Beira108

Page 1

issn 1982-5994

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012

Fotos Alexandre Moraes

Entrevista JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXVII • N. 108 • Outubro, 2012

Cidadania

Estudo avalia as perspectivas da juventude

Laís Teixeira

Círio tem onze partes essenciais Grupo de 14 a 29 anos, do Guamá, não tem expectativa de chegar ao ensino superior, segundo pesquisa feita pelo ICED. Página 9.

Meio Ambiente

Walter Pinto

C

inco anos depois de implantada, a política de cotas adotada no Processo Seletivo da Universidade Federal do Pará (UFPA) deveria passar por uma avaliação, conforme determina resolução do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe), para apreciação dos resultados e correção de distorções com vista à continuidade do sistema. Embora a avaliação não tenha sido realizada, porque as primeiras turmas de cotistas de cursos de grande impacto social ainda não concluíram seus cursos, um estudo da Comissão Permanente de Processos Seletivos (Coperps) traz dados que contestam alguns preconceitos, a exemplo dos que identificam os cotistas como menos capacitados ou que eles colocariam os cursos para baixo. Em entrevista ao Beira do Rio, a assessora de diversidade étnico-racial da UFPA, professora Marilu Campelo, aborda o assunto. Beira do Rio – É possível afirmar que o modelo de cotas implantado na UFPA contempla os anseios dos grupos étnico-raciais? Marilu Campelo – Sim. Na verdade, muito antes da implantação do sistema atual, nós, do Grupo de Estudos Afro-Amazônicos, já discutíamos uma proposta étnico-racial na Pró-Reitoria de Ensino (Proeg), que abrangia a temática indígena e atendia às demandas nacionais e locais da população negra, seguindo uma discussão muito mais ampla, que são as políticas públicas para essas populações. Nosso projeto não incluía a questão da escola pública. Era uma proposta étnicoracial voltada às populações indígena e negra. Dentro dela, havia uma parte específica para as comunidades quilombolas. Porém, no decorrer das discussões, a temática indígena foi retirada, permanecendo apenas uma proposta para a população negra, com suas especificidades. Mas, depois de tramitar na Câmara de Legislação e Normas, nossa proposta foi rejeitada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe). Em meio ao debate público, o então reitor Alex Fiúza de Mello formulou outra proposta, impondo como condição só discutir a questão se fosse como cota para a escola pública.

Beira do Rio – Na política atual, os negros formam um subgrupo da cota escola pública. Isso representa um problema para a etnia? Marilu Campelo – Infelizmente, sim. O ideal seria que tivéssemos a desvinculação. A questão é que a UFPA, ao adotar a vinculação, acabou por fechar um pouco e limitar a participação dos negros, excluindo os que estudam em escolas particulares. Se a ideia é fazer uma ação afirmativa, uma discriminação positiva como é chamada, para promover por igual esta população negra, ela deveria atingir a todos. Mas, aí, a gente esbarra na grande dificuldade da maioria dos nossos colegas, a de assumir seus preconceitos e aplicar um programa de ação afirmativa que, efetivamente, combata a discriminação racial. Então, não importa se esse jovem negro está na escola pública ou na escola particular, ele estará sempre numa situação de fragilidade, porque a estrutura de pensamento da sociedade brasileira é racista. Ela se apega a critérios como o individualismo e o mérito. Beira do Rio – Quando foi adotado, o sistema de cotas da UFPA tinha validade por cinco anos, quando, então, seria avaliado. Quais os resultados dessa avaliação? Marilu Campelo – Essa avaliação ainda está por ser feita de forma mais contundente. A Coperps, junto com a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (Proeg), tem alguns dados que avaliam o ingresso dos cotistas, mas ainda falta avaliarmos o desempenho desses formandos. Os dados que temos nos dão uma pequena amostra, mas não nos permitem avaliar o impacto da política em cursos de duração maior. As primeiras turmas estão se formando agora. Contudo nos permitem observar mudanças consideráveis no perfil dos jovens que estão entrando na universidade: hoje, há estudantes negros em cursos cujo sistema tradicional jamais permitiria acesso. Como consequência, decidiu-se pela manutenção do atual modelo, sem determinação de tempo. A avaliação será realizada, de acordo com os rumos da política nacional, que somente agora, em 2012, votou e aprovou o projeto de cotas nas universidades. Enquanto isso, vamos organizar as coisas que ficaram desorganizadas, porque a resolução apenas instituiu a política de cotas por cinco anos, deixando de fora uma série de questões, entre as quais a dos

quilombolas, que embora não tenha sido rejeitada, também não aparece explícita na resolução. Beira do Rio – Em relação à política de apoio aos cotistas, o que tem sido feito para garantir suas permanências nos cursos? Marilu Campelo – Não temos ainda um programa de permanência voltado para ações afirmativas. Diria que o processo está apenas engatinhando. Há várias ações que devem compor esse programa, entre as quais, o oferecimento de acompanhamento psicopedagógico; a criação de bolsa com recorte étnico-racial; o desenvolvimento de campanha de esclarecimento com objetivo de se evitar alguns preconceitos, como os que identificam os cotistas como menos capacitados ou que eles colocam os cursos para baixo. Um estudo recente realizado pela Coperps indicou que o aproveitamento dos cotistas nos processos seletivos tem sido igual e, em alguns casos, superior ao dos não cotistas. Também podemos observar que não há registro de queda de qualidade dos cursos. O sistema de cotas está funcionando, agora com nova resolução, que contemplou especificidades de outras inclusões – portadores de necessidade especiais e comunidades quilombolas. A Assessoria de Relações Étnico-Raciais tem lutado para a criação de um Programa de Permanência que atenda às especificidades dos cotistas. Vamos criar comissões permanentes específicas para terra indígena, para comunidades quilombolas, para escola pública, incluindo, nesta, os de etnia negra. Estas comissões farão o acompanhamento dos processos do cotidiano. No entanto estamos encontrando determinadas barreiras por parte de alguns dirigentes, dentro da Reitoria, para implantá-las. Beira do Rio – É possível estender a política de cotas à pós-graduação? Marilu Campelo – Atualmente, três programas de pós-graduação já garantem o acesso por cota em seus editais, o de Ciências Sociais, o de Direito e o de Antropologia e Arqueologia, mas, na prática, só os dois últimos conseguiram efetivá-lo. No de Ciências Sociais ainda não há registro de pós-graduando que tenha entrado por essa ação afirmativa. Implantar as cotas na pós-graduação é uma das reivindicações dos grupos que defendem ações afirmativas para as populações negra e indígena na UFPA.

Enfoque tendencioso e privilégio de fontes oficiais são características da cobertura feita por dois jornais impressos do Estado. Página 4. Procissão do 2º domingo de outubro é um dos elementos que fazem da Festa de Nazaré patrimônio cultural imaterial

P

rofessor da Faculdade de História (Fahis), Márcio Couto Henrique desenvolveu o artigo para a "Amazônica - Revista da Antropologia", no qual analisa os documentos entregues ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que levaram à constituição do Círio de Nazaré como patrimônio cultural imaterial brasileiro. Segundo o pesquisador, onze caracterís-

ticas estão presentes na Festa desde o surgimento. São elas: as Imagens original e peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, a Procissão principal, a Trasladação, a Berlinda, a Corda, o Recírio, o Arraial, o Almoço do Círio, as Alegorias e os Brinquedos de Miriti. A Romaria Fluvial e o Auto do Círio, por exemplo, ficaram de fora, pois foram introduzidos à manifestação recentemente. Páginas 6 e 7.

Cultura

Jovens entram em contato com a arte no MUFPA

Belo Monte é construída em Altamira

Entrevista Professora Marilu Campelo avalia a política de cotas. Página 12.

História na Charge Walter Pinto ilustra a disputa pela mão de obra indígena. Página. 2

Saúde

Museu da Universidade Federal do Pará realiza visitas monitoradas a crianças e adolescentes de escolas

da periferia de Belém. A ideia é que, no futuro, os estudantes, já adultos, frequentem o MUFPA. Página 10.

Paula Sampaio/Arquivo/O Liberal

Reserva para os negros não deveria estar condicionada à escola pública

Arquivo O Liberal

Professora defende desvinculação das cotas

Discursos por trás da Usina de Belo Monte

PET Saúde Ananindeua promove atividades de educação com pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Página 3.

Fármacos

Moléculas cessam a ação de doenças

Opinião Professor Gilmar Silva destaca a expansão da região de Cametá. Página 2.

Projeto atenta para o serviço humanizado

Visitas ao MUFPA contribuem para aumentar o repertório cultural dos alunos

Laboratório utiliza a biodiversidade da Amazônia para criar ensaios capazes de inibir males tropicais. Teste é por computador. Página 5.


Acervo Pessoal

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012 –

Memória kkk

OPINIÃO

Gilmar Pereira da Silva

Filosofia, Ciências e Letras

gpsilva@ufpa.br

Desafios para a construção da Universidade na Amazônia Amazônia Tocantina (UFAT). Tratase da compreensão de que, para que se intensifique o desenvolvimento regional, pleiteado quando do início da interiorização da UFPA, é necessário um maior contingente de doutores e mestres na região, bem como maior número de vagas e cursos, mesmo face ao volume de avanços que a UFPA vem alcançando nos últimos anos. Em Cametá, por exemplo, o Campus da UFPA, que funcionava em uma escola doada pela Prefeitura do município, aumentou sua área construída, a partir do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), possibilitando novos prédios, ampla biblioteca, auditório, laboratórios e novas salas de aula, além de ter ampliado o número de docentes – saiu de um quadro de oito professores efetivos para 61, entre mestres e doutores. Novos cursos foram criados, como Agronomia (demanda antiga

A História na Charge Walter Pinto

da região), Sistema de Informação, Língua Inglesa, História, Matemática, Ciências, ao lado dos cursos que deram origem ao Campus, Pedagogia e Letras Língua Portuguesa; bem como vários cursos de pós-graduação lato sensu, com docentes do próprio campus, resultando em pesquisas sobre a região que a têm impactado social e politicamente. Também se destaca a atuação do Campus em assumir o processo de formação continuada de professores da Educação Básica, com o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). Essa configuração vem possibilitando também ao Campus de Cametá ampliar o seu número de vagas. Em 2011, foram ofertadas 13 novas turmas no processo seletivo da instituição, em um total de 532 novos acadêmicos. Atualmente, o Campus de Cametá, como os de Abaetetuba e Tucuruí, vem promovendo discussões a fim de se criar um Programa de Pós-

Graduação stricto sensu, que atenda a expectativa de formação já, há muito, presente na região para além dos cursos de graduação e especialização. Nos últimos anos, o Campus de Cametá assumiu um compromisso de se interiorizar ainda mais, levando cursos presenciais para os municípios de Mocajuba, Baião, Limoeiro do Ajuru, Oeiras do Pará e, agora, Tomé-Açu – processo denominado, hoje, como a “interiorização da interiorização”. Em que pesem esses avanços, o contexto histórico atual vem exigindo que os campi se articulem em torno de um projeto maior para a região, impactando-lhe cada vez mais positivamente. Por isso, a criação da Universidade Federal da Amazônia Tocantina (UFAT) tornase uma realidade a ser cada vez mais perseguida.

Conheça alguns pesquisadores que marcaram a trajetória do IFCH Alexandre Moraes

A

partir de 1986, a Universidade Federal do Pará (UFPA) intensificou o processo de interiorização de suas ações acadêmicocientíficas, com a criação de campi regionais sediados em diversos municípios paraenses. Tratou-se de uma atitude ousada da Universidade, haja vista que a iniciativa não fazia parte das ações do governo federal naquele momento. Passados 26 anos, a ação possibilitou que inúmeros filhos de trabalhadores tivessem acesso ao ensino superior, de modo a contribuir com os processos de desenvolvimento da região, causando, inicialmente, impactos significativos na educação básica, que era o fulcro central da origem da interiorização. Nos últimos anos, porém, os Campi de Cametá, Abaetetuba e Tucuruí vêm se articulando, com o apoio da Administração Superior, dos parlamentares e da sociedade civil, para constituir mais uma universidade no Estado, a Universidade Federal da

11

Gilmar Pereira da Silva – Doutor em Educação e coordenador do Campus de Cametá

walterpinto.oliveira@gmail.com

IFCH mantém, atualmente, cinco Faculdades - Ciências Sociais , Filosofia , Geografia, História e Psicologia -, além de cursos de mestrado e doutorado Jane Felipe Beltrão

C

omeçou como Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, como muitas no País, nos anos 50 do século passado. São 57 anos de histórias e memórias. Nascida em 1955, como Faculdade, e incorporada, em 1957, à Universidade Federal do Pará (UFPA), enfrentou muitas reformas e, hoje, balzaquiana, separada das Letras e da Educação, que conquistaram espaços acadêmicos próprios, é, hoje, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – depois de ter sido Centro, na reforma dos tempos que não queremos mais, pois pertenceram ao tacão da ditadura, que muito incomodou os profissionais da casa.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA cientificoascom@ufpa.br - www.ufpa.br Tel. (91) 3201-8036

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; PróReitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; PróReitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional Coordenação Luiz Cezar S. dos Santos; JORNAL BEIRA DO RIO Edição: Thaís Braga; Reportagem: Flávio Meireles/ Jane Felipe Beltrão/Mayara Albuquerque/Paulo Henrique Gadelha/Pedro Fernandes//Walter Pinto (561-SRT/PA); Fotografia: Alexandre Moraes/Laís Teixeira; Secretaria: Silvana Vilhena; Beira On-Line: Leandro Machado; Revisão: Júlia Lopes/ Cintia Magalhães; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA; Tiragem: 4 mil exemplares.

Reminiscência – Não me lembro de todos os passos, mas compartilho com os leitores o pouco que sei das memórias que conservo. Entrei na História nos anos 70 do século passado, com receio de enfrentar os respeitados mestres do casarão da (avenida) Generalíssimo (Deodoro), que abrigava a Faculdade. Eram muitos mestres. Encontrei as professoras Maria Anunciada Chaves e Maria Paula Chaves, que atuavam na História. A primeira, pela importância na formação de gerações de historiadores, dá nome ao Laboratório de História. Professores Francisco de Paula Mendes e Albeniza Chaves eram mestres da Literatura, respeitados e elegantes no exercício do magistério. Na Filosofia, Simão Bittar e Benedito

Nunes lançaram as sementes que geraram a PósGraduação em Filosofia. Em outras áreas e, como pioneiro de larga visão, lá nos barracões – isso mesmo, o espaço do austero sobrado foi ficando acanhado e ergueram-se salas improvisadas, daquelas que se tornam “permanentes”, no quintal da propriedade – ficava Manuel Aires, o cientista que constituiu a Genética. Nos altos do casarão, conheci Arthur Napoleão Figueiredo e Anaísa Vergolino-Henri, que constituíram a Antropologia. O primeiro, em justa homenagem, dá nome ao Laboratório fundado nos anos 80 na Cidade Universitária. Na educação, Antonio Gomes Moreira Júnior dirigia a Faculdade, quando logrei entrar na Federal. Foi na reforma universitária o esteio da criação do, agora, Instituto de Ciências da Educação (ICED). Referência na Geografia era Antonio Viseu da Costa Lima, que foi diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, na passagem ao então Campus Universitário do Guamá. Na Sociologia, Amilcar Alves Tupiassu foi mestre de muitos e integrou o grupo que, com Armando Mendes, foi ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA). Mudança – Lembro outros mestres importantes, como Otávio Mendonça, Orlando Costa e Roberto Santos – estes, bacharéis em Ciências Jurídicas e Sociais, fortaleceram a formação nas Ciências Humanas e são importantes na história da constituição da UFPA. Os mestres nomeados, aqui, são aqueles que conheci e marcaram, de forma indelével, a minha

geração. Entretanto, para além do reconhecimento pelos que, em outros tempos, edificaram a Filosofia, as Letras e as Ciências Humanas, a Faculdade era o lugar de conversas, festas, colações e pequenos passeios no entorno da Generalíssimo, para “comer um lanchinho” nos intervalos das aulas. Na época, era o tacacá da (travessa) 14 de Março, rua paralela à Generalíssimo, ou o “cachorro quente” da esquina. Na vinda ao Campus, em 1970, quando tínhamos aulas nos pavilhões da beira do rio, no ainda chamado Núcleo Pioneiro do Guamá, ficamos divididos (mestres e alunos) entre o casarão e as “viagens” ao Guamá, espaços que não eram apenas diferentes, mas produziam um corte na tradição dos grandes casarões da UFPA, espalhados pela Belém dos anos 70. Novidade pouco aceita, que produzia a união de todos os campos de conhecimento em um mesmo espaço, no qual a convivência se avizinhava. Difícil era o desafio. Hoje, a Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto parece familiar e seria difícil voltar atrás. Ir à Universidade e ao IFCH é estar às margem do Guamá. A Faculdade faz parte da memória e, hoje, o casarão abriga a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Pará (Apae/ Pará) que, por certo, deve produzir outras emoções aos usuários do locus. Jane Felipe Beltrão - Antropóloga, docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UFPA) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012 –

Saúde

Cultura

Paula Sampaio/Shirley Penaforte/Arquivo/O Liberal

Museu da UFPA promove visitas monitoradas para crianças e adolescentes

ICS aproxima-se de pacientes do SUS

Projeto realiza campanhas educativas em 18 unidades de Ananindeua Pedro Fernandes

D

MUFPA (à esquerda) está localizado em prédio histórico no bairro Nazaré, centro de Belém. Estratégia das visitas monitoradas é constituir o futuro público adulto.

H

istória, memória, passado, curiosidade. Essas palavraschave são suscitadas quando falamos em museus, espaços em que há registros das mais variadas naturezas, os quais influenciaram, de alguma forma, o intercurso das dinâmicas da humanidade. A fim de garantir a democratização e a divulgação das informações, o Museu da Universidade Federal do Pará (MUFPA) realiza visitas monitoradas ao acervo do espaço para crianças e adolescentes de escolas da cidade de Belém. “Os museus, basicamente, pos-

suem três funções, que são adquirir, conservar e divulgar. Esta última, inclusive, é a mais importante. Não tem sentido um museu ser concebido, como durante muito tempo aconteceu, como um local para guardar objetos. Essa ideia já está superada. Este tipo de espaço é uma rica fonte de divulgação e obtenção de conhecimentos. Para que seja efetivo nesta função, deve formar público, tornar-se parte da vida cotidiana da população. No caso do Museu da UFPA, as visitas monitoradas são a estratégia para formar o futuro público adulto do MUFPA”, explica a professora e diretora do Museu da Universidade, Jussara Derenji.

Segundo a diretora, as visitas monitoradas são realizadas de acordo com a seguinte logística: existe uma relação de escolas (entre públicas e particulares) que constam nos registros do MUFPA. Então, quando há alguma exposição programada, o setor de ArteEducação entra em contato com essas instituições de ensino, por e-mail ou telefone, a fim de saber quais as que têm interesse em agendar uma visita. Quando os estudantes chegam ao Museu, já há toda uma estrutura organizada para atendê-los. “Neste momento, o intermediador, que faz a ponte entre o visitante e o objeto exposto, já está preparado para prestar qualquer explicação às crianças e aos

adolescentes que estiverem presentes. É importante ressaltar que esses alunos não chegam como uma página em branco. Eles trazem consigo uma bagagem cultural. As obras serão observadas de acordo com a experiência de vida de cada um”, pondera a professora. A intermediação, conforme a docente, transmite a proposta do curador, que é o responsável por montar o conteúdo de uma determinada exposição. O trabalho de explicação aos visitantes é desempenhado por estudantes de Artes Visuais ou Museologia da Universidade, os quais atuam como bolsistas ou voluntários do Museu.

Iniciativa prioriza jovens de escolas públicas da periferia A ação educativa acontece, via de regra, de terça-feira à sexta-feira. Normalmente, recebe-se até 50 estudantes por dia, 25 em cada período, quantidade que, consoante Jussara Derenji, é adequada às dimensões do espaço. Antes da visita propriamente dita, o grupo é preparado para o conteúdo a ser exposto, recebendo informações prévias das obras que irão observar. A partir disso, ao longo da visitação, o intermediador discorre, oralmente, ou expõe DVDs especialmente preparados a respeito da exposição e dos temas abordados, em cada uma das salas do MUFPA.

No ambiente, alguns locais são de exposição de longa duração, como o acervo da Sala de Memória. Este espaço foi montado com o objetivo de resgatar a memória e a história da UFPA. A iniciativa atende, sobretudo, crianças e adolescentes que têm entre 7 e 15 anos de idade. Embora as visitas sejam abertas para estudantes de qualquer rede de instituição de ensino, participam, notadamente, alunos oriundos da escola pública. “Consideramos que os alunos de colégios públicos, principalmente os que moram em periferia, têm mais dificuldade de locomoção e,

por isso, os priorizamos. Em vários eventos, há acordos e convênios que possibilitam que um meio de transporte vá às escolas pegá-los”, pontua a diretora. O Projeto está contemplado dentro da política do MUFPA. De acordo com a professora, essa diretriz sinaliza que tudo o que for transmitido aos visitantes tem que refletir o vínculo com a Universidade. Vislumbra-se, em longo prazo, a formação de um público que transmita os ensinamentos obtidos no ambiente. “A nossa prioridade são crianças e adolescentes para a formação do posterior público adul-

to. Acredita-se nesse investimento, porque, se essas categorias forem educadas para frequentar o Museu desde cedo, elas, possivelmente, irão fazer isso quando adultas”, defende Jussara Derenji. Uma das visitas monitoradas já realizadas foi especial. Crianças autistas do Centro Gabriel Lima Mendes, localizado em Icoaraci, vinculado ao Liceu de Artes e Ofícios do distrito, conheceram o MUFPA. De acordo com a professora, a resposta das crianças foi extremamente positiva, pois elas se adaptaram facilmente e aproveitaram a visita com entusiasmo.

Ação aumenta o repertório cultural e atiça a curiosidade Para a discente de Artes Visuais da Universidade e bolsista do Museu, Sthefane Sagica, a iniciativa do espaço colabora para o aumento do repertório cultural e para o despertar da curiosidade e das descobertas do aluno. “No momento da visitação, a pergunta clássica ‘o que isso quer dizer?’ é comum. A partir dessa situação, indagamos o estudante ‘o que você acha que isso significa?’. Com isso, há o estímulo para que a imaginação e a curiosidade sejam afloradas. O que se percebe é um grande interesse por parte das crianças

e dos adolescentes”, afirma. Sthefane Sagica destaca, como uma exposição importante de 2011, o 2° Prêmio Diário de Fotografia. Nesta mostra, segundo ela, aproximadamente, duas mil pessoas compareceram, muitas delas, alunos de escolas de Belém. A diretora do Museu ressalta que, especificamente, o público que vem de colégios da rede pública, localizados na periferia da capital paraense, tem um comportamento irretocável, além de um grande interesse. “Muitos desses estudantes estão vindo a um

museu e vendo uma obra de arte pela primeira vez. Contudo, quando eles chegam ao espaço, demonstram um comportamento exemplar. Não criam tipo de problema algum ou situação constrangedora para o andamento da ação. Outro ponto positivo é que os alunos manifestam ter muita vontade e interesse pela atividade que está sendo desenvolvida e oferecida a eles”, finaliza Jussara Derenji. Evolução - O MUFPA fica na avenida Governador José Malcher, nº 1.192,

bairro Nazaré, Belém. Trata-se de um prédio histórico, construído no preâmbulo do século XX e restaurado entre 2004 e 2009. O acervo conta com obras de arte contemporânea, com ênfase para as da década de 80 em diante. A coleção possui peças valiosas do século XIX. Há nove anos, o espaço registrava um público anual estimado em 400 pessoas. Atualmente, o número geral de visitantes chega a 1.500 mensalmente. Informações pelo telefone (91) 3224-0871 ou pelo e-mail museu-ufpa@ufpa.br.

esde o início de suas atividades, em abril de 2010, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde da Família (PET Saúde), do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Federal do Pará (UFPA), realiza campanhas de educação e saúde nos Postos de Saúde da Família (PSF) do município de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém, contribuindo, assim, para o bem-estar da população local. O Programa começou com dois grupos PET Saúde da Família. Em março de 2011, foi ampliado para três. Cada grupo PET é composto por um tutor (professor universitário com vínculo efetivo), seis preceptores (funcionários dos postos de saúde), doze alunos bolsistas (previamente selecionados e devidamente matriculados na Universidade) e até 18 alunos voluntários. Os alunos bolsistas e voluntários do Projeto são discentes dos cursos de Medicina, Farmácia, Enfermagem, Odontologia e Nutrição. As ações do Programa abarcam os três eixos da graduação – ensino, pesquisa e extensão. Segundo a professora da Faculdade de Medicina e coordenadora do Programa, Carla Pires, o PET Saúde Ananindeua é um projeto amplo. As ações não se restringem aos postos de saúde, pois algumas atividades são realizadas em colégios, igrejas, centros comunitários e, até mesmo, nos domicílios. “O foco principal é atender as populações registradas nas

Laís Teixeira

Estudantes entram em contato com a arte

Paulo Henrique Gadelha

3

PET Saúde UFPA - Ananindeua atende a população registrada no Programa Saúde da Família (PSF), do governo federal estratégias Saúde da Família (PSF), pré-selecionadas pela coordenação da Atenção Básica de Ananindeua e pela Coordenação do PET Saúde UFPA – Ananindeua”, explica. Entre as ações de ensino do Projeto, destacam-se as aulas expositivas sobre temas da área da saúde, principalmente, sobre Atenção Primária à Saúde. Quanto à pesquisa, os alunos desenvolvem projetos de

pesquisas voltados às necessidades da comunidade local. Além disso, com base nas informações obtidas por meio das práticas do Projeto, os alunos elaboram artigos, os quais são apresentados em congressos científicos e encontros estudantis, bem como publicados em revistas especializadas. No quesito extensão, diversas são as atividades oferecidas à comu-

nidade do município. Campanhas de vacinação, do aleitamento materno, de incentivo à doação de sangue, de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, de combate ao colesterol, de combate à dengue, contra a hepatite B, contra o tabagismo, contra a doença de chagas, de incentivo à leitura, à reciclagem, de acompanhamento médico a gestantes, de ações de higiene correta da boca e das mãos, entre outras.

Contato com atenção básica estimula serviço humanizado Outra atividade significativa do Projeto foi a “1ª Jornada contra a Hanseníase no Pará”, em 2011, realizada em parceria com a Liga de Medicina Tropical (Lamtep) da UFPA. O evento teve como objetivo informar os estudantes sobre a hanseníase e suas implicações. O PET Saúde da Família é uma parceria entre a UFPA, por meio do ICS, o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação e as Secretarias Municipais de Saúde. Multiprofissional e multidisciplinar, o Projeto possibilita a convivência e a troca de experiências entre os alunos de vários cursos da área da saúde.

Os discentes aprendem a trabalhar em equipe e a valorizar a função de cada profissional no cuidar das pessoas, destaca a professora Carla Pires. O Projeto também ensina uma importante lição: o atendimento humanizado. “O PET aproxima o futuro profissional da população, proporciona aos alunos o contato direto com a comunidade, com a Atenção Primária à Saúde e com os profissionais da área”, pontua a coordenadora. Aluno de Medicina da UFPA e voluntário do PET Saúde Ananindeua, Igor Corrêa reitera: “O principal objetivo do PET é aproxi-

mar a graduação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele estabelece a relação próxima do aluno com a rotina dos profissionais de saúde que atendem nos postos e o contato direto com os agravos que acometem a comunidade.” Atualmente, o PET Saúde Ananindeua atua em 18 postos de saúde da família. Em cada posto, há uma equipe. Além das ações rotineiras semanais e dos artigos científicos, cada equipe é responsável por desenvolver um projeto de pesquisa que atenda as demandas da população. “Os projetos são construídos pelos alunos sob a orienta-

ção dos preceptores e do tutor de cada posto de saúde. É elaborado um pré-projeto, que é encaminhado para aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Depois, é iniciada a pesquisa. Esses trabalhos serão apresentados em eventos científicos, como jornadas e congresso, tanto na UFPA – a Jornada de Extensão e Pesquisa (Joexpe) do ICS e a Semana de Extensão da Pró-Reitoria de Extensão (Proex) da UFPA – como em eventos nacionais – o Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade e o Congresso Nacional de Educação Médica”, afirma Carla Pires.

Premiações garantem excelência do trabalho desenvolvido Em 2011, o PET Saúde UFPA – Ananindeua inscreveu 52 trabalhos científicos na Jornada de Extensão e Pesquisa (Joexpe) do ICS, dos quais, dois foram premiados. O Artigo “Saúde do homem – hiperplasia benigna de próstata e câncer de próstata: um relato de experiência” foi eleito o melhor trabalho na categoria “Ensino”. Outro artigo, “Acompanhamento interdisciplinar de crianças em risco nutricional em uma unidade de saúde

da família: relato de experiência”, recebeu menção honrosa na categoria “Extensão”. Em fevereiro deste ano, o PET Saúde UFPA – Ananindeua ficou com o 2° lugar no Prêmio Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC), com o Artigo “Perfil dos hipertensos da Unidade de Saúde da Família Cidade Nova 8, município de Ananindeua”. O trabalho foi aceito para publicação na

edição especial de 30 anos da Revista Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (RBMFC). O artigo premiado recebeu o certificado de honra ao mérito e R$ 2 mil, os quais foram divididos entre os alunos para a compra de livros acadêmicos. Para a coordenadora do Projeto, o prêmio é de fundamental importância não somente para os “petianos” que desenvolveram o artigo, mas também para a UFPA, que,

novamente, ganha uma premiação de relevância nacional. “Trata-se de uma premiação nacional e de uma Sociedade respeitada mundialmente. Ter um artigo do PET premiado com o segundo lugar representa um sinal de dever cumprido para com a responsabilidade que nos foi atribuída. Em todos os trabalhos publicados pelo PET, vai, também, o nome da UFPA, que confirma sua colocação de destaque no País”, conclui Carla Pires.


4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012 –

Cidadania

Meio Ambiente

P

or mais de três décadas, o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em fase de instalação na região Xingu, é objeto de ampla discussão entre governo federal, organizações não governamentais, ambientalistas, pesquisadores, lideranças sindicais e indígenas em torno da viabilidade do empreendimento. Dois dos principais jornais paraenses, O Liberal e Diário do Pará, não ficaram alheios à questão. Com o objetivo de analisar de que forma as publicações abordaram o tema, no período de maio de 2009 a setembro de 2010, a discente Josiele Sousa, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia, da Universidade Federal do Pará (UFPA), desenvolveu a Dissertação Desenvolvimento & Socioambientalismo: uma análise do discurso jornalístico de “O Liberal” e “Diário do Pará”. De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) de Belo Monte, o aproveitamento hidrelétrico da Usina supriria em 5,5% a demanda atual por energia. Segundo a Norte Energia S/A, empresa responsável pela administração da geração, comercialização e distribuição da energia elétrica da Usina, do total a ser produzido por Belo Monte, 3,22% serão consumidos no Estado do Pará e mais da metade, o equivalente a 56,28%, será destinada somente à Região Sudeste e ao Distrito Federal. Para os representantes do Executivo Federal, a implantação da Usina mostra-se indispensável para a garantia do abastecimento de ener-

Tarso Sarraf/Arquivo/O Liberal

Jornais do Pará acompanham o debate em torno da Usina de Belo Monte

Diagnóstico revela que juventude do bairro vislumbra até o ensino médio Paulo Henrique Gadelha

O

Usina de Belo Monte é construída às margens do rio Xingu, em Altamira. Povos indígenas e ribeirinhos são impactados. gia elétrica aos Estados brasileiros e à continuidade do crescimento econômico experimentado pelo País nos últimos dez anos. Em direção contrária, movimentos ambientalistas e entidades representativas de trabalhadores rurais, de comunidades tradicionais da Amazônia e dos povos indígenas posicionam-se contra o projeto energético ao denunciarem os possíveis impactos ambientais, culturais, sociais e econômicos que ocorrerão nos municípios que com-

põem a região Xingu. Estima-se que pelo menos 300 mil moradores serão afetados pelo empreendimento a partir da construção de reservatórios de água da Usina e da inundação de áreas habitadas, o que justifica a atenção concedida à polêmica a respeito da viabilidade da Hidrelétrica. A polêmica a respeito da Usina voltou a se intensificar a partir da divulgação, em maio de 2009, da concessão de licenças ambientais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as quais permitiriam o início das obras. Josiele explica que, a partir disso, vários agentes e instituições sociais restabeleceram uma disputa ideológica segundo dois conceitos principais, que foram utilizados em sua Dissertação: o desenvolvimentismo – que defende o crescimento econômico do País a todo custo – e o socioambientalismo – que defende a preservação do meio ambiente para as futuras gerações.

Alianças político-partidárias levam a enfoque tendencioso Os dois jornais paraenses publicaram, no período estudado, mais de 470 textos jornalísticos sobre a temática. “Conhecer o processo constitutivo do discurso jornalístico das duas publicações foi um dos objetivos principais do trabalho, bem como trazer novos elementos para a compreensão da função dos jornais como mediadores das relações sociais e como produtores de bens simbólicos na Região Amazônica”, explica Josiele Souza.

Jovens do Guamá têm pouco otimismo

Outro objetivo, segundo ela, consistiu em analisar a manifestação da interdiscursividade nos jornais impressos, com destaque para a repetição discursiva de tempos passados sobre os assuntos amazônicos, que adquiriram novas formas materializadas em textos jornalísticos. O estudo teve como fonte de informações a pesquisa documental indireta, a pesquisa bibliográfica sobre a Usina Hidrelétrica e o contexto histórico-social que envolve a polêmica do projeto.

Josiele explica que os Jornais O Liberal e Diário do Pará realizaram uma cobertura com enfoque claramente tendencioso, privilegiando determinadas fontes em suas matérias. Segundo ela, isso se deve ao fato de ambos os jornais manterem alianças econômicas e político-partidárias relevantes na Região Amazônica, as quais garantem, financeiramente, a atuação de ambos como empresas jornalísticas. Os discursos manifestaramse favoráveis ao desenvolvimento

econômico urgente, à valorização da oferta de empregos em grande escala e à aplicação de recursos vultosos na viabilização de projetos nessa vertente, independentemente das consequências socioambientais e culturais aos amazônidas. Apesar disso, segundo ela, o discurso dos jornais também foi mediado por valores socioambientais que entendem o empreendimento hidrelétrico como uma ameaça à preservação da vida na região, mesmo que em menor escala.

s anseios, as necessidades, as expectativas e os desafios da juventude brasileira e paraense compuseram o mote do Plano de Trabalho “Perfil e demandas da juventude de um bairro da periferia de Belém – Pará”, desenvolvido pela aluna Greyce Reis, do curso de Pedagogia, do Instituto de Ciências da Educação (ICED) da Universidade Federal do Pará (UFPA). O estudo foi orientado pela professora Lúcia Isabel da Conceição Silva, coordenadora do Projeto de Pesquisa “Juventude e Resistência: significados e alternativas de participação de jovens em processos coletivos de luta pela melhoria da qualidade de vida”, do qual a estudante era bolsista, e o Plano de Trabalho foi um desdobramento. O local do estudo foi o bairro Guamá, o mais populoso de Belém, localizado na região periférica do município e circunda parte da Universidade. “A proposta era fazer um diagnóstico da juventude do Guamá. Com isso, procurou-se verificar e entender qual era o perfil socioeconômico e cultural desses jovens, bem como as demandas e percepções que eles tinham sobre os direitos sociais básicos de todos os indivíduos”, explica Greyce Reis. O Plano de Trabalho foi dividido em duas etapas. Na primeira, foi aplicado um questionário com 67 perguntas aos 762 jovens, de ambos os sexos, de 14 a 29 anos, que participaram da pesquisa. As questões

Carlos Borges/Arquivo/O Liberal

Comunicação discute o socioambientalismo Mayara Albuquerque

9

Estudo traçou o perfil socioeconômico e cultural da juventude do Guamá: educação superior não é prioridade eram sobre renda familiar, moradia, condições de acesso à educação, trabalho e lazer. O questionário, de acordo com Greyce Reis, indagava os entrevistados sobre como era morar no Guamá, bem como as perspectivas que eles tinham do futuro. Na primeira parte do estudo, a discente ainda não estava presente e o Projeto de Pesquisa da profes-

sora Lúcia Isabel Silva não possuía bolsista para a execução do Plano de Trabalho. Assim, a docente, em parceria com educadores de quatro entidades do bairro, treinou uma equipe de jovens do Guamá para a obtenção e a sistematização dos dados da primeira etapa. “O Espaço Cultural Nossa Biblioteca, a Associação de Pais Moaraná, o Centro de Comuni-

cação e Educação Popular (Cepepo) e o Centro Comunitário Sebastião Mearim, entidades do Guamá que oferecem atividades culturais e de assistência à comunidade, foram parceiros neste trabalho. Com a ajuda delas, jovens do próprio bairro saíram às ruas, em grupos, e entrevistaram os participantes da pesquisa”, explica a professora.

Só1% da população estudada possui educação superior A segunda etapa da pesquisa consistiu na formação dos Grupos de Diálogos. Nesta fase, Greyce Reis passou a integrar o Projeto de Pesquisa, dando continuidade ao Plano de Trabalho, o qual contava, ainda, com a professora Lúcia Isabel Silva e com demais discentes de Pedagogia da UFPA, que atuavam como voluntários. “Nesta outra fase do estudo, os dados coletados com o questionário foram devolvidos à comunidade, e discutidos com a juventude do bairro os resultados obtidos”, afirma Greyce Reis. De acordo com a pesquisa, apenas 1% dos jovens do Guamá cur-

savam o ensino superior, entre instituições públicas e privadas; a maioria era católica; 73% dos entrevistados viviam com até dois salários mínimos; mais de 50% eram mulher; aproximadamente, 60% se declararam negros ou pardos; 30% não trabalhavam e não estudavam; entre os que estudavam, 40% estavam no ensino médio e 19% já havia concluído o ensino médio. Os Grupos de Diálogos foram realizados entre maio e dezembro de 2010. De acordo com a professora Lúcia Isabel Silva, em média, cada grupo era composto por 25 jovens. Esses momentos, conforme reforça a estudante, aconteceram em três

escolas de ensino médio do Guamá, nas quais estudavam a maioria dos entrevistados, bem como na sede das entidades. Umas das questões discutidas foram: O que os jovens pensavam sobre morar no Guamá? Segundo Greyce Reis, muitos deles diziam que as condições de vida no bairro, como a infraestrutura e o saneamento básico, eram péssimas. As principais reclamações, de acordo com a estudante, giravam em torno de saúde, violência e, também, desemprego, já que a maior parte deles não trabalhava. Outra questão que norteou os debates foi em relação ao acesso à

educação e às perspectivas de, por meio dela, os jovens obterem progresso. “A meta deles era, no máximo, o ensino médio. Eles alegavam que se sentiam despreparados para conseguir mais do que isso. Então, eles não tinham otimismo para seguir em frente e pleitear ingresso em uma universidade. Alguns diziam que, se fossem de escolas particulares ou morassem em outro lugar e, assim, surgissem mais oportunidades, talvez tivessem alguma chance de cursar o ensino superior, o qual, nas condições em que viviam, não passava de um sonho. A universidade, para eles, é como ganhar na mega sena”, considera Greyce Reis.

Fontes oficiais destacam-se e estereótipos são reforçados

Pouca qualificação reflete baixo preparo para o mercado

Outra conclusão do trabalho é que a constituição dos textos detém traços de uma percepção de mundo oriunda daqueles que não pertencem ou não vivem o cotidiano amazônico. “Ganha evidência o olhar externo sobre a construção de uma usina com consideráveis impactos socioambientais, econômicos e culturais na rotina da região. Esse discurso de que, na verdade, o jornalismo é desatrelado de interesses econômicos não é o que realmente acontece”, afirma.

De acordo com a estudante de Pedagogia, havia três principais motivos para a desistência do prosseguimento dos estudos, a saber, respectivamente: necessidade de trabalhar ou impossibilidade de conciliar escola e trabalho; satisfação em possuir tão somente o ensino médio, o que eles consideravam como “concluir os estudos”; e a obrigação de cuidar de filhos ou uma gravidez inesperada e, assim, a obtenção de novos papéis sociais. “Diante disso,

Outra característica consiste no destaque dominante das fontes ligadas ao governo federal e aos seus respectivos órgãos representativos. Além disso, a presença do discurso socioambientalista nos textos jornalísticos manifesta-se sob a influência de estereótipos comumente direcionados para a Amazônia. Quando ganham visibilidade nas notícias dos jornais, indígenas, ribeirinhos e suas lideranças geralmente são representadas como adeptos da violência e com

declarações marcadas pela eloquência e pela revolta, imagens comumente construídas nas últimas décadas. “No caso dos representantes do governo federal, por serem socialmente imbuídos de legitimidade legal, seus depoimentos emprestaram legitimidade e respaldaram o discurso jornalístico. A população local é deixada de lado. Quando ganham voz, são normalmente ridicularizadas ou transformadas em objetos de um espetáculo midiático”, relata.

Josiele Souza afirma, no entanto, que os Jornais O Liberal e Diário do Pará cumpririam o suposto papel social de denunciar as agressões provocadas ao meio ambiente, ao mostrar ambas as partes do projeto, reforçando a imagem das duas empresas jornalísticas como instituições compromissadas com a justiça social e a cidadania. Ela acredita, no entanto, no que se refere às fontes, que os jornais continuam a privilegiar fontes “autorizadas”.

esses jovens diziam que aceitavam qualquer emprego que os proporcionassem dinheiro”, Greyce Reis. Essa falta de autoestima, de otimismo e de oportunidades desencadeavam outra discussão: a necessidade de qualificação para conseguir um bom emprego. Segundo a discente, era debatido nos Grupos que o mercado de trabalho exige escolarização elevada para, assim, se pleitear uma boa colocação profissional. “Se esses jovens mal

conseguiam o ensino médio, como é que eles seriam inseridos no mercado de trabalho?”, questiona. A professora Lúcia Isabel Silva destaca que, “de forma geral, essas pessoas enfrentam dificuldades para viver o tempo da juventude, que é um tempo de experimentação, de aprendizagem de papéis e de construção de projetos para o futuro. Essas dificuldades, via de regra, estão associadas a um quadro grave de negação de direitos. Assim, a esses

jovens é oferecida uma educação de má qualidade, não há acesso à renda ou o acesso é precário. As mesmas condições valem para moradia, trabalho e preparação para o mercado de trabalho. Como agravante, muitas vezes, há a exposição a riscos e a violências de diversas naturezas. São jovens que, portanto, precisam de oportunidades de desenvolvimento e, por isso, há a necessidade de políticas públicas mais afirmativas”, finaliza a docente.


8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012 –

Fármacos

Gestão democrática sob novo olhar

Fotos Elielson Modesto/Arquivo/O Liberal

Dissertação analisa o Programa Amigos da Escola em escolas públicas

Laboratório testa moléculas

Compostos visam inibir a ação de doenças tropicais Pedro Fernandes

M

Programa Amigos da Escola, da Rede Globo, estimula o trabalho voluntário em instituições públicas. Pesquisador do ICED questiona as instenções da ação. Flávio Meireles

A

sociedade muda, acompanhada por vários processos de ressignificação. A gestão democrática nas escolas é um exemplo. Antes, somente nas mãos do Estado, hoje, passa pela intervenção de entidades do terceiro setor, as quais, consequentemente, acabam por alterar o conceito de democracia nos estabelecimentos de ensino. Ao perceber esse processo, o professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e coordenador pedagógico da Escola de Música da Universidade Federal do Pará (Emufpa), Maurício Luís Silva Garcia, construiu a Dissertação Implicações do Terceiro Setor no Debate da Gestão Democrática: um Estudo a partir do Programa

Amigos da Escola, defendida em 2009, no âmbito do Programa de PósGraduação em Educação (PPGED) do Instituto de Ciências da Educação (ICED) da UFPA. Orientado pela professora Terezinha Monteiro dos Santos, Maurício Garcia investigou as implicações do conceito políticoideológico de gestão democrática que o Programa Amigos da Escola (PAE), da Rede Globo, utiliza nas escolas públicas onde atua. A Dissertação baseou-se em pesquisa documental. O professor analisou três dos dez manuais de orientação para as escolas do PAE. As temáticas eram sobre gestão, participação e ensino. A intenção era confrontar esses documentos com o que os autores discutem sobre políticas públicas educacionais. Maurício Gar-

cia escolheu o Programa como objeto de análise ao constatar que o Estado brasileiro valoriza e defende uma proposta de participação voluntária da comunidade, atividade desenvolvida por entidades do terceiro setor. Os estudos concentraram-se no voluntarismo, pois o pesquisador acredita que a ideia está intrinsecamente ligada à remodelação da participação social nas escolas. Obrigação – Segundo o coordenador pedagógico da Emufpa, o trabalho voluntário torna-se, por vezes, uma atividade forçada, já que muitas entidades, assim como o PAE, estabelecem acordos com as escolas em troca de algum tipo de compensação, ou seja, a adesão acaba por se tornar compulsória. “Ainda na minha

especialização, o governo da época praticamente obrigava as escolas a participar do Programa, tanto que algumas diretoras sequer sabiam da existência da parceria”, denuncia o professor. Para ele, os alicerces da gestão democrática devem seguir outros caminhos. Uma participação efetiva e espontânea da população nas escolas aliada à valorização do educador é uma possível vertente para a construção de um sistema escolar transparente e participativo. “Se você participa no âmbito da gestão da escola, você toma uma parte da responsabilidade. Você sente que aquilo também é seu”, enfatiza Maurício Garcia, que acredita que o voluntariado, sobretudo o compulsório, acaba por não sensibilizar a população sobre seus direitos.

Descompromisso não cria elo entre alunos e professores O professor da Uepa defende que a ideia utilizada pelo PAE está centrada em uma democracia dita liberal, no sentido de que não há sua plenitude no ambiente escolar, pois, se o voluntarismo é descompromissado, o voluntário não verá necessidade em criar identidade com a escola. Desse modo, discurso e prática parecem percorrer caminhos diferentes, já que a responsabilidade social está alçada

em uma política na qual as empresas se inserem com o objetivo de criar uma imagem de defensora de direitos igualitários; uma política na qual o lucro e a preocupação com o social são metas a serem cumpridas. Assim, as empresas acabam por criar entidades beneficentes que atuam nas mais diferentes esferas da sociedade. “Não digo que todas [as empresas] agem assim, mas o debate sempre existe

entre a filantropia e a ‘pilantropia’”, comenta Maurício Garcia. Apesar dessas constatações, Maurício Garcia garante que a intenção do trabalho não é criticar o PAE, mas mostrar de que maneira a forma de atuação do Programa nas escolas traz conceitos novos de gestão democrática, participação e cidadania. Segundo o pesquisador, esses conceitos eram, antes, bandeiras de

luta dos movimentos sociais. Hoje, o Estado capitalista tem se apropriado deles. “Então, fica a pergunta: quem defende a gestão democrática? Todo mundo a defende, seja o mercado, seja o Estado, seja os movimentos sociais de esquerda ou direita. O que se deve fazer é diferenciar qual o conceito desta para cada um”, pontua o coordenador pedagógico da Umufpa.

Neoliberalismo transforma os direitos sociais em serviço Durante certo tempo, o Estado teve um papel importante na intervenção das políticas sociais. Mas isso vem sendo esquecido com a escolha do modelo econômico neoliberal, já que, nesse molde, é caracterizada a ausência do Estado nas decisões sobre os rumos do país. Além disso, o neoliberalismo transforma o que era para ser direito social em serviço. “O indivíduo passa a ser consumidor, não mais cidadão”, explica Maurício Garcia, que defende a presença do Estado como mediador das lutas de classes. Vendo o Estado como um espaço de luta política e ideológica, o professor acredita que a educação

cumpre um papel importante nessa disputa, pois ela é responsável por conscientizar a população de seus direitos e motivá-la, portanto, a lutar por eles. Direitos esses que, segundo o professor da Uepa, não podem ser considerados uma benevolência do Estado, pois vieram à base de conquistas históricas. Ainda com a ideia de gestão democrática, Maurício Garcia acredita que a democracia plena é inalcançável, porém deve ser uma procura constante. O Estado deverá oferecer instrumentos para garantila. “O Estado promove esse direito [democracia]. Mas a gestão, a forma de conduzir, deve ser feita pelo

povo”, alerta o professor. Por isso, ele destaca a importância de possibilitar às pessoas que participem desse processo. Motivações – Mesmo alertando que seu papel não é criticar o PAE, o coordenador pedagógico da Emufpa ressalta que, independentemente da pesquisa, há sempre uma carga de subjetividade que vem se acumulando ao longo da vida e construída a partir de suas crenças. “Eu tenho uma história de movimento estudantil, de filiação de partido de esquerda”, justifica Maurício Garcia, garantindo que sua trajetória levou-o a desconstruir os discursos que se apresentam como

uma esperança para salvação das escolas públicas. Para ele, é preciso perguntar, então, que tipo de escola pública é construída no País e por que ela caminha para esse fim. A intenção do professor, com a construção da Dissertação, é tentar oferecer à população que acredita em uma escola pública de qualidade um referencial teórico, o qual deve ajudá-la a compreender que o que aparece como uma possível solução para os problemas da sociedade tem, na verdade, uma grande carga de intencionalidade escondida. “É preciso sempre ficar com um pé atrás. Sempre ficar alerta, porque as coisas não são como parecem ser.”

EM DIA

alária, doença de Chagas e leishmaniose são doenças típicas de países tropicais em desenvolvimento. Na Amazônia, inúmeros são os casos dessas doenças, as quais afetam, sobretudo, populações de baixa renda. Em contrapartida, a região dispõe de uma grande quantidade de produtos naturais que podem servir como matéria-prima para a produção de substâncias que atuem no combate a essas doenças. Diante disso, são fundamentais pesquisas científicas que visam descobrir moléculas capazes de inibir a ação dessas doenças. É justamente esse o objetivo do Laboratório de Planejamento e Desenvolvimento de Fármacos (LPDF), do Instituto de Ciências Naturais (ICEN) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Além dos seus integrantes efetivos, o LPDF conta com a colaboração de pesquisadores de diversas áreas. Entre elas, Química, Biotecnologia, Biologia, Farmácia, Física e Estatística. Participam também do LPDF alunos de iniciação científica, de mestrado e de doutorado. Coordenado pelo professor Cláudio Nahum Alves, o LPDF dispõe de um banco de dados nos quais estão catalogadas moléculas

Acervo do Pesquisador

Voluntarismo

Ensaios são testados por meio de técnicas da Química Computacional inibidoras (com atividade biológica), desenvolvidas a partir de compostos naturais da Amazônia, contra doenças tropicais. Para obter essas informações, é feito um levantamento de artigos, dissertações e teses produzidas na UFPA. Obtidas as informações, o LPDF recorre ao uso de técnicas de Química Computacional e Biotecnologia para “desenhar” as biomoléculas propostas pela literatura acadêmica. Os métodos computacionais também auxiliam nos ensaios biológicos. Por conta da grande quantida-

de de substâncias (moléculas) com determinado potencial biológico que a biodiversidade amazônica oferece, torna-se inviável testar as moléculas, experimentalmente, uma a uma. Assim, o uso de ensaios computacionais (in silico) otimiza o trabalho, ou seja, diminui o número de moléculas a serem testadas, proporcionando economia de tempo e dinheiro. Além disso, com os métodos computacionais é possível antever que moléculas podem ser mais promissoras contra determinado tipo de doença.

rias com institutos e faculdades da UFPA, institutos de pesquisa e universidades, do Brasil e do exterior. Entre os colaboradores do LPDF, estão o Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFPA, o Instituto de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Instituto Carlos Chagas de Minas Gerais, a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Barcelona e a Universidade de Valência. Os testes biológicos servem para verificar se as moléculas selecionadas ou desenvolvidas pelo LPDF possuem, realmente, ação biológica contra doenças. “Em caso negativo, nós podemos modificálas e melhorá-las. Nesse sentido, o

LPDF tem uma importância fundamental. Se conseguirmos selecionar uma molécula que possa ser ativa contra leishmaniose, por exemplo, o benefício para a sociedade seria imenso”, explica o professor da Faculdade de Química da UFPA e integrante do Laboratório, Fábio de Molfetta. Recentemente, o LPDF firmou parceria com um grupo de pesquisa, que envolve a Índia e a África do Sul, a fim de desenvolver fármacos anti-HIV. O LPDF realiza os ensaios computacionais, “arquitetando” as moléculas. A produção das moléculas, bem como os seus testes são feitos na Índia e na África do Sul.

Biodiversidade da Amazônia é a matéria-prima Segundo os integrantes do LPDF, descobrir moléculas com potencial terapêutico a partir dos produtos naturais da Amazônia é o primeiro passo para desenvolver novos fármacos contra as doenças que acometem a população da Amazônia e de outros lugares. Por isso, a comunidade científica precisa achar um modo sustentável de aproveitar a biodiversidade da região. “É um desafio que nós temos, não só o Brasil, mas o mundo todo. Isso depende de recursos financeiros, de investimentos de empresas e do governo, na produção de conheci-

Está disponível, até 31 de outubro, no site da Pró-Reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal (Progep), o Sistema de Avaliação de Desempenho dos servidores da Universidade Federal do Pará (UFPA). Técnicoadministrativos em Educação e docentes ocupantes de Cargos de Direção (CD) e Função Gratificada (FG) precisam participar.

Semana

Simulações utilizam metodologia computacional O LPDF atua em diferentes linhas de pesquisa. Entre elas, modelagem de proteínas, bioinformática, modelagem molecular e mecanismos de ação enzimática. Todas voltadas para a descoberta de moléculas inibidoras e, por consequência, para desenvolvimento de fármacos. A metodologia computacional usada no LPDF pode ser aplicada para modelar inibidores para diversos tipos de doenças, principalmente, às doenças negligenciadas, como malária e doença de Chagas. Após as simulações computacionais, o passo seguinte são os testes biológicos, em laboratório (in vitro) e em animais (in vivo). Para isso, o LPDF estabelece parce-

Avaliação

mento e, sobretudo, na formação de recursos humanos, de profissionais de Biologia, Química, Matemática e outros, que possam trabalhar em conjunto desenvolvendo medicamentos que a sociedade precisa”, afirma o professor Jerônimo Lameira. “Potencial natural nós temos, em grande quantidade. O que falta é investimento contínuo em pesquisas. Falta a cultura do investimento em longo prazo. Afinal, obter um medicamento demanda tempo, 15 anos em média. Existem etapas, testes em laboratório, testes em animais, com camundongos, primatas (macacos) e

seres humanos, até o medicamento ser validado. Mas esperamos que daqui a um tempo a UFPA possa contribuir para o desenvolvimento de novos fármacos”, acrescenta o professor Cláudio Nahum. Atualmente, moléculas com atividade antimalária encontram-se na fase de testes in vivo e moléculas com atividade antileishmania em fase in vitro, encaminhando-se para a fase in vivo. No futuro, os integrantes do grupo pretendem implantar no Laboratório a estrutura necessária para realizar, também, ensaios enzimáticos.

A I Semana Acadêmica de Ciências Naturais será de 29 de outubro a 1º de novembro. O objetivo é divulgar o curso para estudantes de outras áreas, além de integrar experiências e reflexões na área de formação de professores das Ciências da Natureza. A promoção é da Faculdade de Ciências Naturais (Facin) e do Centro Acadêmico de Ciências Naturais (Cacin), com apoio da PróReitoria de Extensão (Proex), por meio da Diretoria de Assistência e Integração Estudantil (Daie).

Cadastro A Faculdade de Geografia e Cartografia realiza, em novembro e dezembro, mais uma etapa de capacitação de técnicos municipais para a implementação do Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM). A ação integra o Projeto “Uso de ferramentas de geoprocessamento na capacitação de técnicos municipais para a implementação do CTM”, desenvolvido por meio do Programa de Apoio à Extensão Universitária (ProExt). Informações 3201-7450 ou laigufpa@yahoo.com.br.

Mestrado O Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) abriu inscrições, até o dia 9 de novembro, para a seleção da turma 2013 do curso de Mestrado (acadêmico), nas áreas de Estudos Linguísticos e de Estudos Literários. O ingresso será em março de 2013 e a defesa da dissertação, até fevereiro de 2015. O edital destina vagas a docentes e técnicos da UFPA a fim de atender a demanda do Programa de Apoio aos Docentes e Técnicos (PADT). Detalhes podem ser obtidos na página eletrônica www.ufpa.br/mletras ou pelo telefone 3201-7499.

Mestrado II Também estão abertas as inscrições para o Programa de PósGraduação Comunicação, Cultura e Amazônia da UFPA. São destinadas oito vagas, quatro para cada linha de pesquisa: “Mídia e Cultura na Amazônia” e “Estratégias de Comunicação Midiática na Amazônia”. O prazo para a submissão dos candidatos segue até 19 de novembro. Para informações, 3201-7972 ou poscomunicacaoufpa@gmail.com.

5


6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Outubro, 2012 –

7

Religião

Revista lembra a constituição do Círio como patrimônio cultural imaterial brasileiro

Historiador analisa os documentos entregues ao Iphan, os quais identificaram as principais práticas relacionadas à festividade de Nossa Senhora de Nazaré Alexandre Moraes

T

odo segundo domingo de outubro, milhares de pessoas transformam as principais ruas de Belém do Pará em cenário de uma das mais belas manifestações religiosas do Brasil, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Desde setembro de 1793, data de sua primeira edição, o Círio é marcado por intensa participação popular. Hoje, além dos devotos e romeiros dos mais diversos lugares da Amazônia, a celebração também atrai turistas de outras regiões do País e do resto do mundo. No fim de 2001, diante da grandiosidade da prática religiosa e cultural, quatro entidades de Belém solicitaram ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o reconhecimento do Círio de Nazaré como patrimônio cultural imaterial brasileiro. Foram elas: Arquidiocese de Belém, Diretoria da Festividade de Nossa Senhora de Nazaré, Obras Sociais da Paróquia de Nazaré e Sindicato dos Arrumadores do Estado do Pará. Em 2004, o Círio tornou-se a primeira celebração religiosa e cultural do País a receber o título de patrimônio cultural imaterial brasileiro, inaugurando o Livro de Registro de Celebrações do Iphan. Com o objetivo de analisar o processo de registro do Círio como patrimônio cultural brasileiro, o professor Márcio Couto Henrique, da Faculdade de História (Fahis) da Universidade Federal do Pará (UFPA), desenvolveu o Artigo “Do ponto de vista do pesquisador: o processo de

Mestiçagem e sincretismo caracterizam a manisfestação

Laís Teixeira

Pedro Fernandes

Procissão principal do Círio de Nazaré reúne milhares de pessoas no segundo domingo de outubro, em Belém registro do Círio de Nazaré como patrimônio cultural brasileiro”. O artigo foi publicado na Amazônica - Revista de Antropologia, volume 3, número 2 (2011), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da UFPA. O trabalho é uma releitura dos procedimentos adotados pelos pesquisadores responsáveis pela elaboração do inventário e do dossiê que fundamentaram o referido registro. O

professor Márcio Couto, integrante da equipe de pesquisa do Iphan na época (em 2002) e um dos responsáveis pela redação do texto final do dossiê, afirma que a ideia do artigo é mostrar os problemas que a equipe de trabalho enfrentou durante a pesquisa sobre o Círio, bem como as soluções dadas a esses problemas. Além disso, segundo o professor, o artigo aborda a relação entre as condições em que a pesquisa foi rea-

lizada e o produto final da pesquisa. “As informações são, de certo modo, resumidas. Há muitas coisas sobre o processo de elaboração do dossiê que não aparecem no texto final. Então, eu mostro, por meio do artigo, como o dossiê foi construído. O dossiê apresenta o resultado da pesquisa. Porém o resultado da pesquisa foi diretamente influenciado pela maneira como a pesquisa foi conduzida”, explica o professor.

A equipe de pesquisa do Iphan fez um levantamento preliminar (inventário), com o objetivo de identificar e sistematizar o maior número possível de informações sobre as práticas referentes ao Círio de Nazaré. As informações foram buscadas em documentos do Arquivo Público, filmes, documentários, fotografias etc. A segunda etapa do Projeto foi a pesquisa de campo. Essa fase consistiu na aplicação dos questionários de identificação, os quais compõem o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC). O INRC foi desenvolvido pelo Iphan com a finalidade de identificar e documentar os bens culturais, sejam eles de natureza material ou imaterial. Essa etapa correspondeu, também, a entrevistas com devotos, promesseiros e outros informantes considerados representativos pela equipe. A terceira e última fase do trabalho foi a elaboração (com base nas informações levantadas durante a pesquisa de campo) e o envio do dossiê ao Iphan, em Brasília. Ao todo, o Inventário identificou 66 bens culturais associados ao Círio. No entanto, por conta das inúmeras possibilidades de estudo de cada um dos 66 bens catalogados, foi

Laís Teixeira

Dossiê apontou 11 elementos fundamentais para a festa

Berlinda, Corda, Imagem e Procissão são algumas práticas essenciais do Círio

necessário delimitar o foco da pesquisa. Surgiu, aqui, uma dificuldade para os pesquisadores. O que considerar essencial ou associado ao Círio de Nazaré? Para resolver a questão, dois critérios básicos foram definidos. Primeiro, o critério da antiguidade. Elementos que acompanham o Círio desde as suas origens, ou seja, elementos que integram o Círio desde o final do século XVIII. Por exemplo, a imagem original da Virgem de Nazaré e a Procissão principal do Círio. O segundo critério envolve os elementos que, embora tenham sido introduzidos recentemente, estão de tal modo ligados (associados) ao Círio que é impossível pensar a celebração sem eles. Os brinquedos de miriti e o almoço do Círio estão entre esses elementos. Assim, utilizando-se desses critérios, onze elementos foram considerados essenciais no Círio. A saber: as Imagens original e peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, a Procissão principal, a Trasladação, a Berlinda, a Corda, o Recírio, o Arraial, o Almoço do Círio, as Alegorias e os Brinquedos de Miriti. Sobre esses elementos, posteriormente, recaiu o título de patrimônio cultural brasileiro.

Auto do Círio (foto), Festa da Chiquita e Romaria Fluvial não foram considerados elementos essenciais do Círio, pois foram introduzidos à Festa recentemente No entanto, além dos onze elementos culturais considerados essenciais no Círio, os quais, segundo o professor Márcio Couto, constituem a estrutura fundamental da celebração, existem bens agregados ao Círio. “Nós percebemos que, além dos onze elementos essenciais, havia uma grande diversidade de práticas que não consideramos essenciais, mas reclamam esse direito”, conta. Entre os elementos associados ao Círio, destacam-se: a romaria fluvial, a Festa da Chiquita, o Auto do Círio e o Ar-

rastão do Boi Pavulagem. De acordo com o professor, esses elementos não foram considerados essenciais pelo fato de terem sido introduzidos ao Círio recentemente. No artigo, o professor Márcio Couto também mostra que houve certos grupos ou agentes que não foram ouvidos ao longo da pesquisa e, por isso, não aparecem no dossiê. “Depois de feita a pesquisa de campo e depois de publicado o dossiê, eu me dei conta de que o documento não contemplava as formas como os indivíduos não

católicos, protestantes, por exemplo, ou não religiosos, os que se intitulam ateus, relacionam-se com o Círio de Nazaré”, pontua o professor. Afinal, de acordo com o professor, o Círio de Nazaré não foi registrado como patrimônio cultural imaterial brasileiro por ser uma prática religiosa católica. “A intenção do artigo também é desmistificar a ideia de que o Círio tenha sido reconhecido como patrimônio cultural brasileiro por ser católico. O Círio foi reconhecido como tal, porque expressa ele-

mentos fundamentais da identidade nacional”, esclarece. Márcio Couto afirma que é possível perceber nas práticas associadas ao Círio a mestiçagem, elemento fundamental no processo de constituição da identidade cultural brasileira. Outro ponto destacado pelo professor, que pode ser enxergado no Círio, é o sincretismo. Como exemplo, o professor cita o almoço do Círio, o qual é composto por elementos da culinária indígena, europeia e africana.

Exercício do “estranhamento” desafiou os pesquisadores O modo como a equipe de trabalho foi formada é mais uma questão que o professor apresenta em seu artigo. Segundo Márcio Couto, a equipe que trabalhou na pesquisa sobre o Círio de Nazaré era, em sua maioria, formada por católicos, ex-católicos ou por pessoas ligadas à Igreja Católica, ou seja, o Círio

era, desde o princípio, uma prática familiar aos integrantes da equipe. Por conta disso, o professor afirma que havia o risco do trabalho sofrer a influência da bagagem cultural que cada pesquisador carrega consigo. “Não quero dizer com isso que uma equipe formada por não católicos garantiria objetividade

à pesquisa, já que a objetividade plena não existe. Mas, certamente, que pesquisadores cuja experiência com o Círio de Nazaré fosse mais distanciada poderiam apontar para outras questões, diminuindo o risco de se criar uma leitura católica de um ritual católico”, explica o professor. De acordo com Márcio

Couto, para construir o dossiê, era preciso transformar o familiar, o Círio, em algo exótico. “Para perceber o que havia de ‘exotismo’ no Círio, era necessário um distanciamento emocional. Era preciso executar aquilo que os antropólogos chamam de ‘estranhamento’”, afirma.

Escolas podem ser parceiras na divulgação do documento A necessidade do Iphan melhor divulgar o dossiê também é apresentada no artigo. Segundo Márcio Couto, a circulação do documento permanece restrita ao Iphan, ou seja, ainda não há a devida divulgação do banco de dados (do conhecimento levantado) constituído durante a pesquisa. “Nem todas as escolas têm o dossiê. Não há um trabalho de divulgação do material, não há exposições permanentes sobre o dossiê. Enfim, não há um processo de educação patrimonial ligado ao registro do Círio de Nazaré como patrimônio cultural

imaterial brasileiro”, conta Márcio Couto. Nesse sentido, o professor sugere que o Iphan realize oficinas, palestras e exposições permanentes em Belém, no interior do Pará e em outras regiões do Brasil, com o objetivo de mostrar a riqueza de cada bem cultural ligado ao Círio de Nazaré. Para o professor, as escolas devem ser o principal foco da divulgação do dossiê. O ideal seria, de acordo com Márcio Couto, que o Iphan não só doasse o material, mas levasse também às escolas uma equipe es-

pecializada para ministrar palestras aos alunos, explicando quais os critérios utilizados para definir os bens essenciais e os bens associados ao Círio e, fundamentalmente, por que o Círio mereceu o título de patrimônio cultural imaterial brasileiro. “Eu acho que a melhor divulgação da pesquisa do Iphan permitiria novas pesquisas sobre o Círio de Nazaré. Para cada elemento do Círio, essencial ou associado, existem amplas possibilidades de pesquisa. Nenhum desses elementos foi esgotado, em termos de pesquisa. Os

bens escolhidos para fazer parte do Dossiê do Círio de Nazaré podem ser aprofundados pela História, pela Antropologia e por outras ciências”, afirma. Segundo o professor, o Iphan prevê nova pesquisa em 2014, dez anos após o registro do Círio de Nazaré como patrimônio cultural brasileiro. A nova pesquisa reavaliará os critérios definidos e os bens considerados essenciais ou associados na pesquisa anterior. A ideia será verificar se são necessárias alterações no registro do Círio como patrimônio.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.