icoaraci, criando uma nova atividade econômica para os ceramistas locais e tornando o serviço de restauração mais acessível aos proprietários. No final da década de 70, Belém era a cidade bresileira com a maior diversidade de azulejos em fachadas. Nos últimos 40 anos, mais de 60% desse material foi perdido pela ação do clima, por descuido ou pelo alto custo com a preservação ou substituição dos azulejos Pág. 4


O

Carlos Maneschy

Uso da terra determina índices da doença

reitor@ufpa.br

O papel das fundações no apoio às IFES regras constitucionais que garantem autonomia administrativa e financeira às instituições universitárias. Do ponto de vista histórico, pode-se afirmar que foi no transcurso de toda a década de 90, período marcado por um brutal desinvestimento nas universidades públicas, que a atuação dessas organizações tornou-se fundamental no avanço das atividades de pesquisa no País. Segundo Antonio Ibañes, exreitor da UNB, o papel das fundações de apoio chegou a ser mesmo decisivo para a garantia de sobrevivência da universidade brasileira. Ainda que se possa identificar algum nível de exagero nessa afirmação, a tese do ex-reitor em muito reflete a realidade vivida naquela década. Decerto que as universidades não têm a sua existência ameaçada sem a parceria ou a colaboração das fundações, mas não se pode deixar de reconhecer que muitas atividades institucionais se desenvolvem de maneira mais ágil e eficaz com o envolvimento das fundações em seus fluxos de gestão. Sem a experiência trazida por essa relação, pode-se afirmar que o estágio da ciência e tecnologia no Brasil,

desenvolvido em grande medida com a responsabilidade das instituições federais de ensino e pesquisa, não teria chegado próximo ao atual nível de qualificação. Diante de todas essas evidências, um questionamento natural se revela: por que, então, as fundações têm sido alvo de tantas manifestações negativas? Em primeiro lugar, uma boa parcela dessas manifestações tem origem legitimada no desvio das metas e dos objetivos que deram origem à criação dessas organizações. Em segundo plano, destaque-se o papel de setores da sociedade que, numa posição firmemente ideologizada, insistem no argumento de que toda a atuação desenvolvida pelas fundações pode ser absorvida pela estrutura administrativa das universidades sem qualquer atropelo. Raciocínio mais do que equivocado, considerando-se que, no atual cenário de investimentos de grande monta em ciência, tecnologia e inovação, a atuação das fundações se apresenta ainda mais necessária. Do que se observa hoje, não parece haver dúvida de que todo o esforço das instituições universitárias em

Heliana Baía Evelin

A

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA beiradorio@ufpa.br - www.ufpa.br Tel. (91) 3201-7577

alcançar maiores níveis de autonomia ainda não foi suficiente para atingir um estágio em que se possa prescindir da existência das fundações no ambiente acadêmico. Como efeito de defesa dessa afirmação, tome-se o exemplo da Fadesp que, no ano passado, gerenciou recursos da ordem de 300 milhões de reais em projetos de pesquisa e extensão, um volume cinco vezes maior do que o orçamento anual da UFPA. Como absorver as atividades da Fadesp dentro de nossos instrumentos de gestão institucional se na execução dos recursos próprios da UFPA já identificamos toda a sorte de dificuldades tão bem conhecidas? Como garantir que atividades essenciais de pesquisa com características muito peculiares sejam realizadas dentro de cronogramas definidos por agências de financiamento que não admitem ineficiências? A realidade que se nos impõe é traduzida no fato de que, enquanto a autonomia universitária plena ainda não puder ser percebida em um horizonte próximo de tempo, as fundações de apoio continuarão a ser um importante agente auxiliar no cumprimento da missão histórica das nossas instituições públicas de ensino e pesquisa.

hbesoria@ufpa.br

Cotas e a cor invisível reflexões os escritos eurocêntricos e racistas de Hegel, Kant, Tocqueville, Comte, Marx, Weber, Durkeim, dentre outros, não discutidos criticamente nas salas de aula da universidade brasileira, que implanta a política de cotas, mas segue formando profissionais pautados por ideologias eurocêntricas e judaico-cristãs. A noção de pertencimento precisa orientar as medidas afirmativas, para que, no futuro, os que hoje são amparados pelas cotas venham somar e participar da construção do Brasil, considerando que nossas relações sociais são complexas e que, no caso das cotas, não se trata simplesmente de ser contra ou a favor, sem responder quem somos, como estamos, o que podemos fazer para nos reconhecermos como um povo que lutou e luta por seus direitos sociais. Algumas vezes, de forma contraditória, conciliando, por exemplo, liberalismo e discurso favorável à escravidão, como fazia Antonio Rebouças, um mestiço que se

Investigação envolveu os municípios de Itaituba, Anajás, Tucuruí e Juruti n Políticas de prevenção

Em Tucuruí as epidemias iniciaram após a instalação da hidrelétrica e a formação do lago

Raphael Freire

OPINIÃO

s pesquisas do IBGE indicam que cerca de 70% da população brasileira é negra ou parda. No entanto, quando se fala em cotas, os pardos não são lembrados. Se ocupam uma cátedra nas universidades, são considerados brancos. Se estão nas favelas ou nos presídios, são negros. Entre nós, o discurso da inferioridade do negro e do índio é tão presente e perverso que é possível encontrarmos, com frequência, discentes e docentes com evidentes traços mestiços defenderem as cotas para "eles, os negros e os índios". A mestiçagem no Brasil precisa ser colocada em pauta quando decidimos fazer afirmações a respeito de quem é negro ou não em nosso país. Por uma simples informação imagética, podemos pensar que Gonçalves Dias, Tobias Barreto, André Rebouças, Machado de Assis, Nilo Peçanha e tantos outros homens letrados brasileiros eram e são brancos. Outrossim, é necessário pôr na pauta de nossas

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Malária

Coluna do REITOR

Conselho Universitário, em reunião do dia 20 de novembro, discutiu, em sessão especial, o papel da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) no contexto do apoio às pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal do Pará. A partir dessa reunião, ficou evidente que, a despeito de divergências conceituais e de princípios sobre a relação entre a Universidade e sua fundação de apoio, tem sido inegável a contribuição da Fadesp para a consolidação e o avanço da UFPA como polo central da produção e transmissão do conhecimento novo na Amazônia. O fato é que, independentemente do volume, da natureza e da legitimidade das críticas recentes, as fundações ainda representam uma estratégia criativa para dar maior flexibilidade e agilidade à gestão das atividades de pesquisa. Essas organizações de direito privado, sem fins lucrativos, vêm desempenhando uma função de enorme importância no contorno das barreiras impostas por uma burocracia que engessa as universidades e impõe severas limitações ao exercício de sua função social, em flagrante arrepio das

Alexandre Moraes

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 –

Lucivaldo Sena/Ag. Pará

Mácio Ferreira

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destacou na política entre os anos 1830 e 1840. É preciso que se fale dos negros e mestiços letrados em nosso país e, principalmente, das adversidades que tiveram de enfrentar em pleno período de escravidão, mesmo em situação de alforriados por ter pais brancos ou por ter nascido livre em decorrência da Lei do Ventre Livre. Sabe-se, por exemplo, do incômodo de Joaquim Nabuco com o artigo escrito por José Veríssimo em homenagem a Machado de Assis, por ocasião de sua morte, o qual se refere à cor do memorável autor. Nabuco, em outro artigo, diz que, para ele, Machado de Assis era branco e, assim, consta em seu atestado de óbito. Ou seja, na memória histórica nacional, está presente a ideia de que ao mestiço que ultrapassa a condição de marginalidade é melhor esquecer o seu lado negro e/ ou indígena como o fizeram alguns dos nossos melhores intelectuais, como Machado de Assis, ao contrário do médico Juliano Moreira, que, de origem mestiça e pobre, deixou um legado para

a ciência esclarecendo que não é a cor, mas a educação e a não subserviência que diferenciam os homens. A produção de conhecimentos sobre o ser brasileiro poderá constituirse uma das maiores contribuições de projetos político-pedagógicos de todas as áreas de conhecimento na transferência de resultados para a sociedade. Ao se pensar em formar identidades políticas, faz-se necessário o aprofundamento e a compreensão a respeito da cultura nacional. Sendo partícipe dessa sociedade, o profissional que desconhece a origem do modo como se dão as relações sóciopolíticas, econômicas e culturais no país corre o risco de pouco contribuir para as transformações sociais. Heliana Baía Evelin, assistente social, docente na Faculdade de Serviço Social da UFPA. Coordenadora do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão "Luamim: peças interventivas na realidade".

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Carolina Pimenta Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Glauce Monteiro(1.869-DRT/PA)/Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/Rosyane Rodrigues(2.386-DRT/PE)/Abílio Dantas/Brena Freire/Igor de Souza/ Killzy Lucena/Raphael Freire/Yuri Rebêlo/Walter Pinto (561DRT/PA); Fotografia: Alexandre Moraes/Wagner Meier; Secretaria: Carlos Júnior/Felipe Acosta; Beira on-line: Leandro Machado/ Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Karen Correia; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.

S

uponhamos que alguém entre em sua casa, sem ser convidado, mexa em suas coisas e as retire do lugar. O que foi feito em sua casa? Uma “desordem”, uma intervenção que desequilibrou a harmonia do lugar. Algo semelhante tem sido feito no Estado do Pará quando se trata de uso do solo e esse uso “desordenado” possui uma relação de causa-efeito com as epidemias de malária no Estado. Essa é a perspectiva abordada no estudo "Epidemias de malária no Pará e sua relação com padrões de uso da terra nos últimos quarenta anos - uma análise com sistema de informação geográfica", dissertação defendida pela geógrafa Maria Denise Ribeiro Bacelar, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade Federal do Pará. A autora sempre ouvia dizer que a Amazônia era endêmica de malária,

ou seja, tratava-se de uma doença 'peculiar' da região. Mas por que tal afirmação era feita? Segundo Denise Bacelar, em 1999, foram registrados 609.594 casos de malária no Brasil. Desse total, 607.906 (99,7%) ocorreram na região amazônica. Destacamse os Estados do Pará, com 225.154 (37%); do Amazonas, com 167.722 (27,6%) e de Rondônia, com 63.296 (10,4%) do total de casos. Porém, com acesso a dados extraoficiais, a pesquisadora verificou que as áreas "tradicionais" de epidemias de malária estavam baixando os seus níveis e as áreas que antes não tinham altos índices da doença começavam a manifestar muitos casos da doença, como Anajás, no Marajó. Diante desses dados, a pergunta era “Nós somos ou estamos endêmicos de malária?". Para responder à questão, Denise Bacelar decidiu investigar a “ponta do iceberg”: as epidemias. O que determina se uma região

é epidêmica de malária ou não é o seu Índice Parasitário Anual da Malária (IPA). O IPA é calculado em função da população. Por exemplo, suponhamos que um município tenha mil habitantes, se ele tiver 10 habitantes com malária, não é epidêmico, mas será se 50 pessoas ficarem doentes. De acordo com Denise Bacelar, o cálculo do IPA não é baseado nos dados populacionais calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), portanto, não são valores estatisticamente corretos para fins científicos. Assim, o primeiro embate da pesquisadora foi descobrir onde estava o erro no IPA.

Classificação do Índice Parasitário Anual (IPA) da malária por mil habitantes: a) IPA > 50: alto risco. b) IPA entre 10 e 49,9: médio risco. c) IPA entre 0 e 9,9: baixo risco.

n Pesquisa analisa dados entre 1970 e 2007 Com a orientação do professor Adriano Venturieri, do PPGCA, Denise Bacelar delimitou um período temporal de 40 anos (1970-2008) para realizar a pesquisa e resolveu trabalhar com anos censitários, utilizando a população dos censos de 1970, 1980, 1991, 2000 e 2007, por entender que o Censo é a investigação e a contagem da população presente, residente e imigrante. Como a autora estava estudando a malária sob o aspecto dos padrões de uso da terra, era necessário determinar dois objetos de pesquisa. Um deles foi destacar as atividades produtivas desenvolvidas no Estado, selecionadas de acordo com a maior propulsão no

Estado: a agropecuária, os grandes projetos minero-metalúrgicos e energéticos, a extração de madeira para exportação e a mineração. “Essas foram as atividades produtivas escolhidas, principalmente, porque a produção no Estado é uma produção primária, de extração”, afirma. O segundo objeto eram as áreas de aplicação do estudo. "Eu investiguei o Estado como um todo em seus intervalos censitários e identifiquei como elementos de estudo: as epidemias de malária, a população e as atividades produtivas. Esses elementos se distribuem, espacialmente, ao longo das Mesorregiões", explica Denise Bacelar. O critério para a escolha dos

municípios foi, primeiramente, selecionar aqueles que apresentaram mais picos epidêmicos de malária em mais de um intervalo, nos anos censitários citados. Em seguida, foi escolher um por mesorregião geográfica. A partir disso, os municípios de Itaituba, Anajás, Tucuruí e Juruti foram inseridos no estudo por estarem de acordo com tais critérios. Com a análise de imagens de satélite e o cruzamento de dados espaciais e estatísticos, ficou contatado que onde houve crescimento das atividades produtivas foi maior a incidência de malária. As atividades tinham, portanto, uma correlação estatística e espacial com a epidemia da doença.

Em suas análises, a pesquisadora verificou que, em Tucuruí, as epidemias iniciaram após a introdução da barragem da usina e a formação do lago de Tucuruí. Essa observação corrobora com outros estudos que relacionam as epidemias de malária no município à instalação da hidrelétrica. Portanto, além do combate ao mosquito e do controle da doença, é preciso trabalhar na prevenção, modificando as políticas de desenvolvimento regional. "Atualmente, quando se pensa em 'prevenção', os órgãos responsáveis pensam em medidas que terminam por ‘apagar o incêndio’. É necessária uma política de desenvolvimento regional que priorize o saneamento, a qualidade de vida, a saúde. As epidemias são demonstrações do desequilíbrio ecossistêmico. É preciso uma decisão política forte para erradicar e não mais controlar a doença”, alerta Denise Bacelar.

Saiba mais ■ O que é Malária ? É uma doença infecciosa, transmitida ao homem por meio de picadas de insetos, transfusão de sangue e compartilhamento de seringas e agulhas infectadas. ■ Microrganismo envolvido É causada por protozoários do gênero Plasmodium. No Brasil, três espécies de plasmódios se destacam: vivax, falciparum e malariae. ■ Sintomas Febre alta, calafrios, suor excessivo e dor de cabeça intermitentes. ■ Transmissão Por meio da picada da fêmea dos mosquitos do gênero Anopheles, popular mente conhecidos como carapanã, muriçoca, sovela, mosquitoprego ou bicuda. Ou, ainda, por meio de transfusão de sangue infectado e compartilhamento de seringas ou agulhas com a presença do agente causador. ■ Tratamento É uma doença de tratamento bastante simples, quando detectada precocemente. Cada espécie do plasmódio deve ser tratada com medicamento ou associações de medicamentos específicos em dosagens adequadas à situação particular de cada doente. ■ Prevenção Ainda não existe vacina contra a malária, por isso a melhor forma de prevenção é evitar o contato com o mosquito transmissor. Utilizar repelentes, mosquiteiros sobre as camas ou redes de dormir, telas nas janelas e nas portas e não permanecer ao ar livre nos horários de maior concentração dos insetos (o amanhecer e o anoitecer) são algumas das medidas indicadas para se evitar a doença. FONTE: http://www.brasilturismo.com/doencas/ malaria.php


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BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 –

Pajelança

Perdas e dramas sociais nas barragens A

385 km da cidade de Belém, existe uma das maiores obras feitas pelo homem em prol do desenvolvimento: a Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT). Com um reservatório de mais de 3000km², com 1.321m de comprimento, 77m de altura e uma média de 8.000MW de potência, a Usina é um marco na geração de energia elétrica para a história nacional. Marco ainda maior para aqueles que tiveram suas casas, suas terras e suas vidas inundadas pelo sofrimento e pela dor, como mostra a tese de doutorado da professora Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos, da Universidade Federal do Pará. Intitulada “Lamento e dor: uma análise sócio-antropológica do deslocamento compulsório provocado pela construção de barragens”, a tese – defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, sob orientação dos professores Jean Hébette e Pierre Teisserenc, é inovadora ao analisar as perdas e o drama social das populações que tiveram de ser removidas de seus locais de habitação para a construção das barreiras artificiais feitas para a retenção de água, mais conhecidas como as “barragens”. Na sociologia, existem muitos trabalhos que citam as perdas causadas por esse procedimento, mas nunca foram analisadas como um processo social ancorado no sofrimento, como o foi para o caso de Tucuruí. Sem nenhum poder de deliberação, as populações que viviam às proximidades do Rio Tocantins, onde se encontra o município de Tucuruí, foram obrigadas a se deslocarem para novas terras no final da década de 70 e no início da década de 80, quando a primeira etapa da construção da hidrelétrica, juntamente com o enchimento do lago, foi finalizada (1984). Encabeçada pela empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), o procedimento de indenização e o deslocamento dos moradores das áreas inundadas acabaram se tornando um processo cheio de falhas e, até hoje, inacabado.

Mácio Ferreira

Estudo analisa consequências dos deslocamentos compulsórios

Livro traz a história de pajés e pais de santo no cotidiano das cidades Jéssica Souza

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Xingu: construção de Belo Monte ameaça biodiversidade e populações indígenas e tradicionais que vivem na região

n Eventos transformados em 'fóruns de lamento' Não há um número preciso de pessoas atingidas pela construção da barragem de Tucuruí. Para a professora Sônia Magalhães, essa incerteza é resultado de uma disputa política. “De um lado, temos a Eletronorte, que, a todo momento, faz questão de diminuir o número de atingidos para diminuir o custo e a representação das consequências negativas do empreendimento. Do outro lado, temos as populações locais lutando pelo reconhecimento das várias formas de sofrimento que a barragem de Tucuruí provocou e que a empresa não leva em conta”, afirma a antropóloga. Um bom exemplo da deficiência de estudos da empresa em questão é a desconsideração para com os atingidos localizados na jusante da área inundada, onde a pesquisadora afirma que não há estatísticas nem dados que analisem os efeitos sofridos por essas populações, sendo, portanto, “esquecidas” no processo de reassentamento

e indenização. Foi somente em 2003, no contexto da segunda etapa de construção da UHT, que a Eletronorte reconheceu, oficialmente, como “área atingida” do empreendimento os seguintes municípios situados na jusante da barragem: Baião, Mocajuba, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru e Cametá. Esse reconhecimento deve muito aos movimentos sociais alavancados no contexto da construção da Usina de Tucuruí, os quais foram mediadores e objetos de estudo fundamentais para a pesquisa da antropóloga Sônia Magalhães. Entre os movimentos, a pesquisadora analisa o Movimento de Expropriados de Tucuruí e o Movimento Nacional de Atingidos por Barragens (MAB), os quais foram protagonistas da maioria dos eventos na arena pública (assembleias, reuniões, encontros) que mobilizou grande número de pessoas em uma ritualização coletiva de denúncias

e reivindicações. Para a socióloga, os eventos públicos podem ser considerados grandes “fóruns de lamento”, pois, além das reivindicações, são espaços de recordação e enunciação das perdas ocorridas pelo deslocamento compulsório. São modificações imponderáveis do ponto de vista sociológico, por que perpassam várias questões, como a da saúde (proliferação de mosquitos), a econômica (empobrecimento das comunidades pelo declínio da pesca e pelo pequeno valor das indenizações), a cultural (a UHT afetou o cotidiano de povos indígenas e tradicionais), a ambiental (danos à vegetação e à biodiversidade do local), entre muitas outras consequências. “São processos que desestruturam a noção de espaço, de tempo e da própria organização social, processos estes que, em Tucuruí, após mais de 30 anos, se tornam irreversíveis”, declara Sônia Magalhães.

n Audiências públicas não garantem participação popular Atualmente, a região amazônica vive a iminência de mais uma construção em seu território, mais precisamente sobre o Rio Xingu: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. As audiências públicas sobre os possíveis impactos ambientais da nova Usina, ocorridas no mês de setembro deste ano, foram cercadas de problemas, pois não garantiram condições amplas de participação da população e não favoreceram, de forma clara, os argumentos do governo sobre os motivos que justificam o empreendimento. A pesquisadora Sônia Magalhães coordenou um Painel de Es-

Religião e medicina na Amazônia

pecialistas para analisar o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA) e o Estudo de Impactos Ambientais (EIA) da Usina de Belo Monte, documentos estes que, a cada questionamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), são atualizados com mais volumes (têm-se, hoje, uma média de 30 mil páginas). É válido ressaltar que nenhum projeto de hidrelétrica pode ser licitado sem antes ter um parecer de viabilidade ambiental aprovado pelo IBAMA. Após a leitura feita pela antropóloga e por outros pesquisadores

de diversas áreas, foi diagnosticado um verdadeiro desastre econômico, social e ambiental caso a construção da Usina seja iniciada, pois o atual projeto e a condução de sua licença estão em desacordo com as recomendações mundiais feitas pelos Princípios do Equador, pela Comissão Mundial de Barragens (CMB) e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sônia Magalhães ressalta que é paradigmática, do ponto de vista social e ambiental, a área chamada Volta Grande do Xingu. Nessa área, pretende-se reduzir a vazão de mais de 100 km do

Rio Xingu, promovendo, também, a redução do lençol freático. “Será um grande problema, porque, nessa área, há três grupos indígenas diferentes, com línguas e costumes diferentes, a qual será submetida a uma escassez hídrica no coração da Amazônia, além, é claro, a perdas de florestas e da biodiversidade, principalmente, da ictiofauna”, afirma a professora. Se o cenário foi de lamento e dor em Tucuruí; em Belo Monte, não será diferente, pois os processos agregam violações de direito e desastres ambientais que escapam do controle democrático da população.

ntrei nos matos da Pedreira e fui ter na casa de um pajé". Assim, inicia-se um dos relatos do escritor Mário de Andrade que, em 1927, viera a Belém em viagem que ficou conhecida como a do Turista Aprendiz e que, em grande medida, o ensejou à escrita de sua obra mais importante - Macunaíma, publicada em 1928. O pajé visitado por Mário de Andrade era Satiro Ferreira de Barros, reconhecido como um dos mais importantes pais de santo da época e chefe do Terreiro de Santa Bárbara, localizado, então, na distante rua Marquês de Herval. Nessa época, parte importante dos intelectuais brasileiros estava dedicada ao registro dessas manifestações culturais, havidas como essenciais na construção da identidade nacional. Mais do que portadores de um conhecimento oculto, pajés e curandeiros eram vistos como repositórios de um conhecimento das mais legítimas tradições do povo. Folcloristas, antropólogos e literatos se dedicaram ao registro dessas práticas e, a partir desse conjunto de crenças, se propuseram a interpretar o caráter do homem amazônico. Tomando essa vasta literatura, fontes documentais, relatórios de polícia e todo tipo de documentação disponível para a época, o professor Aldrin Figueiredo, da Faculdade de História da

Alexandre Moraes

Hidrelétricas

Igor de Souza

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Zoomorfismo: do Bagé, hoje Arsenal da Marinha, vinham notícias de pessoas que viravam bicho Universidade Federal do Pará, decidiu analisar o tema a partir do ponto de vista histórico. A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia de 1870 a 1950 surgiu, primeiramente,

como dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concluída em 1996. Recentemente, a pesquisa motivou a publicação de um livro, que leva o mesmo título. Cidade dos Encantados traça a história de vida de muitos

n Genealogia das religiões afro-amazônicas O livro refaz as duas mais importantes genealogias de estudos sobre as religiões afro-amazônicas: a primeira, dedicada aos estudos da pajelança indígena e cabocla, desde autores como José Veríssimo, Juvenal Tavares, Antonio de Pádua Carvalho, Nina Rodrigues, em 1870, até a obra de Eduardo Galvão, em 1950; a segunda, dedicada aos estudos sobre as religiões de matriz africana (em especial, a chamada Mina do Pará) com os estudos pioneiros de Mário de Andrade e Oneyda Alvarenga, entre os anos de 1920 e 1950, até as obras de Vicente Salles, Napoleão Figueiredo, Anaíza Vergolino e os americanos Seth e Ruth Leacock, nas décadas

de 1960 e 1970. Em plena Belle Époque, “o grande objetivo desses estudiosos foi constituir ou criar uma interpretação sobre a identidade brasileira. A essa altura, o Brasil era firmado como nação e eles pensavam: 'então, agora, vamos definir o caráter do nosso povo'”, afirma o historiador. No século XX, autores, como Mário de Andrade, Raul Bopp, Bruno de Menezes, Eneida de Moraes, trabalharam para "cortar esse cordão umbilical que ligava o Brasil ao modelo interpretativo europeu". Com Jorge Hurley, em 1936, por exemplo, o índio apareceu como elemento fundamental na interpretação da cabanagem. O negro só

foi visto positivamente na poesia paraense com O Batuque, de Bruno de Menezes, publicado em 1927 nas páginas da revista Belém-Nova. Este assunto era de pouco interesse da historiografia paraense, apenas os antropólogos se dedicavam ao tema. Havia uma historiografia internacional importante e foi, a partir dela, que Aldrin Figueiredo deu seus primeiros passos de pesquisa. Apoiado nos estudos pioneiros de Vicente Salles, Raymundo Heraldo Maués e Maria Angélica Motta Maués, o historiador foi definindo um novo campo interpretativo sobre as práticas religiosas e médicas da pajelança amazônica nos séculos XIX e XX.

n Pajés eram tão importantes quanto os médicos Para se ter uma ideia da importância do pajé numa cidade como Belém, Aldrin Figueiredo explica que, "na década de 1890, para cada médico que clinicava nos hospitais e consultórios, cinco pajés atendiam em suas casas e eram tão importantes quanto os médicos. Nesse momento, a medicina não estava plenamente institucionalizada na Região Norte, ainda não havia associações médicas, Faculdade de Medicina. Os médicos se formavam na Bahia, no Rio de Janeiro ou no exterior e, muitas

vezes, por lá ficavam. A pajelança, na Amazônia, era ao mesmo tempo religião e medicina, tinha um cunho espiritual e outro social, quase de saúde pública”. Os próprios intelectuais que estudavam a pajelança se envolveram muito com o tema das pesquisas, visitavam os pajés, anotavam informações, chegavam a se consultar com os pajés. “Naquela área onde, hoje, é o bairro de São Brás e que se chamou, um dia, Árvore Grande e, mais tarde, Covões de

São Brás, surgiam muitas histórias de pajelanças, como se fosse não algo folclórico, mas algo presente. O Bagé, outro bairro de Belém, onde hoje é o Arsenal de Marinha, também registrou muitas notícias de gente que virava bicho, fenômeno estudado, à época, como a crença no zoomorfismo”, recorda o pesquisador. Histórias que se misturavam com outras, como as da matintaperera, da rasga-mortalha, mitos amazônicos, que, àquela época, eram vividos no cotidiano da cidade.

pajés e pais de santo que ficaram famosos em Belém e no interior do Pará, como eram seus rituais de cura e também como disputaram espaço com a chamada “medicina científica” no cotidiano das cidades, sob o olhar dos pesquisadores da época.

n Pajelança com nova roupagem Personagens do imaginário popular da Amazônia, nos terreiros paraenses, são encontrados lado a lado: o caboclo e o europeu, os cristãos e os mouros. O livro mostra que, nas tendas dos pajés, as imagens do rei Sebastião, de Carlos Magno, do Marquês de Pombal, figuras históricas da cultura dos portugueses, dividem espaço com as divindades indígenas, os orixás africanos e até os santos católicos, "marca do hibridismo de culturas e sincretismo de crenças”, observa o autor. O centro da narrativa de Cidade dos Encantados se dá, principalmente, em Belém, relatando histórias vivenciadas em bairros, como Jurunas, São Brás, Pedreira, mas também traz relatos de outras localidades amazônicas, como do Estado do Amazonas, o Distrito da Cachoeira, hoje Cachoeira do Arari, na Ilha do Marajó. Segundo Aldrin Figueiredo, atualmente, a pajelança ainda existe, mas não com a mesma roupagem dos séculos passados. Se, antes, os interessados em medicina homeopática e espiritual recorriam aos chamados "pajés científicos", hoje, recorrem às vendedoras de ervas do Ver-o-Peso, onde se encontram chás, elixires, banhos de cheiro e as receitas tradicionais que antigamente eram atribuídas aos pajés.


4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará –Dezembro, 2009

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 –

Inovação

Migração

C

aminhando entre casarões dos bairros da Campina, da Cidade Velha ou do Comércio, é possível vislumbrar o período áureo dos palacetes em Belém. A beleza dos azulejos que enfeitavam as fachadas dos prédios históricos poderia encantar os olhares modernos se não fosse o desaparecimento progressivo desses objetos. Mas o que pode ser feito para preservar esse patrimônio histórico? Pesquisadores do Instituto de Tecnologia (ITEC) e do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Federal do Pará acreditam que, “além dos dados históricos, precisamos estudar e propor opções para preservar, restaurar e ajudar as fachadas a continuarem enfeitando a história e a vida arquitetônica de Belém. Para isso, é preciso conhecê-los mais profundamente, saber do que são constituídos”, argumenta Thais Sanjad, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da UFPA. “Fizemos a caracterização dos azulejos visando, no futuro, produzir réplicas. Tomamos amostras de peças

Fotos Wagner Meier

Mão de obra e tecnologia local tornam preservação possível

Muitas peças foram trazidas para Belém durante o Ciclo da Borracha

portuguesas, francesas e alemãs e fizemos a caracterização física, mineralógica e química do material para saber qual a matéria-prima e os processos de produção dos azulejos históricos de Belém”, resume Marcondes Lima da Costa, professor da Faculdade de Geologia do Instituto de Geociências da UFPA. Juntos, os pesquisadores analisaram 19 amostras de azulejos do acervo da Coleção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA. “Conhecendo isso, temos capacidade de fazer novos azulejos para recompor lacunas nas fachadas, propor técnicas de restauro mais apropriadas às características do material e, ainda, divulgar a história dos azulejos por meio de peças artesanais”, garante o professor Marcondes Costa. O projeto contou com a participação de pesquisadores e bolsistas de Iniciação Científica do ITEC e do IG, além da colaboração do professor Mário Mendonça, da Universidade Federal da Bahia. Os resultados da pesquisa estão no livro Azulejaria Histórica em Belém do Pará: contribuição tecnológica para réplicas e restauro.

n Clima tropical, custo e descaso prejudicam manutenção No final da década de 70, uma pesquisa nacional revelou que Belém era a cidade brasileira com o maior número de padrões diferentes de azulejos em fachadas. Anos depois, pesquisadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismos da UFPA estão reavaliando este patrimônio. Não bastasse o descaso dos proprietários e do poder público, as peças, tidas como verdadeiras obras de arte, também sofrem com a ação do tempo, da umidade e do calor, processo natural, irreversível, mas que poderia ser retardado. Thais Sanjad revela que Belém ainda possui fachadas azulejadas nos bairros Cidade Velha, Campina, Reduto, Nazaré, Batista Campos, Jurunas, Umarizal e São Brás. Ao constatar a perda de mais de 60% do material ao longo dos últimos 40 anos, os pesquisadores também encontraram agradáveis surpresas.

“Localizamos fachadas em bom estado de conservação em edificações localizadas fora do centro histórico, como em São Brás, e também identificamos azulejos que pensávamos que já tinham desaparecido das fachadas. Descobrimos que alguns deles foram ‘transportados’ para novas edificações durante a década de 80”, lembra a professora. Entre os desafios para a preservação dos azulejos, a pesquisadora destaca a ação do clima, o descaso e os custos para a substituição do material. Ela conta que Belém possui azulejos com mais de cem anos, muitos estão degradados, outros, em estado de conservação superior ao de modelos mais atuais. Daí, a importância de conhecer os materiais e descobrir técnicas de restauração que sejam mais duráveis e acessíveis. “Em 2004, a fachada do Palacete Pinho teve seus azulejos

restaurados. Dois anos depois, a restauração estava degradada. Precisamos de uma tecnologia de restauração e de um material que sejam adequados ao clima da cidade. Por isso fizemos a identificação do material para sabermos do que é feito e como podemos interferir em sua composição. Os proprietários sempre argumentam que não há azulejos em Belém que possam preencher as lacunas e que a mão de obra para restaurar é inacessível, sendo esse um dos aspectos que encarecem a preservação das fachadas azulejadas. Os projetos de pesquisa desenvolvidos na UFPA preveem o aproveitamento da indústria cerâmica local para a produção das peças e a formação de mão de obra especializada nesse tipo de restauração como uma das formas de tornar acessível esta tecnologia”, assegura a pesquisadora.

apropriados ao nosso clima. Uma das propostas estudadas é a criação de uma nova atividade produtiva para os ceramistas do Distrito de Icoaraci, em Belém. “Pesquisadores estão avaliando a argila utilizada pelos artesãos de Icoaraci e os processos de produção de cerâmica empregados a fim de desenvolver uma tecnologia de produção de cerâmica vidrada, de forma que possam ser aproveitados o material, o processo de produção e o conhecimento dos ceramistas belenenses. Isso deve gerar uma nova atividade econômica para esses trabalhadores e possibilitar uma restauração de qua-

lidade e com custo mais acessível”, acredita Thais Sanjad. Além disso, o novo material poderia ser direcionado ao mercado de turismo com a produção de suvenir de azulejos históricos belenenses. De acordo com Thais Sanjad, o desconhecimento é uma das principais barreiras para a propagação da necessidade da preservação histórica, “pretendemos revalorizar as fachadas azulejadas. Muitos não sabem a origem e a história dessas peças, que vieram dos melhores centros de produção cerâmica do mundo, como Inglaterra, França, Alemanha, Holanda e Portugal. Como os azule-

A saga da família Onuma revela intercâmbio cultural em Tomé-Açu

Walter Pinto

Q

uando decidiu desenvolver estudo para o Mestrado em Antropologia sobre as memórias dos primeiros imigrantes japoneses em Tomé-Açu, a socióloga e professora Maria do Socorro Michiko Aihara, do NPI da Universidade Federal do Pará, defrontou-se com uma situação complexa na Antropologia Social: o observador e o observado são membros do mesmo grupo. Descendente, pelo lado materno, da família Onuma, uma das fundadoras do município, a pesquisadora nissei resolveu a questão utilizando a metodologia que recomenda transformar o familiar em exótico. O avô de Maria do Socorro Michiko, Haruo Onuma, chegou à Amazônia, em dezembro de 1929, integrando a segunda leva de imigrantes japoneses. Era um jovem de 21 anos. Sua futura esposa, Mitsu Yamaguchi, veio no ano seguinte. Naquele mesmo ano, Haruo e Mitsu casaram. Foi o primeiro casamento na colônia japonesa de Tomé-Açu. Juntamente com seus patrícios, o casal Onuma participou ativamente da implantação da colônia, tendo protagonizado uma história de vida que mescla preceitos ético-estéticos japoneses com os saberes e fazeres locais. Os imigrantes japoneses chegaram ao Pará como parte de um acordo feito entre o Estado e o gover-

n Culinária misturada

Residências apresentam traços da arquitetura oriental

no do Japão. O governador Dionísio Bentes, após tomar conhecimento da contribuição dos imigrantes japoneses ao crescimento de São Paulo, principalmente na agricultura, tomou a iniciativa de contatar o governo do Japão oferecendo uma grande área de terra, com 500 mil hectares, na região do Acará, para abrigar imigrantes interessados em desenvolver a agricultura no Estado. O Japão ainda vivia os efeitos da longa Revolução Meiji, iniciada

no século XVIII, que buscou modernizar o país marcadamente feudal. O investimento na modernização urbana tornou a vida rural mais difícil, principalmente, depois que as terras da agricultura foram taxadas. Teve início, assim, um longo processo de emigração para diferentes países, entre os quais, o Brasil. O próprio governo japonês conclamou os empresários do país a financiarem o deslocamento dos imigrantes, ressalvando que caberia a estes o reembolso.

n Na bagagem, sementes de hortaliças

Thais: capacitação de restauradores

n Projetos preveem formação de mão de obra especializada Os projetos desenvolvidos para a preservação de azulejos em Belém fazem parte das investigações científicas do Grupo de Pesquisa de Mineralogia e Geoquímica Aplicada da Universidade e envolvem professores das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo, Geologia e Engenharia Química. O principal objetivo das pesquisas é a revalorização das fachadas na capital paraense e cada um dos projetos volta-se para uma finalidade específica como identificação dos azulejos existentes, possibilidades de fabricação de réplicas em Belém e desenvolvimento de técnicas e materiais de restauro

Japoneses chegam e mudam paisagem Acervo Pesquisador

Pesquisadores recriam azulejos históricos Glauce Monteiro

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jos estão degradados, é fácil somar a eles o conceito de feio, ultrapassado e velho. Vamos divulgar o inventário, propor formas de baratear os custos com a restauração e, se possível, capacitar e formar restauradores especializados em azulejaria em Belém”. O professor Marcondes Costa completa: “quem contempla a beleza e sabe um pouco mais sobre os azulejos torna-se mais sensível para a necessidade de preservação. O tempo não é contornável, mas a investigação científica pode propor opções para preservar o que ainda temos e recuperar o que se está perdendo”.

Haruo Onuma e Mitsu Yamaguchi viajaram, ao longo de quase três meses, em alto-mar. Em Belém, os imigrantes ficavam na Hospedaria dos Imigrantes, localizada na Rua Siqueira Mendes, na Cidade Velha, até se refazerem da longa viagem. Em geral, viajavam com suas famílias e objetos do lar. Preocupadas com a sobrevivência do grupo na região desconhecida, as esposas traziam sementes de hortaliças e leguminosas para serem plantadas. A área no Acará, destinada aos imigrantes, era habitada pelos índios Tembé. Era um ambiente selvagem, até então, sem qualquer presença de colonização branca. Os imigrantes se concentraram num cruzamento de caminhos, ou Jyûjiro, na língua japonesa, atualmente, chamado de Quatro Bocas. A partir da memória dos pró-

prios imigrantes, a pesquisadora pode reconstruir os passos dos pioneiros na região, do enfrentamento das dificuldades até conseguirem sobreviver da própria terra, no final da década de 1940 e no início de 1950. Os imigrantes desmataram a área e dedicaram-se, inicialmente, ao cultivo de cacau, sem, contudo, lograrem êxito. Ressentiram-se da falta de acompanhamento técnico do plantio à colheita. Em seguida, cultivaram arroz, com relativo sucesso, até que surgiram problemas na fase de comercialização: a mesma empresa responsável pelo transporte dos imigrantes ao Pará, encarregada de intermediar a venda do produto, não satisfez os agricultores, haja vista os ganhos serem considerados insuficientes em relação às despesas com o intermediador.

Os Onuma, assim como as primeiras famílias, optaram, então, por plantar legumes e hortaliças, conseguindo arrecadar um dinheiro mais significativo com a produção de tomate. Em meados da década de 1930, os imigrantes fundaram a Cooperativa de Hortaliças, embrião da atual Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta). Os japoneses foram responsáveis pela introdução de alguns tipos de hortaliças e legumes na culinária paraense. Muito se deve ao compatriota Konde Koma, residente em Belém desde a década de 1920. Ele foi divulgador dos produtos rurais cultivados em ToméAçu e comercializados em Belém. Em sua residência, oferecia jantares à sociedade local, explicando aos convivas como se preparavam os ingredientes.

n "Diamante-negro" alavanca economia O produto que alavancou a economia da colônia foi a pimentado-reino, o “diamante negro” como os agricultores a denominaram no álbum comemorativo aos 25 anos da colônia japonesa no Pará. No início da década de 50, ToméAçu tornou-se o maior produtor de pimenta-do-reino do Pará. Os grandes produtores, entre os quais, os Onuma, passaram a desfrutar de

uma situação financeira bem mais cômoda. Assim, no meio da floresta, destoando da paisagem selvagem, foram construídas grandes casas que, apesar de ocidentalizadas, mantinham traços da arquitetura e dos costumes orientais. A casa dos Onuma ainda guarda traços do ikê, o lago artificial japonês, engendrado na paisagem com intuito de representar a natu-

reza. Na ala oriental da residência, uma sala de adoração a Buda. De lá, ouvia-se o bater do sino que cadenciava os mantras budistas. A pesquisadora percebeu que os japoneses não impuseram a religião aos filhos. Muitos japoneses frequentam templos católicos. A própria pesquisadora soube que seu nome, Maria do Socorro, faz parte de uma promessa a Nossa Senhora.

Nos primeiros tempos, os roçados ficavam próximos às casas, mas depois foram para terrenos mais distantes. Em geral, os patriarcas saíam para trabalhar na lavoura, acompanhados de filhos mais velhos. As esposas ficavam em casa tomando conta dos demais filhos. Mas, no caso dos Onuma, a história foi um pouco diferente. O casal teve nove filhas e apenas um filho, o penúltimo. Haruo Onuma levava, então, as quatro primeiras filhas para trabalharem com ele na lavoura. Era um cotidiano de muito trabalho para aquelas jovens obrigadas a acordar de ma drugada para ajudar a mãe nos afazeres domésticos, antes de seguirem para a roça. A quarta filha do casal, Clara Kiyoko Aihara, uma adolescente de 12 anos, em 1950, já ajudava o pai. Anos depois, tornou-se mãe da pesquisadora Michiko Aihara. As tias de Michiko contaram-lhe que viram muitos índios Tembé batendo à porta da família para trocar caça e pesca por temperos, como sal e açúcar. A partir dessa relação de troca, alguns costumes se misturaram, mantendo-se até hoje. Um exemplo dessa intercessão de culturas está na culinária. Um prato muito apreciado na colônia é o maparázuke, uma espécie de conserva feita com o peixe amazônico (mapará) e temperos japoneses (shoyu e missô). O resultado é uma conserva que se come com o tradicional arroz branco. Na colônia, os imigrantes se ressentiram de duas grandes dificuldades: o clima quente e úmido e a proliferação de doenças endêmicas, principalmente, a malária. A matriarca Mitsu Onuma adoeceu de malária por três vezes, tendo passado um ano hospitalizada. Antes da Segunda Guerra Mundial, muitos morreram em consequência da malária, o que fez muitas famílias deixarem Tomé-Açu. No dizer dos descendentes mais antigos, a colônia havia se transformado numa terra para teimosos. Os Onuma, identificando-se com os "teimosos", optaram por ficar. Algumas vezes viajaram para o Japão, mas compreenderam que o Brasil era a terra deles. Esse era o sentimento de outras famílias. A pesquisadora ouviu muitos dizerem que "o Japão é o pai, mas o Brasil é a mãe". Sentiam-se, assim, nipobrasileiros.


8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 –

Feliz Lusitânea

Mosqueiro

Turistas disputam espaço na Ilha

Cidade Velha ou Cidade Viva

Pesquisa compara processo de revitalização em Belém e em Coimbra

Fotos Wagner Meier

n Conflitos e reordenamento

Do Areião ao Ariramba: pesquisa analisou frequentadores da orla oeste da praia

Abílio Dantas

S

eus primeiros habitantes, que tinham por hábito preparar peixes numa técnica chamada de moqueio, se surpreenderiam caso pudessem prever o futuro do local onde viviam. Além das mudanças físicas, com o surgimento de pontes sobre as águas dos rios e igarapés, os índios Tupinambá veriam práticas de vida totalmente diferentes das suas. E estranhariam um personagem que não vive na Ilha, mas visita-a com frequência em busca de lazer: o turista. Essa vocação para o turismo teve início no final do século XIX e no início do XX, quando famílias de classes privilegiadas, advindas do comércio da borracha no Estado, começaram a construir casas de arquitetura semelhante às construções europeias ao longo das praias da orla oeste da Ilha. Essas

pessoas procuravam um lugar onde poderiam respirar um ar mais puro e descansar durante o veraneio. A dissertação intitulada "Ordem e desordem do território turístico: a chegada do estranho e os conflitos de territorialidades na orla oeste de Mosqueiro, Belém/ PA", do professor de Geografia Willame de Oliveira Ribeiro, defendida em 2007 na Universidade Federal do Pará (UFPA), mostra que a mentalidade dos primeiros turistas continua presente na Ilha, no entanto, não está sozinha, convive com outros pontos de vista e formas de vida. E é daí que surgem os conflitos. Orientado pela professora Maria Gorette Tavares, o pesquisador Willame Oliveira Ribeiro limitou-se a estudar a área da orla oeste, que vai da praia do Areião até a praia do Ariramba. O trecho, onde estão localizadas também as praias do Farol, Chapéu Virado, Porto

Arthur e Murubira, foi escolhido por ser um dos principais espaços de lazer metropolitano. Segundo o pesquisador, os conflitos entre as práticas turísticas são explícitos neste local por concentrar pessoas de várias classes sociais, idades e estilos de vida. No desenvolvimento da pesquisa, Willame Ribeiro identificou dois tipos de turistas constantes na Ilha de Mosqueiro: o turista de segunda residência e o turista excursionista. O primeiro grupo é formado por famílias com bom nível financeiro, com residência no território turístico, buscando a Ilha para descansar e desfrutar das belezas naturais. Já o turista de excursão tem como principal característica o fato de não permanecer mais que um dia no local. Ele pertence, geralmente, às classes baixas e participa de atividades conhecidas por concentar um grande número de pessoas, como as micaretas.

n Discursos revelam interesses e pontos de vista A partir dos anos 1990, a presença de turistas de excursão aumentou bastante. Surgiram, então, políticas públicas e discursos que tornam a pesquisa de Willame Ribeiro muito importante para entender essa realidade. Principalmente nesses finais de semana das férias, junta som de bar, som de carro... Aí junta com a gritaria que o pessoal faz na praia e na rua. O depoimento, recolhido em julho de 2006, é típico dos turistas de segunda residência, sobre os excursionistas, e nos mostra o campo onde ocorrem os conflitos: os discursos. Ou seja, tudo que é dito por um tipo de turista sobre o outro parte da realidade e defende interesses e pontos de vista próprios. Os turistas de segunda residência possuem um olhar, predominantemente,

elitista e romântico. Por isso eles são chamados de "bucólicos". A Ilha de Mosqueiro, na visão desses, deve ser um lugar aos moldes dos estereótipos de ilhas paradisíacas, desertas, em que a tranquilidade de seu descanso seja a regra principal. Os turistas de excursão possuem um olhar classificado como coletivo, em que o convívio com outras pessoas torna-se algo positivo, diferente do primeiro tipo. Recebem a classificação de "farofeiros", termo pejorativo utilizado pelos que fazem oposição aos excursionistas. Em todos os países, existe este tipo de turista que se reúne em grupos e prepara algum alimento de forma coletiva. "Mesmo que o 'farofeiro' típico não apareça tanto em Mosqueiro, pois as excursões organizadas e a comida coletiva não são tão presentes", ressalva o professor.

De acordo com o pesquisador, durante as entrevistas, foi curioso perceber as diferenças entre as falas dos dois tipos de turistas. Os excursionistas possuem uma variedade maior de opiniões. Alguns apresentam uma postura semelhante à dos de segunda residência quando consideram que fatores, como barulho e sujeira, teriam aumentado com esse tipo de turista. Outros alegam que não enxergam conflitos. Em contrapartida, os de segunda residência sempre demonstram visões negativas sobre os primeiros. Alguns chegam a explicitar a questão do preconceito de classe, deixando claro que os conflitos também são econômicos, como no trecho a seguir, referente à participação de turistas excursionistas em shows: “[...] onde está limpo, a rataria vai embora".

Os conflitos discursivos e reordenamentos territoriais começaram a ocorrer com mais evidência a partir de 1999, quando a Prefeitura Municipal de Belém (PMB) criou a tarifa de transporte urbano entre Belém e Mosqueiro. A medida facilitou o acesso dos mais pobres à Ilha, o que significou uma ameaça ao ordenamento tradicional do lugar, que sempre foi dominado pelos turistas de segunda residência e pela elite local. Uma série de fatores caracteriza o reordenamento territorial da prática turística em Mosqueiro. Primeiro, o estabelecimento ou territorialização dos turistas excursionistas na orla oeste. Aos poucos, a promoção de eventos populares, como micaretas, foi crescendo e tornando a orla o espaço natural deste tipo de turista, adequando-a, inclusive, ao olhar coletivo, não mais ao olhar bucólico do turista de segunda residência. Porém, isso ocorre somente nos períodos em que o turista de excursão é predominante. Segundo a pesquisa, 73% dos entrevistados frequentam o espaço apenas nos finais de semana de férias, principalmente, em julho. A prática turística de segunda residência, obviamente, também mudou, ocorrendo a desterritorialização e seu consequente rearranjo. Começaram a ocorrer vendas de imóveis e desvalorização financeira de casas e apartamentos, pois as dinâmicas sociais predominantes não condiziam mais, estritamente, com um olhar romântico. Para permanecer na Ilha, os turistas de segunda residência começaram a se comportar de forma diferenciada. Passaram a frequentar a Ilha, apenas, em períodos com pouca movimentação, longe das férias escolares, por exemplo. Como segunda opção, começaram a frequentar áreas mais afastadas, como a praia do Paraíso, onde o acesso para os excursionistas é mais difícil. E, por fim, transformaram suas casas em locais onde podem se divertir sem precisar do mundo de fora, compraram e construiram piscinas e churrasqueiras, por exemplo. Willame Oliveira Ribeiro ressalta que o objetivo da pesquisa é buscar o entendimento dos vários discursos apresentados e não contribuir, necessariamente, para a elaboração de políticas públicas. No entanto, ele acredita que nenhuma forma de cerceamento ao acesso à Ilha de Mosqueiro deve ser pensada ou mantida, já que o local é um bem público. "É preciso pensar políticas que levem em consideração os diferentes olhares e garantam o lazer de todos, pois os espaços de lazer são muito escassos em Belém", ressalta o pesquisador.

EM DIA

Mácio Ferreira

"Bucólicos" querem descanso e "farofeiros" querem festa

Fotografia Está aberta, até o dia 18 de dezembro, a exposição fotográfica Momentos Amazônicos. O trabalho tem o objetivo de divulgar a região por meio de imagens captadas pelas lentes profissionais e amadoras dos fotógrafos Luca Centeno, Mácio Ferreira, Manoel Neto, Mari Chiba, Patrick Pardini e Petrus Alcântara. A exposição tem a curadoria de Roberto Menezes e pode ser conferida no hall de entrada do Centro de Convenções da UFPA.

Periódicos Feliz Lusitânia: antigo Hospital Militar faz parte do conjunto arquitetônico revilatizado em Belém Yuri Rebêlo

A

colonização do Brasil pelos portugueses deixou muitas marcas. Na cultura das cidades, na língua, na gastronomia, em todos os lugares, há traços de nossos colonizadores. Cidade com forte influência portuguesa, Belém não foge a esse cenário. Os traços de Portugal estão por toda parte, principalmente, no bairro da Cidade Velha, onde o conjunto formado pelo Forte do Castelo, pelo Antigo Hospital Militar, pelo Igreja de Santo Alexandre e pelo Arcebispado tornou-se o Complexo Feliz Lusitânia após a revitalização coordenada pela Secretaria de Cultura do Estado do Pará. Simultaneamente, na área histórica da cidade de Coimbra, em Portugal, o bairro de Almedina

sofreu um processo análogo. Enxergando nessa temática uma oportunidade de estudo, a professora Cybelle Salvador Miranda da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Pará produziu o trabalho “Revitalização do Patrimônio nas cidades de Belém do Pará e Coimbra: percepções comparadas”, por meio do Programa de Bolsas para Jovens Investigadores, oferecido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. “Na Universidade de Coimbra, eles já vinham desenvolvendo paralelos de preservação entre cidades portuguesas e brasileiras. Então, achei interessante incluir Belém e propor um estudo comparativo com alguma intervenção no patrimônio construído em Coimbra”, explica.

Em Belém, Cybelle Miranda já havia defendido sua tese de doutorado sobre a revitalização do Complexo Feliz Lusitânia. Na comparação com o bairro de Almedina (al-medina, que, em árabe, significa a cidade), vieram à tona as semelhanças e as divergências. Apesar dos dois bairros serem habitados, principalmente, por idosos, Almedina sofre de um problema ímpar: em 1974, na época da ditadura salazarista, foi decretada uma lei que impedia o reajuste do preço dos aluguéis, o que acabou por tornálos defasados. Hoje, os moradores de Almedina são, em sua maioria, pessoas humildes, sem condições financeiras para morar em outro lugar e temem a revitalização por acharem que, com a valorização da região, o preço dos aluguéis aumentará.

n Obras causam incômodo em moradores dos bairros Apesar das diferenças, na percepção dos moradores da Cidade Velha, a revitalização do Complexo Feliz Lusitânia também causou certo incômodo, seja pela retirada de elementos – como o Restaurante do Círculo Militar, seja pela ‘refuncionalização’ de espaços religiosos – como a transformação da Igreja de Santo Alexandre em Museu de Arte Sacra. Uma das diferenças mais importantes entre os dois processos é o foco das restaurações. “O Feliz Lusitânia trabalhava só com o patrimônio monumental, com a Igreja, com o Forte, e em Coimbra, eles estão trabalhando com residências e comércios”, destaca Cybelle Miranda. Na Almedina, muitas casas não contam com equipamentos sanitários nem cozinhas. Essas particularidades fazem com que o processo de revitalização seja desenvolvido de forma diferen-

te. O Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Degradadas (Praud) prevê a parceria entre proprietários e Câmara Municipal para a recuperação dos imóveis. “Por trás dessa ideia de ‘habitabilidade’, que é uma medida louvável, pois garante condições de existência para todas as pessoas, está a candidatura de Coimbra a Patrimônio da Humanidade”, esclarece a professora. Entre os dois bairros estudados, o ponto em comum é a vocação turística, explorada política e economicamente pelos governos. Tanto em Belém quanto em Coimbra, a revitalização gera uma ‘espetacularização’, em que o passado vira elemento de consumo. “Em alguns locais, ficam, apenas, as fachadas das casas”, diz Cybelle Miranda. De acordo com a arquiteta, em Belém, o bairro da Cidade Velha tem potencial para tornar-se uma ‘Cidade Viva’. “Em São Luís, no

Maranhão, recentemente nomeada Patrimônio da Humanidade, percebe-se muita cenografia, mas não se observa aquilo que ainda temos na nossa Cidade Velha: as pessoas que vivem no local frequentam as missas, colocam as cadeiras na calçada, conhecem seus vizinhos e têm histórias para contar, ou seja, um patrimônio que não pode ser perdido,”avalia. Além da Cidade Velha, a professora Cybelle Miranda aponta outras áreas em Belém que merecem valorização urgente, como o bairro do Reduto, antigo setor industrial da capital, e o bairro do Comércio, hoje, muito afetados pela criminalidade. Acima de tudo, a pesquisadora espera que, em Belém ou em Coimbra, os moradores das cidades possam usufruir desses espaços como áreas vivas e não apenas como cenários. Assim, prédios e memórias estarão preservados.

O novo Portal de Periódicos da Capes já está disponível para a comunidade acadêmica. Mais ágil e eficiente na busca de informações científicas, o novo Portal conta com acervo de mais de 15 mil títulos em todas as áreas de conhecimento. A UFPA está entre as 12 instituições que irão avaliar as ferramentas do novo sistema. Acesse em http://novo. periodicos.capes.gov.br/

Seminário Acontece, entre os dias 14 e 16, o VIII Seminário Nacional de Políticas Educacionais e Currículo, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da UFPA. "A ética e regulação no currículo e nas políticas educacionais" será a temática central da programação do evento. Mais informações no site http://www.belemvirtual.com.br/viiiseminario/.

Mestrado O Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA está ofertando quatro vagas em seu curso de Mestrado (área de concentração: Direitos Humanos) para candidatos indígenas. Os interessados poderão fazer suas inscrições até o dia 09, das 8h30 às 17h30, na Secretaria da Pós-Graduação em Direito. Mais informações http://www.ufpa.br/ascom/links/ editais/icjms.pdf

Bettina Membros da comunidade acadêmica da UFPA já podem contar com o Serviço de Primeiros Atendimentos no Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza. Das 8 às 18h, de segunda a sexta-feira, o usuário terá atendimento médico e de enfermagem para ocorrências leves, como alterações bruscas de pressão, enxaquecas, cólicas menstruais intensas e outros tipos de mal-estar.

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Dezembro, 2009 –

Cidade Velha

Memória

De vila operária a bairro nobre

Centro histórico é vítima do trânsito

Patrimônio sofre agressões diárias com tráfego intenso e desordenado

Wagner Meier

Prédio que pertenceu à fábrica Perseverança, hoje, abriga um estabelecimento de ensino e escritórios particulares

n Fábrica da Phebo é a única em funcionamento A pesquisadora obteve as informações nas consultas de registros de imóveis, nos relatórios administrativos, nos periódicos, em outros documentos datados do início do século XX até a década de 1940 e em fontes orais – moradores antigos que contribuíram com suas lembranças do cotidiano dessa época. Obviamente, foi indispensável um passeio histórico pelas ruas e pelos estilos arquitetônicos, além de um significativo levantamento sobre o perfil dos moradores durante o período de intensa produção nas fábricas instaladas no bairro. Para a orientadora do trabalho, a professora Maria de Nazaré Sarges, trata-se de uma pesquisa sem precedentes, por recorrer a novas possibilidades de fontes. “Pouco se estudou o bairro do Reduto, e esse trabalho coloca em evidência um espaço que, hoje, é disputado por vários grupos sociais”, acrescenta a pesquisadora, autora do livro Belém: riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912). A principal característica da indústria em Belém, no início do século XX, era o seu franco desenvolvimento apesar das dificuldades decorrentes da “crise da borracha”. As fábricas que surgiam nesse período operavam com baixa tecnologia, mas atendiam ao

mercado local, no caso das indústrias de bens de consumo e indústrias de matéria-prima semimanufaturadas, voltadas para a exportação. “Não eram grandes fábricas, mas correspondiam à demanda da cidade e isso era importante para uma economia que se sustentava independente do mercado externo”, ressalta a professora Rosana Padilha Entre as fábricas de maior destaque no bairro do Reduto, está a fábrica Perseverança, localizada no quarteirão entre as ruas Quintino Bocaiúva, Gaspar Viana, Rui Barbosa e Municipalidade. Tratava-se de um estabelecimento de grande porte, que chegou a dominar o mercado de cabos, barbantes, cordas e linhas para pesca. O prédio abriga, atualmente, um estabelecimento de ensino e alguns escritórios. A fábrica Phebo, fundada em 1924, ficou famosa pela produção e comercialização dos sabonetes Phebo, de cheiro e cor inconfundíveis. Era uma das fábricas que mais investia em propagandas de seus produtos. É a única em funcionamento até hoje na Travessa Quintino Bocaiúva. Nos anos de 1950, a construção da rodovia Belém-Brasília facilitou a entrada e a comercialização de

Criação de terminal de integração em São Brás diminuiria fluxo de veículos no centro da cidade

Mácio Ferreira

M

odernos edifícios, localização privilegiada e uma das regiões mais valorizadas da cidade. Assim, é caracterizado, atualmente, o bairro do Reduto, em Belém, onde está situada a Avenida Doca de Souza Franco, com seus atrativos imobiliários, comerciais e de entretenimento. Contudo, pouco se conhece sobre a história do bairro e sua importância econômica para a cidade no período compreendido entre os séculos XIX e XX. O Reduto, que já foi habitado, predominantemente, por pessoas de baixo poder aquisitivo, exerceu importante papel no desenvolvimento comercial da cidade de Belém. A proximidade do bairro com a Baía do Guajará era um aspecto favorável. Comerciantes de várias nacionalidades, principalmente sírio-libaneses, se estabeleceram na região pela facilidade em descarregar suas mercadorias vindas de outras cidades. No início do século XX, a maior parte das fábricas que se instalaram em Belém estavam situadas no Reduto. Foram estabelecimentos que, no período de 1920 a 1940, se mantiveram firmes em sua produção. Por essas características, o lugar recebeu identificações como “bairro mercado” e “bairro operário". A dissertação “Reduto de São José: história e memória de um bairro operário (1920-1940)”, defendida pela professora Rosana Padilha no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará, buscou discutir a representação criada sobre o Reduto como uma região de moradia essencialmente operária. Trata-se de uma tentativa de recomposição da memória do bairro, em que são discutidas as representações atribuídas a ele ao longo do tempo. “Quem eram, realmente, as pessoas que moravam no bairro? Documentos revelam que o bairro recebeu a representação de ‘bairro operário’ por conta de seu grande número de fábricas e não, exatamente, por ter, em seu contingente populacional, uma maioria operária”, explica Rosana Padilha, professora de História na Escola de Aplicação da UFPA.

Killzy Lucena

T

Rosana: residência para poucos produtos do Sudeste do País, o que prejudicou a produção e o comércio locais. Assim, o fechamento de muitas fábricas foi inevitável. Apesar das mudanças urbanísticas sofridas pelo bairro, ainda é possível encontrar antigos galpões de fábricas, transformados em outros estabelecimentos, e casas que preservam o mesmo estilo arquitetônico.

n As vilas operárias foram construídas para ordenar a cidade Durante a Belle-Époque, a política sanitarista de Antônio Lemos instituiu que as classes industriais e operárias deveriam possuir acomodações próprias, buscando uma ordenação, sobretudo estética, na cidade de Belém. A construção de vilas operárias foi apresentada como a melhor solução para o “problema” das habitações operárias, consideradas anti-higiênicas. Foram construídas muitas

n Centro Administrativo

WAGNER MEIER

Dissertação conta trajetória do bairro operário do Reduto

Brena Freire

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vilas no bairro do Reduto, algumas com moradias simples, habitadas por pessoas mais pobres, mas poucos operários das indústrias do bairro. As melhores casas se tornaram um grande negócio para os empresários, que as construíam e cobravam altos preços pelos aluguéis. Dessa forma, tornou-se economicamente inviável para os operários habitarem esses locais. “Na realidade, as vilas foram

construídas para os empregados com cargos de maior importância nas fábricas, como os gerentes e os operários especializados que tinham condições de pagar. Por meio de documentos, observa-se que a maioria dos operários habitava a periferia de Belém e era procedente de áreas vizinhas, como Pedreira, Umarizal e Jurunas. Os diversos relatos de antigos moradores também deixam claro que o bairro do Reduto era um local

de trabalho para os operários e não de moradia”, explica Rosana. Hoje, ainda é possível encontrar cerca de vinte dessas vilas no Reduto. Em geral, apresentam características populares, com construções geminadas. A Vila Áurea, construída em 1920, na Rua Aristides Lobo com a Travessa Benjamim Constant, é uma delas, embora não seja reconhecida por seus atuais moradores como vila operária.

repidação ocasionada pelo trânsito de veículos pesados, excesso de linhas de ônibus circulando no local e estacionamento desordenado. Essas são algumas causas do prejuízo irrefreável sofrido, diariamente, pelo patrimônio arquitetônico da Cidade Velha, em Belém. Analisando a situação e sugerindo mudanças que promovam a boa circulação e a conservação predial, a arquiteta Vanessa Renê Corrêa Ribeiro escreveu a monografia “Diretrizes de Mobilidade para o Bairro da Cidade Velha: uma condição para a preservação e conservação do Patrimônio Arquitetônico", apresentada em sua especialização no Fórum Landi, sob a orientação do professor Paulo de

Castro Ribeiro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Tecnologia da UFPA. Vanessa Ribeiro conta que seu interesse pela Cidade Velha e seus prédios, praças, igrejas, casarios - a maioria datada do século XVII – começou, ainda, durante a graduação, ao observar a ação do tempo e a má conservação dessas construções. De 1998 até 2008, a pesquisadora trabalhou no Núcleo Cultural Feliz Lusitânia, na área de patrimônio histórico. Atualmente, na Companhia de Habitação do Pará (Cohab), teve acesso a alguns planos urbanísticos e de habitação voltados para Belém, o que ajudou no desenvolvimento da pesquisa. A proposta era que a monografia servisse como instrumento para

trabalhos futuros, especificamente, as pesquisas sobre mobilidade urbana, tráfego de veículos leves e pesados, interferências na circulação e na preservação dos monumentos históricos, alguns tombados ou não. A pesquisa tentou buscar todos os planos que foram feitos para a cidade, como o Plano de Desenvolvimento da Grande Belém (PDGB1975), o Estudo de Transportes Urbanos da Região Metropolitana (ETurBel01978), o Plano Setorial de Revitalização do Centro Histórico (1998), o Plano Diretor de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belém (PDTU-2001) e o Estudo de Viabilidade Econômica de Projetos para o Melhoramento do Sistema de Transporte da Região Metropolitana de Belém (Via Metrópole - 2002).

n Tombamento deve atrair novos usos para o local “Esse trabalho se preocupou em definir algumas melhorias para a qualidade da preservação desses prédios, já que as pessoas veem no tombamento um congelamento da área e não é assim. O objetivo do tombamento, da restauração é criar novos usos que atraiam uma nova população para esses locais, como turistas. Em várias cidades, consegue-se dar um uso de 24 horas para áreas históricas, ao contrário de Belém, onde só acontece o uso diurno”, explica Vanessa Ribeiro. A revitalização de uma área, entretanto, é um processo delicado. Por exemplo, na Rua Siqueira Mendes, no Beco do Carmo e na Rua São Boa Ventura, vivem inúmeras famílias com baixa renda e sem nenhum tipo de informação

sobre o local em que estão. Com a violência, o trânsito caótico e a falta de conservação, construções únicas desses locais não vão demorar a desaparecer. "A ideia não é tirar as pessoas de lá, porque muitas sobrevivem da pesca, mas criar um ambiente revitalizado, remanejando as famílias para áreas próximas, que possibilitem construções populares de qualidade. Depois, seria necessário um trabalho de educação patrimonial e ambiental, para que as pessoas aprendam a preservar a área histórica em que vivem”, explica Vanessa Ribeiro. A pesquisadora afirma que, só assim, será possível transformar a Siqueira Mendes num corredor com bares, lojas, galerias, centros

culturais, formando um belo conjunto com a Casa Rosada, a Fábrica de Guaraná Soberano, a Fábrica Bitar, a Igreja do Carmo e a sede do Fórum Landi. Belém e São Luís têm patrimônios semelhantes, mas a capital maranhense tem status perante a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e consegue investimentos por conta disso. O que pode ser comprovado observando o plano de habitação que está sendo feito lá. “Belém ainda está ‘engatinhando’, por falta de interesse público. O interesse da iniciativa privada está começando a funcionar. Por exemplo, a Casa Rosada está sendo restaurada por um grupo de mineração argentino, mas e o restante?”.

Salinização nas edificações, fungos nos azulejos, rachaduras, fendas. Todos esses elementos preocupam quem estuda os prédios históricos, mas Vanessa Ribeiro chama atenção para a vibração provocada pelos veículos. Ela diz que poucas construções são privilegiadas, como a Igreja de Santo Alexandre, que, ao seu redor, tem uma contenção para diminuir a vibração, e os arcos da sua entrada são grampeados para evitar que as rachaduras estruturais aumentem. A esquina, onde a Igreja está localizada, é um ponto de fluxo intenso, já que quem vai para a Dr. Assis tem de passar próximo a ela. “Belém não tem uma lei para controle de entrada de veículos pesados na Cidade Velha. É muito comum ver caminhões de material de construção descarregando, estacionados em frente à Igreja de Santo Alexandre. Além disso, existem dois portos de passageiros no bairro, o Arapari e o Jarumã, que atendem às fábricas de Barcarena. Ali, às 7h e às 18h, o movimento é intenso", relata Vanessa Ribeiro. A pesquisa sugere que esses e outros portos, existentes ao longo da Rua Siqueira Mendes, poderiam ser remanejados para o final da Avenida Tamandaré, próximo à Rua São Boa Ventura, onde poderia ser construído um complexo portuário para cargas pequenas e passageiros. Para complicar mais ainda a situação, no horário comercial, o Tribunal de Justiça, a Prefeitura de Belém e a Assembleia Legislativa se tornam polos de atração por suas atividades. É possível ver três filas de estacionamento e, em certos momentos, os ônibus não conseguem manobrar. Muitos planos feitos indicam a descentralização do centro administrativo de Belém, assim, a circulação de veículos seria revista. À época da pesquisa, existiam 59 linhas de ônibus passando pela Cidade Velha. Hoje, já são 61, somadas ao número de carros particulares que só tem aumentado, tornando os corredores de tráfego rápido em corredores lentos. Outra indicação de Vanessa Ribeiro é a criação de terminais de integração, o que implicaria a retirada do terminal intermunicipal de São Brás, passando-o para a BR-316, transformando o espaço em terminal de integração para dentro da cidade. Outros terminais seriam criados, especialmente, para se chegar ao centro e à Cidade Velha, que necessitaria de faixas azuis e bolsões de estacionamento nos arredores. De acordo com o professor Paulo de Castro Ribeiro, a melhor coisa que aconteceu na Cidade Velha, nos últimos tempos, foi a revitalização do Núcleo Feliz Lusitânia. "Os investimentos valorizaram a área e as pessoas que moram ali usam a praça, os bares e os restaurantes, o que, de fato, move qualquer centro histórico”, conclui.


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