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DiĂĄrio do Nordeste

¤ FORTALEZA, CEARà ¤ quarta-feira, 11 DE FEVEREIRO DE 2015 ¤

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LEMBRANÇAS

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Antes , nĂŁo apenas os animais morriam nas secas prolongadas. Hoje, apenas eles morrem, mas as marcas ficaram na memĂłria {FOTO: FABIANE DE PAULA}

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seca. Mesmo morando no Rio de Janeiro, pelo menos uma ntramos no que promete ser o quarto ano de seca vez por ano, enquanto viveu, Rachel passava uma boa temseguido. Cem anos depois d’O Quinze, nĂŁo se vĂŞ porada na fazenda, sempre no “BĂŞ-erre-o brĂłâ€?, como enfamais gente deixar suas casas no sertĂŁo para viajar de passar pelo Campo de Concentração do Alagadiço, que aglome- tiza Manoel Dias Tavares, de 71 anos, morador de “NĂŁo me atrĂĄs de sustento no Norte ou Sudeste do PaĂ­s. Ain- rava retirantes sem garantir-lhes o mĂ­nimo ao mesmo tempo que deixesâ€? desde 1954, quando foi construĂ­da. IrmĂŁ mais nova e da assim, a comparação entre os quinzes ĂŠ inevitĂĄ- escondia a misĂŠria dos habitantes da Capital. herdeira de Rachel, Maria Luiza, a Izinha, ainda mantĂŠm essa vel na voz do sertanejo que pinça da memĂłria qualquer Rachel dĂĄ visibilidade Ă realidade do povo nordestino, tradição, aos 88 anos, e nos fala sobre isso, por telefone, de histĂłria ouvida dos pais ou avĂłs sobre aquele tempo. De que ainda hoje guarda vestĂ­gios de descaso e opressĂŁo. A prin- sua casa, no Rio de Janeiro, sem esconder a ansiedade pela tĂŁo grande, uma dor de ausĂŞncia deixou 1915 para po- cipal medida de entĂŁo para evitar o ĂŞxodo rural ĂŠ a construção prĂłxima visita. “‘NĂŁo me deixes’ ĂŠ a minha casa do coração, voar o imaginĂĄrio e virar comparação para as secas se- de açudes e barragens, que reĂşne a população nas chamadas ĂŠ onde eu me sinto bem, tanto faz se estĂĄ seco ou chovendoâ€?. guintes. HĂĄ quem diga que secura como a de hoje nunca “frentes de trabalhoâ€?, nas quais o ex-vaqueiro Chico Bento vai Seu sentimento em relação Ă Seca do Quinze? “Irritação! Pasviu. AtĂŠ os olhos d’ågua que esperançavam os retirantes parar na tentativa desesperada de dar de comer Ă famĂ­lia. A saram cem anos e as condiçþes dos sertanejos sĂŁo as mesmas. ďŹ ndaram, e mesmo as açþes de convivĂŞncia com a estia- obra transmite a ideia do incĂ´modo da migração nordestina. SĂł nĂŁo tem mais os retirantesâ€?. gem esbarram na devastação e nas mudanças climĂĄticas. O sofrimento da famĂ­lia de Chico Bento ĂŠ o de todas as faMas o mundo mudou nestes cem anos. O pequeno proO verbo do sertĂŁo em tempo de seca continua o mesmo mĂ­lias de retirantes que encontram no deslocamento a Ăşnica dutor rural que permanece em sua terra nĂŁo deixa de ter antede cem anos atrĂĄs: escapar. Da fome, da falta de polĂ­ticas saĂ­da para a situação de penĂşria em que vivem. A dor por na parabĂłlica, TV, telefone celular, acesso Ă Internet. O cavalo efetivas, da invisibilidade. deixar parentes evidencia a força dos personagens, mesmo foi substituĂ­do pela moto e quase jĂĄ nĂŁo ĂŠ necessĂĄrio percorrer A Seca do Quinze ganhou projeção na literatura de em momentos de extremo sofrimento. A hostilidade da seca quilĂ´metros com uma lata d’ågua na cabeça. A cisterna estĂĄ ĂŠ mostrada em contraste com os fortes laços de afeto ao serRachel de Queiroz. A obra mostra a agonia de quem quer lĂĄ, nĂŁo sĂł para as necessidades bĂĄsicas, mas para a pequena tĂŁo, que provocam saudade nos que partem porque quem produção que garanta comida no prato. O Bolsa FamĂ­lia e apolutar e nĂŁo pode. É ver gado emagrecer e roça nĂŁo segurar para saber que a melhor decisĂŁo ĂŠ se retirar. Essa mideixa a terra, o faz com o pensamento no retorno. sentadoria rural, tambĂŠm. Algumas paisagens, porĂŠm, contigração como destino possĂ­vel se aproxima da prĂłpria vida NĂŁo a toa, “NĂŁo me deixesâ€? - fazenda herdada por nuam as mesmas, como o chĂŁo rachado e a Caatinga que perde de Rachel, cuja famĂ­lia foi obrigada a deixar a terra em Rachel de Queiroz, em QuixadĂĄ - simboliza o desejo do as folhas. Uma coisa ĂŠ fato: as memĂłrias 1917, rumo ao Rio de Janeiro. Com a linguagem simples das secas insistem no pensamento do do sertanejo, “O Quinzeâ€? expĂľe a tumultuada relação dos sertanejo, que valoriza o que tem primos Conceição e Vicente e a saga da famĂ­lia de Chico e nunca perde a esperança. É o Bento na viagem de QuixadĂĄ a Fortaleza. Ao ďŹ nal, a espeque nos traz essa trilogia, que rança de um futuro melhor leva a famĂ­lia de Chico Bento a começa hoje e vai atĂŠ a prĂłxiSĂŁo Paulo, nĂŁo sem antes sofrer de fome e viver a tristeza ma sexta-feira.

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Diårio do Nordeste FORTALEZA, CEARà ¤ QUARTA-FEIRA ¤ 11 DE FEVEREIRO DE 2015

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LEMBRA

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Pessoas morriam de fraqueza na estrada. Ali mesmo, tinham a alma encomendada pela famĂ­lia, dois paus amarrados em cruz para marcar o lugar da morte {FOTOS: FABIANE DE PAULA}

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CarECiA esPEraR quE o fEiJĂƒo gRelASse, EnRamASse, fLorESceSsE (...) tuDO isSO erA VagARosO, e AinDA tiNhAM quE soFrER vĂĄRIos MEseS de FOmeâ€? {Raquel de Queiroz em O Quinze, livro publicado em Fortaleza, em 1930}

S A i r Ă“ M e m

trabalho nesse tempo. E aĂ­, se esse ano for como tĂŁo agourando, uma seca cruel, rapaz, eu vou lhe dizer uma coisa: ĂŠ no caminho de se acabar tudoâ€?, diz SebastiĂŁo. E acrescenta saber que nada no mundo prospera sem ĂĄgua, mas para o agricultor riqueza maior ĂŠ a terra: “Porque nĂłs sabe manejar. Toda vida trabalhemo foi assim mesmo. A vida no CearĂĄ sempre foi dessa maneira: um ano bom, dois ruim. Aqui pra cima sĂł quem sabe ĂŠ um. E o que ele faz nĂŁo manda dizer pra ninguĂŠm. NĂŁo vai escrever. Se tiver um invernozinho que aumente um pouquinho nosso depĂłsito d’ågua e crie Quinze foi seco que morria tudo: gente, mato, bicho. Depois de alimentação, tĂĄ bom. Se escapar o que nĂłs tem, jĂĄ tamo ĂŠ ricoâ€?. muito tempo sem ver cĂŠu bonito pra chover, o jeito era acreditar Vontade de comer SebastiĂŁo jĂĄ passou muito, por isso que o inverno ainda poderia começar em abril. Nada, sĂł ĂĄgua ergue as mĂŁos para cima agradecendo que, diferente do outro ďŹ ndando e criação morrendo. Quando acabava milho e feijĂŁo, Quinze, hoje nĂŁo vĂŞ gente passando fome. Seca como aquela, sĂł era hora de partir. Uma legiĂŁo se retirava a pĂŠ pelos caminhos a de 77, quando a famĂ­lia repartia a rocinha plantada na beira estreitos quando estrada quase nĂŁo tinha. Eram famĂ­lias inteiras do açude com quem passasse precisĂŁo. Hoje, sĂł divide a ĂĄgua do que batiam Ă s portas de casa para viajar atrĂĄs de ração de comiaçude prĂłximo ao assentamento onde mora, em Tamboril. “Enda, ajeitando os meninos todos em ďŹ la e revezando ora a pĂŠ, ora quanto tiver, a gente reparte nĂŠ? E aĂ­ minha vida tem sido assim, no lombo do jumento. Percorriam as chapadas catando mucunĂŁ, desejando que chova o quanto for pra gente atravessar outro pau-de-mocĂł, xique-xique e maniçoba para fazer a mistura. Iam ano. E se Deus e Nossa Senhora quiser, mais outro e mais outroâ€?. deixando pela beira das estradas irmĂŁo, pai e ďŹ lho que nĂŁo conCem anos depois d’O Quinze, as pessoas pouco precisam seguissem resistir Ă fraqueza. MĂŁe doava menino para que nĂŁo deixar suas casas. Os programas sociais do governo vĂŞm dando morresse de fome. O sofrimento era tanto que saiu de 1915 para conta de evitar que o sertanejo inche de fome. Essa diferença dos ressigniďŹ car o sertĂŁo. E aquela seca, que sertanejo sĂł chama d’O dois quinzes derrama lĂĄgrima no sertĂŁo quando se fala em prato Quinze, deixou de ser fenĂ´meno para virar adjetivo de comparade comida. Isabel Santos de Souza cresceu em Tamboril, ouvindo ção a todas as outras que vieram desde entĂŁo. a mĂŁe recontar as histĂłrias dos avĂłs sobre a grande seca. A prosa “Foi a maior seca que houve na histĂłria do nosso mundoâ€?, passeava pelo alimento: o mucunĂŁ era lavado em nove ĂĄguas pordiz SebastiĂŁo Gomes de Souza, 67. O Quinze quase nĂŁo deixou que tinha veneno, depois era pilado para fazer um homem quieto no sertĂŁo, os caminhos enchendo de casa abancuscuz; a maniçoba era ralada como se fosse batata A Seca do Quinze donada na busca por alimentação. O pai de SebastiĂŁo tinha para dar a goma do pĂŁo; o pau-de-mocĂł tinha a raiz ganhou projeção na cinco anos, mas o ocorrido sĂł contou mesmo de ouvir o pai retirada e pisada para poder virar alimentação. obra de Rachel de dele dizer. As famĂ­lias saĂ­am andando, e o povo ia morrendo “Quando minha mĂŁe contava essas coisas, eu imaQueiroz. Todo ano, ela aos poucos, de fome e de sede. Durava o tempo de cansar para ginava: Meu Deus, como ĂŠ que eles comiam pauvisitava a fazenda ‘NĂŁo sempre e ter a alma encomendada por um bendito improvisa-de-mocĂł?â€?, pergunta Isabel. Mas as plantas do me deixes’, dividindo o do ali mesmo na estrada, dois paus amarrados em cruz para mato ainda marcavam tempo bom. Naquele 1915, tempo entre a cadeira marcar o lugar da morte. “Nessa estrada aĂ­ tem muita cruz os retirantes comiam na estrada o que aparecia: do quarto e a rede do das pessoas que regressavam no mundo atrĂĄs de recurso e de de couro de bicho cozido e sola sapecada Ă criaalpendre ção morta disputada com urubus. NĂŁo era raro {FOTOS: EDUARDO QUEIROZ} gente morrer e matar em disputa por ovelha para

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O QuInZe {1915-2015}

EDITORA VERDES MARES LTDA - Praça da Imprensa, s/n - Dionísio Torres | CEP: 60.135-690 - Fortaleza - Cearå | Telefone: (85) 3266.9790 - Email: regional@diariodonordeste.com.br Editor Diretor: Ildefonso Rodrigues - Editora: Maristela Crispim - Repórter: Beatriz Jucå - Fotos: Eduardo Queiroz e Fabiane de Paula - Projeto gråfico e design editorial: Felipe Goes Ilustraçþes: Lincoln Souza - Revisão: Vânia Monte - Tratamento e finalização de imagens: Aloísio Bezera, Deusiana Moreira, Jandrey Araújo e Karla Maria


Diårio do Nordeste FORTALEZA, CEARà ¤ QUARTA-FEIRA ¤ 11 DE FEVEREIRO DE 2015

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M e c de NesSE teMpO TavA muITo sECo, nĂƒo tiNhA o qUe cOMer neM pRa bICho. erA MuIta GEnTe paSsANdo FOmeâ€? {Raimundo Pereira da Luz, 80, mora em Tamboril. Sua famĂ­lia chegou lĂĄ em 1915}

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Raimundo Pereira da Luz Santos conta histĂłrias que viveu e que ouviu, remontando a desolação que seguiu depois d’O Quinze {FOTO: FABIANE DE PAULA}

Na localidade de Viração, em Tamboril, Raimundo Pereira da Luz Santos senta em uma cadeira de plĂĄstico no alpendre alto de casa. Ele passa as mĂŁos repetidas vezes pelos cabelos brancos jĂĄ escassos para depois repousĂĄ-las cruzadas sobre a barriga. Aperta os olhos para o terreno que rodeia a casa, curvando de vez em quando o corpo para comer. O desespero era tanto que atravessaram a frente, como se tentasse absorver em memĂłria a paisagem seca. geraçþes as histĂłrias dando conta de ďŹ lha moça As lembranças jĂĄ lhe falham aos 90 anos e a seca parece que virou vendida na estrada ou de mĂŁe que doava o ďŹ lho uma sĂł, emendando as de 15, 32, 48, 54. Do que ele conta, hĂĄ hispara evitar vĂŞ-lo morrer de fome. tĂłrias que viveu e outras que apenas ouviu, mas todas elas remon“A fome era tĂŁo braba que comiam animal, tam Ă desolação que seguiu depois d’O Quinze no sertĂŁo. “Nesse burro, atĂŠ gente tentaram comer. SĂł porque nĂŁo tempo tava muito seco, nĂŁo tinha o que comer nem pra bicho, deu certo. Quando botaram o sal, a carne desmuita gente passando fomeâ€?, ele diz. Seus antepassados quilombolas chegaram ao sertĂŁo dos Inhamuns no tempo em que manchou. AĂ­ na hora nĂŁo teve condição nĂŁo. Eles a maioria fazia o caminho inverso fugindo da seca. Mas, decontam, nĂŠ?â€?, diz Domingues de Souza Feitosa, pois de conseguirem sobreviver Ă s lutas indĂ­genas na regiĂŁo 67. Daquele Quinze, ele guarda o que ouvia o bide BaturitĂŠ, restou-lhes a opção de resistir naquela terra seca. savĂ´ contar. Era bem diferente de hoje, que ele Ali, fazendo o percurso serra-sertĂŁo em tempo de verĂŁo e inconsegue manter a famĂ­lia vendendo o cheiro venverno, resistem hĂĄ cem anos. Foi ali que Raimundo aprendeu de plantado no quintal de casa, na zona rural de a decifrar terra e ler aviso de chuva. “Nas minhas experiĂŞncias, Tamboril. N’O Quinze, se tirava a comida dos matos porque nĂŁo se sabia produzir outros tipos de nĂŁo vai ter inverno nĂŁo. Eu tĂ´ pedindo a Deus que tenha pelo alimentação nem reaproveitar a ĂĄgua. “AĂ­ quando menos ĂĄgua e uma forragenzinha, mas inverno pra dar milho vinha a seca, se acabava a alimentação, e eles iam e feijĂŁo nĂŁo vai ter nĂŁoâ€?. No municĂ­pio de Pedra Branca, jĂĄ no SertĂŁo Central do passar fomeâ€?, diz. Mesmo quando tinha ação do CearĂĄ, AntĂ´nio Francisco de Lima,64, viciou em conversar com governo, era para beneďŹ ciar patrĂŁo ou juntar os gente antiga, recontando os causos em cordel. D’O Quinze, semretirantes em campo de concentração para morrer. pre ouviu que foi a maior das secas, a que espalhou o perigo do “HĂ´mi, O Quinze foi a seca mais perigosa do fogo do ďŹ m do mundo no sertĂŁo. Os mais velhos diziam aos mais mundoâ€?, ZĂŠ Favela ouvia a mĂŁe contar no TauĂĄ. A novos: “Talvez seja o ďŹ m. JĂĄ tĂĄ se acabando os animais, depois acagraça de hoje, ele diz, ĂŠ perceber que nĂŁo precisou ba o restoâ€?. A profecia nĂŁo concretizou, e AntĂ´nio ainda viu, crianenfrentar seca grande assim. “Minhas secas jĂĄ eram boas. NĂŁo passei muita precisĂŁo porque os hĂ´mi do ça, o estrago da grande seca de 70 contrastar com as histĂłrias governo jĂĄ tinham coragem de dar comida pra genque ouvia da era chuvosa de 60. “O povo com necessidade, te. Certo que o arroz era ruim e o feijĂŁo preto a gene ďŹ quei perguntando: Meu Deus, porque ĂŠ que tem dez anos de bom inverno e o pessoal nĂŁo te botava na panela e ďŹ cava nadando, pelejava pra tem como passar um ano sem sofricozinhar. Mas vinha o de comerâ€?. mento?. Alguma coisa eu acho que tĂĄ errada atĂŠ hojeâ€?.

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LEMBRANÇAS

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¤ F4.3 OI J. 4 v4.4 JJ . . J › @. J. JJ . . . . . 3 . 3 . . . J I . J . . J J. . 4 I sJ . 4 . . O . o chĂŁo de terra vermelha, ďŹ cou o rastro do rio de sangue @ . .0 indĂ­gena derramado ainda no tempo da colonização dos Inhamuns. Dali em diante, a narrativa do povo ĂŠ de luta da dĂŁo conta do povo que ďŹ cou. HĂĄ e dominação - uma eterna queda de braço entre ricos e um lapso na memĂłria porque migrar pobres sobre a qual nasceu a cidade de Cococi. A desigualdade e a mĂĄ distribuição de verba pĂşblica no lugar de um dono sĂł deram ďŹ m ao municĂ­pio, hoje incorporado como distrito de Parambu. Primeiro foi a raiva da falta de poder a levar os proprietĂĄrios embora. Depois foi o tempo seco, a afastar os agricultores que resistiam em meio Ă economia inviĂĄvel. Ficou a cidade fantasma - com seus casarĂľes abandonados a multiplicar lendas no sertĂŁo - e duas Ăşnicas famĂ­lias que permanecem no lugar que morreu, tentando fazer o milagre de tirar legume do chĂŁo duro no SemiĂĄrido cearense. “O pessoal foi tudo embora. Aqui jĂĄ foi cidade e agora tĂĄ assim acabadoâ€?, diz Maria Clenilda LĂ´, 43, apoiando a mĂŁo na cadeira de madeira da sala da casa que foi cartĂłrio no outro tempo. Ela mora em Cococi desde novinha. As vezes em que se mudou foi para criar a famĂ­lia a trĂŞs quilĂ´metros dali. A memĂłria de infância ĂŠ de uma cidade que tinha tudo (muita casa, muita gente) e que, agora, adormece sem nada. “Conheci hotel, conheci loja de confecção, bodega, padaria, telefone... Tudo tinha aquiâ€?, conta. Quando os primeiros foram deixando a cidade, era ďŹ m dos anos 1960, uma era que marcou o sertĂŁo por ser tempo de boa chuva. Muitos ainda ďŹ caram nas terras dos patrĂľes, mas as grandes secas da dĂŠcada de 1970 foram avisando a hora de partir. Clenilda tinha apenas um ano na seca de 72, mas sabe da histĂłria de tanto ouvir os mais velhos contarem que foi muita gente embora, enfrentando estrada e se sustentando com teco de mel de abelha no mato. Teve quem fosse para nĂŁo voltar nunca mais. “Tenho atĂŠ uns tis que foram nessa ĂŠpoca da seca pro GoiĂĄs e nĂŁo voltavam mais nunca. AtĂŠ hoje!â€?, ela diz. Cococi jĂĄ virou a dĂŠcada de 1980 com pouca gente, mas as lembranças que Clenilda guarda da infância no parquinho da praça ain-

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Todo mês de novembro, Cococi enche de gente que vai atÊ lå para a festa de Nossa Senhora da Conceição. No resto do ano, Ê apenas ruínas a dar passagem para outros lugares

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Seis pessoas habitam as duas casas que ficaram de pĂŠ. Os outros prĂŠdios foram se acabando, invadidos por planta e abandono. LĂĄ, a pracinha vermelha e azul tenta resistir

virou natural. O corte abrupto leva . {FOTOS: FABIANE DE PAULA} ao tempo de agora, com apenas seis pessoas povoando as duas casas que ďŹ caram de pĂŠ. Outros doze prĂŠdios foram se acabando, invadidos por planta, abandono e solidĂŁo. do governo que ainda dĂĄ para fazer uma feira por mĂŞs no Parambu. Se É tĂŁo pouca gente que, se for dia acabar antes do tempo do pau-de-arara levar novamente para cidade, de festa em alguma comunidade vizinha, o jeito ĂŠ pedir um arroz branco emprestado nas comunidades vizinhas. pode ďŹ car difĂ­cil conversar com alguĂŠm em “AĂ­ pronto. NĂŁo tem serviço pra ninguĂŠm, nĂŁo tem mais nada, porque Cococi que nĂŁo seja Clenilda. “NĂŁo gosto as propriedades tĂŁo tudo se acabando, os bichos morrendo de sede e de de sair daqui nĂŁo. Fico sĂł em casa mesmo. fome. A gente nĂŁo tem ĂĄgua, nĂŁo tem pasto, nĂŁo tem nadaâ€?, emenda. JĂĄ me acostumei. Mas aqui tĂĄ difĂ­cil porque Cococi virou lugar de passagem, deixando medo nos mais impresnĂŁo tem ĂĄgua, nĂŁo tem nadaâ€?, ela diz. A falsionados com as histĂłrias que passaram a povoar o imaginĂĄrio. É morto ta de chuva hoje, depois de trĂŞs anos corridos que deixa tĂşmulo como serpente se arrastando no chĂŁo, vulto que se de seca, tem diminuĂ­do a chance de trabalhar confunde com sombras das ruĂ­nas Ă noite, voz que grita entre galhos. na terra. A ĂĄgua de beber chega no Cococi por “O povo conta que via coisas. Ouvia voz, via vulto. Luz eu jĂĄ vi, mas carros-pipa do PiauĂ­ e num tive medo nĂŁoâ€?, conta Clenilda. Ela estava sentada na calçada ďŹ ca guardada na cisterquando viu uma luz azul sair do chĂŁo ao cĂŠu e voltar trĂŞs vezes. “Ninna que abastece mais de guĂŠm viu, sĂł eu. Era bem bonitim, assim, uma coisa cem pessoas de toda a regiĂŁo. Legume a cristĂŁâ€?, diz. Na maior parte do ano, Cococi ĂŠ vazia terra quase nĂŁo dĂĄ, e a criação se susten- e misteriosa. SĂł enche de gente em novembro para ta quando ĂŠ de pequeno porte, comen- a festa de Nossa Senhora da Conceição. A praça gado palma sapecada em fogo. “Meu pai nha barraquinhas, e a igreja conservada pelo padre nĂŁo trabalha mais porque nĂŁo chove. de Parambu lota de ďŹ ĂŠis a pedir graças. Nessa ĂŠpoca, Pra cavar uma terra dura dessa e nĂŁo Clenilda se preocupa em limpar bem a igreja, mas no dĂĄ nada. O sol tĂĄ acabando com todo ďŹ m, dĂĄ conta de uma tristeza sem tamanho:“Quando mundoâ€?, diz Clenilda. Em Cococi, acaba tudo, ďŹ ca sĂł o buraco. Tem vezes que eu penso se vive da aposentadoria e de bolsa em ir embora. Que no dia da festa tem muita gente, mas depois nĂŁo ďŹ ca nada. SĂł o lugar secoâ€?. ~G@ @

MeU paI nĂŁO tRabALha MAis poRqUe nĂƒo cHovE. Pra CAvaR umA TerRA duRA deSsA e nĂƒo dĂ naDA. o sOL tĂĄ acABanDO coM toDO muNdOâ€? {Maria Clenilda LĂ´, 43, mora em Cococi e tem famĂ­lia a 3Km do lugar}

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Forjada na luta com raiz de mucunã, a fortaleza de Antônio Pereira dos Santos gritou em 1958, quando trocou Tauå por Aiuaba pra construir açude {FOTO: FABIANE DE PAULA}

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. 4 . J 4 . O @. K 3 . Q 3 4 . . . 4 . IO Q. h @.ÂŤ . s . . J . . J 4 . . Y 4 J s . J † . O 4. .v. . . v4. O 4 J .¤ › . . # J J . . 3 . J 3. tempo de partir quando os olhos ensaiam chorar pelo que nĂŁo . . x O . veem. A estrada ganha nitidez na peleja do sertanejo com as 4A.v. 4 ausĂŞncias – primeiro da chuva para segurar legume, depois

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daqueles que se avexaram para seguir viagem mais cedo, anpar de alpargata e uma roupaâ€?. Saiu para se empregar com um tes que a fraqueza ditasse a lonjura do caminho. A decisĂŁo de homem que conheceu na obra. SĂł voltou um ano depois, quanganhar o mundo vem do bucho vazio, da fome que jĂĄ nĂŁo ĂŠ saseca de 1983 ele precisou deixar seu povo pra ganhar do a chuva jĂĄ esverdeava de novo o sertĂŁo. Mas o tempo voltou ciada hĂĄ meses. E demora o tempo de colocar uma trouxa com a o mundo carregando carro de mĂŁo com piçarro para a secar, e AntĂ´nio precisou aprender a viver com a ausĂŞncia dos construir açude nas frentes de emergĂŞncia do gover- quatro ďŹ lhos, levados para SĂŁo Paulo e VitĂłria pela seca. rede nas costas, arrumar alguma bagagem miĂşda na cangalha do no. “A gente sofria, papocava as mĂŁos com o trabalho. jumento e seguir com a cabeça baixa – acompanhado ou nĂŁo pela Em outra ponta do sertĂŁo dos Inhamuns, Francisco JosĂŠ Fomos trabalhar lĂĄ perto do CrateĂşsâ€?, conta. De lĂĄ, sĂł Vieira apoia os braços na madeira que sustenta o teto baixo de famĂ­lia – em busca de sustento. Arrancado da terra pela falta de voltava uma vez por semana para deixar os mantimen- sua casa, em IndependĂŞncia, e lança a vista pela janela. Perto comida, cabe ao sertanejo agora a sina de tentar sobreviver com a tos que recebia como pagamento. maior de todas as ausĂŞncias: a do sertĂŁo que extrapola os limites dali, onde pĂŠs de mandacaru tomaram o lugar da casa dos cartogrĂĄďŹ cos para habitĂĄ-lo com melancolia. A sina de Luiz Gonzaga ĂŠ a mesma de AntĂ´nio Pe- pais, ele passou a infância vendo os vizinhos cortarem camiLuiz Gonzaga de AraĂşjo sacode os pĂŠs sobre um dos ferros reira dos Santos. Aos 77 anos, ele segue a vida na comu- nho pra escapar na serra. O pensamento que tentava prever da cadeira de balanço e deixa que as frases lhe escapem inter- nidade do Trici, em TauĂĄ, com saudade do tempo que sua vez de partir era cortado pelas palavras da mĂŁe: “Serra caladas por longos olhares que se perdem no chĂŁo, tĂŁo vazios tinha inverno pra deixar a vida farta. HĂĄ seis anos, o rio nĂŁo ĂŠ lugar. No sertĂŁo, vocĂŞ escapa, mas na serra nĂŁo. LĂĄ quanto a paisagem que recorda da seca. Ele cresceu nas proximi- do entorno nĂŁo corre mais. “Eu jĂĄ nĂŁo tenho mais fĂŠ pra pra pegar um prato de comida com alguĂŠm ĂŠ difĂ­cil. No serdades de Santa Luzia, vilarejo de IndependĂŞncia, vendo as pes- nadaâ€?, ele diz. E cruza os pĂŠs vestidos de chinelas azuis tĂŁo, em qualquer casa vocĂŞ comeâ€?. AtĂŠ que 1972 chegou soas saĂ­rem por caminhos que nĂŁo ofereciam qualquer garantia como quem se fecha. SĂł volta a se abrir para dar conta de avisando que nĂŁo teria jeito.“Fui pra serra com papai, made retorno. Quem morava perto da serra subia por quilĂ´metros quem ĂŠ: â€œĂ‰ o seguinte, dona, quando eu morrer, o bura- mĂŁe e quatro irmĂŁos. Papai sabia que o boiadeiro Teixeira a pĂŠ para plantar e colher mandioca. Quem nĂŁo avistava mais co vai ter que ser largo pra me enterrar porque eu nĂŁo sou tava lĂĄ e ia ajudar. Fomos de jumento. Colocamos a bagapossibilidade de terra para dar legume saĂ­a em busca de susten- fĂĄcil, nĂŁo. Eu sou ĂŠ positivoâ€?. Forjada na luta com raiz de genzinha na cangalha e descemos com a cabeça baixa. to e trabalho, se empregando em fazenda de gente rica ou em mucunĂŁ e xique-xique nas secas da infância, a fortaleza de TrĂŞs dias pra chegar lĂĄâ€?, conta. O boiadeiro dava trabafrente de serviço do governo. Contavam apenas com a certeza AntĂ´nio gritou em 1958, quando seguiu rumo a Aiuaba pra lho a dezenas de famĂ­lias que chegavam, designadas ao de que, no sertĂŁo, toda casa de famĂ­lia vira rancho. trabalhar em construção de açude. O problema foi quando trabalho de arrancar toco e limpar terreno pra quando a “A coragem nesse tempo era grandeâ€?, diz Luiz Gonzaga. um ďŹ scal reclamou do carrinho de mĂŁo cheio demais. AntĂ´- chuva chegar. Os meses passavam arrastados, e alegria Nas tantas vezes em que viu o CearĂĄ esvaziar, o pensamento nio zangou-se e partiu em busca do patrĂŁo. “Eu quero que o mesmo sĂł quando caiam as primeiras ĂĄguas anunciandele se aďŹ nava ao de quem partia: “TĂ´ muito fraco, acho que senhor me arranje um negĂłcio pra eu ir embora. Quero um do a hora de voltar. Para o retorno, o tempo era o de nĂŁo volto mais nĂŁoâ€?. A sorte de ter famĂ­lia pequena, com plantar a roça do patrĂŁo para pagar a ajuda e pegar a apenas um ďŹ lho, ainda o segurou por algum tempo. SĂł na trouxa, tomando novamente o rumo de si mesmo.

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Diårio do Nordeste FORTALEZA, CEARà ¤ QUINTA-FEIRA ¤ 12 DE FEVEREIRO DE 2015

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Desde que Raimunda Pereira casou com JosÊ Rodrigues, para botar 16 filhos no mundo, sente nas mãos a textura do trabalho. Peleja em qualquer serviço que apareça para evitar a fome {FOTOS: FABIANE DE PAULA}

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AquELa fÉ LĂĄ dE ciMA nĂŁO peRdI aInDa nĂƒo. O DeUs quE enChEu EsSe açUDe Um DiA ĂŠ O meSmO QuE aInDa tĂ lĂĄ NO cĂŠUâ€? {Deomar Cardoso perdeu a roça, mas ainda acredita que dĂĄ legume}

DiĂĄrio do Nordeste

O QuInZe {1915-2015}

A

seca levou foi tudo: o verde das plantas, o legume das roças, a ĂĄgua do pote. Espalhou-se no sertĂŁo feito fogo de ďŹ m de mundo, carimbando chĂŁo e gente com fome e precisĂŁo. Ao agricultor, o alimento em cuias para os ďŹ lhos. Dava tanta sede que acostumado a criar famĂ­lia com o suor da luta no sol quente, as crianças disputavam o gargalo da cabaça de ĂĄgua. Ao nĂŁo sobrou esperança de trabalho. Depois de perder tanto para ďŹ nal, ele colocava uma trouxinha nas costas com a coa terra morta, viu-se rachado. A pele segue marcada atĂŠ hoje para mida para a mĂŁe e os outros cinco que tinham ďŹ cado em lembrĂĄ-lo da vista acesa para caçar comida entre galhos contorci- casa. Aos meninos saciados sĂł restava dormir um sono dos, do gosto adocicado do xique-xique assado, do cheiro forte profundo atĂŠ as quatro do dia seguinte, hora de seguir dos açudes quase vazios, do som de aves bicando a criação morta. estrada com a mĂŁe atĂŠ os olhos d’ågua - cada um com Os sentidos estĂŁo gravados no corpo de vĂĄrias geraçþes, para que uma cabacinha para carregar ĂĄgua atĂŠ encher o pote. o sertanejo nĂŁo esqueça que sua histĂłria ĂŠ de resistĂŞncia. A 90 quilĂ´metros dali, Francisco JosĂŠ Vieira come, “Hoje tĂĄ com trĂŞs anos de seca. Os açudes jĂĄ se acabaram sentado na porta de casa, um generoso prato de arroz, tudo. Eu acho que ĂŠ o ďŹ nal dos tempos nĂŠ? O povo dizia que o feijĂŁo e porco. Depois de muito tempo sem carne no pramundo acabou-se a primeira vez com ĂĄgua e agora vai ser com to, engordou e abateu o animal para trazer uma semafogo. A gente ďŹ ca assim pensando: Meu Deus, e o mundo se na de fartura Ă famĂ­lia. O homem de cabelos grisalhos e acaba ĂŠ assim?â€?, diz Rita AraĂşjo Vieira, 78. Na localidade de bigode preto preserva os olhos atentos para o sertĂŁo e, Angicos, em TauĂĄ, ela observa a paisagem secar novamente embora dĂŞ conta de tudo o que acontece, nĂŁo senta em e lembra o gosto da seca. Houve tempo de inverno que a prosa com vizinho para nĂŁo ter perigo de sair histĂłria de recordação quis falhar, mas aĂ­ a mulher mandou o marido autoria duvidosa. “Dizem que o homem mais acordado ir no mato e pegar xique-xique pra cozinhar. “NĂŁo ĂŠ ruim, que tem no municĂ­pio de IndependĂŞncia sou euâ€?, orgulhanĂŁo. A gente tando com fome... Ele ďŹ ca assim liguentinho, -se. Ele se acostumou a dormir pouco com o trabalho de parecendo macaxeiraâ€?. levar gado atĂŠ o PiauĂ­ em tempo seco. Passava de 20 dias O gosto trazia para diante dos olhos a cena do passado, no mundo viajando montado e a pĂŠ. Todo dia, quando o quando o pai, de cabelos escuros, levava uma reca de oito relĂłgio marca as quatro da manhĂŁ, abre os olhos no susto: ďŹ lhos pela estrada, com uma cabacinha de ĂĄgua quicando “Ah, mas nĂŁo vou pra canto nenhum nĂŁo!â€?. Aposentado do da cintura e uma lamparina erguida pela mĂŁo direita, para serviço e sem ter o que plantar no quarto ano de seca, ele fazer a janta. O trajeto, repleto de alegria e piada do pai, qua- agora cola a vista na paisagem vermelha e cinza da estrada. se contrastava com o tempo seco. Quando encontrava mato Um pouco mais Ă frente, ĂŠ possĂ­vel enxergar Raibom, ele tirava a casca de espinhos do xique-xique com um munda Pereira da Silva, 69, sentada em um banquinho de facĂŁo e organizava o miolo envolto de uma madeirinha no madeira com uma bacia apoiada no colo lavando louça. fogareiro improvisado com gravetos. Quando assava, dividia Desde que casou com JosĂŠ Rodrigues de Morais, 74, para

EDITORA VERDES MARES LTDA - Praça da Imprensa, s/n - Dionísio Torres | CEP: 60.135-690 - Fortaleza - Cearå | Telefone: (85) 3266.9790 - Email: regional@diariodonordeste.com.br Editor Diretor: Ildefonso Rodrigues - Editora: Maristela Crispim - Repórter: Beatriz Jucå - Fotos: Eduardo Queiroz e Fabiane de Paula - Projeto gråfico e design editorial: Felipe Goes Ilustraçþes: Lincoln Souza - Revisão: Vânia Monte - Tratamento e finalização de imagens: Aloísio Bezera, Deusiana Moreira, Jandrey Araújo e Karla Porto


Diário do Nordeste FORTALEZA, CEARÁ ¤ QUINTA-FEIRA ¤ 12 DE FEVEREIRO DE 2015

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Guilherme Geraldo Dimas resistiu e findou conseguindo do governo um poço para a comunidade num tempo em que a Barragem do Trici sangrava

DizIaM qUe A baRrAGem NÃo seCAva NUnCa. MAs agORa qUe sECoU, se nãO foSsE o pOÇo, taVA moRrENdo biChO De rUMa” {Guilherme Geraldo trabalhou a vida na terra. Seu êxito é a permanência}

S c E a S s a iv d botar 16 filhos no mundo, sente nas mãos a textura do trabalho. Pelejava no serviço que aparecesse para que os meninos não passassem fome. Varria terreiro, lavava louça. Mas, como trabalho que não vem da terra não aparece todo dia no sertão, a fome ainda vinha. A história se finda na timidez de Raimunda, cabeça baixa no rumo do chão. “Não sei conversar não. É melhor ir conversar com o véi, que ele que sabe”. José Rodrigues tem a testa franzida de preocupação. Do tempo das grandes secas, ele conta das mãos que calejavam carregando piçarro para construir estrada. Trabalhou nas frentes de serviço do governo, dividindo um barraco com mais de vinte homens na semana para, no fim, voltar e deixar o fornecimento com a família em casa. De tanto pingar em barraco com gente que nem conhecia, deixou crescer dentro de si o sonho de possuir a própria casa e se livrar da humilhação que era ser morador em fazenda de patrão, sem poder plantar o quanto queria porque a terra era do outro. Comprou a casinha de taipa em que mora hoje com Raimunda, um filho e dois netos por três mil. Já faz tempo que uma chuva grande derrubou parte do teto de um dos quartos. Nada não, a sala com chão de terra batida ainda tem sofá, estante e televisão. Na cozinha, uma geladeira antiga serve de armário. O tempo de hoje é de posses: para a visita que chega sem avisar ainda tem um conjunto de xícaras com detalhes amarelos para servir café. Só desculpe se o gosto causar estranheza pela água de beber que chega do pipa: “A água vem de longe, chega só o sal”, diz Raimunda.

19,2%

¤ cheiro de fé ¤

As águas do açude Realejo, em Crateús, baixaram a 1,51% da capacidade. Como tantos outros açudes do Ceará, ali emergem, nus, tocos, marcadores do volume de água e pedras. Deomar Cardoso, 72, entra no açude primeiro de moto, para só depois adentrar na parte que ainda tem água com a boia de pescar. “Pesco é pra comer. Vivo da roça e tenho o aposento. De qualquer maneira, a gente tem que quebrar o galho por fora porque o aposento não dá pra gente viver né?”, diz. Veio do Piauí para o Ceará no fim dos anos 60, em época de bom tempo, mas o calendário virou a década escondendo notícia de chuva. “Foi a seca maior do mundo que eu passei porque nunca tinha enfrentado”. Como veio estabelecer a vida, aguentou o sofrimento, conquistou a educação dos filhos e uma moto. Desaprendeu a ficar parado. “Não paro porque meu destino é trabalhar. Não sou homem de pegar uma estrada e fazer caminhada. Eu vou logo pra minha roça, pego a chibanquinha e já tô ali fazendo minha ginástica. Não tomo nenhum comprimido. Como é que eu

foI o qUe fICoU noS açUDes MOniTOraDOs peLA coGErH, no CeArá, Os CenÁRiOs sãO de FAlTa dE ágUa E esPEraNçA

sou sadio? Porque eu trabalho, porque eu suo. Aí pro caba que tá em casa aparece uma doença, uma preguiça, alguma coisa. No fim, morre é cedo. Eu quero botar pros meus cem anos”. Dos momentos difíceis e da precisão de trabalhar no escuro, perdendo roça porque não chove, restou-lhe o cheiro da fé. Perde legume e volta a brocar porque pensa: “Esse ano é que a roça vai ser grande. Aquela fé lá de cima não perdi ainda não. O Deus que encheu esse açude um dia é o mesmo que ainda tá no céu”. É o manejo da terra que define os traços de Guilherme Geraldo Dimas, 74. Ele começou a trabalhar na agricultura aos dez anos e nunca deixou o ofício nem Pendência, localidade de Tauá onde chegou ao mundo. “Desde que nasci sou agricultor, nunca deixei de ser não. Toda vida, toda vida”, diz, orgulhoso. Aos dois filhos, coube o destino de ir embora para o Sul. “Aqui não tem emprego, não tem nada. O cara tem que se arrancar”, resigna-se o pai. Mas não demora para o peso da ausência vazar em palavras: “Quando vão, fico chorando”. Guilherme ficou para resistir e findou conseguindo do governo um poço para Pedência num tempo em que a Barragem do Trici, no entorno, sangrava. “Ninguém fez conta. Diziam que a barragem não secava nunca. Mas agora que secou, se não fosse esse poço, tava morrendo bicho de ruma”. O cenário do açude hoje grita melancolia. A dor sai do chão rachado e estaciona logo depois, nos botes de madeira abandonados. Os pescadores entram nas águas baixas para se perder na imensa parede do açude que emergiu. Mesmo sem notícia de multidão morrendo de fome, a seca permanece viva feito fogo. Marca mais os rostos que as terras. ~G@ @


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DORES

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A memória que CarmÊlia Gomes Pinheiro traz da infância Ê a do sofrimento no imenso curral humano que rodeava sua casa {FOTOS: FABIANE DE PAULA}

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CAmPos DE toRmENto

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armĂŠlia Gomes Pinheiro tinha nove anos, quando, do alpendre de casa, deu conta da multidĂŁo de gente que chegava a pĂŠ e de trem em 1932, fazendo ďŹ la nos caminhos de terra batida que cortavam os casarĂľes da Barragem do Patu, em Senador Pompeu. Eles chegavam caindo de fraqueza, movidos pela notĂ­cia que se espalhara no sertĂŁo, dando conta de que ali o governo dava comer e trabalho para construir um açude prometido desde a Seca do Quinze. Exaustos de cansaço e fome, descobriam o engano na chegada. Os terrenos abrigavam barracos ocupados por milhares de pessoas que perdiam a prĂłpria identidade para o rĂłtulo de agelado. E ali, deixavam de se sentir gente para viver como bicho - dormindo ao relento e esperando em longas ďŹ las uma ração mirrada pra famĂ­lia. “A gente sĂł ďŹ cava dentro de casa, olhando o sofrimento do povo. O lado de fora era cheio de gente morrendo e passando fomeâ€?, lembra CarmĂŠlia, aos 92 anos. Com o pai trabalhando como vigia do campo de concentração, a menina morava em uma das casas construĂ­das para abrigar os trabalhadores da obra do açude. Um abismo delineava as fronteiras da casa. Do lado de dentro, quase nĂŁo se sentia fome. LĂĄ fora, uma multidĂŁo inchava por falta de alimento, aglomerada na estrada para tentar pegar, na Casa de ComissĂŁo, que ďŹ cava lĂĄ no alto, charque, feijĂŁo preto, arroz, cafĂŠ e uma bolinha de rapadura. O medo tomava CarmĂŠlia e seus irmĂŁos, mas a mĂŁe retrucava: “Menina, deixa de ser besta que aqui nĂŁo vai morrer ninguĂŠm nĂŁo! Magote de besta!â€?. Mas morria. “De madrugada jĂĄ tinha gente nesse caminho. Tinha gente que nĂŁo aguentava subir, quando via tava morto na ďŹ la lĂĄ embaixo porque nĂŁo resistia. AĂ­ morria gente todo dia, todo diaâ€?, conta CarmĂŠlia. Os mortos eram tantos que acabavam sepultados aos montes, com cerca de 25 amontoados em valas abertas na terra rasa toda manhĂŁ. Se o nĂşmero nĂŁo fechasse, os buracos permaneciam, Ă espera dos novos mortos que apareceriam na madrugada. Antes dos enterros, pequenas amostras de fĂ­gado eram retiradas para dar conta da causa de morte. A extração acontecia Ă revelia dos retirantes e nĂŁo era raro ouvir um pedido penoso para preservar intacto o corpo das crianças: “Moço, por favor, nĂŁo tire o ďŹ go do anjinho nĂŁoâ€?. Os pedidos ignorados ďŹ zeram muita gente roubar seus prĂłprios mortos pra enterrar na beira do rio ou na mata seca. Os resultados dos exames, assim como o nĂşmero de sepultados nos seis campos de concentração criados em 1932, nunca foram revelados. “Mas a gente sabia do que morria: era tudo de fome. O povo jĂĄ chegava inchado, sem um pingo de sangue na caraâ€?, diz CarmĂŠlia, ao lembrar que seu cotidiano era ver gente de roupa de saco e cabeça raspada para conter os piolhos. O cheiro de pobreza era forte, tanto quanto o olhar torto dos poderosos que tentavam, a todo custo, manter os retirantes longe da Capital. Para isso, multiplicaram o curral humano inventado na Seca do Quinze e mantiveram milhares presos, sob a guarda de cercas e de vigias. A liberdade era trocada por ração e remĂŠdio e nĂŁo havia lugar para dormir senĂŁo os barracĂľes de zinco. “A comida era tĂŁo ruim, que nĂŁo sei como ĂŠ que escapavaâ€?, diz CarmĂŠlia. A carne distribuĂ­da, ao ser aquecida, deixava a ĂĄgua da panela branca de gordura. Sua memĂłria de infância ainda recorda a bronca do irmĂŁo quando chegou exibindo como trofĂŠu uma bola de açúcar mascavo: â€œĂ“, papai, {Dona CarmĂŠlia, 92, passou a rapadura que me deram lĂĄ na comissĂŁoâ€?. A a vida no lugar que sediou o resposta veio atravessada: “Menino! NĂŁo come campo de Senador Pompeu} isso que faz malâ€?. Quando as chuvas voltaram, em 1933, os sobreviventes voltaram Ă s suas terras partidos, deixando para trĂĄs pais e ďŹ lhos enterrados como indigentes. “Ficou aquele vazio. As casas sĂł encheram em 1932. O povo se espalhou todinhoâ€?, conta CarmĂŠlia. A dor dos campos de concentração criados em Crato, Ipu, Fortaleza, Quixeramobim e CariĂşs permaneceu nas ruĂ­nas do campo de Senador Pompeu, o Ăşnico deles a preservar alguma estrutura. A memĂłria dessa ação do governo, planejada pra segregar, passa por um processo de apagamento. Sem muitos dados oďŹ ciais, resta a lembrança dos que viveram naquele tempo, transitando entre casarĂľes que, embora tenham sido construĂ­dos para materializar o sonho da barragem, ďŹ ndaram em cenĂĄrio de sofrimento e fome. HĂĄ quem ande por aquelas lados e garanta ouvir o vento trazer das ruĂ­nas som de choro em desespero. A população vĂŞ as almas da barragem como santas. Por isso, todo novembro, milhares saem em romaria para pedir graças e pagar promessa. CarmĂŠlia ĂŠ uma das poucas que, na cidade, ainda conta a histĂłria do curral por experiĂŞncia prĂłpria. Depois de uma vida inteira ali, rumou hĂĄ pouco para o centro da cidade por medo de assalto. Agora divide a casa com uma ďŹ lha e vĂĄrios gatos, mas a paisagem daquele tempo ainda se desenha sob seus olhos: “Eu sĂł via sofrimento e fomeâ€?. ~G@ @

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De mADruGAda, jå TInHa gENte no CAmiNhO Pra reCEbeR A coMIsSãO. TinHA geNtE QuE nãO agUeNtAVa, qUaNdO viA, taVA moRtO�

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Em Senador Pompeu, os casarĂľes se desfazem em ruĂ­nas. LĂĄ, um cemitĂŠrio simbĂłlico, de 1.089 m2 e nove cruzes, preserva a memĂłria anĂ´nima dos milhares que nĂŁo resistiram Ă fome


Diårio do Nordeste ¤ FORTALEZA, CEARà ¤ SEXta-feira, 13 DE FEVEREIRO DE 2015 ¤

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sonhos

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Vem de longe a mania de adivinhar o futuro. Quando o prognĂłstico de chuva ĂŠ bom e a ĂĄgua ressuscita a terra seca, o sertĂŁo ganha o direito de sonhar

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{FOTO: FABIANE DE PAULA}

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. @ . . . J 3 O J 4 . . . . . v Q J. J . . 4 . . . . 4 . h J 3 J @ . . . Q. . J › homem do campo aprendeu a ler a terra no corpo a J. . J J . . corpo com o mundo. Vem de longe a mania de adi .¤ A. O . . vinhar o futuro do tempo para saber se a chuva cai. 3 As experiĂŞncias sĂŁo pessoais, aprendidas voluntaria-

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mente na lida diĂĄria, a vista colada nos mais discreAntĂ´nio Tavares da Silva, o reconhecido profeta AntĂ´tos sinais da natureza logo que descamba dezembro para nio Lima, caminha a passos ligeiros, no alto dos seus 75 anos. entrever se o inverno vem. Ao profeta (reconhecido ou saber ao certo como aprendeu as experiĂŞncias para entrever A busca ansiosa ĂŠ por sinais que provem o que, no fundo, nĂŁo), as respostas cortam cĂŠu e terra para trazer boa nova a chuva, ele diz que o conhecimento sempre esteve ali, na ele quer provar a si mesmo: “Olha! O juazeiro estĂĄ orando, ao sertĂŁo. VĂŞm na oração do mandacaru, na casinha do observação do mundo. “NĂŁo existe outra missĂŁo melhor pra a aroeira tambĂŠmâ€?. É mĂŞs de novembro do terceiro ano de joĂŁo-de-barro, no relâmpago a clarear o cĂŠu. Passeiam por quem repara issoâ€?, orgulha-se. Suas experiĂŞncias vĂŞm da ter- chuvas escassas no SemiĂĄrido e, mesmo que a natureza diga terreiros e altares porque, para quem vive do que nasce na ra: se a formiga da roça ďŹ zer seu caminho cheio de voltas e o contrĂĄrio, a busca ĂŠ por boas notĂ­cias. NĂŁo demora muito e terra, a pior coisa que tem no mundo ĂŠ perder a fĂŠ. estreito demais, ĂŠ porque o ano ĂŠ seco; mas, se o corte do ele encontra um bom cupinzeiro confortavelmente instalado “A natureza ĂŠ a melhor professora que pode ter. NĂŁo pau de ĂĄrvore, no mĂŞs de outubro, ďŹ zer a madeira chorar, num frondoso cajueiro. Para, avalia, tira a casca, analisa os existe outraâ€?, decreta Joaquim UmbelĂ­neo, 78, com o dedo pode levantar as mĂŁos aos cĂŠus: ĂŠ sinal de boa chuva. pequenos seres que movem incessantemente. “Veja! Tem de indicador em riste. Ele nunca frequentou escola porque Joaquim viu as ĂĄguas encherem e secarem muitas ve- todo tamanho e muita asa! SĂł cria asa se for chover!â€?. a forma como nasceu sentenciou a sina de ser homem da zes na vida. Na incerteza do campo, criou seus ďŹ lhos de Enquanto aponta os sinais no distrito de CustĂłdio, terra. Era uma quinta-feira de março, por volta das quatro pĂŠs no chĂŁo e calção, vivendo do jeito que dava certo. Via- na terra dos profetas da chuva, QuixadĂĄ, AntĂ´nio Lima exda manhĂŁ, quando sua mĂŁe, QuitĂŠria Florinda de AraĂşjo, jou o sertĂŁo em costa de animal, trabalhando para patrĂŁo plica: ele sĂł enxerga o que a natureza avisa. Aprendeu a começou a sentir que estava na hora. O menino nasceu di- e governo, mas ainda nĂŁo conseguiu realizar o maior so- decifrar os mistĂŠrios do sertĂŁo de tanto andar pelo mato ferente dos outros oito que ela teve. A cabeça, que deveria nho: o de ter uma propriedade para criar ovelha. Agora, no mocotĂł da mĂŁe com os dez irmĂŁos. A esperança na preter chegado ao mundo primeiro, foi a Ăşltima parte a deixar aposentado, mudou-se da zona rural para a zona urbana visĂŁo tinha uma razĂŁo: comida farta na mesa sĂł tinha quano corpo da mĂŁe. “Nasci de pĂŠ e o que foi pra conduzir eu que de Tamboril. Mas o homem que nasceu para a terra nĂŁo do Deus botava chuva. “Onde ela entrava, nĂłs entrava. Eu conduzi. Minha mĂŁe ďŹ cou livre. Ela nĂŁo sentiu dor por mimâ€?, se desvencilha dos mistĂŠrios da chuva. NĂŁo se considera tinha oito pra dez anos. Olhava tudo: gia, passarinho; um ele diz. Talvez por isso sinta seu prĂłprio corpo como extensĂŁo profeta porque nĂŁo ĂŠ reconhecido, mas profetiza: “Va- ďŹ cava alegre, outro cantavaâ€?, conta. AntĂ´nio Lima resiste da terra sertaneja, o trabalho pesado de uma vida toda sendo mos ter inverno neste ano, sĂł que tem um detalhe: vai junto Ă tradição de prognosticar as chuvas. O dom ĂŠ pasexibido com orgulho. “Rodei minha vida lutando. Os farelim aparecer a chuva e o pessoal nĂŁo vai trabalhar porque sado de geração em geração e na luta diĂĄria de observar os que eu ganhei foi trabalhando com cabo de foice e machado. ďŹ ca naquele jogo de que vai ser abaixo da mĂŠdia. VĂŁo ďŹ - signos da terra. AlĂŠm da natureza, os profetas tĂŞm como Nunca herdei nada de ninguĂŠmâ€?. car esperando. Por quem? SĂł pode esperar por Deus!â€?. base sonhos, rituais religiosos, crenças indĂ­genas. Joaquim tem inteligĂŞncia feEnraizada nos conďŹ ns do Nordeste, a prĂĄtica orguchada para as letras e aberta para lha homens que incorporaram para si a missĂŁo de decifrar os mistĂŠrios da terra. Sem prever e dizer notĂ­cia de chuva no sertĂŁo.

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da CApaCIdaDE do açUDe cAStaNhĂƒo seGUe cOM ĂĄgUa. cOM as BAixAS doS ĂšlTimOS anOS , a cIDadE De jaGUarIBarA emERgiU {FOTO: BRUNO GOMES}

DiĂĄrio do Nordeste

O QuInZe

{1915-2015}

EDITORA VERDES MARES LTDA - Praça da Imprensa, s/n - Dionísio Torres | CEP: 60.135-690 - Fortaleza - Cearå

Telefone: (85) 3266.9790 - Email: regional@diariodonordeste.com.br | Editor Diretor: Ildefonso Rodrigues Editora: Maristela Crispim - Repórter: Beatriz Jucå - Fotos: Bruno Gomes, Eduardo Queiroz e Fabiane de Paula Projeto gråfico e design editorial: Felipe Goes - Ilustraçþes: Lincoln Souza - Revisão: Vânia Monte Tratamento e finalização de imagens: Aloísio Bezerra, Deusiana Moreira, Jandrey Araújo e Karla Maria

eca grande atĂŠ hoje espinha o sertĂŁo, o que mudou foi a forma de atravessar. Se nĂŁo chove, o homem do campo troca gado por cabra e roça por quintal de produção. Aprendeu a plantar pra gente e pra animal depois de muita aição ao vĂŞ-los morrer – reses e homens - pela beira da estrada. Vem escapando mais uma vez com a ajuda de um ou outro programa emergencial do governo, mas ação duradoura de tirar mesmo preocupação do sertĂŁo ainda nĂŁo viu. O agricultor reconhece que a vida mudou: de fome quase jĂĄ nĂŁo se morre, as antenas parabĂłlicas viraram adereço discreto nas casas depois das imponentes cisternas, as salas ganharam mĂłveis e atĂŠ TV de tela plana. Mas a possibilidade de realizar o sonho de ter nĂŁo apaga uma dor profunda que jĂĄ atravessa tantas dĂŠcadas com medo de ďŹ ndar a ĂĄgua. Elisiar Ferreira dos Santos, 56, abotoa a camisa azul e pĂľe sobre a cabeça um bonĂŠ. Deixa a casinha que divide com a esposa Isabel, na localidade de Monte Alegre, em Tamboril, pelos fundos para apresentar o quintal produtivo como quem anuncia milagre depois de trĂŞs anos de seca: “Ainda temos horta e animal. Aqui tĂĄ todo mundo pagando suas dĂ­vidas em diaâ€?, orgulha-se. E logo em seguida ergue o queixo para explicar que as 27 famĂ­lias que moram na comunidade sĂŁo privilegiadas porque ainda resta quase um quinto da ĂĄgua do açude que conseguiram com o governo depois de fazer muito protesto em Fortaleza. “Meu pai nasceu e morreu na agricultura, mas nunca pĂ´de dar um passo pra frente porque toda vida foi morador de patrĂŁo. SĂł que comecei a me envolver com movimento social da Igreja e descobri que nĂłs tinha que se organizar e garantir nossa vida. Hoje, graças a Deus, meus ďŹ lhos nĂŁo sabem o que ĂŠ passar necessidadeâ€?, diz.

NA WEB > svmar.es/oquinze

No hotsite do especial O Quinze, vocĂŞ confere webdocumentĂĄrio produzido pela TVDN e conteĂşdos complementares como depoimentos de personagens e galeria de fotos


Diário do Nordeste FORTALEZA, CEARÁ ¤ SEXTA-FEIRA ¤ 13 DE FEVEREIRO DE 2015

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NHOS

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Não é raro ver mulheres terem que carregar baldes d’água em ‘mané-mago’, uma espécie de aparato feito com madeira e pneus de bicicleta

Com TrêS AnoS dE seCA, nãO teVE o roÇAdo, mAS é mUiTO diFEreNtE. Com O quINtaL, nóS tEMos coMO coMEr e vENdeR pRa mELhoRAr a rENda

{FOTOS: FABIANE DE PAULA}

{Isabel Santos mora com o marido Elisiar na localidade de Monte Alegre, em Tamboril}

a n s f or m a d o s

tenta tomar pé da situação para anunciar um novo plano de atuação. Ele defende que o Ceará tem, sim, se preocupado ao longo dos anos com a questão, tanto que dispõe de infraestrutura hídrica e planejamento que impedem Fortaleza e Região Metropolitana de enfrentar situação semelhante à que São Paulo vive atualmente. Para o governador, a grande preocupação é com o Interior do Estado, cuja criticidade ele reconhece, justificando a atuação “firme” do governo com as medidas emergenciais. Isabel Santos vende “Os mananciais que abastecem nossas cidades não estão parte da produção de sendo recarregados. Isso requer mais do que uma atenção legumes e hortaliças especial; requer uma ação efetiva. É isso que nós estamos do quintal produtivo fazendo com um amplo planejamento que traz uma série diretamente para o de ações para minimizar os efeitos deste longo período de governo, uma forma estiagem”, declarou o governador. As políticas e iniciatide melhorar a renda vas a serem adotadas ele promete anunciar em breve. Mas o caminho para construir soluções efetivas ainda é árduo. Enquanto o País inteiro está mergulhado na crise hídrica, o professor José Levi Furtado, docente do zer para cadastrar, por isso se aventura toda semana a cavar as Departamento de Geografia da Universidade Federal do margens do Jaburu, tentando tirar água limpa debaixo do chão. Ceará (UFC), avisa: é preciso não só investir na transpo“Se não fizer, tem que comprar água lá no Jatobá a cinco reais o sição, mas na captação de água. O Ceará vive um processo litro. Compensa não!”, ele diz, enquanto tira mais um pequeno de desenvolvimento econômico crescente, principalmente balde de lama. Um pouco mais à frente, já havia duas outras em relação ao comércio. O ônus disso é o elevado consumo cacimbas feitas por ele. Como são muitos os que se aventuram hídrico, principalmente pela irrigação e pelas indústrias. nas margens do Jaburu em busca de água para beber, Francis- O desafio é elaborar projetos que atendam às áreas em deco José multiplicou os buracos, uma forma de não correr o ris- senvolvimento, como por exemplo a Região Metropolitana co de perder a viagem quando for buscar sua parte. de Fortaleza e o Cariri, sem impactar o Interior do Ceará com as transposições. “Temos tecnologias para suprir e levar água aos lugares, mas com a velocidade desse de¤ Novos rumos ¤ senvolvimento, as águas que temos hoje são insuficientes. No tempo de hoje, o maior problema no sertão é de abasteci- As transposições que estão sendo feitas precisam ser bem mento. Apesar das 95,9 mil cisternas de placa e 34,1 mil de distribuídas com a economia, mas, principalmnete, com a polietileno instaladas no Ceará, de 2011 até o ano passado, população, que é o essencial”, aponta o professor. não é raro ver mulheres terem que carregar balde d’água A velocidade do consumo de água é inversamente na cabeça ou em ‘mané-mago’ (uma espécie de aparato fei- proporcional à reposição dos mananciais. Depois de três to com madeira e pneus de bicicleta). As ações do gover- anos de chuvas escassas, os açudes do Ceará estão com no estadual para lidar com a seca hoje estão calcadas no apenas 19,2% da capacidade. Os cenários são de galhos de tripé adutora, poço profundo e carro-pipa. A Defesa Civil oiticicas, que antes ficavam submersos, expostos ao sol. O do Estado está assistindo 68 municípios com a Operação cheiro é forte em muitos reservatórios, que agora contêm Carro-Pipa. Outros tantos já demandaram ações ao Exér- apenas o volume morto. Alguns açudes, totalmente secos, cito Brasileiro, que deve atender viraram estrada para moto ou pasto de animal. O Cedro, pela mesma operação. Em meio à emoldurado pelos monólitos de Quixadá, vem decaindo situação crítica deste quarto ano de pela falta de chuva e de zelo. Monumento artístico e históseca, o governador Camilo Santa- rico nacional, preserva apenas água esverdeada e centenána, aos 43 dias de governo, ainda rias construções em ruínas. Ficou distante o plano inicial de usá-lo na irrigação e no abastecimento de Quixadá. Jaguaribara é uma cidade que virou mar para não faltar mais água no sertão. O açude Castanhão ficou pronto em 2002, mas foi em 2009 que encheu em 18 dias 97% do que poderia comportar. Vem de lá parte da água que abastece Fortaleza pelo chamado “Eixão das Águas”. Agora, depois de três anos de pouca chuva, segue com apenas 23% de sua capacidade. A cidade antes inundada para virar esperança no sertão agora reaparece, desolada. São casas inteiras que voltaram das águas, com potes deitados sobre as pedras. Memórias deixadas para trás na esperança de melhorar a vida mesmo em tempo de grande seca. ~G@ @\ @

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Parte da produção de legumes, hortaliças e os ovos retirados das galinhas que criam são vendidos para o governo por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Foi assim que economizaram para comprar colchão bom, televisão e moto e que agora vêm conseguindo sobreviver aos três últimos anos de seca, não sem antes ter a pele marcada pelo sol quente de pouca chuva. Neste quarto ano de seca, como aponta o prognóstico, a produção foi reduzida porque a água vem secando. “Nossa sorte é os programas sociais. Bolsa Família quase todo mundo tem aqui. Pessoal diminuiu a produção pra não estragar tanta água, aí a gente vem mantendo esse controle”, conta Elisiar. A esperança dele para este Quinze está nas experiências que aprendeu com o avô, o sonho do inverno todo baseado no feijão-brabo que vem lutando para segurar na terra e no relâmpago que clareou o céu no setembro passado. Na cidade vizinha de Independência, Francisco José de Eugênio Vieira vai com frequência para as margens do Jaburu, em Independência, fazer água pra beber. Sem conseguir lembrar a última vez que viu o açude sangrar, entra no que antes era cheio para cavar vários palmos de cacimba até encontrar água limpa. “Aqui pra debaixo do chão eu sei que ainda tem muita”, brada, esperançoso. Francisco José não sabe dizer a idade porque não lê documento. Divide a casa com a mãe e o irmão. Quando tinha inverno, vivia de roça. Agora, depois de três anos de seca, o que tem ajudado a escapar é a aposentadoria da mãe. Onde mora não tem cisterna porque não soube como fa-

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ciStERnaS dE PlaCA foRAm ConStRuÍdaS E inStALadAS no CEarÁ enTrE os ANos DE 2011 e 2014

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A Defesa Civil do Estado está assistindo 68 municípios para abastecer as cisternas com a Operação Carro-Pipa

{FOTO: EDUARDO QUEIROZ}


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Diårio do Nordeste FORTALEZA, CEARà ¤ SEXTA-FEIRA ¤ 13 DE FEVEREIRO DE 2015

o qUiNzE {1915+2015}

SONHOS

teR Um PedACinHO de ChĂƒo ¤ ÂŤ. v. J . # J. O .v.

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Tudo em Maria de Fåtima Santos Feitosa começa na casa. Do tempo que não existia negócio de morar em casa com piso de cimento, ela agora pode sonhar com cerâmica {FOTOS: FABIANE DE PAULA}

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udo em Maria de FĂĄtima Santos Feitosa começa na casa. â€œĂ‰ meu alicerce. Meu sonho todo começa nisso aquiâ€?, ela diz. Desde que caiu o teto da casa de taipa onde foi morar logo que casou com Domingues, desejava ter um pedaço de chĂŁo com casa de alvenaria e condição para ir botando coisa dentro. Demorou anos, mas os programas do governo e a agricultura familiar foram dando conta de trazer as melhorias. Trocou o colchĂŁo de folha de bananeira por um de loja, conquistou terra no assentamento Monte Alegre (Tamboril), construiu casa com parede de tijolo e chĂŁo de cimento. “Agora tenho um novo sonhoâ€?, brada ligeiramente envergonhada, levando as mĂŁos ao rosto num riso frouxo. Ela curva o corpo para a frente na cadeira de balanço e ergue novamente a voz: “Meu sonho ĂŠ acrescentar mais minha casa. Ă€s vezes, o Domingues diz que nĂŁo precisa porque nossa casa jĂĄ tĂĄ grande, mas eu digo: ‘NĂŁo, minha famĂ­lia tĂĄ crescendo’. Eu tenho o sonho de rodear minha casa toda de alpendre pra caber muita gente e parar desse povo ter que, na festa junina, dormir em rede nos pĂŠs de pauâ€?. Maria de FĂĄtima ĂŠ do tempo em que nĂŁo existia negĂłcio de morar em casa com piso de cimento, mas agora sonha com cerâmica. A possibilidade de ter no sertĂŁo virou tĂŁo real que atĂŠ o sonho de ir embora na juventude agora parece distante. “Eu tinha essa vontade de ir, que eu via minhas amigas indo e voltando tĂŁo bem arrumada, com a cor assentada. Mas a mĂŁe nunca deixou as ďŹ lhas saĂ­rem de perto delaâ€?, ela diz. E emenda que na vida nĂŁo abriu mĂŁo de estudar: fez atĂŠ a quarta sĂŠrie porque a mĂŁe nĂŁo tinha como pagar estudo para todos os ďŹ lhos. Viu carta de ABC, cartilha e primeiro livro. SĂł foi fazer Ensino MĂŠdio adulta, quando soube que tinha escola municipal. O gosto pelas letras era tanto que se aposentou professora, mas nunca deixou a luta com a terra. É do cheiro verde a render R$ 150 por semana no quintal produtivo que vem saindo tudo diferente: alimen-

tação variada, moto, carro. O quarto ano de seca diminuiu a produção, mas nĂŁo deixa faltar comida Ă mesa. Sempre que Maria de FĂĄtima pega o dinheirinho para comprar algo que precise, ĂŠ automĂĄtico vir Ă mente um cântico. “Eu quero ver, eu quero ver, acontecer, acontecer. O sonho bom, sonho de muitos, acontecerâ€?, reproduz com voz aguda. E, mesmo sem carecer de explicação, emenda num fĂ´lego sĂł: “Esse cântico dĂłi dentro de mim porque eu tinha um sonho que com fĂŠ em Deus vem se realizandoâ€?. Em outra ponta do SertĂŁo dos Inhamuns, Nonato Cruz, 59, ajeita o bonĂŠ azul sobre a cabeça e faz o prognĂłstico: “Parece que agora a seca tĂĄ sendo ĂŠ maior que 70. TĂŁo dizendo que vai ser outro Quinze nĂŠ? Eles tĂŞm medo, aĂ­ quando dĂĄ fĂŠ querem compararâ€?. E balança a cabeça em tom de dĂşvida, porque hoje em dia de fome homem nĂŁo morre e seca mesmo quem vem passando ĂŠ animal. No sertĂŁo onde meio mundo de gente hoje tem moto, nĂŁo se viaja mais a pĂŠ como Nonato tanto fez para escapar da seca de 70, trabalhando nas frentes de serviço do governo. O cansaço foi tanto que ascendeu o sonho da bicicleta para nĂŁo ter mais que chegar nos cantos no dedĂŁo do pĂŠ. “No 70, viajei muito a pĂŠ. Quando foi em 72, comprei uma bicicleta. Passei a noite me acordando e passando a mĂŁo pra saber se ainda tava perto de mimâ€?. Era manhĂŁ quando Nonato Cruz comprou a bicicleta com ajuda do patrĂŁo que o havia empregado hĂĄ pouco. Achou os farĂłis tĂŁo bonitos que andou oito lĂŠguas Ă noite para olhar o farol. Agora, tem moto e estante com TV de tela plana na sala, mas nĂŁo lembra de ter alegria tamanha para superar a bicicleta.

ViAjeI muITo A pĂŠ. Em 72, coMpREi Uma biCIcLetA. PasSEi A noITe mE acORdaNdO e pASsaNdO a mĂƒo pRa sABer SE aInDa taVA peRtO De mIMâ€? {Nonato Cruz, 59, comprou a primeira bicicleta em 1972 com ajuda do patrĂŁo }

¤ Besta-fera ¤

“SĂł nĂŁo pode possuir coisa no sertĂŁo quem inventa de comer carne todo diaâ€?, sentencia Francisco JosĂŠ Vieira, da porta de casa, em IndependĂŞncia. De primeiro, ele diz, o sertanejo sĂł comia arroz e feijĂŁo. A vida mudou. “Mas eu nĂŁo tenho vergonha de dizer. Tenho pena de dar 20 reais em quilo de carne. Se comprar, vai embora o dinheiro da gente. De arroz, dĂĄ pra comer um bocado de tempo. NĂŁo ĂŠ misĂŠria. É economiaâ€?, ele diz. Carne na casa de Francisco JosĂŠ sĂł se for da criação do terreiro e tem que dar para todo mundo. Porco que dĂŞ para a famĂ­lia toda comer uma semana ele nĂŁo vende nem pedaço. E se nĂŁo tiver, tambĂŠm nĂŁo compra porque nĂŁo ĂŠ homem de histĂłria de ďŹ ado. “Pode ĂŠ torcer os beiço porque dever nĂŁo devo nĂŁoâ€?. A postura tem razĂŁo de ser. Ainda criança, ele alcançou a avĂł dizer que Padim Ciço deixou uma briga Hoje, Nonato no mundo para a era de 70 em diante ter bom Cruz tem moto e tempo em pouco tempo, muito pasto e pouco estante com TV rastro. “Ai diziam que ia aparecer uma bestade tela plana na -fera ai tomando o que era da gente nas casas. sala, mas nĂŁo E apareceu mesmo. O pessoal vem aĂ­ vender lembra de ter roupa, comida, tudo na porta alegria tamanha mesmo. É a besta fera perseguinpara superar a do as pessoas. Quem nĂŁo tem bicicleta cabeça compra mesmoâ€?. ~G@ @

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