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Elaine Arruda

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Samira Alvim

Samira Alvim

Elaine Arruda (Belém-PA, 1985) {

OFICINA SANTA TEREZINHA, EM 10 DE MARÇO DE 2015.{

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Tua formação é em Psicologia, né?

Aham (risos).

A arte veio primeiro ou foi depois?

Pois é, meu pai é arquiteto, então eu sempre desenhei, sempre gostei de coisas manuais. Sempre via ele desenhando, então eu acho que tem uma influência aí. Mas eu nunca tinha pensado em fazer artes, daí quando eu passei no vestibular eu passei para a segunda turma, então fiquei um semestre assim, sem fazer nada e aí acabei indo pro Curro Velho [Fundação], fazendo um curso lá e comecei a fazer gravura. Conheci o Armando Sobral e aí a gente começou uma parceria que durou muito tempo. Fundamos o Ateliê do Porto juntos, fizemos várias coisas até 2014. E aí, na verdade, sempre foi uma vida dupla, sempre fui muito de vidas duplas (risos). Durante toda a minha faculdade eu fazia psicologia e dava aula no Curro Velho de gravura, desenho.

Como que é essa “paisagem suspensa”?

Foi um projeto que eu fiz, foi a conclusão do meu mestrado. Já tinha um tempo que eu frequentava a Oficina Santa Terezinha e quando eu cheguei à oficina, eu cheguei querendo fazer gravuras em grandes escalas e a minha ideia era passar com rolo compressor em cima da chapa pra poder imprimir. Porque eu comprei uma chapa de zinco de dois por um, essa de fazer outdoor e a ideia era imprimir sem ter que cortar. Porque quando a gente faz gravura, a gente tem a limitação da prensa, né? Tipo, aqui em Belém, a maior prensa que tinha era a do Curro Velho, então eu teria que cortar com uma largura de sessenta centímetros. Aí ia perder toda a graça. Cortar, fazer um quebra cabeça, mas enfim... senão desse certo, era o que ia fazer.

Aí, eu cheguei aqui, tive uma conversa no meu ateliê, foi antes de ser Ateliê do Porto, já era um ateliê com o Armando [Sobral]. Foi uma noite meio absurda. Foi eu, a Veronique Isabelle e o Vicente Cecim, que é um escritor, poeta absurdo, aqui de Belém. E a gente estava lá, finalizando a gravação, intintando e eu inconsolável. “Ai, não! Eu não tenho que cortar...”. Aí, o Vicente Cecim deu essa ideia. Ele disse assim: “Cara, porque você não passa com um carro de asfaltar rua em cima?”. Aí eu fiquei assim... “Será que dá?”. E fiquei com essa pulga atrás da orelha, né? E eu morava aqui na Cidade Velha e já tinha circulado pelo Porto do Sal. Aí, eu e a Vero viemos juntas aqui na Oficina perguntar para o Seu Chico, que é o dono da Santa Terezinha, se ele sabia de alguém que alugasse esses carros que a gente queria imprimir. Aí, ele ficou assim, olhando pra gente. “Menina, o quê que tu quer?” (risos). Ele é todo assim. “Mas menina, o que é que tu quer fazer?”. Aí, eu: “Eu quero imprimir, tô gravando uma chapa...”. Aí, trouxe a chapa aqui e nessa de eu trazer a chapa eu já comecei a trabalhar aqui, usando as ferramentas dos operários. Foi bem bacana essa recepção, sabe? Não teve uma resistência, nem pela parte dos proprietários nem dos operários. E aí ele falou: “Olha, eu conheço uma máquina que a gente consegue adaptar para imprimir isso aí que tu quer fazer”. Aí eu falei: “Tem certeza?”. Aí ele: “Com certeza, vamos testar”. E nessa eu comecei a imprimir. Deu certo, a gente adaptou a calandra, que é uma máquina que é usada para fazer tubos, para tornear metal, para se transformar numa prensa. E aí eu ganhei uma escala infinita no trabalho. Porque o que eu ia fazer em sessenta centímetros agora eu estou fazendo em três por um e vinte. Foi uma pesquisa que eu comecei em 2010 e tenho investido nela até agora, final do mestrado, defendi agora em novembro de 2014 e o resultado foi esse projeto, Paisagem Suspensa, que foi uma gravura de doze metros por três.

E esse trabalho foi exposto aqui, na Oficina Santa Terezinha?

Como o meu mestrado é lá em São Paulo, na USP, e é um mestrado em Poéticas Visuais, a conclusão foi uma exposição. E pela escala do trabalho, eu tive a sorte de conseguir a sala lá do Tomie Ohtake, a convite do Paulo Miyada. E a exposição de conclusão do mestrado e a primeira vez que foi mostrado foi lá [em São Paulo]. E foi incrível, adorei. Mas eu fiquei com isso, sabe? “Ah, eu quero mostrar dentro do

galpão [Oficina Santa Terezinha], eu acho que o galpão tem escala para isso e vai ser uma forma de levar para a cidade, de mostrar em Belém, porque ninguém tinha visto”. E também eu sempre tive uma crise assim com o meu processo, porque eu sempre mostrei meus trabalhos, as gravuras, e tinham um impacto muito grande, e o processo acabava sendo um anexo do trabalho. E isso nunca foi uma coisa muito bem resolvida, foi até um motivo de muitas discussões durante o mestrado: até que ponto é interessante mostrar esse processo, até que ponto não? E quando eu mostrei aqui [na Oficina Santa Terezinha] acho que resolveu, porque o processo está em todo o lugar, né? A pessoa entrava no processo e via o resultado, ou na verdade não era assim: processo e resultado. Tudo ficou bem integrado. Eu gostei bastante.

E foi aí que começou a história dessa movimentação aqui, dessa ocupação que vocês fazem aqui, na Santa Terezinha?

Teve o Circular, que é esse projeto de articulação entre espaços independentes, e eu estava saindo do Ateliê do Porto, indo para São Paulo fazer doutorado, que eu estou indo agora pra lá. Então, a ideia era fazer uma despedida, uma finalização, mostrar para a cidade o trabalho e “tchau, gente! Estou indo para São Paulo”. Mas nessa ficou tão bacana. Ia ser um evento, a gente ia participar do Circular como evento, todo mundo que veio adorou e a gente decidiu. Eu, a convite do Del Tetto Júnior, que é o filho do Seu Chico, nós dois decidimos fazer as ocupações com certa regularidade. Aí, surgiu a ideia de criar a Oficina Santa Terezinha - Espaço Cultural. A Oficina Santa Terezinha é um projeto de ocupação e o legal dele é que ele não se restringe a oficina, ao espaço da oficina, porque o Ateliê do Porto para mim foi incrível como uma incubadora, um aprendizado, mas eu sempre quis entrar no Porto do Sal. Pra mim, o mais legal do espaço é justamente esse contexto. O Porto do Sal é um complexo de portos, tem mercado, tem toda uma cultura ribeirinha e paradoxalmente urbana, porque é um elo entre a cidade de Belém e as ilhas. Têm muitas ilhas por aqui. A Oficina está viva, isso é um processo. As ocupações vão acontecer aqui até ela ser vendida. Mas eu acho que o projeto ele não morre porque é todo um contexto de atuação.

Como é o teu processo criativo?

É um processo muito intuitivo. Ao mesmo tempo em que ele tem uma materialidade, ele é bem concreto, porque eu trabalho com as ferramentas, a ponta de videa, machado, marreta, solda, então tem esse lado mesmo manual, esse lado da indústria, da relação, muito relacional com os operários, com o próprio Seu Chico. Mas a maneira que eu construo a imagem é totalmente intuitiva. Eu não faço um planejamento para construir uma imagem.

Esse projeto, Paisagem Suspensa, eu fiz um painel, e aí, aos poucos eu fui ocupando as matrizes. Faço primeiro uma sequência de linhas, depois outra que sobrepõe, por isso que eu chamo de Paisagem Suspensa, porque eu não tenho um desejo de representar uma paisagem, sim de comunicar sensações. Acho que falar um pouco da escala desse lugar

que é um lugar que pra mim é muito forte. Aqui mesmo a gente está na beira do rio, que é um lugar imenso. É isso, acho que tem uma relação muito forte, tem uma relação corporal muito forte, tem um desejo de apreender de alguma forma ou de comunicar essa escala amazônica, a paisagem daqui.

Tu disse que desde 2010, tu vem pesquisando sobre esse trabalho. Qual que era o objeto da tua pesquisa?

Em 2010 foi quando eu comecei essa pesquisa da paisagem. Acho que desde 2010, a paisagem é presente, a paisagem e o corpo são coisas que são presentes nessa pesquisa. Então, em 2010, eu estava numa escala do corpo, os trabalhos eram de dois metros por um. Então, era quase que um trabalho dual, né? Eu e a minha escala. E agora, em 2013 e 2014, que o trabalho cresceu ainda mais, com um interesse de uma escala arquitetônica ou de uma escala que o corpo percorre a paisagem, ele não é mais o desafio e sim ele é só mais um elemento.

Quais são as suas referências, coisas que te inspiram?

Eu tenho uma relação muito forte com a música. Então, eu acho que pra falar de referências, me vem logo o choro, música instrumental, Piazolla, Chopin. Eu me inspiro muito na sensação que a música evoca para construir as imagens. Agora, falando de artistas, as pessoas já relacionaram com o Pollock... Tem vários artistas daqui também que eu me identifico, como o Pablo [Mufarrej], com a Vero [Veronique Isabelle]. Mas acho que a música é muito forte.

E o trabalho com a Vero, como foi? Eu estava lendo hoje sobre a exposição/instalação que vocês fizeram.

Em 2010 que a gente teve um duo que durou uns dois anos e a gente fez um trabalho com instalação, com objetos, foi uma troca muito intensa no momento que ela chegou ao Brasil. A gente passou um tempo se correspondendo por e-mail e acho que o trabalho aconteceu como uma troca cultural mesmo. Ela veio, passou seis meses aqui [em Belém], eu fui, passei seis meses lá [no Canadá]. O nosso duo falava um pouco de como cada uma compartilhou com a outra a sua realidade. Acho que a influência dela na minha vida é muito forte, tanto que esse trabalho foi uma coisa que – esse trabalho em grandes escalas – não tem como não relacionar com a nossa parceria. E ela acabou se fixando aqui, tem um trabalho muito forte no Porto [do Sal], está fazendo antropologia visual. Acho que foi um acontecimento que a gente mostrou um pouco de como foi essa troca e cada uma seguiu com as referências culturais uma da outra.

Aqui mesmo a gente está na beira do rio, que é um lugar imenso. É isso, acho que tem uma relação muito forte, tem uma relação corporal muito forte, tem um desejo de apreender de alguma forma ou de comunicar essa escala amazônica, a paisagem daqui.

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