Cidade em Foco: Tramas in Loco

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BĂ RBARA BRAVO

cidade

emfoco

tramas in loco


CENTRO UNIIVERSITÁRIO SENAC

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO COMO EXIGÊNCIA PARA GRADUAÇÃO EM BACHARELADO EM

ARQUITETURA E URBANISMO

BÁRBARA BRAVO ORIENTADORA PROF DRA. MYRNA DE ARRUDA NASCIMENTO

SÃO PAULO

2018

cidade emfoco | tramas in loco


Agradecimentos Gostaria de agradecer a todos que me ajudaram de todas as formas possíveis a concluir e seguir em frente sempre sonhando, sem esquecer que viver é melhor que sonhar, como já dizia a canção “Como Nossos Pais” de Belchior. Portanto, posso dizer que hoje, vivo. Aos meus pais pelo amor, apoio e força para não desistir de ir em busca do que eu acredito e sinto. Às minhas irmãs, minhas queridas e melhores amigas e amigos por me ajudarem durante o processo e todo colo e apoio moral que tive até aqui. À minha queridíssima inspiradora e orientadora Dra. Myrna Nascimento, pela oportunidade e apoio na elaboração desse trabalho e ao meu caro parecerista, Me. Ralf Flôres, pelos conselhos – principalmente nesse fim de ano atormentado e obscuro de 2018 puxões de orelha – obrigada pela a HQ interessantíssima que me emprestou - e as críticas levantadas. À coordenadora e professora mais doce de todos os cursos de Arquitetura e Urbanismo, Valéria Fialho. À todos os professores que são e que foram do curso, especialmente, incluindo orientadora e parecerista, Myrna Nascimento, Ralf Flôres, Ricardo Luis, Gabriel Pedrosa, Fábio Robba, Adriano de Luca, Artur Katchborian, Beatriz Kara José, Carlos Augusto Ferrara, Shundi, Jordana Zola, Marcella de Moraes, Ana Coelho, Ricardo Dualde, Ritta Canutti, Rosa Cohen, Sergio Matera, Márcio Coelho, Silvio Sguizzardi, Paulo PT Barreto, Paulo Magri, Paulo Gaia Dizioli, que foram únicos em minha jornada, me proporcionando conhecimento e reflexões para a sociedade, logo, para os espaços de todos - “Com o conhecimento nossas dúvidas aumentam” Goethe – os levarei sempre comigo com a ânsia de ir sempre além, não só como arquiteta e urbanista, mas como ser humano.


À todos os moradores dos 12 bairros pesquisados que me proporcionaram perceber de forma mais intimista e participativa a cidade de São Paulo e seus detalhes. Agradecer imensamente a existência do EP “Clube de Esquina” de Lô Borges e Milton Nascimento, que me acompanhou em praticamente todo o processo de desenvolvimento criativo e pacífico do trabalho como ser sensitivo. O EP começa com a canção “Tudo o que você queria ser”, hoje sou sem medo o que eu deveria ser. E por fim agradecer ao Centro Universitário Senac, seu corpo docente, direção, administração, estrutura, apoio geral e todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigada. Agradecimentos especiais a quem me ajudou assiduamente e as minhas inspirações durante o processo: Valdirene Bravo, Williams Bravo, Pamella Bravo, Micaela Bravo, Sarah Rogieri, Gabriella Pimentel, José Belarmino, Myrna Nascimento, Ralf Flôres, Andrey Rossi, Ricardo Luis Silva, Gabriel Pedrosa, Daniel Melim, Natália Figueiredo, Ton Dwight, Gabriel Caixeta, Bruno Novaes, Gisele Ogera, Laura Bonifácio, Daniel Aguiar, Rafael Aveiro, Fernanda Souza, Letícia Pestana, Vanessa Ramos, Vanessa Garcia, Will Eisner, Mafalda, Herman Hesse, Milton Nascimento, Lô Borges, Laerte, Lina Bo Bardi, J.P. Salinger, Laerte, Rafael Coutinho, Troche, Rem Koolhas, Paulo Mendes da Rocha, Simone de Beauvoir e Michel Gondry.


“A igualdade nos faz repousar. A contradição é que nos torna produtivo.” (Johann Wolfgang von Goethe)


RESUMO Este Trabalho de Conclusão de Curso re(a)presenta a cidade de São Paulo através de uma narrativa em quadrinhos da qual participam personagens selecionados pela autora (que serão os protagonistas do enredo). Estes personagens foram definidos a partir de um critério de seleção empírico que percorreu 12 bairros relevantes para a história da cidade em que estes personagens habitam, e selecionou os tipos possíveis para comporem a trama do roteiro desejado. Como produto final, o Trabalho de Conclusão de Curso elaborou uma narrativa em HQ, suporte ideal para desenvolver uma linguagem que permite à autora pensar espacialmente o contexto urbano, e observar as relações humanas no universo criado e desenhado (tendo como cenário a cidade de São Paulo), salientando sua dimensão enquanto meio comunicativo. Além de vivenciar e conhecer os bairros, o intuito do trabalho foi explorar a noção de pertencimento do lugar. A experiência “in loco”, dos bairros e a conversa espontânea com alguns moradores, e os protagonistas criados, proporcionaram para o enredo a possibilidade e oportunidade de refletir sobre a diferença do SER (de um lugar) e do ESTAR (em um lugar), na metrópole brasileira mais populosa e diversa. Os perfis urbanos relacionados aos 12 bairros da cidade foram identificados a partir de entrevistas e da coleta de documentos que revelaram histórias de personagens relacionados à história da cidade de São Paulo. O material gerou o caderno HQ em anexo.

PALAVRAS CHAVE


ABSTRACT This final project represents - and reintroduces - the city of Sao Paulo through a comic book narrative featuring characters selected by the author (who are protagonists of the plot). These characters were set following empiric criteria spanning 12 neighborhoods that are relevant to the history of the city in which they live, and chosen as the viable types to build the plot for the desired script. As a final product, this project has crafted a comic book narrative, which is the ideal platform to explore a language that allows the author to realize the urban context in a spacial manner, and to observe human relations in the universe created and drawn (with the city of Sao Paulo as the setting), exposing its dimension as a mean of communication. Beyond living and getting to know these neighborhoods, the goal of this project was to explore the feeling of belonging in this place. The “in loco� experience in these neighborhoods, and the spontaneous conversation with some of its residents and the protagonists created, provide the plot with the possibility and the opportunity of reflecting upon the difference of BEING (from somewhere) and BEING (somewhere) in the most crowded and diverse brazilian metropolis. The urban profiles associated with the 12 neighborhoods were identified based on interviews and the collection of documents revealing stories about characters connected to the history of the city of Sao Paulo. The material has generated the comic book in the annex.

KEYWORDS


SUMÁRIO

introdução o objeto a agenda as visitas as (entre)vistas o roteiro os personagens teia considerações finais bibliografia

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INTRODUÇÃO Este Trabalho de Conclusão de Curso re(a)presenta a cidade de São Paulo através de uma narrativa em quadrinhos, da qual participam personagens selecionados pela autora (protagonistas do enredo). Estes personagens foram definidos a partir de um critério de seleção empírico que percorreu doze bairros relevantes para a história da cidade em que estes personagens habitam, e selecionou os tipos possíveis para comporem a trama do roteiro desejado. A proposta vem de encontro a um desejo de reaproximação e estabelecimento de vínculos com habitantes do bairro, conhecendo de forma presente e constante o que é ser e como é viver naquele respectivo bairro ou vizinhança. Sempre tive muita curiosidade em saber da cidade, em uma escala mais pessoal e intimista. Desenvolver uma pesquisa participativa, acompanhando o cotidiano e compartilhando o sentimento dos moradores daquele lugar, tornou-se o objetivo formal desse trabalho, que se somou à vontade de explorar e experimentar uma linguagem que me é familiar, e com a qual consigo expressar a minha comunicação com o meio urbano. O exercício do arquiteto que projeta para a cidade, muitas vezes carece de uma reflexão mais profunda sobre a memória do lugar a ser projetado. Ignoram-se questões históricas que são essenciais para a construção do que alimenta o imaginário do lugar; e do que está tradicionalmente incorporado, e permanece presente no lugar. Portanto, são objetivos deste Trabalho de Conclusão de Curso resgatar a memória dos lugares habitados; representar a cidade através de personagens de bairros relevantes como Santa Cecília, Vila Mariana e Bom Retiro; revelar a malha de relações e conexões que fazem da maior metrópole brasileira um “mundo pequeno”, em que as histórias dos seus habitantes se entrelaçam e se esgarçam em horizontes mais 9


expandidos, ampliando a noção de um “pequeno grande mundo multicultural e multifacetado”, vivendo em sociedade. O produto final deste desenvolvimento elaborou uma narrativa em HQ, entrelaçando a vida dos perfis urbanos relacionados aos doze bairros da cidade. Estes personagens foram identificados a partir de entrevistas e da coleta de documentos que revelaram histórias de personagens relacionados à história da cidade de São Paulo. Os doze perfis urbanos da cidade de São Paulo abordaram biografias e memórias reais dos protagonistas de doze bairros relevantes, que estão ligados particularmente a lembranças pessoais e acontecimentos fora ou dentro de um tempo cronológico. Lugares com relembranças de um período vivido pelas gerações antecedentes, ou vivido pelos próprios personagens que entrarão na narrativa em HQ. As memórias coletivas dos moradores de cada bairro se desenvolvem dentro de um quadro espacial, com lugares referenciais, costumes e tradições. A sensação de pertencimento do lugar é destacada, pois entende-se que reconhecendo parte do lugar, somos capazes de conhecê-lo em nós. A metodologia usada para o levantamento dos dados, que constam ou serviram de inspiração para a construção das narrativas individuais, constituiu-se de visitas diárias nos bairros escolhidos, variando entre dias de semana, finais de semana e horários diferentes. Coletando documentos, histórias, fotografando e desenhando croquis de ruas, captando a essência dos moradores para retratá-los como personagens, os estilos arquitetônicos dos bairros, os edifícios destinados a comércios, residências e mobiliários urbanos. A pesquisa abordou a re(a)presentação da cidade de São Paulo como um fenômeno urbano construído a partir das histórias e memórias dos surgimentos de seus bairros, contadas 10


pelos personagens. O Trabalho de Conclusão de Curso está então organizado em dois volumes: um que apresenta a Revista de História em Quadrinhos, e outro que organiza o processo de desenvolvimento do projeto da narrativa e da proposta que a construiu, e que está reunido neste caderno. Assim, no capítulo 1: O objeto, apresentamos Cidade em foco: Tramas in loco; O Capítulo 2, A Agenda, exibe a programação destinada a selecionar tanto os bairros visitados Vila Mariana, Liberdade, Bela Vista, Consolação, Santa Cecília, Barra Funda, Bom Retiro, Sé, Brás, Ipiranga, Mooca e Casa verde quanto os escolhidos para a trama, Santa Cecília, Vila Mariana e Bom Retiro. Os capítulos 3 e 4 foram desenvolvidos simultaneamente. O primeiro, As Visitas, revela o cronograma, as condições e locais visitados dos bairros; o segundo, As (Entre)Vistas, discorre sobre quem foram os personagens que participaram de conversas e depoimentos, assim como os trechos extraídos das trocas entre a pesquisadora e os moradores do bairro, que resultaram também em diferentes modos de ver (“vistas” através das falas) e pensar o papel destes indivíduos, moradores ou frequentadores, nos bairros visitados, para a história da cidade e para a sua própria história. Da mesma forma, os Capítulos 5 e 6 são interdependentes, pois, ao escrever o roteiro, refletimos sobre como os personagens constituem a essência da narrativa da cidade, selecionada para representá-la nesta história em quadrinhos. E assim, os personagens foram “construídos” para organizarmos a rede que os relaciona e conecta na “malha urbana”. Finalizamos este caderno apresentando os parâmetros técnicos da revista Teia. Às Considerações Finais deste Trabalho de Conclusão de Curso seguem as Referências utilizadas para sua elaboração. 11


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o objeto


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o objeto

A cidade de São Paulo é percebida como fenômeno urbano, definido desde sua fundação até o século XX, cuja caraterística é um entorno indefinido e orgânico, em constante crescimento. Formada de antigos núcleos, em sua maioria de origens indígenas, a cidade se expandiu e adensou ao longo dos séculos em constante transformação, formando um núcleo urbanizado constituído ao redor da igreja do Pátio do Colégio e do colégio dos jesuítas. Com a formação do aldeamento de São Miguel do Uraraí, no século XVI, nas margens do Rio Tietê, os jesuítas encontraram um grupo de índios divergentes da transferência da Vila de Santo André para São Paulo. Com o passar do tempo a região foi sendo apropriada pelos colonizadores e se formaram fazendas de cultivo, pastos e extração de minérios. No final do século XIX e início do XX, com chegada da linha férrea e da industrialização em São Paulo, promovendo a vinda de migrantes e imigrantes para a metrópole, as feições da região foram transformadas, pois foram adotadas novas técnicas de construir e a cidade foi reconstruída integralmente resultando em uma nova imagem da "metrópole do café". 13


imagens

São Paulo Antiga, fotografia arquivo do Estadão.

São Paulo Atual, Flavio Moraes/G1.

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De acordo com Benedito Lima de Toledo (2007), a "segunda fundação" da cidade de São Paulo, fez com que a antiga cidade de taipa e pau-a-pique fosse reconstruída integralmente com influência da arquitetura europeia. Atualmente a denominada cidade de São Paulo é constituída por 96 bairros divididos em 32 Prefeituras Regionais, distribuídas em 9 zonas, sendo elas: Centro histórico, Centro expandido, Noroeste, Norte, Leste 1, Leste 2, Sudeste, Sul, Sudoeste e Oeste. Para o desenvolvimento deste trabalho foram selecionados 12 bairros em virtude da relevância para a história da cidade de São Paulo e as memórias representativas dos mesmos. De acordo com Michael Pollak (1992) no artigo de Morcelli, a memória é composta da reminiscência dos acontecimentos, e pode ou não conter uma ordem cronológica (MORCELLI, 2015). Em seu artigo, Morcelli também cita Maurice Halbwachs (1990), analisando que a memória coletiva enfatiza que o que está inserido na memória da coletividade que pertencemos, são de fato, as forças dos pontos de referência, incluindo entre eles os monumentos, tradições, costumes, lugares e as datas históricas, se tornando indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado grupo. Uma rememoração de lugares, pessoas e personagens. Maurice afirma em suas

1 Benedito Lima de Toledo é arquiteto, professor titular do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU-USP.

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palavras, que não há memória coletiva que não se desenvolva num quadro espacial. Ainda Morcelli,2 faz uma citação de Pierre Nora (1993), dizendo que carregados de sentidos, os lugares da memória ampliam a sua existência e os seus significados. Em suas palavras:

2 Danilo da Costa Morcelli, Mestre em Ciência pelo Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP) – bolsista Fapesp –, orientado pela Profa. Dra. Silvia Helena Zanirato. Bacharel em Gestão Ambiental. Atualmente é pesquisador júnior no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD – ONU).


bairros selecionados SANTA CECÍLIA Em 1860, começava o bairro da Santa Cecília, quando moradores da região pediram licença à prefeitura para construir uma capela de madeira - o que imediatamente foi aceito. A cidade crescia em direção ao Largo do Arouche e a área onde hoje é a Vila Buarque, onde um ajuntamento de pessoas começou a tomar forma. A igreja foi o chamariz de novos moradores, se desenvolvendo com o loteamento de chácaras. Com a morte de Francisco Aguiar de Barros, a chácara ficou para a viúva, dona Maria Angélica de Sousa Queirós de Barros, que promoveu a abertura de ruas, que deu lugar ao bairro Santa Cecília.

VILA MARIANA A Vila Mariana era uma região com sítios e chácaras que ligava o Centro de São Paulo a Santo Amaro. Por volta de 1987, a Vila Mariana começou a ser povoada por imigrantes italianos e outros imigrantes conforme o seu crescimento. Com a chegada dos alemães começou a construção da via férrea, que foi utilizada pelos bondes que ligavam São Paulo a Santo Amaro. Em 1985 - 1986 a Vila Mariana começou a ter movimento com a chegada do comércio. O Bairro era conhecido como "Vila", até chegar um cidadão chamado Carlos Eduardo de Paula Petit que deu o nome ao bairro, unindo o nome de sua mãe Ana e de sua esposa Maria. A Região começou a progredir com o funcionamento do Matadouro Municipal. 17


BELA VISTA A Bela Vista se desenvolveu no fim do século XIX e início do XX. Contava com ruelas estreitas e subidas que lembravam cidadezinhas da chamada bota européia, que por coincidência, foram aos poucos tomadas por imigrantes do sul da Itália. Era um local de propriedades rurais e ponto de passagem de tropas que vinham de Santo Amaro e Itapecerica para abastecer a população. Na região cortada pelo Córrego Saracura, a área servia como abrigo de negros e rancho para pouso de tropas. Uma faixa de terra nasceu nos campos do Bexiga, hoje compreendida pelas avenidas Brigadeiro Luiz Antônio, Paulista e Praça da Bandeira. O dono do local em 1870, era Antônio José Leite Braga, sido vítima de varíola, foi apelidado de Bexiga. A chácara do Bexiga ficava entre os Riachos Itororó (Av. 23 de Maio) e Saracura (Av. 9 de julho). Muitos atribuem o nome do bairro a esse apelido. Em 1910, o Bexiga passou a se chamar Bela Vista em dezembro, nome oficial determinado por um decreto municipal.

BARRA FUNDA O bairro da Barra Funda em 1850, era a grande Chácara Carvalho, que pertencia ao conselheiro Antônio Prado. Nascida de uma divisão do Sítio Iguape, região que era propriedade do barão de Iguape. O conselheiro Prado contratou Luigi Puci, responsável pelo projeto do museu do Ipiranga, para fazer o projeto da sede em estilo Luis XVI - a casa-grande da chácara. Hoje ela é ocupada por uma escola católica da Congregação Madre Cabrini. O nome do bairro deu-se devido à barra do rio Tietê na região que era muito funda. A chácara foi loteada nos últimos anos do século XIX, por estar próxima do centro e receber trilhos da São Paulo Railway, crescendo rapidamente em suas terras. A região começou a crescer desordenadamente com a vinda das indústrias, se tornando o bairro operário, onde teve epidemias de moradias. 18


BOM RETIRO O surgimento do distrito do Bom Retiro se deu quando no bairro da Luz se instalou o primeiro jardim público da capital, progredindo com a inauguração da estação ferroviária. No bairro vivia uma grande colônia de portugueses e italianos, os famosos "carcamanos". Contam as más línguas que a origem desse termo é que os vendedores italianos, ao pesarem qualquer tipo de mercadoria, as que faltavam algumas gramas, ouviam de mama ao pé do ouvido: "Calça lá mano, Figlio mio". Em 1880, se fez o loteamento e a urbanização do bairro do Bom Retiro, pelo empresário Manfredo Meyer, abrangendo um grande número de chácaras e sítios que se localizavam entre a linha férrea inglesa e as Várzeas do rio Tamanduateí e Tietê, onde se fixaram grandes fábricas. Em paralelo, houve uma grande imigração européia, principalmente de italianos. O local era procurado por pessoas para o seu "retiro" de fim de semana, dando-se origem ao nome do bairro de Bom Retiro. Logo, em 1930 chegaram os judeus foragidos da perseguição dos nazistas. Eles foram os responsáveis pelo grande progresso do bairro, se tornando pioneiros na venda em prestações intensificando o comércio da região, principalmente nas ruas José Paulino, da Graça e Barra do Tibagi. A partir dos anos de 1970, os judeus foram dando lugar aos coreanos, que assumiram o ramo das confecções.

CONSOLAÇÃO A rua da Consolação, por volta de 1865, era um estreito caminho para o bairro de Pinheiros e a cidade de Sorocaba. Logo, em 1870, a freguesia da Consolação nascia do retalhamento de chácaras. Naquele ano já registrava mais de 3.500 habitantes. Antes do nome atual vindo da Igreja Nossa Senhora da Consolação, seu primeiro nome vinha de um comerciante muito popular, Antônio Ferreira Piques, (famoso como o mais querido leiloeiro de escravos de São Paulo) sendo chamada de 19


rua do Piques. Chegaram no bairro os barões do café com seus grandes casarões e mansões, mudando a paisagem que era constituída de casas modestas. O local começou a ser procurado pelos imigrantes enriquecidos do comércio, os chamados novos-ricos brasileiros. Cansados, os barões foram deixando suas mansões, iniciando o declínio da região, enquanto os estabelecimentos comerciais foram tomando conta das imediações.

MOOCA Em 1556, surgia a Mooca, 56 anos depois do descobrimento do Brasil. As terras eram habitadas por índios, que se concentravam perto de um extenso rio Tamanduateí - e se espalharam pela região que era rodeada por riachos. No início, esta região fazia parte das terras de João Ramalho. Logo, em 1567, Brás Cubas recebe oficialmente do Capitão Mor Jorge Ferreira a função de desbravar as terras e fundar o Belém, Tatuapé e a Penha. Dominavam o local a tribo Guaianases, do tronco tupi-guarani. Historiadores dizem que onde se situa o bairro da Mooca, deve ter sido o local da maior concentração de índios de São Paulo e até do Brasil. O elemento indígena foi tão forte que deixou a sua lembrança no nome do bairro, acreditando-se que esta palavra indígena tenha surgido no século XVI, quando os primeiros habitantes brancos começaram a construir suas casas. Os índios, curiosos com a novidade exclamavam "moo-oca" (moo = faz, oca = casa). A região possuía enormes casas, rodeadas de chácaras e suas trilhas foram feitas por pés caminhantes de brancos e índios, animais e rodas dos carros-de-boi, transformada hoje em rua da Mooca.

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SÉ O bairro Marco Zero, onde tudo começou teve a igreja Matriz da Sé como o ponto principal de antigas povoações católicas, de onde partiram as artérias principais da nova cidade. Os jesuítas chegaram com os descobridores e foram responsáveis pela criação de São Paulo e Piratininga. O donatário da capitania de São Vicente, Martim Afonso de Souza, entregou uma grande área para a construção de edificações da cidade, onde teve por centro o largo da Sé, dali sendo delimitada por meia légua, numa circunferência. Em 1555, foi iniciada a construção da igreja matriz, demolida em 1744 e reerguida em 1745. Era na igreja da Sé que tinha o chamado "sino da Independência" determinado que fosse dobrado em apenas algumas ocasiões relevantes. Logo, em 1852 a Câmara cuidou da numeração das casas do bairro. Hoje, a nossa conhecida grande catedral em estilo gótico, nasceu de uma reunião entre o primeiro arcebispo metropolitano dom Duarte Leopoldo Silva com autoridades estaduais e municipais. Quarenta e dois anos depois ela foi inaugurada, como parte dos festejos do IV Centenário da cidade. Após a gestão do prefeito Olavo Setubal, a praça da Sé sofreu total reurbanização.

BRÁS O bairro do Brás teve os primeiros registros no início do século 18, quando foi pedido que houvesse a edificação de uma capela em homenagem ao Senhor Bom Jesus do Matosinho em uma chácara de José Braz. A chácara ficava na margem de uma estrada, que era conhecida como "Caminhos do José Braz", passou a ser a Rua do Braz, e hoje leva o nome de Avenida Rangel Pestana. No ano da proclamação da República, a capital contava com 65 mil habitantes. Chegaram a cultura do café e os imigrantes, mudando o desenvolvimento que era lento do bairro. Os imigrantes desembarcavam em Santos e eram encaminhados - de trem - até o Brás, de onde partiam para as lavouras de café no interior do Estado. 21


Com a preferência de muitos imigrantes a ficar na Capital, o bairro foi se transformando em um local com uma influência italiana relevante. As fábricas começaram a se juntar ao café, desenvolvendo visivelmente o bairro. Os italianos começaram a montar suas pequenas fábricas, fazendo com que o bairro progredisse. Em 1886 o Brás tinha 6 mil habitantes, e em sete anos o número aumentou cinco vezes mais. Devido a uma grande seca no nordeste na década de 40, houve uma progressiva entrada de nordestinos no bairro, na mesma medida que diminuía o número de italianos. O Brás foi perdendo a característica italiana com o tempo e dando lugar ao comércio nordestino.

IPIRANGA O bairro do Ipiranga foi fundado em 7 de setembro de 1822, na mesma data da Proclamação da Independência, por Dom Pedro I, às margens do rio Ipiranga. Os primeiros registros que constam da região do Ipiranga são de 1510, época em que João Ramalho habitava, juntamente com os índios, a área do Planalto Piratininga. Ao longo do tempo, doações de terras foram se sucedendo e ganhando a ocupação branca, causando a transferência dos Guaianazes para outras paragens, por não se adaptarem aos costumes dos novos habitantes, sendo escravizados, espancados e acorrentados. Por volta de 1850, a região havia recebido inúmeros moradores que povoaram lentamente o bairro, formando uma comunidade com 100 residências. Hoje, o bairro do Ipiranga conta com 12 construções centenárias tombadas pelo CONPRESP, é considerado um museu a céu aberto e possui imóveis que são herança do Conde José Vicente de Azevedo, personagem na história do bairro que contribuiu para seu desenvolvimento. O nome do bairro foi extraído de um córrego.

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LIBERDADE A Liberdade era uma região periférica da cidade, conhecida como Bairro da Pólvora, construída em 1754 no largo da Pólvora. Ficava no caminho entre o Centro da cidade de São Paulo e o município de Santo Amaro. Se localizava no bairro do largo da Forca, assim nomeado em função da presença de uma forca que era utilizada para a execução da pena de morte. Transferida para a rua da Tabatinguera em 1604 a pedido dos religiosos do Convento do Carmo, a forca funcionou até 1870. Após o ocorrido o largo passou a se chamar Largo da Liberdade, se estendendo o nome a todo o bairro. Existem duas versões para a adoção do nome "Liberdade"; uma diz que o nome Liberdade é uma referência à abolição da escravidão. A outra versão diz que era uma referência aos soldados que fizeram reivindicações do aumento do salário e foram condenados ao enforcamento. Visto que as cordas que prendiam os soldados arrebentaram várias vezes, o público começou a gritar "liberdade, liberdade". Logo, em 1912, começa a presença dos imigrantes japoneses que começaram a residir na rua Conde de Sarzedas, onde havia um riacho e uma área de várzea na parte baixa da ladeira. Quase todos os imóveis dessa rua tinham porões e os aluguéis dos quartos no subsolo eram baratos, sendo um dos principais motivos por procurarem essa rua. Por ser um bairro central, poderiam se locomover facilmente para os locais de trabalho. Em 1915, foi fundada a Taisho Shogakko (Escola Primária Taisho), ajudando na educação dos filhos de japoneses. Logo, em 1932, já viviam cerca de 2 mil japoneses na cidade de São Paulo.

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CASA VERDE No século XIX, havia um sítio na margem do rio Tietê que levava o nome da Casa Verde, e o nome passou para o bairro que aí se formou. O sítio era propriedade de José Arouche de Toledo Rendon, que cuidava de suas sete irmãs solteiras, moradoras de uma casa com janelas verdes na esquina da rua do Rosário com o beco do Colégio. As irmãs eram conhecidas como "as meninas da Casa Verde". A família passava os fins de semana no sítio e acabaram levando o apelido para a propriedade. Logo, o povo se acostumou a usar o local como ponto de referência: "perto do sítio das meninas da casa verde". Nos primeiros anos da Vila, havia uma fazenda que foi depois repartida em sítios e chácaras, que pertenciam ao Amador Bueno e sua esposa, dona Bernarda Luís Camacho. As ricas terras abrigaram grandes trigais nos anos de 1600, e em outros tempos receberam plantações de chá e café, para logo ter videiras plantadas por João Maxwell Rudge. No decorrer dos anos depois das terras serem compradas e vendidas algumas vezes, os herdeiros de João Maxwell Rudge resolveram lotear as terras e o grande sítio acabou virando um amontoado de pequenos bairros, todos com a mesma origem e história. A Casa Verde acabou por tornar-se um distrito da capital, entre a Freguesia do Ó e Santana.

Cada bairro foi tratado com critérios semelhantes, e (re)conhecidos a partir de uma agenda de visitas assíduas organizada em diferentes dias e horários da semana durante um mês.

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a agenda


a agenda A visitação "in loco" acompanhada de levantamento fotográfico, entrevistas com moradores e croquis foi a estratégia metodológica selecionada para produzir a matéria prima das ilustrações que serão utilizadas no produto HQ proposto neste TCC. A organização da agenda segue com visitas completas em dias e horários variados no mês de abril, observando e perambulando pelos bairros nos dias de semana e finais de semana com registros fotográficos e croquis das andanças.

Estas visitas se processaram às vezes em encontros com personagens agendados para colher depoimentos. O material resultante é recurso para a construção dos personagens da narrativa que o TCC 2 desenvolverá como projeto. 26


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as visitas


as visitas fotografias

Vila Mariana Liberdade

Brás

Santa Cecília Barra Funda

Consolação

Bom Retiro

Fotografias revelando as condições dos bairros visitados.

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Ipiranga

SĂŠ

Casa Verde

Mooca

as visitas fotografias

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as visitas croquis

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as (entre)vistas


extratos - entrevistas As visitas geraram depoimentos de moradores dos bairros. "[...] Eu sempre fui uma criança meio reclusa, que brincava dentro do quintal de casa. Antes morava numa grande, mas depois os espaços das outras casas que morei foram ficando menores e menores. Nas de colegas, o maior espaço era o estacionamento do prédio. Colinas, morros, pequenos espaços verdes em meio ao concreto cinza, visto de dentro do carro. Costumava deitar a cabeça no banco de trás, vendo o céu por cima do vidro traseiro. Esse lugar tem seu charme por conta disso. A zona norte tem o ar do campo de dentro da cidade, dando um contraste tremendo logo ao lado, quando se vê a marginal. Aqui tem uma certa plenitude nos lugares, e a certa beleza e unidade que configura a metrópole. O cheiro da poluição, a facilidade de deslocamento, a pobreza e a riqueza, uma casa ao lado da outra, duas realidades tão diferentes, morando lado a lado. Bem típico. [...]" (Casa Verde - Daniel) "[...] Na frente da minha casa tinha um quarteirão inteiro que era uma fábrica desativada. Era feia a rua e desolada. Plantamos muitas árvores. Quaresmeiras. Que estão lá até hoje. A rua está toda arborizada. E foi a minha mãe que começou isso. [...]" (Ipiranga - Gisele) "[...] A Santa Cecília é um bairro pra mim que sempre foi incrível, eu morava do ladinho do metrô Marechal Deodoro e pertinho de Higienópolis. Então tem muita rua arborizada, tem lojas e o shopping. Pra mim era uma delícia poder estar tão próximo ao centro e também em um lugar mais seguro e "calmo". [...] (Santa Cecília - Gabriel) “[...] Eu ia trabalhar todo dia de metrô. Subia a Rua Bela Cintra até a estação consolação. Todos os dias eu cruzava com um cara na rua. TODOS OS DIAS! Até que um dia encontrei ele numa festa e falei: ah, acho que a gente se cruza na rua Bela Cintra todo dia. Ele olhou pra minha cara e me ignorou hahaha. [...]" (Consolação - Bruno) 32


“...Sempre gostei de morar na Vila Mariana. Lembro que antigamente tinha uma amiga chará, a Mariana que morava no Paraiso e eu que morava aqui na Vila. Adorava ser chamada de "a Mariana da Vila Mariana", e parece que ainda sou, pois moro aqui até hoje. Muitas coisas aconteceram por aqui desde todos esses anos. Já conheci e deseconheci um montão de gente. Morei perto daquela Universidade, a Belas Artes, Sabe? E aquela outra de Marketing, ou de ecating, chame como quiser. Todos os dias passava por lá quando eu voltava da USP. Não aguentava aquelas pessoas metidas a artistas burgueses. Andar pelo bairro era bem tranquilo e eu adorava admirar aquelas casinhas antigas...” (Vila Mariana - Mariana)

“...Há quem diga que a Liberdade é só essa rua aqui, cheia de artefatos Japoneses, restaurantes, postes vermelhos e a praça central. Sou filho de japonês (não preciso nem falar né, rs, tá na cara) e moro aqui já há alguns anos. Meus avós vieram pra cá quando meu pai ainda era um bebe. O bairro vive cheio de gente nessa área que é realmente interessante pra quem não vive essa cultura, não tem esses costumes. Mas como eu tava falando, a Liberdade é composta de outros cantos também. As minhas maiores lembranças antigas e que permanecem até hoje são das feirinhas, aquelas barraquinhas antigas antigas, listradinhas, quando eu ia com o meu pai e meu avô. Naquela época todo mundo usava umas sacolinhas de pano e as senhoras levavam aqueles carrinhos de feira, sinto saudades desse tempo...” (Liberdade - Edson)

"...To morando aqui no bairro já faz uns 10 anos e trabalho aqui desde antes de vir pra cá. Antes, quando morava no Tucuruvi, descia na estação Tiradentes e ia andando até o trabalho. Me deparava com todo o tipo de gente, achava um barato. Uns jovens de cabelos coloridos, crianças saindo da escola e senhorinhas coreanas conversando no portão. Passava e achava um pouco mágica essa mistura toda. Um dia vindo pro trabalho, trabalho alí na José Paulino, aquela rua cheia de gente, trabalho lá numa lojinha de roupas de criança logo no começo do lado par da rua, então, vi uma casinha alugando, bem alí, perto de onde sempre via as tais senhorias simpaticas conversarem...”(Bom Retiro - Cecília) 33


“[...] Eu moro na AV. 9 de Julho, não é exatamente um local que é bairro, que tem o bairro lá pra trás, mas subindo alí pro Bixiga é mais bairro. É uma região muito movimentada de transuentes, digamos assim, tem muitas pessoas que vem de fora pra estudar e trabalhar na região, na FGV alí. É uma região de passagem de muita gente, de São Paulo inteiro eu diria. O interessante daqui é que as pessoas que moram aqui, todas se conhecem. Os moradores de rua, eles sabem quem mora na regioão, os comerciantes. Todo mundo aqui se da bom dia e se comprimenta sempre. Pessoas que você sabe que são frequentadoras da região. Dias que são muito movimentados, já são pessoas mais diferentes que você vê na rua por ser um local de passagem. Gosto muito de morar aqui, é uma região muito acessível pra se viver, perto dos transportes públicos. Me sinto muito seguro morando na Bela Vista. Comeceia pegar gosto pela escola de samba vai-vai, a ter uma paixão pelo bairro, sou apaixonado pela 23 de maio. [...]” (Bela Vista - Henrique) “[...] Quando eu estava já bem mais velha começou uma movimentação por lá. Fui dar uma espiadinha e estavam construindo o Sesc Pompéia, que hoje ainda é o meu cantinho preferido. As vezes fujo do véio e vou lá um pouquinho - hihi. Aqui nos arredores está sempre agitado, quando não é o Sesc, é o estádio com jogos do tal do Palmeiras ou os shows que fazem por lá. Sinto que a Barra funda ainda tem um arzinho que tinha quando eu era uma coisinha de gente. Nunca tive vontade de me mudar daqui. Casei e continuei na região. Tem o museu alí bem pertinho do terminal de ônibus. Sinto saudade de quando ia visitar uma prima minha, a Selma que morava por alí, só que mais pro lado do viaduto. A gente sempre dava algumas voltinhas naquele espaço enorme. Quando tava muito calor a gente sofria. Mas era uma delícia. [...]” (Francisca - Barra Funda) "[...] Bom, tem quem diga que o Brás é um pesadelo, né, você sabe... mora em São Paulo, deve saber da fama - rs. Acho que é porque todas as vezes que as pessoas lembram daqui elas pensam na muvuca da estação com aquelas pessoas cheias de sacolas gigantes, portando edredons, aparelhos de radio, roupas e outras coisas. O Brás realmente é um pouco assim em alguns lados, mas isso não me atrapalha ou me faz não gostar daqui. [...]” (Brás - Lúcia) 34


“[...] Ah, a Mooca pra mim é a minha lembrança de menina até hoje. Adoro morar aqui. Tem uns restaurantes muito gostosos e um pessoal gente fina na vizinhança. Sempre digo que todo mundo aqui é meio Mooca, tem um jeitinho próprio. Brinco com a minha filha, digo que conheço um "mooqueano" de longe - rs - quando estamos fora do bairro em outros lugares. É um bairro muito agradável de se morar. As pessoas são receptivas e simpáticas. A rua alí do comércio principal, vish, todo mundo me conhece. Também, né, eu adoro fazer uma amizade. Outro dia tava passando um senhor vendendo aqueles sorvetes simplezinhos, que vendia na rua quando eu era menina. Resolvi parar pra comprar um. Conversando com o senhor do sorvete, ele me falou que o pai dele vendia quando ele era criança, o sr. Roberto, um homem alto, meio quadradão, moreno de bigode. [...]” (Joana - Mooca)

“[...] Moro aqui a pouco tempo, sou do Rio de Janeiro. Mas posso te dizer que o pouco que moro aqui presenciei um montão de coisas, principalmente todas as vezes que passo ali na praça. Sou dramaturga e aqui é cheio de pequenas curiosidades acontecendo em todos os cantinhos. Acontecimentos inesperados e outros que a gente aperta o passo porque fica com medo. Alí, perto da Catedral, logo que cheguei fui dar algumas voltinhas, conhecer mais o lugar que eu estava vindo morar. Me disseram que tem paulistanos que não conhecem até hoje a Catedral da Sé. Como pode isso, meu Deus? Ela é linda, Maravilhosa!! Até eu que sou um tanto cética amei aquilo tudo. Conheci uma mulher que estava lá na missa, hoje é uma querida, virou a minha amiga, ela tava me contando que ia à missa regradamente naquela Catedral desde sempre. Que sentia uma espiritualidade impressionante e que era um lugar de paz pra se acolher, principalmente quando bate o medo por aqui. Mas aqui, acolhe quando você mora, você percebe cada coisa no seu canto a qual seu lugar. Ao mesmo tempo que tudo acontece, as outras coisas continuam sendo as coisas simbólicas da Sé. Até os seus moradores de rua. [...]” (Mara - Sé)

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Agenda dos bairros selecionados para a revista teia.

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o roteiro


O roteiro O método adotado no desenvolvimento da narrativa em quadrinhos foi definir os personagens a partir das experiências dos bairros, estabelecendo uma relação entre os mesmos de arquitetura e cidade, desenvolvendo um roteiro que reunisse os interesses da autora de abordar esses bairros e estabelecer um elo de ligação entre os três escolhidos.

Sinopse Santa Cecília - Escolhi três personagens chaves, a síndica, o Gabriel e o Rafa, que vão vivenciar uma situação de conflito, ética, uso de espaço compartilhado e educação. A trama se desenvolve em um condomínio verticalizado localizado próximo ao Elevado. Vila Mariana – Dois personagens que acabam se conhecendo devido a um imprevisto nada ocasional. Uma história de coincidências, ligações e o habitar nas ruas. Bom Retiro – Três personagens amarrados em busca de qualidade de vida na cidade, empatia, cidadania e mobilidade urbana. Na trama, uma trabalhadora que mora no Tucuruvi atravessa todos os dias a cidade até o seu trabalho no Bom Retiro.

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mapa 12 bairros

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Sinopse na HQ Você pode pensar em grandes monumentos ou em restaurantes famosos e arquitetura icônica. Mas a verdade é que as cidades são feitas de pessoas e suas histórias. Neste quadrinho, vamos passear por três bairros de São Paulo, seguindo seus moradores e vivenciando situações de conflito, postura ética, espaço compartilhado, dilemas e acasos. As narrativas vão percorrer a diversidade que torna São Paulo uma cidade única, onde pessoas de diferentes culturas aprendem a conviver entre si, habitando os mesmos espaços e deixando rastros de suas experiências, como uma teia. Não vai ser difícil encontrar aquela sua amiga “gratidão” pelas ruas desenhadas, ou reconhecer o homem que não quer vender a casa onde sempre viveu com a família imigrante. Afinal, para o verdadeiro explorador, até a maior cidade do mundo pode parecer pequena.

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Roteiro

TEIA SANTA CECÍLIA SITUAÇÃO: O CONDOMÍNIO INTERLÚDIO Gabriel, mais conhecido como Gah, morava com o irmão, o Rafa, em um condomínio Classe Média no bairro de Santa Cecília. Detesta ver o tanto de carros que tem nas ruas de São Paulo, escolheu morar próximo do metrô Marechal Deodoro justamente pra não fazer parte desse time. Amante do bairro, faz tudo a pé e anda por ele inteiro. Redator, faz home office em dias de folga. (TEIA - Gabriel entrando no condomínio passa por Bruno e Renan conversando e desenhando a perspectiva do condomínio) RENAN - É um bairro tão bonito que nem parece São Paulo. BRUNO - É que não é um bairro, Renan, é um condomínio fechado verticalizado. Gah faz cara de riso e sobe pro apartamento. Liga o computador e começa a trabalhar. VOZES - Meu querido, qual é a sua? Sabe quanto tempo eu 41


to aqui esperando? GAH - Mas que gritaria é essa, mano? Gah olha pela janela. GAH - Nossa, é a filha da Síndica. O que essa energúmena ta gritando? FILHA DA SÍNDICA - Tira essa @#$%& desse carro daí, seu estúpido! Faz uma hora que to tentando sair com o meu HB20 daqui e não consigo! Sai da minha frente logo! MAS É UM BOÇAL MESMO. ANDA! Você não tem vergonha na cara, seu idiota? VIZINHO - Calma, mulher, você não sabe que aqui tem que tirar um carro por vez pra poder sair o outro? FILHA DA SÍNDICA - Não quero saber, seu imbecil! Tira essa @#$%& daqui logo, eu tenho horário, meu! Dona Neide sai na janela e começa a berrar. berra INTERLÚDIO Dona Neide, descendente de italianos e síndica do prédio, costuma comer a letra 'd' e a 't' e em outras ocasiões trocar o "e" pelo "i" enquanto fala, uma sessentona de cabelos avermelhados com uma veia pulsante no meio da testa que pula quando ela grita. Mal educada, um clássico de quem se nomeia síndica de condomínio, de pulso firme. DONA NEIDE - Seu animal, dá pra t'irar esse carro daí? você não leu o regulamento do condomínio? Eu vou chamar a pol'ícia! Todo d'ia é isso! Gah murmura e volta ao trabalho. GAH - Que tenso esses vizinhos... Fazem o condomínio parecer um hospício. Anoitece, quarta-feira, e Rafa, irmão de Gabriel, está assistindo ao jogo de futebol (fanático, torcendo como um louco pelo timão, seu time do coração). 42


Rafa, recém formado do colégio e desempregado. De vez enquando faz trabalhos voluntários já que os pais o obrigam pra não virar um vagal. Atualmente ajuda construindo casas com o TETO, e outras vezes com o Greenpeace. Torcedor doente pelo corinthians, assiste todos os jogos. O mundo acaba mas ele não perde o gol. RA - VAI VAI VAIIIII TIMÃO! VAMO PEDRINHO! POOOO!! CÊ É RAFA LOCO! PEGA ESSES PORCOS!!!!! AAAAAAAA OLHA BOLA MEU!!! AFF, NÃO FOI FALTA COISA NENHUMA SEU JUIZ @#$%&!!! ESSE JUIZ LADRÃO. VAMBORA CURINTCHA!!! A campainha toca. Gah estava no quarto lendo (O Cortiço) e acha estranho a campainha tocar aquela hora - franzindo o cenho - e continua a sua leitura. Batendo na porta. TOC TOC TOCCCC!!!! Toca a campainha. DING DONG! DING DONG! Batendo insistentemente na porta. TOC TOC! RA - Ô meu, será que ninguém pode ver o jogo sossegado RAFA tranquilamente nesse prédio? Rafa vai atender a porta tentando abrir a fechadura sem tirar os olhos do jogo do timão. RAFA - VAI TIMÃAOOOOOOO! PEGA ELES! Rafa consegue finalmente abrir a porta. RAFA - Dona Neide?! boa noi... aah POO TIMÃO, PERDEU ESSA BOLA?! MANO DO CÉU! GABRIEL, CÊ VIU ISSO? 43


Dona Neide faz cara de poucos amigos. DONA NEIDE - Olha aqui, seu minino, dá pra abaixar esse volume e parar d'i gritar, seu mal educado?! Gah ouve vozes alteradas vindo da sala. DON NEIDE - Já são 22h30 da noit'i, passou do horário da lei do DONA silêncio! Você já ouviu falar dessa lei? Não é mais d'ia, moleque! Tem crianças, famílias e trabalhadores, gent'i de bem aqui nesse condomínio que querem sossego e dormir. RAFA - Calma, dona Neide, é que o meu timão ta jogan... Ahh nossa quase tomamos gol, mano? Dona Neide empurra a porta tentando entrar e fazendo escândalo. DON NEIDE - To falando com você, moleque, ta me ouvindo? DONA Abaixa essa droga desse som! Que d'iabos, cazzo! Gah segue as vozes alteradas que vem da sala. GAH - Mas o que ta acontecendo aqui? DONA NEIDE - Seu irmão, esse carcamano! Moleque mal educado! To ped'indo pra ele abaixar o som e ele não me respeita. Tem famílias d'i bem aqui nesse prédio querendo d'iscanso. GAH - Dona Neide, a senhora sabe tão bem quanto eu, que teve o maior escandalo e gritaria aqui neste prédio hoje a tarde, e eu, gente de bem, estava tentando trampar e a senhora e a sua filha cornetaram durante duas horas. Poderia se retirar de minha porta, por favor? Não haverá mais barulho por aqui e nem no prédio, estamos entendidos? Passar bem. Regulamento do condomínio. Gah fecha a porta na cara de dona Neide e Rafa senta emburrado no sofá sem poder gritar faltando ainda o segundo tempo pro Timão ganhar.

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VILA MARIANA Em: CASOS E ACASOS - COINCIDÊNCIA OU SÃO PAULO É PEQUENA? INTERLÚDIO Mariana, conhecida como a Mariana da Vila Mariana. Faz a simpática mas é antissocial, sincera e natureba, dessa tribo meio "gratidão" que estuda filosofia e toma chá de Ayahuasca nesses templos de xamãs urbanos. Na volta da FFLCH desembarca no metrô Ana Rosa. Pé no chinelo e seda na mão, de vez em sempre é parada por aqueles voluntários do greenpeace que ficam na estação, já conhecida pelo fato de sempre ter tempo quando se trata de ajudar o planeta. (TEIA - VOLUNTÁRIOS DO GREENPEACE TENTANDO FALAR COM OUTRAS PESSOAS) RAFA - Meu, boa tarde! Cê tem um tempinho, mina? ANÔNIMA - Hoje não. RAFA - E amanhã, cê tem? (silêncio) Mariana segue pelo bairro com o destino de ir pra casa, bolando seu cigarrinho de palha, passa pela universidade Belas Artes e ESPM, repleta de alunos em horário de intervalo. Em seguida, avista o logotipo da faculdade de marketing. Pensa. MARIANA - "ECAting". Não aguento esses alunos metidinhos. Caminhando, pega o isqueiro e acende o cigarro. BRUNO - Oi, ei! amiga, por favor, você tem um isqueiro pra me emprestar? MARIANA - Tenho. 45


BRUNO - Mano, valeu! Nossa, ninguém tem isqueiro aqui nesse bar pra me emprestar, carai. Nem meu amigo Renan que tava aqui comigo que é fumante compulsivo tinha. Juro! Foi um milagre você passar. Valeu mesmo! Pessoal ta meio saudável, deve ser a lei de não poder mais fumar em locais fechados que foi fazendo geral largar. MARIANA - ah, de boa, relaxa. Pois é. BRUNO - Você estuda aqui na B.A. também? Ou na ESPM? MARIANA - Nossa, não, ainda bem que não. BRUNO - Calma, mas porque essa rispidez? Mariana dá um trago profundo. MARIANA - Amigo... aliás? BRUNO - Bru, me chamo Bruno. MARIAN - Então, Bru, você vai me desculpar mas eu não curto a MARIANA galera daqui, manja? Os modos do pessoal, acho um saco. Pessoalzinho burguês e metido a artista. BRUNO - Ah mano, você tá enganada. Estudo aqui mas to bem longe de ser burguês. Tenho financiamento estudantil na B.A. e moro aqui no bairro. Meu pai trabalha há anos naquela padaria antiga da Vila, a Maria Rosa, alí na Rua Guimarães Rosa. MARIANA - ahhh!! Pode crer. MARIAN BRUNO - To aqui conversando com você mó tempão e não sei nem o seu nome. Bruno da risada. MARIANA - É Mariana! BRUNO: Tenho uma prima que mora no Paraiso e se chama Mariana! Agora vou sempre lembrar do teu nome! 46


MARIANA - Sério? Também tenho uma amiga que se chama! Por acaso é a Mariana Borges que mora em um apê de tijolinho?BRUNO BRUNO - Não acredito. É ela! Mariana da risada. MARIANA - HAHAHA! Mano, eu sou a Mariana da Vila Mariana e ela a Mariana do Paraíso. Sempre foi assim. Os dois caem na gargalhanda. Mariana se sente em um momento de gratidão e resolve entrar no bar com Bruno.

BOM RETIRO Em: TRADIÇÃO OU NÃO? INTERLÚDIO Cecília, morava no Tucuruvi com seu filho Renan, trabalha quase todos os dias, numa escala de 6x1, vai trabalhar na loja de roupas infantis da José Paulino. Reclamar do metrô e do trem lotados pensando na distância que enfrenta todos os dias era só mais um elemento da rotina antes de descer na estação da Luz. Sempre com um desejo profundo e bem brasileiro, o da casa própria, e melhor ainda, perto do atual trabalho. (TEI - NA SAÍDA DA ESTAÇÃO DA LUZ, VOLUNTÁRIOS DO (TEIA TETO) RAFA - Ô DONA! Cê tem um minuto? Já conhece o TETO? Meu, a... CECÍLIA - Eu já conheço, moço. Cecília prossegue pra loja de roupas infantis. É só mais um dia comum no trabalho, se não fosse pela presença da freguesa mais mal educada do estabelecimento.

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CECÍLIA - Dona, a senhora só vai levar esses dois macacõezinhos? Embrulho pra presente? DONA NEIDE - Isso. É pra present'i, amanhã é aniversário do meu net'inho. Anda logo que eu não tenho o d'ia todo, minina. Todo d'ia que venho aqui é essa lerdeza. CECÍLIA - Ta certo. Cecília termina o expediente no fim da noite e como sempre, toma o longo rumo de volta pro Tucuruvi. Durante o caminho, a lojista avista uma casinha que antes não estava a venda. Logo se interessa em anotar o número daimobiliária. No dia seguinte, Cecília marca uma visita ao imóvel algumas horas antes do expediente. CECÍLI - A casa é ótima. Quero ficar com ela, mas naquelas CECÍLIA condições que conversamos, uma entrada pequena e o restante parcelada pelo banco. CORRETORA - Certo, Cecília. Vou entrar em contato com o proprietário e te retorno assim que possível. Cecília mal conseguia trabalhar, ansiosa, só pensava na casinha e o quão a sua qualidade de vida melhoraria. Naquela noite foi pra casa sorrindo, a longa distância até o Tucuruvi não importava pra tamanha felicidade. Mal podia esperar para contar pro seu filho, Renan. CORRETORA - Alô, Cecília? Aqui é a corretora da casa a venda no Bom Retiro. CECÍLIA - Ah, oi. E a minha oferta, deu certo? CORRE CORRETORA - Então, Cecília, eu demorei um pouco pra ligar porque o dono do imóvel, o senhor Hirsch, desistiu da venda, ele é Judeu, apegado à casa porque vivia nela desde que veio pro Brasil. Cecília desliga o telefone desolada. RENAN - O que aconteceu mãe? porque a senhora ta cabisbaixa? 48


CECÍLIA - Ah, filho. Eu tinha visto uma casinha lá no Bom Retiro, lembra? Fiz uma oferta e tudo, mas não deu certo. RENAN - Eu queria ver a casa, até comentei com o Bruno, mas a senhora não me levou lá pra ver. Me leva amanhã? CECÍLIA - Mas o que adianta agora, Renan. O Dono desistiu de vender. RENAN - Mesmo assim, me leva lá amanhã. Conforme Renan pediu, Cecília resolveu levá-lo para olhar a casa, mesmo que de fora. CECÍLIA - É alí, Renan, aquela casa amarela com pedras. RENAN - Olha, mãe! Não é um rabino saindo pelo portão da casa? Vamos lá falar com ele! CECÍLI - Não, Ren...Renan puxa a mãe até a casa correndo. Param CECÍLIA em frente a casa olhando, de cara com o Rabino. RABINO - Olá, conheço vocês? CECÍLI - Oi, senhor Hirsch. Na verdade era pra nos conhecermos, CECÍLIA sou Cecília, fiz a oferta de compra da sua casa essa semana. Gostei muito dela, é uma pena o senhor ter desistido. Falei tão bem do imóvel pro meu filho que ele quis conhecer, mesmo que de fora. Trabalho aqui pertinho, mas moro lá no Tucuruvi, venho de muito longe. Sabe, fiquei maravilhada, senhor Hirsch. Era tudo que eu precisava e a casa é bonita e arrumadinha. Mas é assim né, a gente continua com a esperança. Rabino fica surpreso com a visita. Logo, comovido com Cecília. RABINO - É um prazer conhece-la. Dona Cecília, preciso te dizer, tenho muito apego a esta casa. Desde que eu, mamãe e papai viemos pro Brasil, moro nela. Construi a minha vida aqui, tenho um apego imenso, começamos do zero. Achava que iria vender esta casa pra algum outro Judeu que tivesse vindo pro Brasil com as condições semelhantes a da minha família e repassar essa consideração, mas aqui agora, conhecendo a senhora, vejo que 49


preciso repassar a casa pra quem quer recomeçar uma vida aqui, perto do trabalho, com uma qualidade de vida melhor. E digo mais, pra uma pessoa do país que acolheu a minha família. CECÍLIA - Eu não posso acreditar. O senhor tem certeza? RABINO - Dona Cecília, a senhora ainda acha que foi coincidência passar por aqui hoje e me encontrar? Seja bem vinda. Essa semana vou movimentar a papelada. Cecília e Renan ficam desacreditados e agradecem o rabino. Caminham até a estação da luz e embarcam de volta pro Tucuruvi. Enfim Cecília pensa com tranquilidade que em breve será a última vez que embarca no metrô lotado numa distância tão longínqua para ir trabalhar. Assim, segue o fluxo da malha urbana. O transeunte vai além do que era tradicionalmente conhecido como cidade. Tece a teia. Coincidência, acaso ou consequência? Fim.

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os personagens


os personagens Os personagens deverão ser organizados na narrativa a partir de um fio de ligação. Os filmes que estão nas referências, como o "Assassinato do expresso no Oriente", é uma trama que tem essas características, os personagens estão ligados por um único personagem.

A intenção é fazer com que haja pontos em comum pela cidade, por mesmos lugares que frequentam, pessoas que se comunicam, meios de transportes e acontecimentos cronológicos.

Esse trabalho será feito no Trabalho de Conclusão de Curso II. A partir dessa constatação do fio condutor ou de um fluxo de histórias, a narrativa de HQ será composta.

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mapa bairros selecionados personagens teia

BOM RETIRO CECÍLIA RENAN RABINO

SANTA CECÍLIA GAH RAFA DONA NEIDE FILHA DA SÍNDICA

VILA MARIANA BRUNO MARIANA DA VILA MARIANA DO PARAISO

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referências Como referência, foram considerados os filmes "A Trilogia das Cores" do ano de 1993/1994 do diretor Krzysztof Kieślowski, último filme de sua carreira, e "Assassinato no Expresso do Oriente" de 3017, inspirado na obra da escritora Agatha Christie, com direção de Kenneth Branagh. Ambos os filmes apresentam um fio de ligação entre todos os personagens. Na Trilogia das Cores o fio aparece como uma malha urbana nos três filmes de Krzysztof. Já no filme "Assassinato no Expresso do Oriente",o fio de ligação está em um personagemque vai tecendo umateia ligando todos os outros da trama. No filme do diretor Kieslowski, " A Trilogia das Cores", que tem como intitulado as três películas, A Liberdade é Azul, A Igualdade é Branca e a Fraternidade é Vermelha, os personagens enfrentam problemas do cotidiano que estão sujeitas ao acaso, seja uma amizade feita no metrô, um atropelamento de um animal ou um acidente de carro. Na trilogia, um personagem está conectado com o outro não só pelo fato da convivência entre eles no roteiro, porém ligados por ocuparem os mesmos espaços na cidade. Há rápidas aparições, como a de Julie 54


(protagonista de A Liberdade é Azul), no tribunal, o mesmo que Karol (protagonista de A Igualdade é Branca), está para o julgamento do cancelamento do casamento. Na trilogia há aparições de uma idosa que tenta colocar uma garrafa de vidro no lixo, porém em cada um dos filmes a ação dos protagonistas com a idosa são diferentes conforme a trama e suas respectivas cores e significados.

Três cenas da trilogia, formando a bandeira da França.

Cenas com a mesma personagem coadjuvante no filme Azul e Vermelho, e semelhantes à do Branco em que aparece uma idosa tentando colocar uma garrafa de vidro na lixeira. No Azul, a protagonista em busca de liberdade está em um momento de libertação e plenitude, não percebendo a presença da idosa. No Branco, que simboliza a igualdade, o protagonista percebe a idosa com dificuldades, mas não tem forças pra ajudá-la devido o seu estado de humor. No Vermelho que fala da fraternidade, a protagonista percebe a dificuldade da idosa e oferece ajuda para jogar a garrafa de vidro no lixo. 55


No filme "A Liberdade é Azul", a protagonista Julie vai ao tribunal para uma audiência a respeito dos direitos autorais das músicas do falecido marido compositor, cruzando o caminho com o personagem principal, Karol, e sua esposa, do filme " A Igualdade é Branca", seguindo para a audiência de cancelamento do casamento no mesmo tribunal.

A Liberdade é Azul / Ilustração Bárbara Bravo

A Igualdade é Branca / Ilustração Bárbara Bravo

Na "Igualdade é Branca", Julie do filme azul também aparece rapidamente no centro do tribunal em uma cena rápida, logo que chega para audiência. 56


Para a amarração das três histórias, Kieslowski faz as conexões e ligações finais dos personagens da Trilogia no último filme, A Fraternidade é Vermelha, em um Naufrágio, onde há apenas alguns sobreviventes que são anunciados na televisão.

ilustração abaixo Naufrágio no fim do filme Vermelho, onde liga todos os personagens da trilogia. Sobreviventes Julie Oliver

Karol Dominique

Valentine Augustine

Steven

Trilogia das cores / Ilustração Bárbara Bravo

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A segunda referência é da trama de Agatha Christie, onde 14 personagens estão envolvido spor um fio de ligação após um assassinato no Expresso do Oriente. A maestria de Agatha conduz a personalidade de cada personagem diante dos fatos sobre a morte misteriosa de Ratchett. No passado, Ratchett sequestrou uma criança de 3 anos, Daisy Armstrong, e ao receber o dinheiro do resgate não cumpriu com o combinado e assassinou a refém.

O fio de ligação da trama é que todos os personagens a bordo do trem, menos o detetive Hercule Poirot que embarcou no trem para uma viagem a trabalho, estão conectados a Daisy e querem se vingar do assassino da criança, sendo a viagem no Expresso do Oriente o local planejado para que cada um dos personagens tenha a sua participação no assassinato de Ratchett discretamente. Porém, Portoit toma frente da situação e investiga o caso durante toda a viagem.

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personagens 1) Daisy Armstrong Garotinha assassinada

2) Samuel Ratchett Nome verdadeiro, John Casseti - Assassino de Daisy Armstrong.

3) Caroline Hubbard Na verdade, Linda Arden, que era a mãe de Sonia Armstrong.

4) Edward Masterman O mordomo de Armstrong, que está trabalhando disfarçado no mesmo papel que Ratchett.

5) Mary Debenham Governanta de Daisy.

6) M. Bouc É responsável pela companhia de trem, trabalhou para a polícia belga com Poirot.

7) Hector MacQueen Empregado disfarçado como secretário de Ratchett. Mas seu pai tentou processar a enfermeira inocente de Armstrong, que se matou, o que destruiu sua carreira.

8) Conde Andrenyi Oculta o segredo de sua esposa, a Condessa ElenaAndrenyi.

9) Condessa Elena Andrenyi Tia de Daisy, que na verdade é chamada de Helena Goldenberg.

10) Pierre Michel Irmão da enfermeira acusada

1) Coronel Arbuthnot Ou Dr. Arbuthnot - Serviu no exército com o pai de Daisy.

12) Princesa Dragomiroff Madrinha de Daisy Armstrong.

13) Gerhard Hardman Um detetive americano chamado Cyrus, que estava apaixonado pela enfermeira acusada.

14) Hercule Poirot Detetive Belga a bordo do trem que investiga o assassinato no Expresso do Oriente.

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personagens O Assassinato no Expresso do Oriente

ligações

O Assassinato no Expresso do Oriente / Ilustração Bárbara Bravo

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teia


formato

identidade visual

A5

hq capa holler / kraft

fonte helvetica / komica slim

tiragem 100

paleta preta / branca

pรกginas 65 62






teia Escrito e Ilustrado por

BĂ RBARA BRAVO


hq BRAVO, BÁRBARA Teia : a malha urbana tece a teia / Bárbara Bravo São Paulo, 2018. História em Quadrinhos


introdução O desenvolvimento desta HQ representa a conclusão da minha formação em Arquitetura e Urbanismo, que também expõe uma forma de expressar como percebo e como construo a cidade e suas representações. A proposta vem de encontro a um desejo de reaproximação e estabelecimento de vínculos com habitantes do bairro, conhecendo de forma presente e constante o que é ser e como é viver naquele respectivo bairro ou vizinhança. Sempre tive muita curiosidade em saber da cidade, em uma escala mais pessoal e intimista. Desenvolver uma pesquisa participativa, acompanhando o cotidiano e compartilhando o sentimento dos moradores daquele lugar, tornou-se o objetivo formal desse trabalho, que se somou à vontade de explorar e experimentar uma linguagem que me é familiar, e com a qual consigo expressar a minha comunicação com o meio urbano. O exercício do arquiteto que projeta para a cidade, muitas vezes carece de uma reflexão mais profunda sobre a memória do lugar a ser projetado. Ignoram-se questões históricas que são essenciais para a construção do que alimenta o imaginário do lugar; e do que está tradicionalmente incorporado, e permanece presente no lugar. Resgatar a memória dos lugares habitados; representar a cidade através de personagens de bairros relevantes como Santa Cecília, Vila Mariana e Bom Retiro; revelar a malha de relações e conexões que fazem da maior metrópole brasileira um “mundo pequeno”, em que as histórias dos seus habitantes se entrelaçam e se esgarçam em horizontes mais expandidos, ampliando a noção de um “pequeno grande mundo multicultural e multifacetado”, vivendo em sociedade. A importância de explorar os bairros por inteiro e entender as suas necessidades e pontos relevantes estão implícitos nos diálogos, deslocamentos e relações que os personagens da TEIA travam entre si e com o lugar em que residem e circulam. Como arquiteta e urbanista, posso dizer que a arquitetura faz o seu papel por completo quando ela dá o amparo absoluto às ações e feitos humanos, sem dizer. Em silêncio, ela apenas está a postos, pronta


para acolher, oferecer suporte e receber todas as formas de vida em seus limites construídos ou definidos, sem rótulos. O amparo arquitetônico se dá quando você conhece por inteiro o que aquele lugar ou espaço representa e necessita em sua forma e essência, com suas questões históricas que jamais poderão ser apagadas, projetando sempre o olhar voltado para nós mesmos, ontem, hoje e amanhã. Meu agradecimento a todos que fizeram parte desse processo.

BÁRBARA BRAVO São Paulo, 2018


elevado

a MALHA URBANA tece a teia





CABELEIREIRO

e xerox



é um bairro tão bonito que nem parece são paulo.

é que não é um bairro, renan, é um condomínio fechado verticalizado.

ah...



preciso fazer aquele freela...


meu querido, qual é a sua? sabe quanto tempo eu to aqui esperando?

nossa, é a filha da síndica. o que essa energúmena ta gritando?

mas que gritaria é essa mano?


tira essa @#$% desse carro daí, seu estúp ido! faz uma hora que to tenta ndo sair com o meu hb20 daqui e não consi go! sai da minha frent e logo! mas é um boçal mesmo . você não tem vergo nha na cara, seu idiota ?


não quero saber, seu imbecil! tira essa @#$% daqui logo, eu tenho horário, meu!

seu animal, dá pra t’irar esse carro daí? você não leu o regulamento do condomínio? eu vou chamar a pol’ícia! todo d’ia é isso!

Dona Neide, descentende de italianos e síndica do prédio, costuma comer a letra ‘d’ a ‘t’ e em outras ocasiões trocar o “e” pelo “i” enquanto fala.


Uma sessentona de cabelos avermelhados com uma veia pulsante no meio da testa que pula quando ela grita. Mal educada, um clássico de quem se nomeia síndica de condomínio, de pulso firme.

que tenso esses vizinhos... fazem o condomínio parecer um hospício.


anoitece, quarta-feira, e rafa, irmão de gabriel, está assistindo ao jogo de futebol (fanático, torcendo como um louco pelo timão, seu time do coração).

vai vai vaiiii timão!!! vamo pedrinho! pooo!!! cê é loco! pega esses porcos! aaa olha a bola meu!!! aff, não foi falta coisa nenhuma seu juiz @#$%!!! esse juiz ladrão. vambora curintcha!


rafa, recém formado do colégio e desempregado. de vez enquando faz trabalhos voluntários, já que os pais o obriga pra não virar um vagal. atualmente, ajuda construindo casas com o teto, e outras vezes com o greenpeace. torcedor doente pelo corinthians, assiste todos os jogos. o mundo acaba mas ele não perde o gol.

moça, você t... to com pressa!




ô meu, será que ninguém pode ver o jogo sossegado tranquilamente nesse prédio?

vaaaaaiiiiiiii timãoooooooooo!!! pega eles!!!


DONA NEIDE?! BOA NOI... AAH POO TIMÃO, PERDEU ESSA BOLA?! MANO DO CÉU! GABRIEL, CÊ VIU ISSO?


OLHA AQUI, SEU MININO, DÁ PRA ABAIXAR ESSE VOLUME E PARAR D’I’ GRITAR, SEU MAL EDUCADO?

JÁ SÃO 22H30 DA NOIT’I, PASSOU DO HORÁRIO DA LEI DO SILÊNCIO! VOCÊ JÁ OUVIU FALAR DESSA LEI? NÃO É MAIS D’IA, MOLEQUE! TEM CRIANÇAS, FAMÍLIAS E TRABALHADORES, GENT’I DE BEM AQUI NESSE CONDOMÍNIO QUE QUEREM SOSSEGO E DORMIR.


to falando com você, moleque, ta me ouvindo? abaixa essa droga desse som! que d’iabos, cazzzo!

calma, dona neide, é que o meu timão ta jogan... ahh nossa quase tomamos gol, mano?


mas o que ta acontecendo aqui?

seu irmào, esse carcamano! moleque mal educado!

to ped’indo pra ele abaixar o som e ele não me respeita. tem famílias d’i bem aqui nesse prédio querendo d’iscanso.


dona neide, a senhora sabe tão bem quanto eu, que teve o maior escândalo e gritaria aqui neste prédio hoje a tarde, e eu, gente de bem, estava tentando trampar e a senhora e a sua filha cornentaram durante horas. poderia se retirar de minha porta, por favor? não haverá mais barulho por aqui e nem no prédio, estamos entendidos?

passar bem. regulamento do condomínio.


An aR os a



Dei xe ae s qu erd a li vre .


SaĂ­da

Ana Rosa



Olá, posso falar com so senh...

e amanhã??

hoje não!

muito obrigado!


mãe, como é que a pamonha é fresquinha se ela veio de piracicaba?

“Olha aí, olha aí freguesia. São as deliciosas pamonhas de Piracicaba. Pamonhas fresquinhas, pamonhas caseiras. É o puro creme do milho verde!!!”




ECAting! nĂŁo aguento esses alunos metidinhos...


oi, ei!!! amiga, por favor, vocĂŞ tem um isqueiro pra me emprestar?


tenho.

mano, valeu! nossa, ninguém tem isqueiro aqui nesse bar pra me emprestar, carai. nem meu amigo renan que tava aqui comigo que é fumante compulsivo tinha. juro! pessoal ta meio saudável, deve ser a lei de que não pode mais fumar em locais fechados que foi fazendo geral largar.

ah, de boa, relaxa. pois é.


você estuda aqui na b. a. também? ou na espm?

nossa, não, ainda bem que não.

calma, mas porque essa rispidez?

amigo... aliás?

bru, me chamo bruno...


então, bru, você vai me desculpar, mas eu não curto a galera daqui, manja? os modos do pessoal, acho um saco. pessoal burgu6ES E METIDO A ARTISTA.

AH MANO, VOCÊ TA ENGANADA. ESTUDO AQUI MAS TO BEM LONGE DE SER bURGUÊS. TENHO FINANCIAMENTO ESTUDANTIL NA B.A. E MORO AQUI NO BAIRRO. MEU PAI TRABALHA HÁ ANOS NAQUELA PADARIA ANTIGA DA VILA, A MARIA ROSA, ALÍ NA RUA GUIMARÃES ROSA.

AHHHH!! PODE CRER.

TO AQUI CONVERSANDO COM VOCÊ MÓ TEMPÃO E NÃO SEI NEM O SEU NOME.


É MARIANA!

TENHO UMA PRIMA QUE MORA NO PARAISO E SE CHAMA MARIANA. AGORA VOU SEMPRE LEMBRAR DO TEU NOME!

NÃO ACREDITO! É ELA!

HAHAHA! MANO, EU SOU A MARIANA DA VILA MARIANA E ELA A MARIANA DO PARAÍSO. SEMPRE FOI ASSIM.

SÉRIO? TAMBÉM TENHO UMA AMIGA QUE SE CHAMA MARIANA E É DO PARAISO! POR ACASO É A MARIANA BORGES QUE MORA EM UM APÊ DE TIJOLINHO?





cecília, mora no tucuruvi com seu filho renan, trabalha quase todos os dias, numa escala de 6x1, vai trabalhar na loja de roupas infantis da josé paulino. reclamar do metrô, ônibus e do trem lotados pensando na distância que enfrenta todos os dias era só mais um elemento da rotina antes de descer na estação da luz. sempre com um desejo profundo e bem brasileiro, o da casa própria, e melhor ainda, perto do atual trabalho.


ô dona, cê tem um minuto? já conhece o teto?

Eu já conheço, moço.


dona, a senhora sĂł vai levar esses dois macacĂľezinhos? embrulho pra presente?


isso. é pra present’i, amanhã é aniversário do meu net’inho. anda logo que eu não tenho o d’ia todo, minina. todo d’ia que venho aqui é essa lerdeza.


cecília termina o expediente no fim da noite e como sempre, toma o longo rumo de volta pro tucuruvi. durante o caminho, a lojista avista uma casinha que antes não estava a venda. no dia seguinte, cecília marca uma vistia ao imóvel algumas horas antes do expediente.


a casa é óotima. quero ficar com ela, mas naquelas condições que conversamos, uma entrada pequena e o restante parcelada pelo banco.

certo, cecília. vou entrar em contato com o proprietário e te retorno assim que possível.

cecília mal conseguia trabalhar, ansiosa, só pensava na casinha e o quão a sua qualidade de vida melhoraria. naquela noite foi para a casa sorrindo, a longa distância até o tucuruvi não importava pra tamanha felicidade. mal podia esperar pra contar pro seu filho, renan.


Alô?

alô cecília? aqui é a corretora da casa a venda no bom retiro.

AH, OI. E A MINHA OFERTA, DEU CERTO?

ENTÃO, CECÍLIA, EU DEMOREI UM POUCO PRA LIGAR PORQUE O DONO DO IMÓVEL, O SENHOR HIRSCH, DESISTIU DA VENDA, ELE É JUDEU, APEGADO À CASA PORQUE VIVIA NELA DESDE QUE VEIO PARA O BRASIL.


AH, FILHO... EU TINHA VISTO UMA o que aconteceu, MÃE?

CASINHA LÁ NO BOM RETIRO,

PORQUE A SENHORA TA

LEMBRA? FIZ UMA OFERTA E TUDO,

CABISBAIXA?

MAS NÃO DEU CERTO.

EU QUERIA VER A CASA, ATÉ COMENTEI COM O BRUNO, MAS A SENHORA NÃO ME LEVOU LÁ PRA VER. ME LEVA AMANHÃ?

MAS O QUE ADIANTA AGORA, RENAN. O DONO DESISTIU DE VENDER.


mesmo assim, me leva lá amanhã!

conforme renan pediu, cecília resolveu levá-lo para olhar a casa, mesmo que de fora.

“olha ai, olha aiii o carregador carregador!! é pegar ou rapar!”


nossa, nĂŁo sabia qe tinha tantos coreanos por aqui, mĂŁe...


olha, mãe! não é um rabino saindo pelo portão da casa? vamos lá falar com ele!!

não, ren...

olá, conheço vocês?

oi, senhor hirsch. na verdade era pra nos conhecermos, sou cecília, fiz a oferta de compra da sua casa essa semana. gostei muito dela, é uma pena o senhor ter desistido. falei tão bem do imóvel pro meu filho que ele quis conhecer, mesmo que de fora. trabalho aqui pertinho, mas moro lá no tucuruvi, venho de muito longe. sabe, fiquei maravilhada, senhor hirsch. era tudo que eu precisava e a casa é bonita e arrumadinha. mas é assim né, a gente continua na esperança.



donA CECÍLIA, A SENHORA AINDA ACHA QUE FOI COINCIDÊNCIA PASSAR POR AQUI HOJE E ME ENCONTRAR? SEJA BEM VINDA. ESSA SEMANA VOU MOVIMENTAR A PAPELADA.

CECÍLIA E RENAN FICAM DESACREDITADOS E AGRADECEM O RABINO. CAMINHAM ATÉ A ESTAÇÃO DA LUZ E EMBARCAM DE VOLTA PRO TUCURUVI. ENFIM CECÍLIA PENSA COM TRANQUILIDADE QUE EM BREVE SERÁ A ÚLTIMA VEZ QUE EMBARCA NO METRÔ LOTADO NUMA DISTÂNCIA TÃO LONGÍNQUA PRA IR TRABALHAR.


ASSIM, SEGUE O FLUXO DA MALHA URBANA. O TRANSEUNTE VAI ALÉM DO QUE ERA TRADICIONALMENTE CONHECIDO COMO CIDADE. TECE A TEIA.

COINCIDÊNCIA, ACASO OU CONSEQUÊNCIA?


BÁRBARA BRAVO nasceu em São Caetano do Sul, em 1991. Formada em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Senac, tem no currículo trabalhos com cenografia, expografia, arquitetura, fotografia e ilustração.

BRAVO



hq O que torna uma cidade única? Você pode pensar em grandes monumentos ou em restaurantes famosos e arquitetura icônica. Mas a verdade é que as cidades são feitas de pessoas e suas histórias. Neste quadrinho, vamos passear por três bairros de São Paulo, seguindo seus moradores e vivenciando situações de conflito, ética, espaço compartilhado, dilemas e acasos. As narrativas vão percorrer a diversidade que torna São Paulo uma cidade única, onde pessoas de diferentes culturas aprendem a conviver entre si, habitando os mesmos espaços e deixando rastros de suas experiências, como uma teia. Não vai ser difícil encontrar aquela sua amiga “gratidão” pelas ruas desenhadas, ou reconhecer o homem que não quer vender a casa onde sempre viveu com a família imigrante. Afinal, para o verdadeiro explorador, até a maior cidade do mundo pode parecer pequena. BRAVO


teia BÁRBARA BRAVO


considerações finais O desenvolvimento desse trabalho representa a conclusão da minha formação em Arquitetura e Urbanismo, que também expõe uma forma de expressar como percebo e como construo a cidade e suas representações. A importância de explorar os bairros por inteiro e entender as suas necessidades e pontos relevantes estão implícitos nos diálogos, deslocamentos e relações que os personagens da TEIA travam entre si e com o lugar em que residem e circulam. Como arquiteta e urbanista, posso dizer que a arquitetura faz o seu papel por completo quando ela dá o amparo absoluto às ações e feitos humanos, sem dizer. Em silêncio, ela apenas está a postos, pronta para acolher, oferecer suporte e receber todas as formas de vida em seus limites construídos ou definidos, sem rótulos. O amparo arquitetônico se dá quando você conhece por inteiro o que aquele lugar ou espaço representa e necessita em sua forma e essência, com suas questões históricas que jamais poderão ser apagadas, projetando sempre o olhar voltado para nós mesmos, ontem, hoje e amanhã. A partir do momento em que tenho essa percepção da cidade e do seu habitante, me sinto completa para os novos rumos que a profissão me desafia a tomar. Fecho esse ciclo com um olhar ampliado para os detalhes intrínsecos e extrínsecos da cidade, memórias dos habitantes e dos lugares, dos seres humanos, animais e toda a forma de vida que cerca e rodeia a arquitetura.

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bibliografia ANGELI; LAERTE, vários autores. Baiacu. São Paulo: Todavia, 2017. CARVALHO, Herbert. Alguma coisa acontece: a cidade de São Paulo em 22 depoimentos. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2005. COUTINHO, Rafael. Cachalote: de Rafael Coutinho e Daniel Galera. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. EISNER, Will. Will Eisner's New York: life in the big city. New York: norton & company, 2000. EISNER, Will. Avenida Dropsie: a vizinhança. São Paulo: Devir, 2009. GAMA, Lúcia Helena. Nos bares da vida: produção cultural e sociabilidade em São Paulo, 1940-1950. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1998. MACHADO, Antônio de Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda: e outros contos. São Paulo: Moderna, 2004. MOON, Fábio. Daytripper / por Fábio Moon & Gabriel Bá; com Dave Stewart. Barueri, SP: Panini Books, 2011. MORCELLI, Danilo da Costa. A memória da cidade de São Paulo: Ensaios periféricos, palimpsesto e tabula rasa. Revista Confluências Culturais, São Paulo, v. 4, n. 1 ISSN 2316-395X, março de 2015. MURDER ON THE ORIENT EXPRESS. Direção: Lumet, Sidney. Grã-Bretanha: Distribuidora: Gilberto (New Line), 1974, 1 DVD.

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MUTARELLI, Lourenço. Os Sketchbooks / de Lourenço Mutarelli ; Cezar de Almeida e Roger Bassetto. São Paulo: Editora Gráficos Burti, 2012. RUN LOLA RUN. Direção Tykwer, Tom. Alemanha. Distribuidora: Sony Pictures, 1999, 1 DVD. TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. 4. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007. TROIS COULEURS - BLEU, BLANC, ROUGE. Direção: Krzysztof Kieśloxski. Suiça, Polônia: distribuidora Versátil Digital ,1993, 3 DVD. ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectónicos As coisas que me rodeiam. Barcelona: Editora GG, 2009.

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cidade

emfoco

tramas BĂ RBARA BRAVO

in

loco


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