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OLD entrevista João Musa

Conversamos com João Luiz Musa, fotógrafo, professor do curso de Artes Plásticas da USP e apoiador de uma série de fotógrafos que passaram pelas páginas da OLD. Foi um papo muito bom, de muito aprendizado. Sem mais delongas, com vocês, João Luiz Musa: Você é engenheiro formado pela Poli. Como a fotografia surgiu no seu caminho?

chamou e perguntou: quem quer aprender fotografia? Eu topei junto com outros amigos e ele nos ensinou a revelar filmes e a fazer cópias fotográficas. Ao final de um ano, nos juntamos entre quatro amigos: Raul

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Garcez, Marcelo Breda Mourão e Roberto

Existia um departamento de fotografia do Biênio, que era do grêmio e tinha um aluno da engenharia química, que estava se formando, que procurava pessoas para ajudar a administrar e passar o bastão do laboratório do Departamento de Fotografia do Biênio da Poli (DEFOBI). Ele convocava alunos do primeiro ano no bar do Belo, que ficava ao lado da Engenharia Elétrica, que, aliás, é um terreno baldio hoje. Ele nos no laboratório da faculdade, convivendo com grandes nomes. Como foi essa experiência? O que você mais guardou desse momento?

Ferrão, além de mim. Resolvemos ampliar o DEFOBI. Isso foi em 1971 e durante os outros quatro anos de Poli e mesmo depois, eu continuei dando cursos de fotografias no Biênio. Conseguimos patrocínio da Kodak e da Fuji, assim montamos um curso básico de laboratório. Tinham cerca de 100 alunos por lá nesse período. A gente não sabia dar aula, então chamamos a Iolanda Andreato e a Rita Tonacci. Fizemos um núcleo de ensino e outro para exposição de trabalhos. Um ano depois foi criado o PHOTOUSP, que foi o movimento de fotografia dentro da universidade durante a década de setenta.

O PHOTOUSP promovia uma grande exposição anual dos trabalhos de fotografia.

Como era época de uma grande repressão, ninguém publicava as coisas escritas, mas com a fotografia era possível mostrar, então vinha gente de toda a USP, com os documentários de pobreza ou violência. Foram grandes exposições, na POLI e no prédio da História. Então o movimento nasce assim: cria-se um lugar para mostrar, que existia permanentemente na POLI, que recebe a cada dois, três meses, uma exposição. Um lugar para ensinar e um local geral para reunir as fotografias da universidade. Fizemos questão de criar, além dos laboratórios, um lugar - a gente conseguiu um carpete velho e almofadões e instalamos em uma sala - que virou o local de conversa. Tinha um projetor de slides velho, e ali a gente recebia os bixos e os amigos e nos juntávamos para conversar.

Tudo foi em decorrência desse processo que começamos na Poli. Pedimos ao Cristiano Mascaro para dar uma palestra, para falar sobre seu trabalho pessoal.

Convidamos outras pessoas para apresentar seus trabalhos e em um certo momento, o Cristiano, vendo tudo o que estava acontecendo, me convidou para cuidar do setor de alunos do Laboratório de Recursos

Audiovisuais da FAU, então fui contratado como funcionário. Logo em seguida o Raul

Garcez foi convidado. O Cristiano gostava do Raul e ele acabou indo pra lá também. O

Sérgio Burgi tinha sido nosso bixo na Poli, desistiu da engenharia por conta da foto, foi

Você participou de um momento muito rico para a fotografia na FAU, trabalhando cursar ciências sociais e fazer fotografia e a FAU necessitava de um terceiro funcionário de nível universitário, então ele também vem para FAU. Esse grupo ficou junto durante 3 anos. O que foi um fato inédito. O laboratório conta nesse tempo com quatro funcionários, universitários que estavam, ao mesmo tempo, desenvolvendo seus trabalhos pessoais. A gente ensinava, mas tinha um ensaio sobre a cidade de São Paulo. Era um modelo interessante para o ensino da fotografia dentro de uma faculdade de arquitetura a se implantar, mas que até hoje a FAU não fez. A FAU não tem uma disciplina para que os seus alunos aprendam fotografia dentro do currículo oficial da escola.

O seu trabalho com cor é muito preciso e muito pessoal, entre reproduções e trabalhos pessoais. Como foi o desenvolvimento desse estilo? Como você transmite esse pensamento para os seus alunos?

Continuamos no mesmo caminho. A experiência com os amigos no DEFOBI serviu para estruturar o laboratório na FAU, mostrou ser a base para o trabalho hoje, aqui no departamento de artes plásticas da USP. A tentativa é colocar o aluno em contato direto com o fazer, nortear sempre o ensino dos princípios da linguagem em função da necessidade que o aluno procura no trabalho expressivo. Como contrasta, como suaviza, nasce do próprio trabalho e a solução vai ser encontrada em parceria com alguém que conhece mais profundamente os recursos do processo fotográfico, que vai indicar o que ele pode mudar para ter o resultado que ele está intuitivamente procurando. Eu acho que é o mesmo tipo de estrutura que respeito até hoje: não se trata de ensinar a técnica, mas de nortear recursos para a linguagem. Tratando-se da expressão em primeiro lugar, a técnica em si não existe, ela só existe em função da necessidade que o trabalho coloca, é o que nos guia. Quando a imagem digital conseguiu evoluir a ponto de abrir os canais de interpretação da cor, algo que no processo colorido analógico não era possível, abrimos matérias que pudessem suprir esse conhecimento. Elas não são obrigatórias, então o aluno que quisesse vir aprender algo que ele precisa ou para reproduzir obras de arte ou para se expressar em seu próprio trabalho tem esse espaço para fazê-lo. Então no fundo o modelo continua igual: o que norteia é o trabalho pessoal, o trabalho de expressão, a necessidade que se tem de por a coisa em papel. A informação técnica, na verdade, nasce da necessidade do trabalho. E agora respondendo a primeira parte da sua pergunta: o meu trabalho em cor evoluiu quando pude operar com liberdade a impressão e colocar na imagem cores e contrastes que sonhava reproduzir, foi a impressão no próprio atelier que me aproximou da fotografia colorida, a prática apontando as necessidades e as soluções expressivas. divulgar trabalhos, foi por acaso que fiquei no comitê do MASP por quatro anos, foi uma tentativa de ajudar o Teixeira Coelho a pensar o que o museu poderia tentar trazer sobre a fotografia naquele momento, mas eu não sou dessa área. Não acho que meu papel é ficar separando os trabalhos melhores dos que estão aprendendo. Meu trabalho é ligado à formação, é estar perto de alguém que, como eu, está fazendo o seu ensaio. Eu sou chamado às vezes para dar cursos, como eu dei no Tomie Ohtake sobre ensaio e no MariAntonia para falar sobre transcrição de cor e fechamento de livros. Os alunos nos procuram porque sabem que aqui existe um espaço para conversar. Tem um curso que se chama o ensaio fotográfico e muitos aparecem pois já possuem ensaios. É muito incômodo você dizer: isto não tem que ser exposto. No curso de ensaio fotográfico a mesa é aberta e olhamos os trabalhos juntos.

Você atua como professor de fotografia na USP desde 1984. Como é a experiência de acompanhar tantos fotógrafos em formação? O que você mais aprende com esse contato? É muito rico, é um privilégio estar aqui. Primeiro o conceito é aproximar os alunos da linguagem, quem nunca operou a linguagem, porque na verdade começa lá do começo da operação de fazer uma imagem fotográfica. Se você colocar julgamentos do que deve ser feito com a imagem você pode estar cortando algo que ainda nem nasceu. É o oposto de colocar uma chave do que é contemporâneo. Porque existe essa tendência de falar: você está sendo contemporâneo, você não é contemporâneo. Contemporâneo é aquilo que está convivendo nesse tempo...

A expressão nasce da necessidade individual, alguém quer narrar a sua experiência de andar por uma rua, de vir a escola, da solidão que ele vive, etc. Ela está ligada mais ao ensaio, de uma tentativa de um projeto não explicitado, na verdade a gente tenta dar uma base na formação do artista das várias linguagens e não pode ter pressa, cada um tem seu tempo, você ensina a base no primeiro ano e de repente o fruto disso só vai ocorrer dois ou três anos depois; de repente o aluno volta querendo continuar o que ele começou. Construímos uma grade de cursos que são primeiro obrigatórios (os básicos) e depois optativos, para que ele possa seguir o caminho que o trabalho está pedindo.

Além do contato com seus alunos, você costuma pesquisar novos fotógrafos?

Não, não. Eu não sou curador, não cuido de

Não sou curador, não quero dizer para onde os trabalhos devem ir, o que eu gostaria é que as pessoas olhassem as coisas juntas e dissessem o que elas estão vendo. Quanto mais velho se fica, talvez se possa fazer isso melhor, porque ao invés de antecipar e afirmar o que se está vendo, deixamos os outros olharem e dizer o que eles estão vendo. Falo muito em criar termos de referências comuns, para que a gente possa fazer uma crítica interna do fazer fotográfico. oscilando em dúvidas, achando que tem uma coisa que não tem, porque não está no papel, está em uma tela que não é calibrada, então a cor que se apresenta na tela não existe, uma cor que em outro laboratório sai completamente diferente, ninguém sabe aonde é que está a cor. No processo colorido analógico você ia ao laboratório, ampliava um negativo, ao sair tudo amarelado você mandava tirar o excesso e aprende o que acontece sem o amarelo, se ficasse claro você mandava escurecer, isso é sempre pedagógico, ajuda a ensinar, é simples e a operação é bela, porque você aprende onde está o princípio. Evidente que se pode ensinar o digital, mas não se pode suprir do currículo a base do ensino em fotografia que é a analógica.

Você conserva em seu programa de aulas o uso do laboratório PB e de técnicas alternativas de ampliação. Esses processos são essenciais na formação de um fotógrafo?

Isso é fundamental, é pedagógico. Quem aprende o embate direto com o material, aprende onde está o princípio da operação. A fotografia digital é muito vaga, você fica

E você aprende a estrutura do que você está usando...

A

brincadeira que a gente tem aqui nas aulas é de como descobrir o grande beijo: qual é a sua linguagem de paixão?

Por isso que é bom.

Exatamente, porque ai fica fácil de ensinar o digital. Gosto muito do digital, tem gente que acha “a não, está ensinando analógico primeiro...” As escolas que acabaram com a fotografia analógica é que são estranhas!

Em nome de uma modernidade prometida e nunca cumprida, porque essa tecnologia vai mudar também daqui a pouco. Porque aqui se ensina gravura, desenho, xilogravura e gravura em metal: porque é a manutenção das linguagens básicas. Essas linguagens têm que continuar a serem ensinadas, e você descobre que tem um monte de gente fazendo gravura, desenhando, fotografando analogicamente, escaneando negativos e imprimindo fotogravuras. É uma maravilha isso! Não ensinamos apenas fotografia, a gente ensina as linguagens expressivas. De certa maneira esse é o privilégio de se estar aqui, onde o foco não é na fotografia, porque com isso a fotografia teria que dar conta das outras fotografias (as aplicativas ou funcionais, por exemplo) e não da questão essencial da linguagem, de uma escolha da sua preferida ou da mistura delas.

Tanto o seu trabalho quanto o de seus alunos tem uma técnica muito precisa e muito particular, pensando por exemplo, nos trabalhos do Guilherme Minoti e da Aline Guarato, que já passaram pela OLD.

Você incentiva esse desenvolvimento técnico, não só de linguagem?

Você deu dois exemplos bem bons, bem diferentes. Vamos pegar o caso da Aline: ela é uma pessoa que veio estudar pintura aqui e não conseguiu escolhê-la como sua técnica de expressão. Ela achou que não se deu bem com a mídia, não foi nem um problema com quem a instruiu. Acho que ela não tinha achado a linguagem amorosa dela, o grande amor na linguagem. Ela falou isso para mim claramente quando ela me procurou para a orientação final. Ela falou “eu não consegui fazer fotografia analógica, eu fiz os seus dois cursos e não consegui me sentir bem dentro do laboratório. Eu não tenho nada na mão para me formar”. Como assim nada? E as suas anotações? “A única coisa que eu tenho e que estou organizando são as anotações em celular da minha viagem de ida e volta para casa, são essas anotações que me motivam”. A gente convocou a Aline a mostrar isso em uma mesa. Ela encheu a mesa de fotinhos e o que a gente percebeu, unanimemente, foi que tinha alguma coisa que ligava aquilo à pintura, porque o arquivo era muito limitado, mas a cor era linda [quer relembrar o trabalho da Aline? Dê um pulo na OLD Nº 7]. Então tinha uma coisa muito estranha de pensar cores que aconteciam naquela gravação precária do arquivo de 1,5 megas que remetia à experiência com a pintura. Com isso ela achou a chave para desenvolver o ensaio final. A edição do trabalho é dela e eu me lembro, por exemplo, da resistência dela em imprimir jato de tinta. Ela achava que a única coisa que ela conseguia era um laboratório que fazia de certo jeito em que a cópia acabava naquele tom estranho. A gente tentou aumentar o arsenal de ferramentas, para que ela mesma pudesse se virar nas várias questões que o próprio trabalho colocava. O caso da Aline é muito diferente do Minoti, que é um sujeito que pega uma câmera de mais definição, que tem uma coisa sofisticada de conhecer o

Photoshop. Os instrumentos que o Minoti usa para tratar cor eu não conheço direito, porque ele usa seleções de maneira própria, um jeito de tratar que eu não consigo usar da mesma forma. Nem fui eu que ensinei ele a usar o software daquela maneira. É o jeito que ele separa o canal da cor, como usar aquela saturação, aquele azul, naquelas pessoas que pulam, é o Minoti, livre [Dá um pulo na OLD Nº 10 e refresque sua memória].

Ele fez o que queria e ele que, na verdade, nos mostrou como era seu procedimento. Então acho que são dois exemplos bem legais, que na verdade, não tinha ninguém segurando essas pessoas pela mão para falar “olha, você tem uma coisa que vai ser muito boa”. Foram surpresas, os dois, apoios mútuos do grupo de alunos. Não estávamos preocupados em ter um grupo de excelência, não há um objetivo de formar o fotógrafo, é isso que eu estou querendo dizer: o que vier será bem-vindo, essa que é a grande

vantagem.

Muitos fotógrafos da OLD passaram também pelas suas aulas. Você vê o CAP como um formador de grandes fotógrafos?

Não. Exatamente pelo que conversamos até agora. A gente não forma fotógrafos aqui. Ajudamos artistas em formação, que estão atrás da sua linguagem de escolha. A brincadeira que a gente tem aqui é de descobrir o grande beijo: qual é a sua linguagem de paixão? Por isso que é bom. Como não se tem a meta de formar grandes fotógrafos, pode ser que, no meio deles, os que vierem atrás disso e perceberem que a sua linguagem de escolha é a fotografia, encontrem um espaço bem amplo e libertário aqui dentro. A idéia é oferecer uma grande base de expressões e reflexões e permitir que o trânsito exista entre as linguagens.

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