Editora Pipoca

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Bienal do livro, parte II — encontrando o digital na Bienal Editora Pipoca Geral

Com cobertura jornalística da Talita Camargo e da Beatriz Camargo,* observamos a Bienal Internacional do Livro de São Paulo e nos perguntamos onde estava o digital. Não estava nas produções editoriais, infelizmente, mas — ufa! — encontramos nas mesas e palestras. A Bienal abrigou o Congresso Internacional do Livro Digital, organizado pela CBL, e teve uma parte das mesas com foco específico em digital para crianças, mas… cadê o destaque pra isso no mundo prático, não só no mundo das ideias? Esse desencontro entre o que está sendo produzido para as nossas crianças e as reflexões a respeito dos livros digitais nos dá uma sensação ambígua. É muito bom ver parte das ideias que defendemos aqui, desde o início da Pipoca, sendo legitimadas por pessoas que estudam a literatura infantil há muito tempo, como a professora Marisa Lajolo.** Mas, ao mesmo tempo, é aflitivo ver que nem mesmo uma legitimação desse porte está dando forças para que haja maior produção de livros digitais para crianças no mercado editorial brasileiro. Bom é lembrar que, fora daqui, também encontramos respaldo, como nas ideias expostas por Diego Moreno,*** da Nórdica Libros. A Nórdica publica digitais desde 2006, quando a leitura nos dispositivos digitais ainda era somente estática. Mais do que isso, a qualidade visual ainda era muito pobre, e essa era uma das maiores preocupações de Moreno, pois, apesar de não produzir livros infantis, a Nórdica trabalha com livros ilustrados. Por sorte (leia-se: esforço e desenvolvimento), essa questão já foi resolvida! Moreno relatou ser perfeitamente possível fazer muito barulho e chamar a atenção por meio do digital, mas reforçou que o intuito não pode ser esse, pois é preciso focar na expressividade das ilustrações e na qualidade do livro como um todo. Com a experiência de quem já publicou mais de 100 livros digitais (e outros tantos no formato impresso) e viu a chegada de diversos modelos de dispositivos de leitura digital, Moreno disse: “E-readers não são inovadores nem extraordinários. Claro, eles servem como excelente plataforma de leitura digital, mas não há novidade”. E então ele chegou a uma tecla que já batemos: conteúdo! É isso o que ele disse que interessa, bem como conhecimento cultural e histórico, bem como o contato e a convivência com livros… E, pra completar — ai, como é bom escutar isso! — Moreno ainda disse que é um erro o livro digital tentar


imitar o impresso e que — tcharam!!! — um nunca deve substituir o outro! Lindo, Moreno! Lindo ouvir isso! Sabe o que nos deixa mais felizes em escutar falas como a dele? Que são afirmações de quem está publicando e vendendo, de quem vê de perto todo esse movimento da produção e comercialização de livros digitais em comparação com livros impressos. E, vejam, ele usa a expressão “livros para o meio digital”, percebem que sutileza interessante? Assim como papel é o meio de apresentação do livro impresso, digital é só o meio de apresentação do e-book. Só isso. Nada mais. É livro do mesmo jeito! Outra coisa linda de se ouvir também foi a Marisa Lajolo. Nós já tínhamos gostado muito da visão dela sobre livros digitais,**** mas ouvi-la em uma palestra é bem especial! Isso porque ela tem paixão pelo assunto e se diz uma pessoa que, mesmo não tendo domínio do mundo digital, é deslumbrada pelas possibilidades que ele apresenta. Sabem por que ela é assim deslumbrada pelos livros digitais? Porque o foco de estudo dela sempre foi a literatura infantil e, do alto de seus anos de dedicação a este tema, ela afirma categoricamente que esta é a literatura mais rápida e pioneira na incorporação de outras linguagens. Foi assim com a união da linguagem verbal com a visual e o desenvolvimento dessa aliança provocou uma justaposição que permite que a imagem diga o que a escrita não pode dizer e vice-versa. Diante disso, destacamos uma fala bem interessante de Lajolo, que nos fez pensar muito: Da mesma maneira que a literatura infantil é mais rápida e pioneira em incorporação de outras linguagens, ela também é mais frágil no que se refere à expectativa não só do público, mas também das instâncias da sociedade brasileira responsáveis pelas escolhas dos livros. Acompanhem, então, o nosso raciocínio: •

Se as editoras estão produzindo pouquíssimos livros digitais infantis, isso em si já é uma escolha, pois elas são a primeira instância responsável pela seleção dos livros para crianças, certo? O problema é que esta ausência de produções para o meio digital retira das outras instâncias a possibilidade de filtrar, por si, os livros que chegarão às crianças. Famílias, escolas e instituições de fomento à leitura, como bibliotecas, salas de leituras, centros culturais, etc, assim como outras instâncias, estão sendo privadas da escolha de um dos possíveis meios de leitura que as crianças podem ter, o digital.

Marisa Lajolo ainda comentou de uma parte de um livro do Monteiro Lobato que foi retirada em razão da pressão de escolas católicas, em 1920. Ela afirmou que são situações como estas que demonstram a fragilidade da literatura infantil, pois interferem no processo editorial. Reclamações assim são comuns ainda hoje, mas, em geral, também é comum uma crítica negativa a esse tipo de reclamação. E essa crítica vem, principalmente, da necessidade de existir uma confiança no processo editorial que, presume-se, estuda sobre as crianças e a infância para poder fundamentar as escolhas editoriais.


Então, seguindo a nossa linha de raciocínio, a partir do momento em que existe uma decisão editorial de basicamente não se produzir livros digitais infantis, nega-se às outras instâncias a escolha dos livros que as crianças lerão. Assim, não estarão os editores desmerecendo a capacidade de escolha destas outras instâncias também? Isso não é incoerente? Ora, se Marisa Lajolo, como ela mesma disse, é uma senhora que se admira com as possibilidades da literatura infantil no formato digital, por que as pessoas que têm muito mais contato com a linguagem digital estão negando a produção de livros para este meio? Nosso principal ponto para esta reflexão veio da seguinte afirmação de Lajolo: “o caminho dos livros digitais está pavimentado”. Agora, digam se não é pra gente amar escutar uma palestra dessas? Poderíamos repetir isso como um mantra! E esse caminho está pronto exatamente porque já existe uma aliança bem firme entre a linguagem verbal e a visual. O livro infantil, disse Lajolo, está pronto para receber novos elementos e novos códigos: o movimento e o som. As linguagens com isso se multiplicam e, assim, a literatura infantil se enriquece e instiga ainda mais a imaginação da criança leitora. Marisa Lajolo, que já era nossa ídola, agora só solidificou a nossa admiração. Ela incorpora o motivo que nos leva a buscar participar de eventos: a teoria, os estudos. A nossa prática só pode ser fundamentada nisso, senão, é pé na jaca. Foi bom, muito bom, encontrar o digital na Bienal. E, pra finalizar, vamos citar outra fala da Marisa Lajolo: Acho que o livro digital é uma coisa atraente sobretudo para uma população que convive e que habita mais o digital do que o mundo impresso. […] Eu confio na palavra escrita, eu confio na leitura; é mentira que o universo digital não precise da leitura. A gente continua precisando saber ler, a gente continua lendo da esquerda pra direita, continua precisando ter um vocabulário razoável, conhecer Picasso… todas essas coisas… Eu não acho que o livro digital vai tirar isso, que é o mundo que a criança já conhece. Ai, Marisa Lajolo, que lindo! Vem ser musa da Pipoca, vem! Por Suria e Isabela ***** * Talita Camargo é formada em jornalismo pela PUC-SP e em produção editorial pela Universidade Anhembi Morumbi; é pós-graduada em comunicação organizacional e relações públicas pela Faculdade Cásper Líbero. Talita focou sua paixão pelos livros em seu blog, No Mundo Editorial, onde abre espaço para discussões e novidades do mercado. E Beatriz Camargo é estudante de jornalismo na Universidade Anhembi Morumbi. Apaixonada pelas palavras desde quando as descobriu, trabalha com textos publicitários e pretende seguir sua caminhada pelo mundo da comunicação. ** Marisa Lajolo tem uma consolidada carreira acadêmica, realizou pesquisas nas áreas de teoria literária e de literatura brasileira e tem seu foco também na literatura infanto-juvenil. O título de sua


palestra na Bienal foi “Pioneirismo da literatura infantil brasileira — do livro ao tablet”, que aconteceu no dia 26 de agosto. *** Diego Moreno é diretor e editor da Nórdica Libros, de Madri, na Espanha, uma editora que começou com um trabalho quase artesanal e que sempre buscou qualidade literária e uma produção editorial muito cuidadosa. A palestra dada por Moreno foi “O livro ilustrado no formato digital”, no dia 23 de agosto. **** A revista Carta Fundamental publicou um artigo da Marisa Lajolo na edição 55, de janeiro de 2014. Foi a primeira vez que tivemos contato com a visão dela sobre livros digitais e fizemos a divulgação do artigo na nossa página do facebook em 10 de março desse ano:http://on.fb.me/1uBkqPl


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