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ISSN 1982-5994

UFPa • aNo XXVii • N. 114 • aGoSTo e SeTeMBro, 2013

Arte circense

Em Belém, circo vai além do picadeiro Páginas 12 e 13. Pesquisa

Romantismo e subversão dissertação analisa a categoria vadiagem na obra do compositor Chico Buarque de Holanda. Páginas 6 e 7. História

As almas da terra Elias Sacramento discute as consequências dos grandes projetos em Moju. Página 14.


ASSeSSORiA de cOMUnicAÇÃO inSTiTUciOnAL JORNAL BEIRA DO RIO cientificoascom@ufpa.br Coordenação: Prof. Luiz Cezar Silva dos Santos Edição: thaís Braga (2.361-SRt/PA) e Rosyane Rodrigues (2.386-dRt/PE) Reportagem: Helder Ferreira, Paloma Wilm e Vitor Barros (Bolsistas), thaís Braga (2.361-SRt/PA) e Walter Pinto (013.585-dRt/MG) Fotografia: Alexandre Moraes e Laís Teixeira Fotografia da capa: Alexandre Moraes Projeto Beira On-Line: Danilo Santos Atualização Beira On-Line: Rafaela André Revisão: Júlia Lopes e Cintia Magalhães Projeto gráfico e diagramação: Rafaela André Marca gráfica: Antônio Macêdo Secretaria: Silvana Vilhena Impressão: Gráfica UFPA Tiragem: Mil exemplares

UniVeRSidAde FedeRAL dO PARÁ Reitor: Carlos Edilson Maneschy Vice-Reitor: Horácio Schneider Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos Pró-Reitor de Planejamento: Raquel trindade Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury tourinho Pró-Reitor de desenvolvimento e Gestão de Pessoal: joão Cauby de Almeida júnior Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar Assessoria de Comunicação Institucional - ASCOM/UFPA Cidade Universitária Prof. José Silveira Netto Rua Augusto Corrêa n.1 - Prédio da Reitoria - 1º andar CEP: 66075-110 - Guamá - Belém - Pará tel. (91) 3201-8036 www.ufpa.br


As luzes estão apagadas e a plateia em silêncio. “Respeitável público, com vocês...” é a deixa para o início do espetáculo. O figurino é brilhante e colorido, os palhaços riem de si mesmos contagiando a todos, as bailarinas fazem sonhar as meninas, os trapezistas provocam frio na barriga. Pesquisando as artes circenses, Virginia Abasto descobriu que, em Belém, o circo vai além da lona. Ele também envolve artistas de rua, atletas e grupos não itinerantes. É o repórter Vitor Barros quem nos conta essa história. Na página 5, o leitor vai conhecer o Hospital do Ursinho, aqui, os pacientes são brinquedos de pelúcia. O projeto, desenvolvido por alunos do curso de Medicina, tem como objetivo tornar familiar às crianças esse ambiente hostil e impessoal que é o hospital. Quem se considera expert em Chico Buarque de Holanda irá surpreender-se com o novo olhar que a pesquisadora Roseany Caxias Lima lançou sobre a obra do compositor. Querendo fugir das análises já realizadas sobre a malandragem, a autora concentrou seu foco sobre a vadiagem. Para essa discussão, foram chamados autores como Sérgio Buarque de Holanda, Roberto DaMatta, Antônio Cândido, Roberto Schwartz e Michel Maffesoli. Esta edição ainda traz entrevista com o prof. Ricardo Alexino Ferreira, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, reportagem sobre a pesquisa que deu origem ao livro As Almas da Terra e a História da Charge. Boa leitura! Rosyane Rodrigues Editora

Índice Cerâmica marajoara e identidade no século XIX ..... 4 Brincadeiras a serviço da saúde .......................... 5 À margem da ordem ........................................ 6 Entrevista com Ricardo Ferreira (ECA/USP) ............ 8 Comunidade Acadêmica Federada .................... 10 Arte circense é tema de pesquisa ...................... 12 Conflitos de terra em Moju .............................. 14

O Campus Universitário de Bragança foi criado em 1987 e, hoje, funciona com oito cursos de graduação, entre eles, o de Engenharia de Pesca, cujo objetivo é formar profissionais que atendam às necessidades da região. A imagem de Alexandre de Moraes mostra o Rio Caeté, visto a partir da Igreja Matriz.


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oPiniÃo LAíS TEIXEIRA

Cerâmica marajoara e identidade no século XIX

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Anna Maria Alves Linhares Cientista social, antropóloga e professora do Programa de Formação de Professores (Parfor) pela UFPA

ALEXANDRE MORAES

annlinhares@ yahoo.com.br

o Estado do Pará, o artesanato copiado de cerâmicas arqueológicas dos índios Marajoara que viveram na Ilha do Marajó por volta de 400 a 1300 Ad, é uma das expressões da cultura popular. Na realidade, acredita-se que o artesanato, genericamente, chamado de “marajoara”, produzido no distrito de Icoaraci, em Belém, tenha dimensões de caráter nacional, pois pode ser encontrado nas melhores feiras de artesanato de várias cidades do Brasil, de Norte a Sul. Para explicar a dimensão identitária do artesanato, recuei no tempo e mergulhei em documentos do século XIX que pudessem explicar a disseminação do simbolismo desses objetos, tão comuns ao longo de Belém, em várias representações. Quem fizer breve passeio pela Praça Batista Campos, por exemplo, poderá ver telefones públicos representando urnas funerárias, alguns ônibus expõem, ao longo de suas laterais, as gregas marajoara ou quem fizer passeio pelas cidades da Ilha do Marajó, ao sentar-se em bancos de praças,

também irá se deparar com o grafismo, além, é claro, do referido artesanato que faz alusão total aos objetos arqueológicos encontrados na Ilha do Marajó. Analisando os documentos dos Archivos de um dos primeiros museus de História Natural do Brasil nascido no século XIX, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, observei que cientistas se empenharam em atribuir “ar nobre” às peças, a fim de que pudessem ser emblema de identidade de um país que se pretendia independente. Cientistas como Ladislau Netto, Ferreira Penna e Charles Frederick Hartt se esforçaram em caracterizar as peças como obras influenciadas por suposta migração externa, de lugares ditos civilizados, como a Grécia. A beleza das peças fez com que eles se empenhassem em atribuir civilidade aos objetos. Como índios “bárbaros” poderiam produzir peças tão belas? A explicação foi dada por de uma espécie de raciocínio analógico com objetos do mundo Ocidental. Essa análise dá a ideia do patamar em que os índios se encontravam na história intelectual do País, de inferioridade, pois o que motivou a escolha dos objetos marajoara para figurarem na história como produções superiores não foi o fato da suposta influência, que nunca foi provada, mas uma diferença estabelecida pelo Romantismo entre povos que “serviam” para serem usados como emblema de identidade e os que não serviam para tal fim. Enquanto os índios de língua tupi dos tempos coloniais eram exaltados pelo Romantismo, por não mais existirem ou terem sido assimilados “facilmente”, os Tapuias, principalmente os Botocudos, foram rechaçados por serem considerados indomáveis e ferozes. Nesse caso, o índio bom era o índio “morto”, em todos os sentidos. O etnocentrismo pairou nas pesquisas que influenciaram a exaltação da cerâmica marajoara como emblema de identidade no século XIX. Certamente, a arte e a arquitetura do século seguinte foram influenciadas pelos estudos empreendidos no Museu Nacional, pois artistas como Eliseu Visconti, Manoel Santiago, theodoro Braga, Vicente do Rego Monteiro, Carlos Hadler e Correia Dias foram disseminadores dessa cultura, intitulando-a de “neo“ marajoara”. marajoara da arte para a arquitetura, o simbolismo marajoara passou a ser recorrente na decoração de interiores, nos anos de 1930, no Rio de janeiro, combinando com o gosto Déco. digamos que ocorreu verdadeira “epidemia marajoara” na decoração das casas nesse período. Para comprovar a tese, continuo a investigar se, de fato, os estudos empreendidos no Oitocentos proporcionaram a disseminação desse simbolismo tão recorrente no cotidiano paraense e fora do Pará, pois da ciência do século XIX que exaltou essa cerâmica, a arte e a arquitetura do século XX usaram esse simbolismo na pintura e nas casas, e, na contemporaneidade, essa representação é vendida como arte ou souvenir. n


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Medicina

Brincadeiras a serviço da saúde Projeto busca familiarizar crianças com o ambiente hospitalar Acervo do Projeto

Helder Ferreira

No "Hospital do Urso", os pacientes são representados pelos brinquedos de pelúcia levados pelos próprios participantes, com faixa etária de 4 a 6 anos.

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sperança, alívio, aflição. O ambiente hospitalar provoca diversos sentimentos nas pessoas que necessitam de tratamento ou nas que apenas acompanham algum parente ou amigo enfermo. No entanto o medo configura-se como uma das principais sensações que atormentam os adultos e, principalmente, as crianças. Para tentar dirimir o receio dos pequenos, foi criado o Projeto “Hospital do Ursinho”, conhecido também como “Teddy Bear Hospital”, no qual acadêmicos do curso de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA) mostram às crianças, por meio de um ambiente hospitalar simulado, procedimentos vivenciados em um hospital de verdade. O principal objetivo é diminuir o receio de ambientes hospitalares em crianças na faixa etária de 4 a 6 anos. Para isso, elas têm experiências lúdicas em um ambiente hospitalar simulado: os pacientes são representados pelos ursos de pelúcia das próprias crianças par-

ticipantes do projeto. A intenção é que, em consultas futuras, elas tenham um bom relacionamento com médicos e hospitais. “As crianças têm medo de procedimentos hospitalares, uma vez que se deslocam a um ambiente médico em circunstâncias não muito agradáveis”, afirma a estudante do curso de Medicina e integrante do “Hospital do Urso”, Samara Khoury.

Para isso, os acadêmicos de Medicina criam um espaço hospitalar simulado, que conta com: sala de espera, recepção, consultório, sala de exames, sala de curativos, sala de cirurgia e farmácia. “As crianças são muito receptivas. Elas entram na brincadeira, utilizam o ursinho como paciente e fazem o papel de acompanhante”, explica a estudante.

Trabalho voluntário está aberto a interessados Samara Khoury é integrante do International Federation of Medical Students Association (IFMSA) – Brazil. A federação é uma instituição suprapartidária e sem fins lucrativos ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Organização das Nações Unidas (ONU). A primeira reunião da IFSMA foi em maio de 1951, em Copenhagen,

na Dinamarca. A IFMSA Brazil foi fundada em 1991 e desenvolve, todos os anos, cerca de 800 intercâmbios clínicos, cirúrgicos e de pesquisa, bem como projetos em Educação Médica, Saúde Pública, Saúde Reprodutiva, AIDS e Direitos Humanos. O trabalho do IFMSA Brazil é voluntário e realizado por estudantes, em mais de 40 Escolas

de Medicina no Brasil. “O comitê da IFMSA na UFPA existe há dez anos e participo desde que entrei na Faculdade, no início do ano passado”, enfatiza Samara Khoury. A estudante relata, ainda, que, embora o projeto seja composto majoritariamente por estudantes de Medicina, é aberto a qualquer pessoa interessada em participar.

Atividades serão ampliadas em escolas públicas Vários pais já relataram casos em que os filhos que participaram do “Hospital do Ursinho” já não apresentam tanta resistência para ir ao médico. Samara Khoury relata um caso em que uma das crianças, que chorava somente ao ver alguém

vestido de jaleco branco, passou por todas as etapas do projeto e, no final, ao ser indagada acerca do que queria ser no futuro, respondeu que queria ser médica. “Em 2012, o ‘Hospital do Ursinho’ foi realizado na Unidade Pedagógica Nelsinho, no Barreiro.

Este ano, a escola contemplada foi o Centro Educacional Idade Criativa (CEIC) e, segundo Samara Khoury, é intenção dos alunos levar o projeto a outras escolas da capital, promovendo, além do projeto com as crianças, a doação de brinquedos. n


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Música

À margem da ordem A vadiagem nas canções de Chico Buarque de Holanda Walter Pinto

Lenço no Pescoço “Meu chapéu do lado / Tamanco arrastando / Lenço no pescoço / Navalha no bolso / Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho / Em ser tão vadio. / Sei que eles falam / Deste meu proceder / Eu vejo quem trabalha / Andar no miserê / Eu sou vadio / Porque tive inclinação / Eu me lembro, era criança / Tirava samba-canção”.

Samba e Amor “Eu faço samba e amor até mais tarde/ E tenho muito sono de manhã/ Escuto a correria da cidade que arde/ e apressa o dia de amanhã/ De madrugada a gente ‘inda se ama/ E a fábrica começa a buzinar/ O trânsito contorna a nossa cama, reclama/ Do nosso eterno espreguiçar”.

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esde que, em 1917, Donga gravou Pelo telefone, tido como o primeiro samba da história, a música popular brasileira vem se alimentando de um tipo caracterizado como malandro, que, numa definição de dicionário, se trata de um personagem avesso ao trabalho, um boêmio sensual, de reconhecida lábia e modo peculiar de se vestir, falar etc., sempre em busca de levar algum tipo de vantagem. Este arquétipo do anti-herói nacional é recorrente nas letras de grandes compositores, quase sempre recriado de forma romântica. Dele se serviram Noel Rosa e Wilson Batista, por exemplo, dois expoentes da MPB da primeira metade do século XX,

para alimentar famosa polêmica, iniciada com o samba Lenço no pescoço, de Wilson Batista, cuja letra evoca o tipo clássico de malandro. O personagem também serviu para a caracterização de alguns intérpretes, com destaque para Moreira da Silva, um especialista num estilo próprio de música, identificado com a malandragem, o samba de breque. Mas parece não haver dúvida que um dos principais herdeiros contemporâneos dos antigos compositores da malandragem é o carioca Chico Buarque de Holanda. Em vários de seus discos, ele recriou a figura do malandro, às vezes, romântico, às vezes, ardiloso, mas sempre à margem da lei e da ordem. Parte desse universo da malandragem na obra de Chico Buarque

foi tema de um estudo realizado por Roseany Caxias Lima, defendido como Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPA, sob a orientação da professora Tânia Maria Pereira Sarmento-Pantoja. Para fugir às muitas análises já realizadas sobre a malandragem na obra do compositor carioca, quase tão extensas quanto os estudos sobre suas músicas de fundo lírico-feminino, a autora ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­concentrou seu foco sobre a vadiagem, que percebe como um deslocamento da malandragem. “Enquanto o malandro é aquele que utiliza o famoso jeitinho brasileiro para se dar bem, o vadio faz do seu comportamento transgressivo uma forma de resistência à sociedade capitalista, principalmente em relação ao trabalho”.


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As obras analisadas são composições de 1967 a 1985 O estudo de Roseany Lima concentrou-se sobre nove músicas de sete álbuns produzidos entre os anos de 1967 e 1985, não por acaso, durante o período da ditadura militar no Brasil. Entre 110 músicas, foram selecionadas Com açúcar e com afeto (1967); Samba e amor (1970); Partido alto (1972): Vai trabalhar, vagabundo” (1976); O malandro (1978); Hino de Duran (1978); Doze anos (1978); Homenagem ao malandro (1978); e A volta do malandro (1985). Nelas, a autora observou elementos identificados com a categoria vadiagem. Em contraponto a este mundo arredio ao trabalho, Roseany Lima elegeu a canção Pedro Pedreiro (1966), que, dentro da obra de Chico Buarque, se enquadra na categoria trabalho. Nela, o personagem título é retratado como um ser passivo, confor-

mado com as normas, o avesso do transgressor, portanto, o contrário do vadio. A intenção foi desvendar a vadiagem dentro das canções de Chico Buarque e contribuir com a fortuna crítica do compositor acerca de uma temática ainda pouco explorada em sua obra. Apoiando-se numa estrutura teórica (ver box) em que se destacam autores como Sérgio Buarque de Holanda, Roberto DaMatta, Antônio Cândido, Roberto Schwartz e, principalmente, Michel Maffesoli, para quem a vadiagem se insere numa perspectiva pósmoderna do homem, de busca por mudança, que o leva a não concordar com o que lhe é imposto pelo sistema. “É neste ponto que a obra de Chico Buarque pode ser estudada pela teoria de Maffesoli, ou seja, quando, ao recriar o universo da malandragem, avulta a figura do

vadio, um personagem insubmisso às imposições do sistema, alguém que resiste às ordens do capital”, diz Roseany Lima. No transcurso da pesquisa, a então mestranda observou que, após 1985, Chico Buarque de Holanda parece ter mudado de foco, não mais falando sobre malandros e vadios em suas canções. Tal observação, aliada à leitura das letras, ajudou-a a concluir que os vadios na obra do compositor foram construídos como uma forma de resistência à ditadura militar, o regime que vigeu por 21 anos no Brasil (1964-1985), quando houve uma supervalorização do trabalho e da família, agregada ao desejo desenfreado do Estado de Exceção de instalar a modernidade pela via do capitalismo, sobretudo com a economia aberta ao capital estrangeiro.

12 anos " Ai, que saudades que eu tenho/ Duma travessura/ Um futebol de Rua/ Sair pulando muro/ Olhando fechadura/ E vendo mulher nua/ Comendo fruta no pé/ Chupando picolé/ Pé-de-moleque, paçoca/ E disputando troféu/ Guerra de pipa no céu/ Concurso de... pipoca".

Pesquisadora identificou subcategorias de vadiagem Dentro da categoria vadiagem na obra de Chico Buarque, a pesquisadora observou a existência de duas subcategorias. A primeira, constituída pelo vadio marcado pelo romantismo, ainda muito semelhante ao malandro; a segunda, pelo vadio tendendo mais à subversão, vivendo à margem da contravenção. O vadio romântico está presente nas canções 12 anos, Com açúcar, com afeto, Samba e amor, Homenagem ao malandro e A volta do malandro. Segundo Roseany Lima, trata-se de uma representação do vadio aceita socialmente, facilmente encontrada em qualquer momento da história, não se constituindo, portanto, numa criação exclusiva de Chico Buarque. Em 12 anos, canção que faz parte da Ópera do Malandro, percebem-se reminiscências saudosistas de uma vadiagem de outrora, uma espécie de idade de ouro da liberdade, que não era plenamente determinada como, mas como expressão de certas práticas. Como explica a pesquisadora: “A letra de 12 anos remete à vadiagem romântica, não

tomada como prejudicial à ordem imposta pelo capital”. O vadio romantizado também está presente em Com açúcar e com afeto, por meio de uma narrativa feita pela companheira que, a todo custo, procura agradá-lo. Porém ele a deixa sozinha, com a desculpa de que vai para o trabalho, como se observa no trecho “Você diz que é operário/ Vai em busca do salário/ Pra poder me sustentar/ Qual o quê!” No entanto, ao falar “qual o quê!”, a narradora está duvidando, pois sabe que o seu companheiro não vai trabalhar, como afirma. É em Samba e amor que a relação do vadio resistente à cultura do trabalho aparece de forma mais efetiva. Segundo a sua análise, “enquanto todos estão se dirigindo ao trabalho, o vadio ainda está na cama, curtindo a mulher amada. Quando esse eu lírico afirma que passa as noites em claro, que não deve satisfação a ninguém, está apenas afirmando o seu total desrespeito à ordem, ao trabalho e ao processo civilizatório, que, segundo o historiador Erivan Kavart, consti-

tui noções e normas fundamentais da própria sociedade moderna”. Outra subcategoria que a autora identifica é a vadiagem à beira da contravenção, encontrada nas canções Partido alto, Vai trabalhar, vagabundo e Hino de Duran. No caso, por exemplo, de “Vai trabalhar, vagabundo”, ela observa que o eu lírico, o vadio narrador presente na canção menospreza o trabalho e a rotina cotidiana familiar do trabalhador, com sua necessidade de documentos, de economia, de enfrentamento da fila da previdência, coisas capazes de sufocá-lo. A autora conclui que a vadiagem é a causa e o efeito de uma liberdade de pensamento, de atitudes e de costumes. “Considero que este comportamento é inerente a alguns homens, algo que se desenvolve desde os primeiros anos de vida. Os teóricos dizem que o vadio não está preocupado com as regras sociais. Esse comportamento tende a ser tolhido pelo sistema, pela família. O vadio vai além: ele transpõe todas as barreiras”, conclui Roseany Lima. n

Vai

trabalhar, vagabundo “Passa o domingo sozinho/ Segunda-feira a desgraça/ Sem pai nem mãe, sem vizinho/ Em plena praça/ Vai terminar moribundo/ Com um pouco de paciência/ No fim da fila do fundo/ Da previdência”.

Leia mais http://www. jornalbeiradorio. ufpa.br/novo/


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Entrevista

Ricardo Alexino Ferreira

“A divulgação científica dever

Para Ricardo Ferreira, o conhecimento produzido na Academia Laís Teixeira

Thaís Braga

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conhecimento científico utiliza-se de métodos e técnicas para propor explicações para os fenômenos da natureza. Não é, porém, a única forma de saber existente. É possível compreender o universo por meio de outras formas, tais como o conhecimento filosófico, o conhecimento religioso e o conhecimento popular - também chamado de senso comum. A questão é que, na Modernidade, o conhecimento científico tornou-se a única forma válida de saber. Alguns autores afirmam que a ciência se tornou dogmática, no sentido de que, durante certo tempo, não se questionou o que era produzido pelos pesquisadores, como se unicamente por meio da ciência se pudesse chegar à verdade. Hoje, essas proposições são repensadas. O papel do pesquisador e da Academia é questionado, bem como a própria noção de “verdade”. Sobre o assunto, o professor Ricardo Alexino Ferreira, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), doutor em Ciências da Comunicação, conversou com o Beira do Rio. Beira do Rio - O senhor propõe uma diferenciação entre os termos divulgação científica e midialogia científica. Em linhas gerais, em que consistem essas diferenças? Ricardo Ferreira - Chamo a divulgação científica de midialogia científica, pois penso o conceito de forma mais ampla. A divulgação científica parece algo focado na produção de matérias jornalísticas ou em algum tipo de produção específica para a divulgação da ciência. Já na midialogia científica,

é possível pensar o conceito no sentido de um paradigma. Não se trata apenas do fazer. Na contemporaneidade, a primeira pergunta que um profissional que trabalha com divulgação científica deve se fazer é: “O que é ciência?”. E essa pergunta vai variar muito conforme a questão histórica. Na segunda metade do século XIX, por exemplo, a provável resposta a essa pergunta estava relacionada ao elemento civilizatório. Conforme análise dos jornais paulistanos da

época, o Correio Paulistano e A Província de São Paulo, que circulavam antes do período da Abolição da Escravatura e da Proclamação da República, encontra-se a ciência em oposição ao que é popular no Brasil. A elite brasileira vai buscar na Europa aquilo que pode ser civilizado. Um desses elementos é a ciência que se desenvolve lá - o Positivismo, de Augusto Comte, o Evolucionismo, de Charles Darwin, e a Sociologia, de Emile Durkhein. Então, essa

pretensa elite brasileira utiliza a ciência como elemento civilizatório, porque tudo o que está relacionado ao Brasil é o elemento selvagem. Na segunda metade do século XIX, refere-se à ciência para manter o status quo daquela sociedade - uma sociedade escravocrata, com diferenças sociais profundas, que deseja manter a ideia de Império. A ciência reforça esse cenário. Inclusive, as teorias raciais, nesse período, são muito frequentes. A ciência reforça a


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ria ser feita com a extensão”

a precisa ser apresentado de maneira mais prática à sociedade ideia de raça superior e de raça inferior. Beira do Rio - Quando se fala em ciência, pressupõe-se, naturalmente, que se trata de algo positivo; que a sociedade, para se organizar, deve partir do conhecimento científico. Esse dogmatismo tem sido posto em xeque? Ricardo Ferreira - No decorrer da história, evidencia-se que, nem sempre, a ciência é tão boa, tão legítima ou tão preocupada com o desenvolvimento social. Muitas vezes, a ciência é colocada acima do bem e do mal; e não se fala de uma ética da ciência, de uma epistemologia da ciência. Portanto, para iniciar o debate, é preciso definir o lugar de onde se fala e de qual ciência se fala. Basta que a ciência mude um pouco o foco para que se torne algo nefasto. Há, ainda, um outro ponto a se analisar. Que ciência é desenvolvida nas universidades e nos centros de pesquisa? Ela serve, de fato, para a sociedade? Ela transforma alguma realidade? Ou apenas reforça os modelos? Uma outra questão: nós temos uma ciência

“A ciência deve provocar mudanças na qualidade de vida das pessoas”

com a nossa cara, uma ciência brasileira, que desenvolva aquilo que seria interessante para nós? Percebo que a nossa ciência ainda é muito voltada para fora, para atender os interesses internacionais, que seguem modelos e metodologias europeias e norte-americanas. A ciência produzida no Brasil deveria atender as necessidades brasileiras. Ainda assim, é preciso fazer um recorte, porque o Brasil é muito grande. A ciência desenvolvida no Norte tem uma identidade, tem uma característica. No Sul, outra. Não se pode falar em universalização da ciência quando as demandas são diferentes. Então, na minha visão, ciência está agregada à cultura. Não consigo conceber ciência sem considerar o aspecto cultural, senão a ciência apenas vai reforçar modelos eurocêntricos. Beira do Rio - A objetividade científica, uma das principais características dessa forma de conhecimento, é possível de ser alcançada? Ricardo Pereira - Nas minhas pesquisas, eu retomo a subjetividade. O mundo tem natureza subjetiva. Essa ideia de objetividade vem também do Positivismo. Objetividade e imparcialidade são construções que não existem. Pensa-se que a ciência é objetiva, porque segue métodos e metodologias rígidas, mas não é verdade. O cientista e o pesquisador procuram respostas para as dúvidas que têm. Eles só pesquisam aquilo que os motiva. São perguntas pessoais. A ciência, às vezes, está muito próxima da arte, pois, na sua natureza, é subjetiva.

“O jornalista precisa repensar o seu papel social, seu papel como narrador” Beira do Rio - Como o senhor avalia a divulgação feita pelas instituições de ensino superior e de pesquisa? Ricardo Pereira - A divulgação científica está ligada, hoje, pela ideia de marketing institucional. Quando se fala em divulgação científica, por exemplo, a instituição de ensino superior ou de pesquisa pensa muito mais em mostrar aquilo que ela própria produz. Mas em que medida a instituição está, de fato, preocupada com o desenvolvimento social? Ou está apenas preocupada em como vai se mostrar para a sociedade? De certa forma, não saberia dizer se a prática está errada, pois não há por que abrir espaço para outras instituições. É o grande dilema. Trata-se de uma reserva de mercado, o que leva as instituições a se distanciarem umas das outras e a criarem uma espécie de competição. Nesse caso, sugiro repensar o que é divulgação científica. Se essa proposta de marketing institucional é inevitável, pode-se pensá-la paralelamente à extensão universitária. A divulgação científica, na sua

natureza, deveria ser feita com a extensão. A divulgação científica restringiu-se à ideia de difundir conhecimentos via comunicação. Penso, no entanto, que, na sua essência, trata-se de algo mais complexo. A divulgação científica tem que ser corpo a corpo, tête-àtête, com projetos, ou seja, o que está sendo produzido na Academia deve chegar de maneira mais prática e organizada para os grupos que estão fora da Academia. Beira do Rio - Repensar a ciência também implica reconsiderar o papel da comunicação nessa interface da divulgação científica? Ricardo Pereira - Sim, o comunicador também precisa repensar seu papel social. Eu entendo o comunicador, principalmente o jornalista, como o narrador da contemporaneidade. Mas o jornalista perdeu muito a capacidade narrativa, por vários elementos - as redações cada vez mais enxutas, por exemplo. Ou melhor, vai se tornando um narrador que não dialoga e não trabalha com matérias polissêmicas. Essa forma de comunicação é muito perversa. O jornalista acabou se tornando o único profissional de ensino superior que se gaba de ser prático, técnico. A partir do momento em que o jornalismo se torna uma ciência, o profissional torna-se também um cientista. O jornalista não se julga um cientista, portanto, não questiona a pesquisa, tomando-a como verdade absoluta. A ciência deve provocar mudança na qualidade de vida das pessoas, no pensamento, assim como a comunicação. n


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Intercâmbio

Comunidade Acadêmica Federada Rede garante acesso a acervo de instituições parceiras Alexandre Moraes

Em fase inicial de implantação, a CAFe permite que o usuário consulte o Portal de Periódicos da Capes utilizando login e senha de e-mail da UFPA.

Helder Ferreira

e os métodos de autenticação. Já os provedores de serviços dismagine que você precisa obter ponibilizam aos usuários acesso um dado importante para con- à rede sem fio, aos periódicos, cluir a sua pesquisa e ele está a softwares acadêmicos etc. Ao disponível apenas em bibliotecas utilizar um cadastro único, com virtuais de cinco universidades es- acesso a todas as instituições da palhadas pelo País. Para acessá-lo, confederação, cria-se o princípio você precisaria possuir cadastro de identidade federada. Para acessar serviços de em cada instituição, criando login e senha para cada uma delas. Para instituições pela CAFe , há alguevitar todo esse trabalho, a Rede mas etapas pelas quais o usuário Nacional de Ensino e Pesquisa deverá passar: Primeiramente, o (RNR) criou a Comunidade Aca- usuário fará acesso ao provedor dêmica Federada (CAFe), que irá de serviço. Em seguida, o usufacilitar o acesso aos serviços ofe- ário seleciona a sua instituição recidos pelas instituições brasilei- de origem. Depois, o usuário é ras que participam da Federação. redirecionado para o seu proveA Federação funciona com dor de identidade. Este provedor dois provedores, um, de iden- autentica o usuário com o método tidade; e outro, de serviços. O escolhido pela instituição. O proprimeiro armazena e gerencia vedor de serviços recebe garantia informações, como nome, CPF e de autenticação do usuário pelo e-mail. Esses dados são guardados provedor de identidade. Finalizane geridos pela instituição de vín- do, o provedor de serviços decide culo do docente, discente ou ser- sobre as autorizações e disponibividor, cabendo-lhe a atualização liza o serviço para o usuário.

I

O projeto iniciou em 2007, com apenas cinco instituições. Atualmente, 25 instituições de ensino e pesquisa participam da Federação. “A UFPA foi uma das primeiras universidades brasileiras a adotar as normas da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e implantar a infraestrutura para integrar a CAFe, ação iniciada em 2009”, lembra Carlos Eduardo de Oliveira Nogueira, coordenador de Segurança, Serviços e Internet da UFPA (CSSI) e responsável local pela comunidade. Um dos motivos do êxito da entrada da UFPA na CAFe é a sua base tecnológica para provedor de identidade. “Vários serviços, como e-mail institucional, funcionam por meio da Plataforma LDAP, que já utilizamos aqui. Quando a UFPA começou os trâmites para ingressar na Comunidade, a entrada foi facilitada, pois um dos requisitos é ter o LDAP como provedor de identidade”, explica Carlos Nogueira.


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Próximo passo é desenvolver certificação digital Projeto gráfico Diogo Martins / Ilustrador Tecnodesign

A Comunidade Acadêmica Federada (CAFe) faz parte de uma confederação com universidades europeias. O serviço eduGAIN reúne três mil instituições de ensino e pesquisa em 32 países. Além do Brasil, fazem parte da eduGAIN federações da Croácia, Finlândia, Hungria, Itália, Noruega, Espanha, Suécia e Suíça, entre outras. A CAFe é a primeira Federação das Américas a fazer parte desta rede de confiança. “Isso significa que, apenas com a senha da UFPA, você poderá acessar os serviços de qualquer instituição de ensino e pesquisa da Europa”, ressalta Carlos Nogueira. O coordenador explica que, na UFPA, a CAFe está em fase inicial. Por enquanto, apenas o Portal de Periódicos tem opção de ser acessado pela comunidade federativa por meio do login e da senha de e-mail da UFPA. De acordo com Carlos Nogueira, com a consolidação do serviço de internet sem fio, por meio do Projeto UFPA 2.0, e a CAFe em um estágio avançado, não apenas o e-mail da UFPA poderá ser usado para acessar a rede sem fio, mas também qualquer pessoa que tem vínculo com as instituições participantes da Federação vai acessar a rede com uma identidade digital própria. Esse tipo de identificação será o próximo passo do projeto: a integração da CAFe com a Infraestrutura de Chaves Públicas, projeto

Provedores de identidade são responsáveis pela manutenção das informações sobre usuários e por sua autenticação.

da UFPA de certificação digital em andamento. A identificação digital consiste em um cartão que poderá ser utilizado, por exemplo, por qualquer usuário que pertença a uma instituição de pesquisa que faça parte da Federação. Se ele estiver em visita a uma universidade integrante da CAFe, ele po-

derá utilizar os serviços disponíveis apresentando o cartão. “Quando a Infraestrutura de Chaves Públicas estiver implantada, cada usuário terá um certificado digital próprio, nos moldes dos cartões de banco, sem a necessidade de autenticação pelo e-mail”, afirma o coordenador.

Dados pessoais de usuários estão protegidos Quando nos deparamos com o tema “identificação no meio virtual”, a segurança dos dados sempre desperta preocupações. Carlos Eduardo de Oliveira Nogueira assegura que todas as informações disponibilizadas para autenticação na CAFe estão protegidas. Na Federação, apenas informações necessárias são disponibilizadas para as autenticações de identidade, podendo variar da simples garantia de que aquele usuário é reconhecido e autenticado

pela instituição até informações sobre seu status ou tempo de vínculo com essa instituição. O Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é uma biblioteca virtual que reúne e disponibiliza a instituições de ensino e pesquisa brasileiras um acervo de mais de 34 mil periódicos com texto completo, 130 bases referenciais, 11 bases dedicadas exclusivamente a patente, além

de livros, enciclopédias e obras de referência, normas técnicas, estatísticas e conteúdo audiovisual. Este é o primeiro serviço que a UFPA oferece para ser acessado via CAFe. “O acesso ao Portal de Periódicos é de extrema importância, pois possibilita ao usuário dispor de um amplo conteúdo em qualquer instituição que participe da Federação. Isso beneficiará a pesquisa, o ensino e o intercâmbio de conhecimento”, avalia o coordenador. n

CAFe reúne 25 instituições de ensino e pesquisa

eduGAIN reúne 3 mil instituições de ensino e pesquisa em 32 países

Capes 34 mil periódicos com texto completo, 130 bases referenciais, 11 bases dedicadas à patente.


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Picadeiro

Arte circense é tema de pesquisa Faltam políticas e espaços para o circo contemporâneo FOTOS ALEXANDRE MORAES

O Grupo Palhaços Trovadores é pioneiro na linguagem do clown, desenvolvendo pesquisas e trabalhos nessa linguagem.

n Vitor Barros

“U

ma pirueta, duas piruetas, bravo, bravo...”. toca a música e o apresentador chama o palhaço, as bailarinas, o trapezista. Eles dançam e voam pelo ar, cospem fogo e parecem tocar o céu com suas pernas de pau. Uma das mais antigas e completas manifestações populares e artísticas, o circo é sinônimo de alegria e diversão para crianças e adultos. Não há como negar, circo é uma arte mágica.

No Brasil, o circo influenciou e sofreu influência do teatro, da dança, da música, das artes plásticas e até da literatura; adaptando-se a cada tempo e a cada lugar, manifestando-se de diversas maneiras ao longo dos anos. Apesar de ter uma presença forte na cultura brasileira e paraense, o circo ainda é pouco valorizado e carente de espaços e políticas públicas que abranjam todas as suas facetas na contemporaneidade. Esses são alguns dos apontamentos da pesquisa feita pela artista circense argentina

e mestranda do Programa de PósGraduação em Artes da Universidade Federal do Pará (PPGArtes/ UFPA), Virgínia Abasto, sob orientação da professora Wlad Lima. A partir de sua vivência acerca do circo, Virgínia Abasto debruçou-se sobre uma pesquisa histórica, sociológica e cultural a fi m de entender como essa arte milenar está presente em Belém e o que a sustenta na atualidade. Analisando um período que compreende treze anos (2001 a 2013), a pesquisa resultou na dissertação “Retrato de picadeiro, o habitus de circo na Belém do século XXI”. Com uma abordagem sobre a teoria do habitus, do sociólogo francês Pierre Bourdieu, e com base em narrativas orais, coletadas por meio de depoimentos de grupos de circos itinerantes, artistas de rua, ex-alunos e professores da Escola Circo Mano Silva, de Belém, e de grupos e artistas não itinerantes, a pesquisadora desnuda o estado atual do circo na cidade. São observadas tanto a ideia tradicional do circo da lona quanto outras manifestações fora desse espaço, crescentes em Belém. Aqui, o circo inclui artistas de rua, atletas, acrobatas e grupos não itinerantes.

Possibilidades de pesquisas são inesgotáveis No decorrer da pesquisa, Virgínia Abasto passou a ver a questão por meio de outra lente. “Esse habitus de circo, essa estrutura ainda existe. Ela simplesmente se encontra de outras maneiras, ou melhor, feita por outras pessoas em momentos diferentes. A pesquisa atesta isto: as habilidades circenses sempre estiveram em vários lugares. Não é de hoje que o artista sai da lona, para em uma cidade e vai fazer perna de pau na frente de uma loja”, explica. Esta é a primeira dissertação que investiga as artes cir-

censes, dentro do PPGArtes. Porém, há outros pesquisadores que abordaram a temática nas áreas do design, da Educação Física, da Antropologia e da Sociologia. “Estamos despertando pesquisadores e também ouvindo pessoas que se interessam pelo tema e podem trazer uma colaboração que nunca ninguém imaginou. Isso nos incentiva como Grupo de Pesquisa e nos faz pensar num grupo de pesquisa voltado para esse circo mais amplo”, avalia. “O circo é uma linguagem híbrida, que sobrepassa as ciências

da arte, como empresa, como local de desenvolvimento de atividades físicas de alto rendimento, como espaço onde há relações humanas regidas por códigos sociais, legais etc. Quando se vê o circo além das atividades artísticas, fica mais fácil perceber esse leque de possibilidades de análises da vida circense dentro e fora das lonas. Dessa forma, fica mais convidativo para o pesquisador mergulhar nesse campo da investigação. É só sairmos da ideia primária da lona que outros caminhos se abrem para o circo”, atesta a pesquisadora.


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Seminário discute fragilidades e soluções Uma das questões verificadas pela pesquisadora é a necessidade de mais diálogo entre os artistas locais. diante dessa realidade, surgiu o Seminário de Pesquisa em Artes Circenses, que teve sua primeira edição no ano passado, com apoio da Coordenação de Circo da Funarte e Fundação Cultural do Pará tancredo Neves. O seminário foi realizado no âmbito do Grupo de Pesquisadores em Artes Cênicas da Amazônia (PACA) do PPGARtES, em parceria com a Produtora Independente Vida de Circo, dos quais Virgínia faz parte. Essa foi uma maneira de articular estruturas que permitam enxergar melhor para onde caminha o circo em Belém, como afirma a pesquisadora. “O diálogo deve, necessariamente, ser feito entre as gerações circenses, entre os que são donos de circo, mestres, professores,

iniciantes, artistas itinerantes e não itinerantes, do palco, do picadeiro e da rua”. Ainda não há uma integração, mas a artista esclarece que as tentativas têm avançado e que é preciso esforço para melhorar a situação do circo na cidade. O seminário ainda permite que sejam detectadas necessidades dos grupos e dos artistas. As maiores fragilidades enfrentadas pelos artistas - e também reveladas pela pesquisa - são a falta de lugares de treino, políticas culturais, espaços de diálogo, espaços de pesquisa e formação continuada. Fica cada vez mais evidente a importância desses encontros, na medida em que promovem o levantamento de reflexão e enfrentamento de outros problemas que são apontados pela pesquisadora: “o circo de lona quer praças para acampar, com taxas mais viáveis, que compensem sua

Teatro inspirado no circo O Grupo Palhaços Trovadores surgiu em Belém, em 1998, com o espetáculo “Sem peconha eu não trepo neste açaizeiro” (resultado de uma oficina de clown, ministrada por Marton Maués, fundador e diretor artístico do grupo). O grupo, pioneiro na linguagem do clown na cidade, vem desenvolvendo, ao longo desses anos, sua pesquisa e seus trabalhos em torno dessa linguagem. A produção do grupo, apesar de ser teatral, não deixa de beber das habilidades da arte circense, como malabares, acrobacias, pernas de pau e pirofagia. Marton Maués, pesquisador e doutor em Artes pela UFBA, comenta que suas pesquisas fazem um levantamento histórico e conceitual sobre a arte do circo e do palhaço e, com elas, pretende registrar o trabalho do Grupo Palhaços Trovadores e apurar cada vez mais a criação utilizando a linguagem do palhaço no teatro. Segundo o pesquisador, “é interessante descobrir e confi rmar a importância desse personagem em todas as sociedades, em culturas e momentos históricos diversos e, sobretudo, na contemporaneidade. Também é importante para meu trabalho, tanto como professor quanto como criador, desvendar e dominar procedimentos técnicos no trabalho do ator-palhaço”.

bilheteria. O artista de rua quer ser legalizado. O artista de grupo quer espaço para treinar, para pendurar seu tecido, seu trapézio. O diálogo vai fazer com que essas fragilidades alcancem uma solução”. No âmbito das políticas culturais, Virgínia defende que os problemas vão se resolver, se houver mobilização dos artistas em busca da ampliação de espaços, começando por mexer nos editais e nas leis que ainda não acolhem o circo dentro das artes. “Não há artes sem política cultural. Não há arte sem reflexão. A partir do momento em que há reflexão, a arte também é política como postura e articulação”, assevera. E já é possível ver resultados dessa articulação em editais como os do Instituto de Artes do Pará, da Lei Semear e do próprio PPGArtes do Instituto de Ciências da Arte (ICA). n

"É interessante descobrir a importância do palhaço para diferentes sociedades e em momentos históricos diversos", avalia Marton Maués.


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História

Conflitos de terra em Moju Livro analisa impactos de grandes projetos de 1970/80 Laís Teixeira

Vitor Barros

1987, quando foi assassinado. Esse é um dos capítulos da história recente da Amazônia, marcada pela força de homens e mulheres que ainda travam verdadeiras batalhas pelos seus direitos nos campos paraenses. Moju, nas décadas de 1970 e 1980, vivenciou esse enredo a partir da chegada dos grandes empreendimentos do agronegócio, incentivados pelo governo federal, que, àquela altura, estava nas mãos dos militares. Os colonos viram-se ameaçados de perder suas terras e, inconformados, organizaram-se e foram protagonistas de um grande enfrentamento, que transformou o município em um verdadeiro campo de guerra. Esse processo violento está retratado no livro As Almas da Terra: a violência no campo mojuense, do historiador e professor do Campus de Cametá da Universidade Federal do Pará (UFPA), Elias Diniz Sacramento. Fizeram parte dessa história vários personagens.

P

or voltas, das 13h, um homem sai para providenciar o jantar. Comprou peixe para comer com a família. No caminho, encontrou amigos e o filho que assistiam a um jogo de futebol no centro de uma cidade paraense chamada Moju, que, em Tupi, significa Rios das Cobras. Às 16h, este homem volta para casa levando o alimento em uma motocicleta, quando, iniciando a descida da ladeira, a um quilometro de casa, foi pego de surpresa por um caminhão governado por um motorista mal-intencionado. O veículo não sofreu praticamente nada, mas o homem, arremessado a certa distancia, jamais voltou para casa. Poderia ser uma história de ficção, mas ela é real. Trata-se de Virgílio Serrão Sacramento, ex-sindicalista, pai de onze filhos, um marco da luta e da resistência pela terra em Moju, desde que chegou ao município até abril de

Narrativas orais ajudaram a remontar o período A obra é resultado da pesquisa que rendeu o título de mestre em História Social a Elias Sacramento, em 2007. Mas o livro só ganhou corpo em janeiro de 2012, sendo publicado no mesmo ano pela Editora Açaí. Os temas abordados, como conflitos de terra, implantações de projetos agroindustriais, embates entre latifundiários e trabalhadores rurais, posseiros, quilombolas, enriquecem o debate acerca do assunto nas mais diversas áreas do conhecimento. O professor destaca a importância da publicação, cujo tema, segundo ele, precisa ser mais explorado e

refletido pela Academia. Dividido em quatro capítulos, o trabalho apresenta uma história contundente de como viviam os mojuenses antes de 1980 e descreve como se deu o processo de implantação dos projetos na cidade, “a chegada dos diversos empreendimentos, como foram se instalando e modificando o campo mojuense, como os colonos se organizaram, a atuação da Igreja Católica e a influência da Teologia da Libertação, a atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, como a política teve uma atuação para os donos dos projetos agroindus-

triais, enfim, toda uma dinâmica até então nunca vista no município”, aponta. Foram feitas coletas de narrativas orais, por meio de entrevistas com os sujeitos que vivenciaram esse momento. Segundo o autor, os depoimentos foram importantes para “ter um quadro mais claro de como o município fez essa transição”. Ainda nesse sentido, foram coletados e analisados dados, a partir de documentos históricos, matérias de jornais, atas de reuniões, entre outros. A obra evidencia o quanto sofreu a população mojuense

em virtude da implantação desgovernada dos projetos. Os empreendimentos agroindustriais ajudaram a criar uma realidade desigual, que se observa até hoje em muitas cidades da Amazônia. Isso se deve à forma como os governos militares implantaram esses projetos, de “cima para baixo”, criando uma “falsa riqueza”, pois a produção dos diversos produtos excluiu a população da região, permitindo o lucro a uma minoria, explica o professor. n Leia mais: http://www. jornalbeiradorio.ufpa.br/novo/


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A História na Charge

Em Tempo Marajó

Marajó II

Marajó III

A Universidade Federal do Pará (UFPA), o Movimento Marajó Forte, a Câmara Federal e a Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM) formam a comissão responsável pela elaboração de um plano emergencial de oferta de cursos de nível superior para atender os 16 municípios que compõem o arquipélago.

Nos próximos meses, a Comissão irá elaborar dois projetos. O primeiro, propondo a interiorização da Universidade, com modelo semelhante ao Programa Parfor, com a oferta de cursos que atendam a demanda dos municípios daquela região. O segundo projeto, de médio a longo prazo, deverá propor a criação da Universidade Federal do Marajó.

O Censo Escolar de 2012 apontou 16 mil alunos matriculados nas escolas de ensino médio da região, enquanto a oferta atual de vagas da UEPA, em Salvaterra, e da UFPA, em Soure e Breves, soma apenas 360. O plano emergencial é uma tentativa de reverter os números que apresentam os municípios marajoaras com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil.

Iniciação Científica

Castanhal

UFPA 2.0

De 31 de outubro a 1º de novembro, a UFPA será sede da IX Jornada de Iniciação Científica dos Grupos PET, evento realizado pelos grupos do Programa de Educação Tutorial (PET) da UFRA, da UFPA e do IFPA. A programação envolve conferência, mesa-redonda, palestras e debates a respeito do tema “Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais na Amazônia”.

A Pós-Graduação em Letras e a Faculdade de Letras do Campus Universitário de Castanhal realizam, no período de 17 a 19 de outubro, o III Seminário: Interação e Subjetividade no Ensino de Línguas (SISEL). O evento tem por objetivo refletir sobre os rumos que o ensino de língua vem tomando no Brasil. Para mais informações, acesse o blog do evento: http://www.3sisel.blogspot.com

A Praça da República, em Belém, ganhou dois pontos de acesso à internet, via de redes sem fio. Os dois rádios instalados no prédio do Instituto de Ciências da Arte (ICA) disponibilizam conexão 24 horas, com capacidade para atender até 140 pessoas conectadas ao mesmo tempo. A ação faz parte do Projeto UFPA 2.0, gerenciado pela Pró-Reitoria de Relações Internacionais.



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