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12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Setembro, 2009

Entrevista

Integração e desenvolvimento sustentável da Amazônia

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VII • N. 75 • Setembro, 2009

Projeto reproduz flores in vitro Alexandre Moraes Fotos Acervo NAEA

Felipe Cortez

BR - Quais são os desafios da universidade amazônica hoje? M.CG. – É muito importante que as universidades da Amazônia lutem por sua liberdade científica. Os pesquisadores

dvem ter liberdade para pesquisar e trabalhar com as suas ciências de base. O Naea, por exemplo, trata de desenvolver sínteses a partir das diferentes disciplinas científicas. Já se faz, portanto, uma síntese das ciências individuais. Eu diria que um segundo passo é transformar uma ciência monolítica em uma ciência integrada, por meio da interdisciplinaridade. E o terceiro passo é saber comunicar, para que a informação chegue aos agentes que tomam as decisões.

BR - Um estudo recente afirma que cerca de 20% do bioma mangue pré-existente na terra já foi devastado pela ação do homem. Contudo, de acordo com o mesmo trabalho, o ritmo dessa degradação tem diminuído, o que seria reflexo da conscientização dos governos sobre o valor desse ecossistema. O segundo Atlas Mundial do Mangue, cuja produção o senhor está coordenando, tem o intuito de potencializar essa conscientização? M.CG. – Sim. O ecossistema mangue é um Os trabalhos dos mais produtivos e importantes que desenvolvidos temos. Ele protege no Naea unem as nossas costas de fenômenos como a os países da erosão e o Tsunami. Nas costas que tiAmazônia nham mangue, por

exemplo, o impacto da onda foi menos sentido do que em costas sem mangue, onde o impacto foi devastador. Para que essa mensagem seja bem compreendida, junto com o Atlas, vamos produzir um Policy Brief, um pequeno livro com um resumo do Atlas e com recomendações, direcionado para quem toma as decisões. Sabemos que os políticos são ocupados, têm pouco tempo para ler artigos e livros científicos, então, é necessário dar-lhes a informação de maneira acessível para que tomem a melhor decisão. Para isso, eles precisam saber o que está acontecendo com o seu país e com o bioma mangue do mundo inteiro, precisam compreender o valor que tem para as pessoas que vivem dos seus recursos. Se passarmos essa mensagem, poderemos, talvez, reverter o atual quadro de deterioração do mangue.

podia salvar, como a Mata Atlântica, por exemplo. Sem os conhecimentos produzidos, ela iria desaparecer por completo. Em São Paulo, a Mata Atlântica é útil, não somente pela beleza da sua floresta, mas também porque, entre outras coisas, sob essa floresta flui um rio que leva cerca de 20 metros cúbicos de água por segundo para a cidade, regando o seu clima, que é o de uma ilha de calor. A perda dessa floresta, portanto, não se refere apenas à biodiversidade, mas também, à vida. Sem ela, uma cidade como São Paulo não vive, sendo esses aspectos que nos obrigam a reconhecer a importância dos conhecimentos gerados pelos estudos sobre desenvolvimento sustentável.

BR - Quais são as perspectivas de Cooperação Sul-Sul e como a UFPA participará dos programas da Unesco nos próxiBR - Do período mos anos? compreendido enM.CG. – A Universitre a Conferência dade tem a vantagem Mundial de Meio de possuir esta CáAmbiente e Desentedra de Cooperação volvimento, a coSul-Sul para o Desennhecida Rio 92, que volvimento Sustentágerou a Agenda 21, vel, coordenada pelo e o III Congresso professor Luis AraMundial de Resergón, dentro do Naea, vas de Biosfera da uma instituição acadêResultados Unesco, realizado mica confirmada. Váem 2008, ocorreram rios convênios estão dependem de mudanças na consendo preparados, já cepção de desenvolestá firmado um com vontade e de vimento sustentável a Indonésia e a Reestabilidade cunhada na década pública Democrática de 1970 pelo Dr. Igdo Congo, com interpolítica nacy Sachs? câmbio de capacitação M.CG. – Sachs já fez e de trabalhos científiuma síntese da situacos sobre modelos de ção atual, projetando-a para o fucooperação. Hoje, a Cooperação turo, e já disse o que teríamos que Sul-Sul tem a vantagem de ser infazer para alcançar isso. Então, o ternacionalmente reconhecida como caminho existe, assim como exisuma maneira de trabalhar conjuntem resultados. Mas muitos resultamente. Temos vários projetos em tados dependem de conjunturas, de vista para a Amazônia, como para vontade e de estabilidade política. todas as reservas de biosfera, o que Penso que o conhecimento gerado chamamos de cooperação intersob a égide do desenvolvimento regional. Também penso em uma sustentável avançou bastante. Em série de encontros no Congo, na algumas áreas, salvou-se o que se Indonésia, na Malásia e no Brasil.

Meio Ambiente

Esgotos transformados em jardins

Sistema alternativo de tratamento de esgoto sanitário incentiva cultivo de flores tropicais na Região Metropolitana de Belém. Pág. 4

Ecologia

No orquidário, as plantas recebem os cuidados adequados e são preparadas para voltarem ao seu ambiente natural

Inovação

Devoção

Pesquisa revela fragrâncias da Amazônia

Santos populares são cultuados à beira do túmulo

Faculdade de Química da UFPA avalia aproveitamento e aplicação dos óleos essenciais de estoraque e priprioca. Págs. 6 e 7

Etnofarmácia

Do Império Romano aos dias de hoje, o sacrifício e a morte violenta continuam sendo as marcas dos santos po-

pulares. Em Belém, Severa Romana, morta em 1900, permanece como a santa popular mais cultuada. Pág. 9

Tartarugas ameaçadas no Rio Xingu

Pág. 10

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Entrevista Miguel ClüsenerGodt, que recebeu o título Doutor Honoris Causa, discute os desafios das universidades do Trópico Úmido. Pág. 12

Mácio Ferreira

Beira do Rio - Como o senhor avalia o desempenho da UFPA na cooperação internacional, uma vez que o senhor é homenageado justamente pela sua atuação no fortalecimento dessa cooperação, no nível Sul-Sul? Miguel Clüsener-Godt – Foi realmente uma honra e um prazer receber este título de Doutor Honoris Causa porque a UFPA não dá muitos desses títulos. A UFPA tem sido um centro de excelência, não somente por divulgar os trabalhos realizados na Amazônia, mas também por capacitar pessoas em todos os níveis e preparar a região para o futuro. Sabemos que os problemas da Amazônia são muito importantes para o mundo: o desflorestamento, a perda da biodiversidade, as mudanças climáticas, as mudanças dos ciclos hídricos. Isso tem uma importância global. Os trabalhos que são desenvolvidos na Universidade e no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) unem os países da Amazônia em seus esforços comuns.

Clüsener-Godt: "Universidades devem lutar pela sua liberdade científica"

SUS reconhece uso de plantas medicinais Pág. 5

Coluna do Reitor Carlos Maneschy fala sobre o avanço das atividades de pósgraduação. Pág. 2

Soure

Proint garante educação inclusiva

Pág. 11

Opinião Túmulo de Severa Romana recebe homenagens no cemitério Santa Izabel

Eduardo Bittar e Jane Beltrão falam sobre Direitos Humanos e Democracia. Pág. 2

Acervo NAEA

Para Miguel Clüsener-Godt, comunicação da ciência é desafio das universidades do Trópico Úmido Em julho, a Universidade Federal do Pará concedeu o seu vigésimo título de Doutor Honoris Causa ao biólogo alemão Miguel Clüsener-Godt, por sua atuação em prol de um melhor entendimento entre os povos, por meio da Cooperação Sul-Sul; da melhoria da gestão ambiental, pela implementação de Reservas da Biosfera nos Trópicos Úmidos; e do fortalecimento do conhecimento, da integração e do desenvolvimento sustentável da Pan-Amazônia. Durante os últimos 17 anos, o trabalho de Clüsener-Godt à frente da coordenação do Programa de Cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento socioeconômico ambientalmente adequado nos Trópicos Úmidos, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), possibilitou o envolvimento e o fortalecimento da cooperação da UFPA com instituições da África, Ásia, América Latina e, em especial, da Pan-Amazônia. O trabalho teve sua relevância reconhecida pela agência das Nações Unidas, que, em 2006, estabeleceu na UFPA a Cátedra Unesco de Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento Sustentável. Nesta entrevista ao Beira do Rio, o biólogo afirma a necessidade de integração entre os vários campos do conhecimento e as instâncias políticas para a construção de um desenvolvimento sustentável em todo o Trópico Úmido.

F

amosas por suas cores e perfume, as orquídeas estão desaparecendo das ruas de Belém. Normalmente encontradas no alto das árvores, elas são vítimas da coleta indiscriminada e da devastação do seu habitat natural. Para reverter esse quadro, o professor Marco Antônio Menezes Neto, da Faculdade de Biologia da UFPA, vem trabalhando com a reprodução in vitro. Em laboratório, é possível germinar e multiplicar as espécies. O objetivo do projeto é devolver as flores ao meio ambiente, plantando as mudas em áreas de visitação pública. Pág. 3


BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Setembro, 2009 –

Soure

Coluna do REITOR Carlos Maneschy

que, especialmente nos últimos 12 anos, as ações e os programas voltados à capacitação docente tiveram como consequência um aumento substancial nos indicadores institucionais de qualidade: triplicamos o número de doutores, duplicamos o de bolsistas de produtividade, aumentamos, em proporção geométrica, o volume de recursos captados por grupos de pesquisa. Em síntese, nos consolidamos como o maior polo regional da produção científica, tecnológica, artista e cultural - locus privilegiado do pensamento crítico e de vanguarda na Amazônia. Numa visão perspectiva salta aos olhos a imperiosidade de se continuar garantindo as condições devidas à reprodução das virtudes conjugadas da pesquisa e da pósgraduação, importando observar que as atividades decorridas dessa conjugação têm de cumprir as funções de produzir conhecimento e formar quadros em completa associação ao compromisso de qualificar o ensino de graduação. Para que esse nível de ensino, como um todo, usufrua das oportunidades de interlocução com a comuni-

dade científica, é necessário expandir horizontalmente a pós-graduação na UFPA, até alcançarmos o patamar de oferta de cursos de mestrado em todas as áreas de conhecimento para as quais há cursos de graduação. Dito de outro modo, a Instituição precisa garantir os instrumentos para que seus grupos de pesquisa atuem em um ambiente onde os objetos de seus estudos perpassem por entre os campos disciplinares sobre os quais o ensino de graduação encontra-se estruturado, garantindo, dessa maneira, a indissociabilidade dos pilares em que se constitui a essência universitária. Considerando que a Universidade se estrutura sob o modelo multicampi, é indispensável considerar a necessidade de se dar capilaridade às ações em pesquisa por todas as unidades em que a UFPA está presente, o que implica investir na oferta de novos cursos de pós-graduação pelos campi do interior. O avanço expressivo do sistema de pós-graduação e da produção científica no Brasil vem dando origem a um novo contexto de financiamento da pesquisa, em que o acesso aos recursos disponíveis está

OPINIÃO

Eduardo C. B. Bittar e Jane Felipe Beltrão

também condicionado aos resultados obtidos nas atividades de formação de pessoal qualificado, em especial no nível de doutoramento. Esse cenário recomenda tanto a verticalização dos programas de pós-graduação - com a criação de cursos de doutorado nos programas em que são ofertados apenas os de mestrado -, quanto a integração do esforço de pesquisa e de formação de redes de cooperação interinstitucionais. Deve-se, por fim, adotar políticas que estimulem programas e projetos de caráter interdisciplinar como forma de fortalecer o esforço institucional na captação dos recursos disponíveis pelas diversas agências de financiamento. Os pontos aqui levantados são parte do amplo mosaico que expõe as ações a serem postas em marcha para consolidar as iniciativas da nossa Universidade nas áreas estratégicas da pesquisa e pós-graduação. Ações que se constituem no desafio a ser superado pelas habilidades e competências de todos os que apostam na UFPA como marco referencial de qualidade na produção do conhecimento regional.

jane@ufpa.br

Direitos Humanos, Diversidade e Democracia De 17 a 19 de setembro, a Universidade Federal do Pará, por intermédio do Programa de PósGraduação em Direito (PPGD), do Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ), abriga o V Encontro Anual da Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-Graduação (ANDHEP) que, pela primeira vez, acontece na Amazônia. No evento, a luta pela afirmação histórica do respeito aos Direitos Humanos no Brasil, associada à trilha da ética inaugurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, estará em discussão em seus diversos espectros. É certo que, quando o debate vem situado na Amazônia, se faz necessário falar sobre Direitos Humanos, Diversidade e Democracia, título este que nomeia o evento de 2009. É desta forma que a democracia brasileira, enquanto se consolida, deve se afirmar por meio da busca de identidade social capaz de expressar,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA beiradorio@ufpa.br - www.ufpa.br Tel. (91) 3201-7577

de forma plural, a sociedade dos muitos: dos indígenas, que foram colonizados; dos negros, que foram escravizados; dos imigrantes, que se radicaram em solo diverso de sua origem, sendo que da luta histórica e da construção de todos é que nasceu a própria nação brasileira. A ética do pluralismo e da diversidade não suporta intolerância, racismo, preconceito, discriminação e, muito menos, etnocentrismos (olhares únicos) sob quaisquer pretextos. É de fundamental importância, para o aperfeiçoamento da Democracia, desenvolver formas de reconhecimento da diversidade que garantam a expressão de todos independente de clivagens sociais, classes sociais, raça, cultura, gênero, entre tantas outras, ampliando a noção de cidadania até aqui limitada e restrita. A aceitação plena da alteridade faz parte do esforço por garantir o convívio social harmônico, mas,

Programa garante educação inclusiva

reitor@ufpa.br

A importância de consolidar a pós-graduação As atividades de pesquisa representam, hoje, o elemento de maior destaque na origem do conhecimento novo posto a serviço da humanidade. Como tal, constituem-se em ativo estratégico nos processos de desenvolvimento de qualquer nação, sendo seus níveis de avanço traduzidos em menor ou maior percentual na escala que mede a geração de riqueza em diferentes regiões. Da correlação direta entre produção em pesquisa e qualificação de recursos humanos, fica evidente a pertinência do esforço continuado na formação de talentos em quantidade suficiente para prover a base onde se assente a atividade de pesquisa mais avançada, do que decorre a importância da pós-graduação no cenário do desenvolvimento socioeconômico. Conclui-se, portanto, que pesquisa e pós-graduação compõem um binômio de cuja conjugação se desdobra significativa parcela do progresso recente e que tem, nas universidades, o ambiente natural à sua expansão. E como se revelam os resultados produzidos por esse binômio na UFPA? Na resposta, deve-se ressaltar

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sobretudo, justo! A ANDHEP, promotora do encontro, em aliança com seus parceiros, a UFPA, que acolhe o evento deste ano, a Secad/MEC, o CNPq, a Capes, a Fundação Ford, a Fapesp e a Secretaria Especial de Direitos Humanos, tem interesse em discutir e aprofundar o papel da educação superior e, especialmente, o da PósGraduação em Direitos Humanos, e em articular, fortalecer e criar redes de conhecimento e pesquisa sobre o tema, no Brasil e no exterior. É tarefa da ANDHEP forjar elos e favorecer o processo de construção contínua do conhecimento, à luz de diversos desafios da vida democrática contemporânea, razão pela qual se elegeu o Estado do Pará, por suas riquezas e peculiaridades, como o local do evento, e a UFPA, como a sede das atividades que ora se realizam. Aqui, a expressão da diversidade que requer tratamento igualitário está presente no dia a dia, pois 60 são os povos indígenas, 340

são as comunidades quilombolas, podendo-se apontar, ainda, os cerca de 2.000 assentamentos, dentre tantos outros grupos vulnerabilizados. O evento discutirá e apontará a importância e a urgência da implementação de mudanças em prol de ações afirmativas e de política públicas, visando à constituição de um arco de alianças em favor dos muitos vulnerabilizados que ainda são reféns de políticas injustas e desrespeitosas. Eduardo C. B. Bittar é professor associado do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP) e presidente da ANDHEP Jane Felipe Beltrão é antropóloga e historiadora, professora associada da UFPA. Pesquisadora do CNPq e secretária da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

Reitor: Carlos Edílson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Carolina Pimenta Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Ana Carolina Pimenta(013.585-DRT/MG)/Glauce Monteiro(1.869DRT/PA)/ Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/Killzy Lucena/Raphael Freire/ Suzana Lopes/ Walter Pinto (561-DRT/PA); Fotografia: Alexandre Moraes/Mácio Ferreira; Secretaria: Isalu Mauler/Carlos Júnior/Gustavo Vieira; Beira on-line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Karen Correia; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.

Curso de Letras oferece capacitação para atender deficientes auditivos Raphael Freire

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audição é um dos sentidos mais importantes para o desenvolvimento da linguagem. E é pela linguagem que conseguimos interagir com o nosso grupo. Agora, imagine você isolado, sem ter amigos, sem falar a língua dos que estão ao seu redor. Essa é a realidade vivida por muitos deficientes auditivos no município de Soure, interior do Estado. A maioria das suas famílias acredita que eles não são capazes de aprender, por isso não devem ir à escola, porque serão mais úteis em casa, realizando tarefas domésticas. O trabalho com os surdos de Soure iniciou-se em 2007, quando Tiane Brito, ex-aluna do Campus, apresentou um Trabalho de Conclusão de Curso sobre “O ensino da língua portuguesa para surdos”, sob a orientação do professor Waldemar Cardoso. A estudante conseguiu fazer um mapeamento e detectou, à época, a presença de 34 surdos no município, hoje, eles já somam quase 50. Estimulada pelo estudo, a Associação Marajoara de Apoio à Inclusão Social (AMIS Marajó) reuniu os surdos de Soure e, pela primeira vez, estabeleceu uma rede de comunicação entre eles.

Mácio Ferreira

Mácio Ferreira

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Recursos do Proint garantem infraestutura e acervo bibliográfico para a formação de estudantes Com o financiamento do Programa Integrado de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Proint), o estudo rendeu frutos e possibilitou a inserção de estratégias de ensinoaprendizagem e práticas educativas inclusivas no Projeto Pedagógico de Letras, contribuindo para a formação dos estudantes do curso. A intenção

era promover ações para ajudar a formar profissionais que pudessem trabalhar adequadamente com esses deficientes, alfabetizando-os, já que eles não sabiam ler nem escrever, não sabiam se comunicar por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), além de não possuírem assistência psicológica e familiar adequada.

“Essa é uma realidade que precisa ser mostrada. Na verdade, como educadores, somos todos responsáveis por esse processo. Essa precisa ser uma preocupação coletiva e a Universidade tem esse papel nos interiores”, conta Maria Luizete Carliez, coordenadora do Campus Universitário de Soure e coordenadora do projeto.

n Parcerias com Institutos do Rio de Janeiro e Paris n Atendimento Em 2007, Luizete Carliez teve contato com uma instituição que é referência mundial no trabalho com deficientes auditivos: o Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris, criado em 1760. A professora solicitou uma audiência com o Jean François Dutheil, diretor do Instituto, e lhe fez um convite para participar do "I Fórum sobre Discussão de Políticas Públicas para a Inclusão Social de Deficientes Auditivos e Visuais do Marajó". Então, antes de ir ao Rio de Janeiro, visitar o Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), o diretor foi até

Soure participar do Fórum. Com a realização do II Fórum, em fevereiro de 2009, foi firmada uma parceria entre os dois institutos, a Universidade Federal do Pará, a Prefeitura de Soure e a Associação Marajoara de Apoio à Inclusão Social (AMIS Marajó) para formalizar as ações iniciadas desde o primeiro encontro. Um dos frutos desse convênio foi a doação de um ônibus pelo INES que irá transportar os deficientes dentro do município. O Instituto de Paris contribuiu com o envio de um profissional, sem nenhum custo para o Campus, para

capacitar educadores e universitários na técnica de cued speech, fonética articulatória, por meio da qual deficientes auditivos trabalham a oralidade e a leitura labial. Já a Prefeitura e a AMIS Marajó realizaram oficinas de capacitação – corte e costura, tecnologia da pesca e biscuit. “É a primeira vez que eles são inseridos nesse tipo de ação", afirma Luizete. O INES ainda apoia o Teste da Orelhinha, cujo objetivo é fazer o diagnóstico adequado da capacidade auditiva. Familiares e professores nunca sabem se a perda auditiva é de fato surdez ou algum tipo de obstrução.

n Divididos entre a oralização e a língua de sinais O Proint possibilitou a construção de um Laboratório de Educação Inclusiva, aberto para a comunidade e que vai contribuir para a formação de 150 profissionais. Além disso, foram adquiridos quase R$10 mil em acervo bibliográfico sobre deficiência auditiva,visual e inclusão. Em 2007, a UFPA realizou, pela primeira vez, um curso de Libras. Em fevereiro de 2009, foi publicada uma revista reunindo as pesquisas apresentadas durante o "II Forum sobre Discussão de Políticas Públicas para a Inclusão Social de Deficientes Auditivos e Visuais do Marajó". Os estudantes do Campus continuam produzindo TCCs e pesquisas na área de deficiência visual e auditiva. Muito ainda precisa ser feito,

principalmente, no que diz respeito à oralização dos surdos. De acordo com Luizete, muitos pesquisadores e educadores interpretam a questão da oralidade como imposição da língua. “A educação dos surdos, no nosso país, está muito atrasada. É difícil, hoje, trabalhar com essas duas tendências, a que defende a língua de sinais e a que defende a oralização. É preciso pensar naquilo que é benéfico para a educação dos surdos e não ficar brigando por tendências ideológicas que, na maioria das vezes, são direcionadas por ouvintes”, argumenta. Na França, o surdo que está no ensino fundamental é oralizado, porque o governo oferece exames, fonoaudiólogo e psicólogo. E todo esse acompanhamento é feito dentro

das escolas. No ensino médio, eles escolhem se querem trabalhar com a fala ou somente sinalizar. Mas, nesse momento, eles já conhecem os dois métodos comunicacionais. O ideal é dar aos surdos as ferramentas necessárias para que eles possam ter os mesmos direitos que têm os ouvintes. Pois, quando o surdo vai para o mercado de trabalho, os empregadores querem que eles falem, façam leitura labial, sejam alfabetizados e usem a língua de sinais. Na França, o Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris oferece cursos profissionalizantes: de metalurgia, informática, moda, entre outros. Não se trata de aulas de artesanato, mas de uma formação técnica que possibilita o bom desempenho da profissão.

multidisciplinar

Mas, o que acontece com os nossos surdos? Segundo a professora Luizete, não existe, na política nacional, a possibilidade de oralizar um surdo, não há sequer um intérprete de Libras nas salas de aula. As autoridades responsáveis precisam entender que a educação dos deficientes auditivos é complexa e não se restringe ao intérprete. É importante trabalhar com profissionais multidisciplinares, que vão da área da educação à da saúde. Para o surdo, construir uma linguagem quer dizer trabalhar com otorrinolaringologista, fonoaudiólogo, psicólogo, professor de Libras, intérprete, pedagogo e outros. “Ou dizemos que os mais de cinco milhões de surdos existentes no Brasil estão incluídos e não se fala mais nisso, mesmo sabendo que não é verdade, ou assumimos que, realmente, queremos incluí-los, e esse custo é alto”, desabafa Luizete Carliez. Futuramente, o Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris lançará uma revista bilíngue para a divulgação da produção científica do Marajó e de Paris. Em junho, foi publicado o primeiro livro de cued speech adaptado à língua portuguesa, escrito por David Lúcio, professor do Instituo Francês. Assim, a UFPA está avançando de forma significativa na área da inclusão e à frente do que diz respeito à educação dos surdos em nosso país.


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Preservação

Tartarugas da Amazônia estão ameaçadas T

abuleiro do Umbaubal, às margens do Rio Xingu, Estado do Pará. Considerado o maior centro reprodutor de Tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) na América do Sul, esse santuário da vida silvestre amazônica pede socorro. Após trágico episódio em 2008, quando 70% dos filhotes desses quelônios morreram em decorrência do alagamento da praia, o local continua vulnerável e sujeito a um desastre iminente. De cada mil Tartarugas da Amazônia nascidas, apenas duas sobrevivem na natureza. A espécie pode pôr mais de cem ovos em cada ninho, porém pouquíssimas chegam à idade adulta, devido à intensa predação dos ovos e dos filhotes. Além das adversidades naturais, os animais sofrem intensa pressão humana. No Tabuleiro, a caça predatória, a ocupação desordenada das praias e o desmatamento de Áreas de Preservação Permanente (APP) no entorno são fatores que agravam o problema. Estudos realizados por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob coordenação do professor Juarez Pezzuti, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), atestam a gravidade da situação no que tange à perda da diversidade biológica na região do Xingu, com consequências calamitosas às populações ribeirinhas tradicionais e ao equilíbrio ecológico. Em um parecer produzido pelos biólogos, em junho de 2008, recomendou-se o alteamento da praia, ou seja, a deposição de areia do fundo do rio para cima do Tabuleiro,

Fotos Acervo Pesquisador

Berçário da fauna silvestre sente impactos de ações predatórias

Tabuleiro do Umbaubal tem cenário perfeito para o manejo sustentável aumentando a sua altura e, com isso, a probabilidade de sucesso de eclosão dos ovos ali depositados. Segundo o coordenador, o não cumprimento das recomendações, este ano, pode comprometer a desova e repetir uma tragédia anunciada. Juarez Pezzuti alerta para outras situações que podem contribuir para o decréscimo do estoque da Tartaruga da Amazônia no Xingu. De acordo com o etnólogo, existe a possibilidade de que, caso a Usina Hidrelétrica de Belo Monte seja, de fato, construída, haja retenção de sedimentos e, com o passar dos anos, comprometa a existência das praias e das ilhas fluviais, onde os animais permanecem no inverno. Para ele, a construção da hidrelétrica representará um grande impacto, não

só pela função ecológica da Tartaruga, mas também pela sua importância na subsistência e na cultura das populações tradicionais. Comercialização – Outro ponto problemático apontado é a existência de um programa oficial amparado por lei, no qual criadores recebem filhotes do Tabuleiro para fins comerciais. “Isso é inconstitucional, já que qualquer animal silvestre, de acordo com a Constituição, é patrimônio da União, não podendo ser doado. Como proibir um ribeirinho de comer ou até mesmo de vender uma tartaruga, se os ricos fazendeiros recebem milhares de filhotes para comercialização na fase adulta?”, critica o pesquisador. Além da Tartaruga da Amazô-

nia, o Tabuleiro do Embaubal também abriga outras espécies da fauna aquática amazônica em situação de vulnerabilidade, como o peixe-boi (Trichechus Manatus), o boto-rosa (Inia Geoffrensis) e o pirarucu (Arapaima Gigas). Para protegê-los, os biólogos acreditam que a fiscalização e o manejo sustentável são o melhor caminho. Segundo a bióloga Cristiane Costa Carneiro, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Zoologia da UFPA/Museu Paraense Emílio Goeldi, três espécies de quelônios desovam em praias da região e se reproduzem entre os meses de julho e outubro. Para ela, é necessário aumentar a fiscalização do local, sobretudo no período de migração das fêmeas, quando a pesca é mais intensa. Segundo o professor Juarez Pezzuti, a criação de uma unidade de conservação de uso sustentável no Tabuleiro do Embaubal, com um plano de manejo comunitário, seria o mais adequado. Esse tipo de manejo prevê a integração dos conhecimentos tradicionais e acadêmicos, envolvendo as comunidades ribeirinhas em todo o processo. “No Tabuleiro, temos tudo para manejar, menos uma legislação adequada. O atual sistema, voltado apenas para preservação, exclui os ribeirinhos e se torna ineficiente. Durante a maior parte do ano, eles pescam clandestinamente e, por consequência, desconhecemos a pressão sobre os estoques, já que é tudo ilegal. Por isso, temos que encarar o desafio de manejar a fauna brasileira com sustentabilidade. Fingir que não há caça e que a proibição resolve a situação é uma atitude irresponsável”, conclui em tom de desabafo.

Coleta Seletiva Solidária já é prática na UFPA

A

p ro va d o p e l o C o n s e l h o Universitário (Consun) e após sofrer melhorias, o Código de Posturas da Universidade Federal do Pará entra em vigor a partir deste segundo semestre. O documento traz a regulamentação das relações de convivência social da comunidade universitária em todos os âmbitos e a questão ambiental é um dos pontos mais importantes, por tratar da manutenção da qualidade do ambiente na cidade universitária. Todos os dias, folhas, galhos, sobras de comida (matéria orgânica), bem como papel, papelão, plástico, vidro, metal e outros materiais, que, antes, iam parar nas lixeiras comuns, agora, serão destinados às Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis da Região Metropolitana de Belém (Concaves). Oficialmente, a nova gestão dos resíduos teve seu início com a inauguração da Coleta Seletiva Solidária da UFPA em junho deste ano, durante as comemorações da Semana de Meio Ambiente. Lúcia de Fátima Almeida,

educadora ambiental da Coordenadoria de Meio Ambiente (CMA), da Prefeitura do Campus, lembra que a ideia da coleta seletiva não é nova. “Convidamos, inicialmente, a diretora do Departamento de Resíduos Sólidos da Prefeitura, Elvira Pinheiro, e Márcia Janete Costa, do Programa Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreendimentos Solidários (PITCPES/UFPA), para nos ajudarem no direcionamento de um trabalho com os catadores que entravam na cidade universitária”, conta Lúcia. O passo seguinte foram os estudos que apontaram algumas necessidades, como um galpão de triagem, que foi substituído por um caminhão de coleta do material nos Locais de Entrega Voluntária (LEV) e entrega na cooperativa. A educadora ambiental Liana Maria Machado Figueira explica que, para participarem do sorteio previsto no Decreto Nº 5.940/2006, em que foram traçadas estratégias para a sensibilização da comunidade, as cooperativas precisavam estar

Fotos Alexandre Moraes

Ecologia

Ana Carolina Pimenta

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Depois de germinadas, plantas precisam de cuidados para que cheguem à idade adulta e sejam transferidas para áreas de preservação públicas

Orquídeas serão devolvidas à natureza Reprodução in vitro assegura variabilidade genética das espécies

n Em breve, de volta à floresta

Glauce Monteiro

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uem vê a floresta amazônica lá do alto, logo a descreve como um mundo verde. Muitos ignoram a variedade de tons escondidos entre as árvores gigantescas. Famosas pela beleza de suas formas e cores, as orquídeas são encontradas em quase todos os países do mundo. Estima-se que sejam mais de 35 mil espécies. Na Amazônia, já foram catalogadas 709, 260 delas genuinamente paraenses. Apesar da diversidade, a coleta indiscriminada e a devastação de seus habitats ameaçam a sobrevivência das orquídeas amazônicas. Algumas espécies, típicas das áreas de várzea da Região Metropolitana de Belém, hoje, são raramente vistas em ambientes naturais. São encontradas somente em orquidários particulares. "Pouco tem sido feito para reverter esse quadro desolador, apesar da unanimidade quando se fala da beleza e da importância ecológica das orquídeas", alerta o professor Marco Antônio Menezes Neto, da Faculdade de Biologia da UFPA.

Das 27 orquídeas multiplicadas, cerca de dez espécies são típicas da Amazônia

n Laboratório: mais flores em menor tempo minimamente organizadas e a primeira contemplada foi a Convaves, do bairro da Terra Firme, que, após seis meses, será substituída por outra cooperativa. Até agora, foram realizados 12 Bate-Papos Ambientais, contemplando institutos e núcleos que manifestaram interesse em participar da Coleta Seletiva Solidária. O objetivo é abranger todos os campi do interior e unidades fora da Cidade Universitária. “Aqui, na Prefeitura, utilizamos caixas de papelão e separamos o nosso material. Aos poucos, estamos vendo as pessoas se mobilizarem, como no Instituto de Educação, que montou uma comissão interna para estudar a forma como implantarão a coleta. No Intituto de Ciências Biológicas, os alunos estão analisando a melhor maneira de lidar com o que recolhem. No Arquivo Central, eles coletam, principalmente, copos plásticos de água e café”, relata a Liana Figueira. Segundo o Trabalho de Conclusão de Curso de Gabriel H i ro m i t e Yo s h i n o, e n ge n h e i ro sanitarista da Coordenadoria de

Serviços Urbanos (CSU), 51,25% do resíduo produzido na Universidade é matéria orgânica – folhas, galhos, sobras de comida –, 18,52% são papel e papelão, 19,17% são plástico e 11,06% são outros materiais. Segundo o engenheiro, um dos grandes problemas enfrentados após a inauguração da coleta seletiva é a utilização dos LEV para matéria orgânica, transformando o material reciclável em lixo. Além disso, as pessoas não respeitam os contêineres. “Então, só para reforçar: azul para papel e papelão; verde para vidro; amarelo para metal; vermelho para plástico”, relembra Gabriel Yoshino. De acordo com Liana Figueira, a Coleta Seletiva Solidária é um projeto baseado na educação, “quem já está fazendo corretamente, não desista, porque a atuação de cada um é uma marca, é a multiplicação da ideia e não custa nada dar um alerta sutil a quem ainda não está praticando”. Serviço: agende a coleta no seu setor pelo ramal 8304.

Além do aspecto ornamental, orquídeas fornecem produtos alimentícios, fármacos ou matérias--primas aproveitadas pela indústria, e imprescindíveis serviços ambientais. Na natureza, elas estão quase sempre no alto das árvores. O pesquisador Marco Antônio Menezes Neto esclarece que "é comum encontrarmos pessoas que consideram as orquídeas parasitas e, por isso, retiram-nas das árvores onde elas se fixam. Na verdade, as orquídeas estão procurando, apenas, um lugar ao sol para fazerem a fotossíntese e não prejudicam essas outras plantas. Elas se alimentam de nutrientes contidos na água da chuva e na poeira do ar, além de estabelecerem, comumente, uma relação muito específica com fungos que auxiliam em sua nutrição”. Nenhuma espécie botânica é capaz de produzir tantas sementes num único fruto como as orquídeas. Embora produzam até milhões de sementes no ambiente natural, apenas algumas germinam e pouquíssimas se tornarão plantas

adultas. A germinação das sementes depende de uma relação mutualística com fungos, que nutrem os embriões durante os estágios iniciais de desenvolvimento. “As orquídeas também se relacionam com determinados insetos, desenvolvendo sofisticadas estratégias para atrair os polinizadores. Daí, a beleza incomum e o cheiro agradável de suas flores.", conta Marco Antônio Menezes Neto. Em laboratório, a cultura assimbiótica ou semeadura in vitro de orquídeas aumenta a porcentagem de germinação. A técnica consiste em cultivar as sementes em meio nutritivo até que se transformem em plantas completas. “Esse método é importante do ponto de vista comercial e ecológico, pois possibilita o aumento da variabilidade genética das espécies propagadas e permite a produção de um grande número de orquídeas em um curto espaço de tempo", revela o pesquisador. Ele explica que há outras formas de reprodução de orquídeas, as quais funcionam como uma

espécie de clonagem das plantas. No entanto, como o objetivo da pesquisa é reintroduzi-las em seu ambiente natural, é interessante que elas sejam diferentes entre si, ou seja, “precisamos assegurar a variabilidade genética para aumentarmos as chances de que as orquídeas voltem a habitar um determinado ambiente natural. Assim, elas estarão mais preparadas para enfrentar as adversidades de seu meio”, justifica. "Já multiplicamos 27 espécies, cerca de dez delas são amazônicas, a maioria do gênero cattleya. A intenção é ir aumentando esse número gradativamente, por isso precisamos da colaboração de orquidófilos que possam doar material para a coleta de sementes. Não precisamos de mudas ou de flores, basta uma autorização para ir até a planta e coletar seu fruto, que, normalmente, é descartado pelo criador. Também podemos reproduzir, in vitro, espécies a pedido dos orquidófilos. Estamos abertos a parcerias”, convida Marco Antônio Menezes Neto.

O projeto iniciou em agosto de 2007 e, em breve, será hora de reintroduzir as plantas adultas no meio ambiente. Elas serão plantadas em áreas de preservação públicas e privadas. "Já fizemos alguns contatos e pretendemos plantar orquídeas no Jardim Botânico da Amazônia Bosque Rodrigues Alves, no Parque Ambiental do Utinga, no Museu Zoobotânico Emílio Goeldi, no Crocodilo Safari Zoo e em uma área privada localizada, em Santo Antônio do Tauá. Quando o momento chegar, vamos convidar escolas de ensino médio e fundamental para participarem da reintrodução, com o objetivo de despertar nesses jovens a consciência da importância da preservação dessas plantas", revela o professor. As orquídeas amazônicas pertencem, principalmente, aos gêneros Catasetum; Epidendrum; Maxillaria; Habenaria e Encyclia. Os três primeiros ainda são vistos em Belém. "Esses gêneros conseguiram desenvolver algumas estratégias para se adaptarem às modificações feitas pelo homem no espaço. Uma espécie do gênero Maxillaria, por exemplo, é encontrada no alto das mangueiras distribuídas pelo Centro de Belém”, lembra. No entanto, o pesquisador adverte: “essas situações não diminuem os riscos de desaparecimento de espécies pela destruição das áreas verdes que restaram na cidade ou pela retirada predatória das plantas e flores, o que já pode ter extinguido orquídeas endêmicas, ou seja, as que só existiam em um determinado lugar nem sequer foram descobertas”. Para Marco Antônio Neto, as plantas produzidas in vitro, a partir do cultivo assimbiótico de sementes, são altamente interessantes para programas de reintrodução de espécies nativas em áreas de preservação ambiental, e talvez programas desse tipo sejam a única solução viável para salvar algumas espécies de orquídeas amazônicas. “A possibilidade de admirar a beleza das orquídeas não pode ser um privilégio de poucos. A beleza de suas flores deve promover a satisfação da coletividade. Para isso, é fundamental que essas plantas maravilhosas sejam reintroduzidas em parques, praças, jardins botânicos ou em qualquer área acessível ao público”, deseja.


4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará –Setembro, 2009

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Setembro, 2009 –

Meio ambiente

Devoção

Q

uem diria que poderíamos encontrar perfume e beleza em um esgoto? Um projeto desenvolvido pela Faculdade de Engenharia Sanitária e Ambiental, da Universidade Federal do Pará, tornou possível a transformação de um sistema de efluente doméstico em um verdadeiro jardim. O projeto "Avaliação do tratamento de esgotos visando ao seu reuso em floricultura amazônica" teve o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério de Ciência e Tecnologia, por meio do Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (Prosab), e foi realizado em rede com a participação de universidades de dez capitais brasileiras, entre os anos de 2007 e o início de 2009. O objetivo foi apresentar um sistema alternativo de tratamento de esgoto, que possibilitasse baixos custos, preservação do meio ambiente e geração de renda. Surgiu, então, a ideia de tratar o esgoto de forma que ele pudesse servir como nutriente para o crescimento de plantas, mais especificamente de flores, as quais poderiam ser cultivadas sem a utilização de aditivos agrícolas industriais. O projeto poderia, da mesma forma,

Acervo Projeto

Sistema de tratamento alternativo é gerador de emprego e renda

Alpina purpurata foi a espécie cultivada com o reuso do esgoto

n Processo retira substâncias danosas ao cultivo O primeiro passo do projeto foi tratar o esgoto por meio de um processo específico, pois o esgoto in natura, do jeito como é descartado, não pode ser usado para o cultivo diretamente. É preciso, ainda, que sejam removidas da solução algumas substâncias que são danosas à prática. E aí está uma vantagem, porque o tratamento do esgoto para o cultivo é mais simples do que o seu tratamento para ser lançado nos rios, sem poluir o meio ambiente, principalmente, em termos de custos. Os efluentes domésticos, nos sistemas conven-

cionais, mesmo quando tratados, são lançados em cursos d'água. O cultivo com a utilização dessa solução evita esse lançamento, conferindo um fim benéfico ao esgoto. Além de diminuir o custo do tratamento dos esgotos, o sistema oferece, ainda, a possibilidade de gerar emprego e renda a produtores locais. Um levantamento realizado em 2007 revelou que, somente na Região Metropolitana de Belém (RMB), existem, em atividade, cerca de 1.200 pequenos produtores de flores. O lucro aumenta por não ser preciso in-

vestir em aditivos agrícolas, já que a solução de esgoto tratada pode ser adquirida diretamente nas companhias de saneamento, sem custo. "A Política Nacional dos Recursos Hídricos, por meio da Agência Nacional de Águas, determina cobrança de taxas a companhias de saneamento que despejam esgotos no meio ambiente. Assim, a distribuição gratuita da solução nutriente a quem se interessasse em recebê-la seria uma vantagem enorme para essas empresas, que, desta forma, seriam dispensadas do pagamento das taxas”, explicou a pesquisadora.

Como criar um jardim com esgoto tratado Escolha a área que será utilizada, bem como a espécie de flor que deseja produzir; Monte o sistema de tratamento de esgoto adequado para o cultivo. É necessário utilizar um reator para converter matéria orgânica e realizar o processo de nitrificação, responsável por transformar o nitrogênio encontrado na forma amoniacal, no esgoto, em nitrato, que é melhor absorvido pela planta; Após a concepção e implantação do sistema de esgoto, é hora de monitorar as características do efluente gerado, principalmente, do nutriente necessário para o cultivo escolhido; Parta, então, para a instalação dos sistemas de cultivo, que depende da técnica a ser utiliza-

da: a bancada de calhas para hidroponia ou a destinação da área de solo para o experimento de fertirrigação; Plante as mudas e faça a irrigação, fase que dura cerca de oito meses para esse tipo de cultura. Está pronto o seu jardim. Acompanhe o crescimento com medição da altura das plantas, do número de folhas, do número de filhos (mudas), do número de flores geradas e compare os resultados com os do cultivo comum; Após os oito meses, chega a fase de corte e de venda.

por exemplo, optar pelo cultivo de frutas ou legumes, mas decidiu-se, primeiro, desenvolver uma tecnologia consistente que demonstrasse bons resultados com produtos não comestíveis. Segundo explicou a coordenadora do projeto na UFPA, professora Luiza Girard, cada capital escolheu um cultivo que estivesse de acordo com as características regionais. As flores foram cultivadas no Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. No Sudeste, a espécie escolhida para o cultivo foi a rosa. No Nordeste, o cravo, e assim por diante, conforme o clima e a economia locais. Na Região Norte, a espécie escolhida foi a alpinia purpurata, uma flor exótica, de clima tropical, introduzida na Amazônia e com alto valor de mercado. A UFPA montou uma área de cultivo experimental em uma estação de tratamento de água da Cosanpa, no conjunto Jardim Sideral, em Belém. O sistema piloto foi instalado tanto para o tratamento adequado do esgoto quanto para os pontos de cultivo. “Trabalhamos com duas técnicas específicas: a do cultivo em solo, que chamamos de fertirrigação, e a do cultivo hidropônico, feito em calhas de tubos e não tem contato com o solo”, observou Luiza Girard.

n Reuso ampliaria rede sanitária De acordo com Luiza Girard, hoje, a cobertura de coleta e tratamento de esgoto na RMB é bem aquém do necessário. “A coleta se dá em torno de 5 a 10%, considerando o total da população, e tratamento em torno de 3%. O investimento no sistema de reuso de esgotos para floricultura garantiria uma boa rede de coleta e tratamento sanitário para a cidade”. Os resultados do experimento foram satisfatórios com o cultivo em hidroponia, que implicou uma grande proliferação de mudas. A UFPA montou três bancadas de calhas para o cultivo da alpinia purpurata. Em uma, fez a nutrição das plantas com a solução comumente comercializada no mercado. Em outra, somente com a solução proveniente do esgoto. E, em uma terceira, misturou a solução de esgoto com a solução comercial. A melhor produção de mudas se realizou no sistema irrigado pela solução de esgoto, que apresentou alta concentração de nitrogênio, essencial para o crescimento das plantas. Outras espécies podem ser testadas, dependendo do resultado esperado. No caso local, o cultivo gerou mais mudas do que flores, o que traria mais vantagens aos pequenos produtores, pois o preço da muda, no mercado local, é mais alto do que o preço da flor. Mas é possível compensar os nutrientes e adaptar as variáveis de acordo com as demandas do produtor. A experiência da UFPAserá somada à das demais universidades para compor um livro a ser lançado, nacionalmente, no 25º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária, de 20 a 25 de setembro, em Recife/PE.

À margem do controle eclesiástico

Canonizados pelo povo, santos são cultuados à beira de seus túmulos Walter Pinto

N

o dia 3 de julho de 1900, os jornais de Belém noticiaram um assassinato que consternou a sociedade local por sua brutalidade: uma jovem, residente na rua João Balbi, foi esfaqueada, no interior de sua residência, por um cabo do Batalhão de Infantaria que desejava possuí-la à força. Severa Romana Pereira era casada com o soldado Pedro Cavalcante de Oliveira, tinha 18 anos e estava grávida. O assassino, o cabo Antônio Ferreira, natural do Ceará, 39 anos, era hóspede do casal desde que chegou a Belém, removido do 35º para o 15º Batalhão de Infantaria. O jornal Folha do Norte publicou a notícia na segunda página da edição do dia seguinte ao assassinato. A cobertura do jornal, de propriedade de Enéas Martins, foi bastante discreta. Sob o título "Assassinato Bárbaro", em letras pequenas, a Folha do Norte noticiou o crime em pouco mais de uma

Mácio Ferreira

Projeto transforma esgotos em jardins

Jéssica Souza

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No cemitério Santa Izabel fiéis agradecem graças alcançadas coluna. No dia 4, o jornal voltou ao assunto com a matéria da autópsia feita pelos médicos Mariano Aries de Souza e Stanislau de Vasconcelos, por meio da

qual se concluiu que Severa Romana foi morta a facadas que provocaram "hemorragia consecutiva a seções das artérias carótidas e inibição nervosa".

A cobertura do jornal concorrente, A Província do Pará, foi mais intensa e sensacionalista. O crime ocupou várias edições, com reportagens escritas em tom passional, quase recebendo tratamento folhetinesco. Entrevistado pelo jornal de Antônio Lemos, o cabo assassino insinuou que Severa era sua amante. O misto de mentira e frieza chocou a opinião pública da virada do século. Os leitores se manifestaram, solidarizando-se com a “jovem que morreu em defesa da honra”, por meio de cartas e poemas. A Província liderou campanha para dar à jovem assassinada uma sepultura "digna", erguida no cemitério de Santa Isabel, onde os devotos acorrem todos os dias. É difícil precisar o quanto os jornais contribuíram para a construção da imagem da santa do povo, Severa Romana, mas é mais difícil, ainda, não aceitar que, na origem do mito, há um pouco do jornalismo sensacionalista da época, com repórteres românticos e grandiloquentes.

n Severa Romana é a santa popular mais cultuada n Canonização é Ao longo dos anos, a história de Severa Romana se firmou no imaginário popular, despertando o interesse da literatura e das artes. Entre as criações literárias e artísticas, destacam-se a obra de Jacques Flores, publicada em 1955; a peça teatral de Nazareno Tourinho; o curtametragem de Suelene Pavão; o livro “Severa Romana: santa popular e heroína da honra", de Jorge Calderaro, entre outras. Hoje, o mito é estudado nas universidades. No primeiro semestre de 2009, o Centro de Memória da Amazônia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA, realizou o seminário "A memória de Severa Romana: de mulher a Santa Popular", sintetizando muito do que existe em termos de conhecimento sobre Severa. No acervo de processos judiciais do Centro de Memória, o processo criminal de Severa Romana é um dos mais consultados. Após 109 anos da sua morte, Severa é a santa popular mais cultu-

ada pelo povo de Belém. Uma explicação para a construção do processo de santificação popular é dada pelo antropólogo Heraldo Maués, autor do clássico "Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle eclesiástico", publicado pela Editora Cejup, em 1995. Para ele, a morte violenta de Severa, somada ao fato de ter morrido para defender sua honra, conduziu, certamente, o processo de santificação popular. Recorrendo ao historiador irlandês Peter Brown, Heraldo lembra que a origem do culto de santos remonta aos santuários formados no antigo Império Romano, em torno dos túmulos dos mártires cristãos, que pereceram de morte violenta em consequência das perseguições por eles sofridas. É a violência que marca a gênese. A violência da morte, em geral, continua sendo a marca dos santos populares nos dias atuais. Heraldo Maués cita, como exemplo, o caso da menor Dienne Elles, tornada santa popular após ter sido morta pelo pró-

prio pai, que lhe cortou o corpo em pedaços e o colocou numa mala, na tentativa de escondê-lo. Dienne está sepultada no cemitério de São Jorge, em Belém. Outro caso é o de Josephina Conte, sepultada no cemitério de Santa Isabel. Falecida em 1931, aos 16 anos de idade, em desastre de automóvel, é conhecida como "Moça do táxi". A violência da morte está, também, por trás do caso de Nergescila "Lucy", jovem morta por engano, com um tiro de revólver disparado pelo próprio pai, um capitão do Exército, o qual pensava estar atirando em ladrões que estariam invadindo a sua casa. No antigo e desativado cemitério da Soledade, às segundas feiras, muitos são os que vão agradecer alguma graça ou pedir a intervenção de santos populares, sepultados no século XIX. Dois dos mais cultuados são a Preta Domingas, escrava morta por maltratos, em 1871, e o Menino Zezinho, falecido em 1881, também por maltratos.

n Virtude e qualidade não garantem beatificação Não deixa de ser curioso que o processo de santificação popular independa de qualidades ou virtudes do santo. Há pessoas que, em vida, tiveram um mau passado, mas, após as mortes, foram santificados pelo povo. Heraldo Maués cita cangaceiro Jararaca e o assaltante e serial killer João Baracho, estudados pela antropóloga Eliane Tânia Martins Freitas, no Rio Grande do Norte. Tanto o cangaceiro como o serial killer são cultuados à beira dos seus túmulos. A antropóloga diz que as pessoas acreditam nos milagres desses dois santos, mas a memória de seus feitos como bandidos é narrada com "um misto de admiração e reprova-

ção moral". Eles encarnam, de um lado, o mito ou o modelo do bandido social, que rouba para dar aos pobres – espécie de Robin Hood – mas, ao mesmo tempo, o modelo daquele que passou por um grande sofrimento no momento de sua morte, ao serem metralhados pela polícia. Ao mesmo tempo, tanto Baracho quanto Jararaca aparecem como "santos precários, posto que suas santidades são objeto de controvérsia e contestação", como afirma Eliane Freitas. No extremo oposto, há pessoas santificadas por suas virtudes, como o médico paraense Camilo Salgado, muito cultuado no cemitério de Santa Isabel, em Belém. Heraldo Maués res-

salta que, neste caso, a conotação de seu culto é de caráter não propriamente católico, mas espírita. "No caso de Camilo Salgado, temos um exemplo de vida. Um médico que, segundo se sabe, dedicou sua vida, com grande desprendimento pessoal, ao tratamento de enfermos". Heraldo Maués observa uma possível ligação entre dedicação e sacrifício em relação a Camilo Salgado. "É de se perguntar se não há uma boa dose de sofrimento: alguém que, por virtude e dedicação, sacrifica sua vida pessoal para oferecer aos outros um grande presente: o dom da cura que, ainda hoje, continua a ser oferecido aos que o procuram, mesmo depois de morto”.

forma de rebeldia

Segundo Heraldo Maués, todo culto de santo popular, todo santo achado, toda imagem que chora ou verte sangue representam uma forma de afirmação de devotos leigos em relação à autoridade administradora do culto oficial de uma dada religião. Para o antropólogo, quando o povo "canoniza" um santo popular, ele está expressando sua forma de afirmação de um culto autônomo. Mas, ao mesmo tempo, está querendo convencer a autoridade eclesiástica a partilhar de suas preferências. Quando essas manifestações trazem bons frutos para a Igreja Católica, como conversões, possíveis milagres ou vantagens políticas (no sentido de fortalecer a Igreja diante de seus vários inimigos), a autoridade eclesiástica, com cautela, dá apoio, sem, no entanto, apontar essas crenças como autênticas verdades de fé. É o que ocorre no caso de Fátima, em Portugal; Aparecida, no Brasil; Nazaré, em Belém; Lourdes, na França; e Guadalupe, no México. O único santo brasileiro até hoje canonizado pela Igreja Católica foi Frei Galvão. É um exemplo de santo feito pelo povo, reconhecido oficialmente. Frei Galvão já fazia milagres em vida e ficou conhecido por suas pílulas milagrosas. No caso de Severa Romana, o processo de beatificação teria esbarrado na falta de documentação. Em relação ao Padre Cícero, que Heraldo Maués define como o mais importante santo popular brasileiro, não há, até o momento, qualquer reconhecimento por parte da Igreja, embora a comissão nomeada para estudar sua possível reabilitação tenha resultado em atitude muito favorável. No Beira do Rio On Line você pode ler, na íntegra, a entrevista com o professor Heraldo Maués.


8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Setembro, 2009

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Setembro, 2009 –

Etnofarmácia

Mulheres

Estão previstas exposições, encontros e lançamento de livros

C

onvidados, decoração, balões cor-de-rosa, bolo e parabéns. As “meninas” do Grupo de Estudos e Pesquisas “Eneida de Moraes” sobre Mulher e Gênero (Gepem) comemoram os 15 anos da entidade. Criado em 27 de agosto de 1994, o Gepem reúne docentes, discentes e pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e de outras instituições de ensino, interessados em estudos na temática Mulher e Gênero na Amazônia. A partir da efervescência do feminismo, em meados dos anos 70, passou a haver um interesse pela temática mulher, estimulando a formalização de programas de estudos, grupos e núcleos de pesquisas, nas universidades e em outras instituições no Brasil. Na UFPA, os primeiros diálogos a respeito da criação de um grupo de estudos sobre a questão ocorreram em uma reunião, no início dos anos 80, entre as professoras Edna Castro e Rosa Acevedo e sua então orientanda Maria Luzia Álvares, culminando com a elaboração de um documento inicial, em que foram delineados objetivos e metas. No âmbito amazônico, essa iniciativa delineada nos anos 80 ampliou-se, na década de 90, nos debates e na rede teórica das Ciências Sociais, incluindo a perspectiva de Gênero nos estudos sobre a temática mulher. Nesse sentido, em janeiro de 1992, a pesquisadora Maria Angélica Motta-Maués realizou o “I Encontro de Pesquisadores do Centro de Filosofia da UFPA”, reunindo sete comunicações no Grupo Temático “Questões de Gênero: Identidade, Processos de Trabalho e Participação Política”. Na sequência de eventos para consolidação desses estudos, foram substanciais a realização do “I Encontro de Pesquisadoras/es sobre a Mulher e Relações de Gênero do

n Discussão interdisciplinar

Fotos Acervo Projeto

Raphael Freire

O compromisso do Grupo é tornar visível o debate sobre Gênero na Amazônia Norte e Nordeste”, em 1992, e a criação da Rede Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Gênero (Redor Norte e Nordeste). No ano seguinte, novos registros de estudos sobre Mulher e Gênero, que estavam ganhando força nas universidades paraenses, foram percebidos no “VI Encontro de Ciências Sociais Norte/Nordeste”, realizado em Belém (PA), e no evento internacional "A Amazônia e a Crise da

Modernização", que acolheu o GT Diversidade e Gênero com trabalhos que abordavam, entre outros, educação e insubmissão feminina no Pará, mulheres na pesca e na indústria de panificação. “Esses eventos são demonstrativos da trajetória marcante de pesquisadoras e pesquisadores que mantinham diálogo interdisciplinar com o tema”, conta Maria Luzia Álvares, coordenadora e uma das fundadoras do Gepem.

Nessa trajetória de eventos, foi possível realizar uma articulação institucional, que estimulou docentes da UFPA na criação de um grupo de estudos sobre a nova temática. Assim, na manhã de 27 de agosto de 1994, numa reunião histórica no auditório do então Centro de Filosofia e Ciências Humanas, atual IFCH, foi fundado o Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes (Gepem). Após a constituição do Grupo, as integrantes se concentraram na Praça “Eneida de Moraes” para oficializar a sua relação com a patrona. “Se nós estávamos criando um grupo naquele momento político no Norte, o nome tinha que ser político também e de uma mulher, é claro.Aaprovação foi unânime”, relembra a coordenadora. A partir de sua criação, o Gepem passou a desenvolver uma série de atividades comprometidas com a transformação social, realizando eventos que discutiram questões relativas à violência, à desigualdade de Gênero, à exploração rural, às práticas políticas vivenciadas pelas mulheres da Região Norte e às propostas de luta pela cidadania. Além dos eventos específicos, múltiplas atividades em forma de seminários, encontros e cursos construíram o percurso acadêmico dos membros do Gepem, sempre integrados à graduação e à pós-graduação nas áreas das Ciências Humanas e Sociais da UFPA, formando um eixo interdisciplinar em diversas áreas de conhecimento, visto em suas cinco linhas de pesquisa (Mulher e Participação Política; Mulher, Relações de Trabalho, Meio Ambiente e Desenvolvimento; Gênero, Identidade e Cultura; Gênero, Arte/ Comunicação, Literatura e Educação; Gênero, Saúde e Violência), reunindo pesquisadores de Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes, Comunicação, Saúde e Educação que demonstram o compromisso em estimular e tornar visível o debate relativo à mulher e às questões de Gênero na Amazônia.

n Medalha Eneida de Moraes irá premiar pesquisadores Para uma avaliação desses 15 anos de presença amazônica do Gepem, foi pensada uma programação envolvendo agendas acadêmicas, políticas e culturais. As comemorações foram iniciadas em maio deste ano com o “Simpósio Audiovisual Mulheres Amazônidas: imagens, cenários e histórias”, o lançamento do selo de comemoração dos 15 anos do Gepem e a Medalha Eneida de Moraes, que premiará, anualmente, as melhores monografias, dissertações e teses da UFPA e de outras universidades paraenses, além de entidades que desenvolvem trabalho sobre a questão da Mulher e Gênero na Amazônia. De 14 a 30 de setembro, o Gepem apresenta “Mulheres Amazônidas: o encantamento dos mitos femininos”, exposição monitorada e interativa coordenada pelas pesqui-

sadoras Scarleth O’hara e Eunice Santos. O programa comemorativo culminará com o IV Encontro Amazônico sobre Mulher e Gênero“Mulheres Amazônidas: Imagens, Cenários, Histórias”, que acontecerá em novembro, de 17 a 20, com o I Encontro de Pesquisadoras/es Paraenses sobre Gênero, Mulheres, Cidadania. A programação contempla todas as linhas de pesquisa do Grupo e pretende promover o intercâmbio de discussões com pesquisadores das universidades e de outras instituições do Nordeste, Sul e Sudeste. Ainda como parte das comemorações, está previsto o lançamento dos livros “Mulher e Gênero: as faces da diversidade” (Tomo I) e “Eneida: memória e militância política” – edição-brinde aos participantes do evento.

Encontro entre o popular e o científico Publicação reúne estudos sobre o uso medicinal de plantas amazônicas

Suzana Lopes

N

a última década, a utilização de plantas medicinais para o trato de enfermidades se tornou pauta recorrente na imprensa e no espaço público. A manipulação de medicamentos, a comprovação das potencialidades de determinadas plantas, o restabelecimento da esperança de cura para algumas doenças. Mas, muito antes disso, aqui, na Amazônia, faz-se uso de plantas de caráter curativo. Acompanhando o crescimento da área da fitoterapia e da popularidade das plantas medicinais na Amazônia, o professor Wagner Barbosa, da Faculdade de Farmácia da UFPA, trouxe a discussão para o âmbito acadêmico. Em 1993, quando escrevia sua tese de doutorado, o pesquisador se deparou com o termo ‘etnofarmácia’. E a partir de 1995, quando voltou à Universidade, iniciou um período de pesquisas que culminariam na organização do livro “Etnofarmácia: fitoterapia popular e ciência farmacêutica”, publicado, este ano, pelo Núcleo de Meio Ambiente da UFPA. O livro é composto por artigos que são resultado de estudos re-

EM DIA

Alexandre Moraes

Gepem:15 anos fazendo Gênero

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Estudos valorizam o saber popular e tentam normatizar a fitoterapia alizados por pesquisadores da UFPA e de outras universidades brasileiras. “Etnofarmácia: uma abordagem de plantas medicinais pela perspectiva das ciências farmacêuticas” e “Aproveitamento farmacêutico da flora como instrumento de preservação cultural e ambiental” são alguns exemplos. A publicação traz, ainda, um texto do professor José Guilherme Fernandes, da Faculdade de Letras da UFPA. Ele analisa o aspecto cultural da fitoterapia popular, como a nomenclatura que os amazônidas

n SUS reconhece potencialidade das plantas No Brasil, a Universidade Federal do Pará é a única que trabalha com o conceito nessa perspectiva. Há 14 anos, existe o Grupo de Documentação e Investigação de Fitoterápicos e Desenvolvimento de Fitomedicamentos (GPLAM), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas. Entre as pesquisas já realizadas, está a catalogação de 250 plantas de uso medicinal encontradas no município paraense de IgarapéMiri (a lista foi disponibilizada no livro). Um dos desafios de trabalhar com esse conceito é a destruição da barreira historicamente construída entre os saberes popular e científico. Para o professor Wagner Barbosa, essa separação não deve

acontecer, porque o método popular subsidia o científico, que reproduz os remédios em laboratórios. “Em vez de usarem as medidas científicas tradicionais, os populares trabalham com os termos ‘pitada’, ‘mão cheia’. Mas os remédios conseguem, perfeitamente, ser reproduzidos nos laboratórios, com as medidas científicas”, afirma. No âmbito das políticas públicas, nos últimos dez anos, também houve um reconhecimento da potencialidade medicinal de certas plantas. Foram criadas, em 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. No Sistema Único de Saúde (SUS), existe uma lista com 71 espécies

DUPLO EFEITO

As fundadoras do Grupo, na Praça Eneida de Moraes, em 1994

dão às plantas. “O conceito de etnofarmácia é justamente a interface entre a fitoterapia popular e a ciência farmacêutica”, explica Wagner Barbosa. O termo ainda é, relativamente, recente no meio acadêmico. Apesar do avanço dos estudos na área, não é possível dizer que se trata de um conceito já consagrado. Mas vários fatores apontam para a consolidação e maior divulgação da etnofarmácia, enquanto subárea de estudo e pesquisa.

Segundo Rudolph Weiss, fitoterapeuta alemão, os medicamentos com base em plantas possuem uma característica marcante que os diferem dos demais compostos medicinais. Trata-se do duplo efeito que provocam no organismo: o desejado (a cura ou a amenização da dor) e a inibição do não-desejado. Ou seja, uma planta medicinal contém substâncias indicadas para tratar determinada enfermidade e, dentro de derivados dela, podem existir outras substâncias que inibirão os efeitos indesejáveis e permitirão que o efeito desejado se expresse sem complicações. Na prática, enquanto um remédio tradicional para dor de cabeça provoca males para o fígado, por exemplo, um composto de planta medicinal não só age sobre a dor de cabeça, como também impede possíveis efeitos colaterais. Outro diferencial dos fitoterápicos para os medicamentos sintéticos, produzidos em laboratório, é que, nestes, enquanto se conhecem e se registram todas as substâncias contidas; naqueles, são inúmeros os compostos desconhecidos, conhecendo-se, apenas, os principais.

vegetais de interesse terapêutico, entre as quais, cerca de 20 crescem na região amazônica. Esses dados, segundo Wagner Barbosa, incentivam e contribuem para os estudos na área, “as ações que o estado brasileiro vem implantando valorizam a informação popular sobre as plantas medicinais e tentam normatizar a área da fitoterapia. Isso tudo forma um contexto muito propício para desenvolvermos nossas pesquisas”. Em uma região com grandes reservas vegetais, a etnofarmácia precisa se tornar um campo de pesquisa e ensino acadêmico. “A perspectiva é que a etnofarmácia, em si, se torne científica. E daqui a alguns anos, ela deverá ser uma disciplina acadêmica”, acredita o professor.

CURIOSIDADES n Dados da Organização Mundial de Saúde de 1979 contabilizam que 80% da população mundial usa fitoterápicos. n Só na Amazônia, estima-se a existência de 250 a 550 mil espécies vegetais, das quais, 50 mil têm potencialidades medicinais. n A fitoterapia é uma opção terapêutica oficial no Brasil, ofertada no SUS, assim como outros tratamentos alternativos, como massagem, antroposofia (ciência espiritual) e acupuntura. n Diferente do que muitos pensam, o uso inadequado de plantas medicinais também pode causar efeitos adversos. No livro, foram relatados 38 problemas relacionados com a utilização de plantas medicinais em medidas e/ou indicações equivocadas.

Recursos

A UFPA foi contemplada com recursos de mais de R$ 8,5 milhões para serem investidos em obras e aquisição de equipamentos para laboratórios de pesquisa. Os recursos foram obtidos com o Programa de Infraestrutura (Proinfra) da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Ao todo, 14 programas de pós-graduação ofertados na Universidade serão contemplados com os recursos do Proinfra 2009.

Bolsa para todos Estudantes de mestrado e doutorado das Regiões Centro-Oeste e Norte serão beneficiados com o Programa Bolsa para Todos, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para impulsionar a formação de doutores na Amazônia. O Programa atenderá estudantes de instituições públicas e privadas que não possuem vínculo empregatício e não contam com bolsas da Capes, do CNPq e de fundações estaduais de amparo à pesquisa. Mais informações podem ser obtidas no site www.capes.gov.br

Pierre Verger A exposição “Andalucía 1935”, com fotografias de Pierre Verger, pode ser vista até do dia 30 de setembro, no Museu da Universidade Federal do Pará. O evento é realizado em parceria com a Embaixada da Espanha e o Centro Cultural da Espanha, em São Paulo. O Museu da UFPA funciona das 9 às 17h (de terça a sexta) e das 10 às 14h (de sábado a domingo), na Av. José Malcher, 1192.

Patrocínio Pesquisadores da UFPA já podem contar com programas específicos de patrocínio para realização de eventos e participação em encontros nacionais e internacionais. A Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) lançou os editais do Programa de Apoio à Participação e do Programa de Apoio à Realização de eventos científicos, tecnológicos, artísticos e culturais para pesquisadores. Mais informações no site http:// www.fadesp.org.br

Aniversário O Hospital Universitário Barros Barreto completou 50 anos de funcionamento. Referência nacional no atendimento aos portadores de HIV, atualmente, o Barros Barreto busca parcerias para colocar em funcionamento a Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon).

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Setembro, 2009

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Setembro, 2009 –

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Inovação

Pesquisa da UFPA analisa fragrâncias da Amazônia Estudo avalia aplicação dos óleos essenciais de estoraque e priprioca

A

biodiversidade da Floresta Amazônica é reconhecida em todo o mundo. Flores, folhas, caules, raízes, óleos e todos os cheiros da fauna demonstram a variedade impressionante de essências florestais. Mas, como transformar os aromas da floresta em um produto sustentável e viável economicamente? O primeiro passo é conhecê-los. Joaquim de Carvalho Bayma, pesquisador da Faculdade de Química, do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Federal do Pará, analisou, durante cinco anos, duas variedades deste tipo de plantas: a Ocimum micranthum, mais conhecida como estoraque, e a Cyperus articulatus, comumente chamada de priprioca. Em laboratório, o pesquisador extraiu os óleos essenciais responsáveis pelas duas fragrâncias, que são misturas complexas de substâncias voláteis, com propriedades aromáticas que as plantas metabolizam para desempenhar funções específicas na natureza, como atrair polinizadores ou repelir animais herbívoros. No entanto, possibilidades de aproveitamento e aplicações biológicas, farmacológicas, em perfumaria ou em cosméticos de cada espécie aromática, ainda são um mistério. Fatores, como o clima, o relevo, as propriedades do solo ou a história evolutiva da espécie em um determinado local, fazem com que a composição dos óleos seja diferente,

n Fabricação de perfumes vai além do odor agradável

Fotos Mácio Ferreira

Glauce Monteiro

Matéria-prima precisa existir em abundância para evitar exploração excessiva das espécies de acordo com a região onde encontramos a planta. Daí, a necessidade de conhecermos a composição química dos óleos essenciais utilizados, uma vez que eles podem ser o ponto de partida de uma cadeia produtiva minuciosa que envolve, além de perfumes, medicamentos e cosméticos, vários outros produtos, nos quais a

mínima variação na concentração gera uma fragrância e propriedades diferentes. "Além dos diversos estudos realizados, também procuramos apontar um marcador químico, ou seja, uma substância que, de acordo com o percentual apresentado na mistura, pudesse indicar a qualida-

de do concentrado de maneira que, ao nos depararmos com qualquer quantidade do óleo essencial de priprioca ou de estoraque, pudéssemos avaliar a qualidade e a possibilidade de uso, uma vez que a composição está diretamente ligada às propriedades do óleo essencial”, revela o pesquisador.

n Parcerias para desvendar especificidades dos aromas Assim, no laboratório, foram realizados estudos químicos para estabelecer a composição das misturas e desvendar as especificidades dos aromas da priprioca e do estoraque, bem como determinar seus indicadores químicos. Também foram feitos experimentos agronômicos de cultivo que buscavam descobrir como implantar e manter essas espécies em um sistema voltado para

a produção de óleos essenciais. A segunda parte da pesquisa foi realizada em uma empresa privada, a Ervativa, que nasceu filiada ao Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica da UFPA (PIEBT). A pesquisa contou com o apoio do Programa de Pesquisa da Biodiversidade (PPBio), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em convênio com a UFPA.

A pesquisa produziu 20 litros de óleos essenciais, dez de estoraque e dez de priprioca. Um litro de essência de estoraque é obtido a partir de 800 quilos de caule e de folhas da planta. Já a produção de um litro de essência de priprioca requer 400 quilos de raízes da espécie. “Para realizarmos estudos sobre as propriedades das plantas é preciso, ao menos, 100 mililitros de óleo

essencial. Por isso, todo o material produzido na UFPA foi enviado para pesquisadores de diversas instituições de pesquisa, como a Faculdade de Farmácia da UFPA, a Embrapa Amazônia Oriental, a Universidade Federal do Ceará e a Universidade de Campinas”, ressalta Joaquim Bayma. Amostras dos óleos também foram enviadas para empresas de fragrâncias do País.

Experimentos agronômicos foram realizados para adequar o cultivo à demanda necessária para a produção de óleos essenciais

Perfumes são fragrâncias feitas com óleos essenciais, misturadas em proporções diferentes, conhecidas como notas. O primeiro cheiro que sentimos é conhecido como notas de frente e se dissipa momentos depois de revelado. As notas intermediárias perduram um pouco mais de tempo e as notas de fundo são os últimos aromas percebidos. Joaquim Bayma explica que as substâncias responsáveis pelas diferentes fragrâncias são perceptíveis de acordo com a sua volatilidade, ou seja, de acordo com a velocidade em que evaporam ou se dissipam no ar, “como possuem menor volatilidade, as notas de fundo são aquelas que, à temperatura ambiente ou à temperatura natural do corpo, levam mais tempo para se dissiparem. Por isso, elas permanecem conosco horas depois de usadas”. O professor esclarece que os perfumes estão mais presentes no nosso cotidiano do que imaginamos, “a indústria farmacêutica também recorre aos perfumes para disfarçar cheiros indesejáveis de princípios ativos de alguns produtos. Aromatizantes utilizados em produtos, como bolos, tortas e sucos artificiais, também são essências. E as fragrâncias também podem ter propriedades terapêuticas, medicinais ou mesmo inseticidas”. Para elaborar fragrâncias para perfumaria e/ou cosméticos, é necessário um alto investimento em pes-

Essências podem ter propriedades terapêuticas, medicinais ou inseticidas quisas. Não basta que uma essência possua um odor agradável, mais que isso, é preciso que o aroma mostre uma identidade, uma fragrância marcante que a diferencie das demais. “Mesmo algo que, aparentemente, não tenha um bom perfume, poderá servir de matéria-prima para um

excelente cosmético. É o caso, por exemplo, do óleo de copaíba”, lembra o professor. Joaquim Bayma argumenta que os mestres perfumistas são treinados para apurar sua capacidade olfativa e, antes de prepararem a fragrância, criam uma concepção do perfume a

ser desenvolvido. Eles possuem uma memória de cada cheiro e combinam diferentes dosagens, às vezes, quase imperceptíveis, para criar uma nova fragrância. "É como um buquê de flores em que o resultado final depende da quantidade e da qualidade de cada elemento que o compõe”.

n Brasil ainda não é referência no mercado internacional Parte do projeto também foi voltada para a divulgação dos óleos criados. “Os óleos da priprioca e do estoraque foram apresentados em uma feira especializada no sul da França para avaliação olfativa. É impressionante como os profissionais deste ramo são capazes de perceber componentes que nem mesmo testes químicos conseguem detectar”, afirma Joaquim Bayma. Como muitas essências já são conhecidas, é difícil descobrir um óleo essencial novo e quando descoberto, para que ele se torne um perfume, é preciso que a matéria-prima esteja disponível em abundância para evitar a exploração excessiva que ameaça espécies na natureza. É o que tem acontecido com o pau-rosa, na Amazônia. Além disso, é imprescindível que o óleo essencial seja, comprovadamente, seguro, não ocasionando danos à saúde humana, ou seja, que não provoque irritações da derme ou mesmo envenenamento fatal, em caso de ingestão acidental. Apesar do potencial da biodiversidade amazônica e de outros ecossistemas presentes no território nacional, o Brasil não é referência

Joaquim Bayma: "Principal objetivo do projeto é atrair interesse de pesquisadores e investidores" internacional no mercado de óleos essenciais. Nosso principal produto, nesta área, é a essência de laranja, que tem baixo valor agregado. "Temos uma variedade e uma quantidade impressionante de arbustos, frutos, folhas, cascas, raízes e flores aro-

máticas que ainda não são utilizados como essências. O principal objetivo do projeto foi chamar a atenção para os estudos de aplicação e para as possibilidades de aproveitamento da priprioca e do estoraque. Desejamos que os resultados da pesquisa des-

pertem o interesse de pesquisadores e de investidores. O estudo ainda não está encerrado, pesquisadores e instituições que desejam estudar as duas variedades podem solicitar à UFPA amostras dos óleos para investigação”, salienta.


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