Correio das Artes

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6 scholia Milton Marques Júnior marquesjr45@hotmail.com

O Tempero da Vida AO PEQUENO ARTHUR, MEU NETO, A QUEM GOSTARIA, SE TEMPO ME FOR DADO, DE ENSINAR ALGUNS TEMPEROS DA VIDA.

O

Tempero da Vida (Politike Kousína, 2003), direção de Tasso Boulmete, é, antes de tudo, um filme político, com a política surgindo de forma alegórica entremeada aos temperos e à cozinha. Para se viver é preciso comer, mas as duas coisas essenciais, que dão sentido à vida do ser humano, são o tempero da comida e a política. Esta última entendida na melhor concepção grega, daquilo que o cidadão é capaz de fazer, de modo a contribuir para o bem comum. Se é pela cozinha que se determina o casamento e em torno dela a família se reúne e se agrega, é na ação política que se encontra o tempero da vida, dando a motivação para que o ato de comer ultrapasse o puramente fisiológico. Tasso Boulmete conseguiu unir as duas concepções num filme belo, delicado, lírico e, ao mesmo, denunciador do dano que a má política é capaz de fazer às pessoas, destruindo vidas e sonhos. O filme se passa em três momentos temporais. O primeiro é o momento presente do personagem principal, o astrônomo e professor universitário Fanis, que vive em Atenas. O segundo momento diz respeito às suas lembranças da infância e da adolescência, deflagradas com a notícia de que o avô, que vive em Istambul, irá, finalmente, visitá-lo. O terceiro momento trata da volta de Fanis à Turquia, para reencontro do avô e de seu passado, deixando no ar uma possibilidade de retempero da vida. Os três momentos em que se divide o filme se tecem em três partes, cada uma delas denominada como se se tratasse de um cardápio de restaurante: as entradas (oi mezédes), os pratos principais (ta kúria pi-

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áta) e as sobremesas (ta gluka). Ao final do filme, recuperando-se o entrelaçado, vemos que, por trás do aprendizado dos temperos, envolvendo todos os sentidos - tato, gustação, olfato, paladar, audição e visão , encontra-se o aprendizado da vida, tanto sensorial - a degustação e o amor -, quanto política. Veja-se a cena, por exemplo, da maneira como Fanis escolhe as berinjelas para preparar a sua primeira refeição. A tradução do título original Politike Kouzína como O Tempero da Vida só cobre a parte, digamos, lírica do filme, deixando de fora a parte cruel da política de opressão ao cidadão, em meio aos conflitos milenares entre turcos e gregos, cujo início remonta aos tempos míticos da guerra de Troia, narrada por Homero, na Ilíada. A tradução literal seria Cozinha Política, tradução pouco viável para nós brasileiros. O grego e o turco devem entender bem o sentido original do filme, sem que seja necessária uma explicação. Afinal de contas, saber cozinhar é um ato político, um ato que define, por exemplo, o casamento. Para sociedades que aprenderam a cultuar o sabor da comida, cozinhar é mais do que colocar comida no fogo e matar a fome. É saber misturar e combinar os temperos, para que o ato da comida seja fruído em grupo. Saber cozinhar é saber partilhar o sabor. A cozinha política é, em um primeiro momento, a cozinha da terra, da cidade, a que acompanha o cidadão e o faz reconhecer a sua identidade. O pai de Fanis é deportado com a mulher e o filho da Turquia, por ser grego, embora os demais sejam cidadãos turcos, sobretudo o seu so- c

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