LAÇOS nº 1/08

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Outubro 2007-Janeiro 2008 – Preço avulso: € 3.00, gratuito para as sócias

Revista da Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas

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Novos Corpos Sociais


Í N D I C E

LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

EDITORIAL

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Actividades da AAAIO e suas sócias Encontros com a Gastronomia por M. Margarida Pereira-Müller Encontros com as musas por Fernanda Ruth Jacobetty Vieira Magusto festejado com “Ponto de Cruz” Casa Nova – Uma realidade em realização por Ana Maria Pinto Soares Hoeppner Assembleia Geral Ordinária Festa de Natal Novos Corpos Sociais tomaram posse 14 de Janeiro por Fernanda Ruth Jacobetty Vieira Consignação da quota do IRS-LLR Antiga Aluna ganha prémio por Ana Maria Pinto Soares Hoeppner

14 Agenda 15 15 16 17 18

In Memoriam In Memoriam Em memória da Teresa por Maria do Pilar Cabral Paes de Sousa Afonso Adeus, Mãe da Saúde de São Tomé por M. Margarida Pereira-Müller Dr.ª Julieta da Graça do Espírito Santo por José Manuel Soares de Oliveira

19 19 20 33 34 37 38

Notícias do IO Abertura do Ano Lectivo por Luísa Viegas Lição inaugural por Teresa Vitória Abrantes As graduadas e as graduações por Luísa Viegas Exposição de motivos de Natal no Instituto de Odivelas Festa de Natal no Instituto de Odivelas A Adolescência por Laura Gonçalves

38 O que é feito de ti, AA? 38 Rita Ferro, a nossa mulher na Tunísia por M. Margarida Pereira-Müller

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42 À conversa com... 42 O IO continuará a ser uma casa de educação integral e formação humana por M. Margarida Pereira-Müller 45 Destaque 45 A magia de Salette Tereno – 37 anos ao serviço da nossa Associação por M. Margarida Pereira-Müller 48 Poesia a Ponto Cruz por Ana Maria Pinto Soares Hoeppner 52 Em defesa do Ponto Cruz por Maria Salete Barreto Tereno 56 56 62 63 64 66 67 69 71

Ideias Soltas D. Maria Pia de Sabóia, Senhora e Rainha de Portugal por Maria Noémia de Melo Leitão Apontamento por Maria de Lourdes Sant’Anna Racismo O meu Natal de 1947 por Elsa Sofia Dayrell Portela Ribeiro Outro Natal, já distante – 1983 por Elsa Sofia Dayrell Portela Ribeiro O quotidiano inglês na Revolução Industrial por M. Margarida Pereira-Müller O gigante verde de olhos brilhantes por M. Margarida Pereira-Müller Moçambique – Cabo Delgado por Maria da Glória de Sant’Anna LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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EDITORIAL

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M. Margarida Pereira-Müller - AA N.º 244/1967

Mudam-se os tempos, e tudo fica na mesma?

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antava Camões “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. No entanto, a mim parece-me que cada vez mais menos se muda. Os grandes problemas do mundo ficam na mesma, ano após ano. 2007 terminou, 2008 começou. Com cada passagem de ano, novos objectivos se definem. A maioria das pessoas escolhe sempre, no dia 31 de Dezembro, os seus grandes objectivos pessoais para o novo ano que começa. A maioria esquece os objectivos sociais. O que posso fazer para ajudar o outro? Se todos nós, em todo o mundo, nos dispuséssemos a ajudar, o mundo seria melhor. A fome. É possível acabar com a fome? Sinceramente penso que não, que haverá sempre pobreza e fome no mundo. Mas podemos reduzi-la. Segundo dados internacionais, há 1.2 mil milhões de pessoas em todo o mundo que vive, deveríamos antes dizer, sobrevive, em condições de pobreza extrema, com menos de 1 euro por dia. Doenças. 40 milhões de pessoas vivem com SIDA/HIV. 1 milhão de pessoas morre por ano de malária e mais 2 milhões de pessoas morrem de tuberculose, uma doença que se disse erradicada em meados do século XX. Os países industrialiSe todos ajudássemos, zados preferem investir na indústria da o mundo seria melhor guerra em vez de investir na investigação científica. Preferem a guerra, que é sem dúvida muitíssimo mais lucrativa, à saúde e à educação. E, no entanto, investir na educação é investir no futuro. As crianças. As crianças são o elo mais fraco da cadeia. E as que mais sofrem. De fome. De desnutrição. De falta de carinho. De bens – materiais e espirituais. 6,3 milhões de crianças morrem de fome anualmente. 13 milhões de crianças morrem antes de atingir os cinco anos por causas evitáveis, tais como diarreia. As mulheres. O outro elo fraco da cadeia. Longe está a igualdade dos géneros. Em muitos países, a mulher continua a ser considerada um ser humano de 2ª ou mesmo 3ª categoria. Não tem direito a voto. Não pode escolher a sua vida livre-

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EDITORIAL

mente, nem o marido com que irá partilhar a vida. Não tem sequer direito à herança do marido, desse marido que não escolheu, mas que serviu lealmente, ficando desamparadas quando ele morre. Dois terços dos analfabetos no mundo são mulheres e 80% dos refugiados são mulheres e crianças. A natureza. 1000 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a água potável – será que pensamos nisso quando abrimos a nossa torneira? 2 mil milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a fontes de energia regulares – e nós só temos que carregar num botão e temos luz. A população dos países industrializados é responsável por 50% das emissões de carbono no mundo. 20% da população mundial consome 80% dos recursos do nosso planeta. É claro como a clara do ovo: a grande maioria da população mundial não tem acesso aos recursos que nós usamos - e abusamos. Todos nós temos que repensar seriamente o nosso modo de vida. Temos que aprender a ser mais solidários e a pensar naqueles que tentam sobreviver. Exigir uma mudança radical - a começar em nós próprios - e obrigar os nossos governos a mudar a sua atitude. Podemos ajudar vivendo mais conscientemente. Sem exageros. Sem consumismo. E dando um pouco, basta um pouco, aos que nada têm. “Grão a grão” lá chegaremos. Não deixemos que a intolerância tome conta do nosso modo de estar na vida.

12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567

Campanha “Laço” A campanha “Laço” para a CASA NOVA continua. Podem contribuir com dinheiro, por cheque ou por transferência bancária para o NIB 0036 0066 991000 79988 23.

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ACTIVIDADES DA AAAIO

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M. Margarida Pereira-Müller - AA N.º 244/1967

Encontros com a Gastronomia

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o âmbito da campanha de angariação de fundos, a AA M.Margarida Alves Pereira-Müller tem vindo a organizar uma série de encontros com a Gastronomia, cuja receita reverte para a construção do novo lar de idosos. Os Encontros têm tido uma boa adesão, não só por parte de AA, mas também de outras pessoas interessadas que não estão ligadas à nossa Associação. Além disso, têm sido bem recebidos pela comunicação social, que os tem ajudado a divulgar. Logo no 1º Encontro esteve presente um jornalista do Jornal de Notícias (notícia publicada a 1 de Outubro de 2007). Também a 3 de Janeiro passado, M.Margarida Alves Pereira-Müller esteve presente no programa “Mais cedo ou mais tarde” das tardes da TSF, tendo conversado com o jornalista João Paulo Menezes. Até à data já tiveram lugar cinco Encontros dedicados ao pão, aos vegetais, à fruta, ao Natal e aos cereais e que já renderam € 420. Irão ainda ser realizados mais três Encontros: 16 de Fevereiro: Encontro com… a cozinha básica 01 de Março: Encontro com… a cozinha austríaca 05 de Abril: Encontro com… a cozinha chinesa. As inscrições deverão ser feitas junto da AAAIO pelo 21-4467914 / 21-4403009 ou pelo email geral@aaaio.pt. Os custos destes Encontros são de € 10 + ingredientes (a dividir por todos os participantes) para sócias da AAAIO e de € 15 + ingredientes para não sócios. O número máximo de participantes por Encontro é de 10 pessoas.

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ACTIVIDADES DA AAAIO

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Fernanda Ruth Jacobetty Vieira - AA N.º 152/1955

Encontros com as musas

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s nossos Encontros com a Poesia tiveram lugar nas Maias (Santo Amaro de Oeiras). Na zona do Salão separada pelos arcos, que o Sol iluminava coado pelos reposteiros, sentamo-nos nas cadeiras de verga branca almofadada e partilhámos, entre as dezoito pessoas presentes, o nosso gosto pela poesia. Contámos com um poeta convidado, o Eng. Carlos Feio que, no 1.º Encontro poético trouxe, para oferta, três exemplares do seu último livro de poesia. No final atribuíram-se, por consenso, os exemplares autografados pelo autor e com dedicatória, aos participantes considerados mais intervenientes no decurso da sessão. Seguiu-se um pequeno mas saboroso lanche de convívio na sala de jantar, contributo de algumas das AAs presentes. À partida queriam saber quando se realizariam os próximos Encontros e qual a temática poética. Contamos com a vossa presença no dia 23 de Fevereiro, pelas 16 horas, também nas Maias. Tentar-se-á, com a vossa colaboração, estabelecer-se a relação entre a poesia escrita e a pictórica. Quem quiser trazer algo que possa ajudar a tornar o nosso Encontro mais dinâmico, ou partilhar com os outros o seu sentido poético escrito ou pictórico está convidado/a a fazê-lo.

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ACTIVIDADES DA AAAIO

Magusto festejado com “Ponto de Cruz”

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magusto foi festejado no dia 10 de Novembro no Forte de S. João das Maias num dia de sol radioso, só faltando mesmo o S. Martinho para dar ainda mais ânimo à festa. Nesse dia inaugurou-se a exposição de “Poesia em Ponto de Cruz” da Maria Salette Barreto Tereno, AA N.º 276/1936, de que mais adiante se dá notícia, com a presença de muitos dos seus amigos pessoais e sócias que partilharam uns momentos didácticos, fraternos e muito alegres enchendo as salas de convívio. Após umas palavras de apresentação pela Presidente da Direcção sobre o evento e o significado do mesmo para a nossa sócia voluntária mais antiga, a Maria Salette acompanhou os convidados explicando todo o seu trabalho e a motivação que a levou expor os trabalhos, fruto de muitos anos e horas de lazer.

Salette Barreto Tereno com algumas amigas 6

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A C T I V I D A D E S D A A A A I O Q Ana Maria Pinto Soares Hoeppner - AA N.º 318/1952

Casa Nova Uma realidade em realização

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ecorridos todos os trâmites exigidos pelo Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, do Regime de Empreitadas de Obras Públicas, a AAAIO assinou, no dia 18 de Dezembro de 2007, o contrato de empreitada da Construção do Novo Lar no PM 34/Lisboa, no Largo da Luz, com a firma CONSTROPE – Construções S.A. apurada no Concurso Público realizado em Julho de 2007. A adjudicação da obra foi feita pelo valor de 984 847,78 Euros (sem IVA). No seguimento deste acto, a consignação da obra foi assinada com o empreiteiro no dia 14 de Janeiro, assim como o contrato de adjudicação de Fiscalização da Obra à firma G.C.S. – Gabinete de Consultas e Serviços Lda. pelo valor de 31 600 Euros + IVA. Estão, assim, concluídas as formalidades para o arranque da obra. O auto de consignação foi assinado a 14 de Janeiro de 2008. A obra teve início na segunda quinzena de Janeiro deste ano. A 1ª pedra será lançada oficialmente a 9 de Março. Segundo os termos do contrato, a CASA NOVA estará pronta em Maio de 2009, devendo o nosso Lar e serviços administrativos fazerem a mudança até final de 2009 como planeado, cumprindo deste modo, os compromissos assumidos e rectificados com o IASFA e o Ministério da Defesa Nacional na ocupação do espaço do Forte de S. João das Maias em regime de comodato. A partir de agora serão mais dois anos árduos para todas nós que nos empenhámos pela CASA NOVA não só na realização da obra em si como na planificação de toda a logística e organização da grande mudança de pessoas e bens para o novo local. É bem certo que já temos a experiência da mudança duma casa antiga e desajustada em Odivelas para as instalações renovadas em Oeiras, efectuada em Dezembro de 2004, mas todo o planeamento das novas estruturas nos recurso humanos e logística será tão absorvente e minucioso como criterioso, dado que o novo Lar terá o dobro da capacidade de residentes (43) acrescido de mais duas valências – o Centro de Dia e Apoio Domiciliário, cada qual com a capacidade para 15 utentes com a especificidade de passarem a ser mistos. Entre os futuros residentes estarão connosco AA do Colégio Militar e dos Pupilos do Exército. Será, sem dúvida, uma grande viragem mas todas aceitamos estes desafios quando eles nos garantem a concretização e continuação da nossa actividade associativa e das nossas apostas na solidariedade. LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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ACTIVIDADES DA AAAIO

Assembleia Geral Ordinária

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o dia 15 de Dezembro realizou-se a Assembleia Geral Ordinária segundo Art.30º 1. alínea a) e c) dos Estatutos da AAAIO em vigor, para apreciação e votação do orçamento e programa de acção para 2008 e para eleição dos novos corpos gerentes. Apresentado o orçamento pelo Dr. Renato Cordeiro e o Programa de Acção para o ano de 2008 pela Presidente da Direcção, os mesmos foram aprovados por maioria com três abstenções, depois de debate animado pelas intervenções das sócias presentes. Seguiu-se a eleição dos novos Corpos Sociais para o triénio 2008 – 2010, havendo apenas uma lista apresentada pela Direcção cessante, que apresentava algumas alterações em relação à anterior, e que foi aprovada por unanimidade. Vários assuntos relativos à vida associativa foram abordados havendo uma parte das sócias muito interessada em dar uma nova dinâmica e projecção da associação através de eventos culturais e maior abertura à confraternização das sócias.

Festa do Natal

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o dia da Assembleia Geral, celebrou-se a nossa festa de Natal que teve lugar no Lar, à qual estiveram presentes um grande número de AA, a Directora do IO, Dr.ª Graça Martins, que nos ofereceu uma Estrela de Natal envasada, e dois representantes do Centro de Apoio Social de Oeiras, IASFA. A festa iniciou-se com uma missa celebrada pelo Capelão do Instituto de Odivelas e animada musicalmente pela Professora Natércia Simões, acompanhada por uma aluna do IO. As residentes acompanhadas pelos seus familiares sentiam-se muito felizes pela animação e boa disposição natalícia espalhada pelas salas de convívio e pelas belas e deliciosas iguarias típicas da época, não faltando os sonhos, fatias douradas, bolo rei e o arroz doce. O pessoal auxiliar foi, como sempre, abnegado e atento, orientado pelas duas responsáveis, as Assistentes Sociais, Paula Santos e Cláudia Martins, e pela nossa Tesoureira Maria Antónia Paixão.

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ACTIVIDADES DA AAAIO

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Novos Corpos Sociais tomaram posse

direcção da Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas (AAAIO) tomou posse no dia 8 de Janeiro. A cerimónia decorreu n’ A Nossa Casa, o nosso Lar de Idosas no Forte de São João das Maias em Santo Amaro de Oeiras. Recorde-se que a eleição para os órgãos sociais da AAAIO decorreu no passado dia 15 de Dezembro e contou com uma única lista. Assim, Ana Maria Pinto Soares Hoeppner e Maria Noémia de Melo Leitão mantêm-se respectivamente como presidente da direcção e presidente da mesa da assembleia-geral para o triénio 2008-2010.

LISTA DOS CORPOS SOCIAIS TRIÉNIO 2008 / 2010 ASSEMBLEIA GERAL Presidente 1ª Secretária 2ª Secretária

Maria Noémia Neto Miranda de Melo Leitão Luísa Alice Tavares Santos Pereira Maria Leonor Leão Correia Viegas Tavares

245/1931 319/1952 332/1952

DIRECÇÃO Presidente Vice-Presidente Secretária Tesoureira Vogal 1ª Vogal Suplente 2ª Vogal Suplente 3ª Vogal Suplente 4ª Vogal Suplente 5ª Vogal Suplente

Ana Maria de Ataíde Pinto Soares Hoeppner Maria Benedita Salvador Tribolet de Abreu Maria Isabel Ferreira Braga Gomes Maria Antónia Serpa Soares Figueiredo Paixão Leonor Ornelas de Medeiros Tavares Maria Margarida Alves Pereira-Müller Maria Madalena Carvalhosa Pessoa Maria Emília Canelhas Pinhão Maria do Carmo Tovar Faro Elsa Sofia Portela Ribeiro

318/1952 100/1953 137/1953 234/1951 16/1954 244/1967 146/1953 82/1951 106/1951 7/1948

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ACTIVIDADES DA AAAIO

CONSELHO FISCAL Presidente 1ª Vogal 2ª Vogal 1ª Vogal Suplente 2ª Vogal Suplente 3ª Vogal Suplente

Maria Fernanda Rico Vidal Maria José Guerreiro Cadete Maria Teresa T. de Sequeira Viegas Penha Cesaltina do Nascimento Silva Maria Eduarda Agostinho de Sousa Caixeiro Maria Estela Vieira Gonçalves Pereira

261/1950 310/1958 185/1973 229/1939 176/1972 77/1952

Fernanda Vidal assinando o auto de tomada de posse

EMAIL Agradecemos que nos comuniquem a vossa morada de correio electrónico. Como sabem a comunicação via internet é bastante mais fácil e rápida. Escrevam-nos um email para geral@aaaio.pt, indicando-nos o vosso nome, número do colégio e ano de entrada.

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ACTIVIDADES DA AAAIO

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Fernanda Ruth Jacobetty Vieira - AA N.º 152/1955

História e actividades da AAAIO patentes no 14 de Janeiro

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uem na tarde do dia 14 de Janeiro esteve em Odivelas no encontro comemorativo do 107º Aniversário do nosso Instituto Infante Dom Afonso, teve oportunidade de reencontrar antigas colegas e de participar naquela animação tão característica dos nossos encontros no Instituto nesta data especial. Também teve tempo de ver uma apresentação ilustrativa da História da nossa Associação, desde a sua fundação em 1919 pelo então Director do Instituto, Coronel Ferreira de Simas, até aos nossos dias, assim como aspectos das nossas casas, de Odivelas e do Forte das Maias, da vida no Lar e das actividades na nossa Associação. Esteve patente toda a dinâmica de AAs que, além de desenvolverem uma actividade voluntária no Lar — ajudando a animar o ambiente das senhoras residentes — também as acompanham a passeios e, entre colegas, partilham interesses culturais e outros que têm em comum, desenvolvendo actividades diversas, muitas vezes com elementos das respectivas famílias. As comemorações deste ano do 14 de Janeiro começaram na véspera, a 13 de Janeiro, com uma missa na capela do Instituto, à qual estiveram presentes antigas e actuais Alunas, professoras e diversas entidades oficiais, entre as quais a Presidente da Câmara Municipal de Odivelas, que mais uma vez quis expressar o carinho que sente pelo nosso colégio. A missa foi muito participativa à volta do tema central desse domingo: o baptizado de Jesus. LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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ACTIVIDADES DA AAAIO

Consignação da quota do IRS-LLR

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m 2001, o Governo publicou a Lei nº 16/2001 que permitia que na declaração do IRS cada contribuinte pudesse declarar a instituição a quem gostaria de doar a relativa percentagem autorizada pela mesma. Foram feitas várias campanhas de sensibilização através da nossa revista “Laços” e pela Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar também na sua revista, de modo a que grande parte dos associados contribuísse com essa verba para a construção do novo Lar da AAAIO, dado esta ser uma IPSS e estar abrangida dentro das Instituições de Solidariedade para a qual os fundos revertem. Não tendo nunca a nossa associação recebido qualquer quantia referente à percentagem equitativa às declarações apresentadas por vários sócios de ambas Associações, a Direcção enviou uma carta à Direcção Geral dos Impostos – Direcção do IRS – mostrando a sua estranheza por, até à presente data, nunca ter sido transferida qualquer quantia correspondente às declarações desde 2002. Em Novembro de 2007, recebemos um ofício daquele departamento que transcrevemos: “Em referência ao requerimento datado de 2007-11-12, invocando a Lei n.º 16/2001, informo V. Exa. que o pedido não obedece às formalidades estabelecidas na Portaria nº 80/2003, de 22 de Janeiro, devendo ser reformulado como a seguir se indica: 1. Deve ser apresentado outro requerimento no qual conste expressamente que a consignação respeita à colecta do IRS do ano de 2008 e que se renuncia à restituição do IVA nos termos do DL 20/90, de 13 /Jan, relativo ao mesmo ano de 2008. (Em tempo: a consignação é atribuída anualmente e respeita ao ano seguinte àquele em que é solicitada.)........... “ Tendo a associação já começado com as obras de construção da Casa Nova, onde se irá pagar um montante de 210 000 Euros de IVA que será reembolsado num prazo de dois anos, não irá, de modo nenhum, prescindir do Decreto-Lei em que está abrangida que lhe garante, agora e em futuras obras ou reparações e danos, poder reaver o correspondente IVA. A nossa associação está muito grata a quantos se interessaram para contribuir para este fim, mas dadas as circunstâncias e as mudanças “surdas” no que respeita à política das finanças públicas, sentimo-nos na obrigação de informar todos os sócios das novas normas. Bem hajam todos pela boa vontade!

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A C T I V I D A D E S D A A A A I O Q Ana Maria Pinto Soares Hoeppner - AA N.º 318/1952

Antiga aluna ganha prémio para Portugal

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rvas & Mezinhas na Cozinha e na Saúde da autoria da M. Margarida Pereira-Müller AA n.º 244/1967 e com prefácio do Professor Ângelo Lucas ganhou o prémio na categoria “Best Health and Nutrition Book” para Portugal no concurso da Gourmand World Cookbook Awards 2007. A notícia foi-lhe transmitida pelo Presidente Edouard Cointreau da sede em Madrid, convidando-a a candidatar-se ao prémio da categoria seguinte. O vencedor de cada país competirá com os vencedores da mesma categoria dos outros países para The Best of the World que será anunciado em Maio de 2008 no Jantar de Gala anual. Felicitamos a nossa Chefe de Redacção pelo prémio bem merecido que só veio confirmar o seu enorme talento para a cozinha tradicional e exótica de que algumas já conhecem, através da edição de outros tantos livros já editados, como das suas aulas de culinária temática que têm vindo a decorrer no Forte de S. João das Maias desde Setembro do ano passado. Ficamos à espera dos próximos êxitos. Parabéns!

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G E N D A

Pa r a f i c a r i n f o r m a d o s o b r e t o d a s a s a c t i v i d a d e s d a A A A I O p a r a 2 0 0 8

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Agenda Data 12 de Fevereiro

Hora 18 h

16 de Fevereiro 23 de Fevereiro 1 de Março 9 de Março

14 h 16 h 14 h 12 h

10 de Março 12 de Março

17 h 18 h

Março 29 de Março 5 de Abril 15 de Abril

14 h 14h30 14h 18 h

20 de Maio

18 h

24 de Maio 28 de Junho 1-31 de Agosto

15 h 14 h

8 de Novembro 29 de Novembro 20 de Dezembro

16 h 14h30 16h

Actividade Conferência “Portugal na mudança dos tempos – 1789 a 1834”, por Adérito Tavares 6º Encontro com a Gastronomia – Cozinha básica Encontro com as Musas 7º Encontro com a Gastronomia – Cozinha austríaca Lançamento da 1ª Pedra da Casa Nova Dia da Antiga Aluna Conferência “Mafra – um Paço revisitado com D. João VI” por Margarida Montenegro Visita guiada ao Mosteiro de São Dinis Assembleia Geral Ordinária da AAAIO 8º Encontro com a Gastronomia – Cozinha chinesa Conferência “As terceiras pessoas na construção dramática da peça de Sttau Monteiro Felizmente há luar por Maria Lúcia Garcia Marques Conferência (a confirmar) “Sem rainha mas soberana: a música em Portugal na ausência da corte” por Luísa Sawaya Chá da Primavera Festa dos Três Santos Férias no Forte de Santo António do Estoril Magusto Assembleia Geral Ordinária da AAAIO Festa de Natal da AAAIO

Local SHIP, Lisboa Maias Maias Maias Largo da Luz, Quartel da Formação IO SHIP, Lisboa IO Maias Maias SHIP, Lisboa

SHIP, Lisboa

Maias Maias Forte de Santo António do Estoril Maias Maias Maias

Actividades do ATL “Ser Cidadão em Odivelas” Centro de convívio para idosos da Arroja – várias actividades (ginástica, cabeleireiro, trabalhos manuais,etc) Programa de actividades até Julho: Dia Mundial da Paz, concurso de dança, olaria, Dia Internacional da mulher, Dia do Pai, Dia Mundial da Saúde, Dia Mundial da árvore, Dia Internacional da família, Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades, dia dos avós, teatro, canções, etc. Programa de férias (praia) no mês de Julho Passeios a agendar com a Câmara Municipal de Odivelas

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Banco Alimentar Contra a Fome Manter a programação acordada com a instituição que beneficia 130 famílias carenciadas do bairro da Arroja em Odivelas


Infelizmente não somos eternos e é sempre com pesar que dizemos adeus a algumas colegas e residentes

Esmeralda Nunes Guerra Santos Oliveira Sócia Extraordinária Faleceu a 12/03/2007 Miquelina Cardoso AA N.º 100 Faleceu em Outubro de 2007

Idalina Rosa de Sousa Gonçalves Utente do Lar Faleceu a 28/11/2007 Julieta da Graça Espírito Santo AA N.º 329/1933 Faleceu a 2 de Janeiro de 2008

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Maria de Lourdes Silva e Silva Cayolla Tierno AA N.º 212/1930 Faleceu em Novembro de 2007

MEMORIAM

IN MEMORIAM

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IN MEMORIAM

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M aria do Pilar Cabral Paes de Sousa Afonso - A A N . º 7 6 / 1 9 ? ?

Em memória da Teresa

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o dia 29 de Setembro de 2007, faleceu a minha querida irmã partiu desta vida terrena, que sempre viveu com Fé, com Amor, com Esperança e com Caridade. Antiga aluna nº 14, foi brilhante nos estudos e no carácter, pois desde que encetou o curso nunca mais o seu nome deixou de figurar no Quadro de Honra e sempre com Óptimo em Comportamento. E esse era um tempo de grande exigência, tanto académica como de postura e comportamento. Mais tarde encontrou o seu Marido, que por coincidência do destino (ou não?) nasceu no mesmo ano e no mesmo dia da minha irmã, tendo sido sempre um companheiro fiel e amoroso durante os 50 anos do seu casamento, compreendendo e incentivando os ideais de vida que a nortearam. Teve três filhos, oito netos - uma família bonita e feliz que ela alicerçou com o seu exemplo, generosidade, inteligência e muito afecto. Para mim foi um anjo da guarda, que desde os tempos do Colégio sempre me amparou e amou, estando constantemente presente nos bons e nos maus momentos da minha atribulada vida. Ajudou todos quantos a rodeavam, desde as pessoas mais humildes às mais elevadas, contribuindo com a sua generosidade e trabalho para várias instituições de solidariedade. Foi um raio de luz que atravessou este planeta situado no espaço sideral que sempre a comoveu e deslumbrou. Chegou ao fim desta viagem para se encontrar com o Pai e dizer-Lhe humilde e amorosamente: “Aqui estou, Senhor!”

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IN MEMORIAM

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M . M a r g a r i d a Pe r e i r a - M ü l l e r - A A N . º 2 4 4 / 1 9 6 7

Adeus, Mãe da Saúde de São Tomé

meados do mês de Janeiro, soube do falecimento da nossa sócia e amiga Julieta do Espírito Santo, AA n.º 329/1933,no passado dia 2 de Janeiro. Conheci-a há uns anos quando a entrevistei para a nossa revista “Laços”, para a secção”Antiga Aluna, o que é feito de ti?”, tendo-a visitado mais tarde quando fui a São Tomé. Foi uma grande Mulher, corajosa, frontal, extremamente honesta e rigorosa, mas igualmente de um grande humanismo. Viveu toda a sua vida para o bem-estar e para a saúde dos outros, especialmente dos são-tomenses. Licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1955, tendo regressado a São Tomé, então colónia portuguesa, três anos depois. Foi a 1ª médica são-tomense e o pilar do desenvolvimento do Sistema Nacional de Saúde em São Tomé e Príncipe. Grande trabalhadora, nunca se reformou, tendo trabalhado até à sua morte. Foi Directora-Geral dos Serviços de Saúde, Directora do Planeamento e Relações Internacionais, Coordenadora Nacional dos Programas da Organização Mundial da Saúde (OMS) em São Tomé e Príncipe. Actualmente, era administradora do Projecto Saúde para Todos do Instituto Marquês de Valle Flôr, cujo objectivo é a melhoria da qualidade e promoção da sustentabilidade dos cuidados preventivos e primários de Saúde em São Tomé e Príncipe. Tínhamos grande carinho e afeição por ela. Era uma verdadeira Antiga Aluna do Instituto de Odivelas, que vivia o nosso lema “Ser amiga é ser irmã”. Era um exemplo de trabalho e abnegação. Ficamos todas mais pobres com o seu desaparecimento.

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IN MEMORIAM

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José Manuel Soares de Oliveira - A A C M N . º 1 1 2 / 1 9 3 6 - 4 3

Dr.ª Julieta da Graça do Espírito Santo

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notícia do falecimento da Dr.ª Julieta da Graça do Espírito Santo, ocorrido em 2 de Janeiro de 2008 em S. Tomé e Príncipe, foi uma ocasião para evocar boas recordações duma longa vida marcada por uma amizade muito saudável. Conheci Julieta nos idos de 1940 quando ela era aluna do Instituto de Odivelas e eu aluno do Colégio Militar, graças ao facto da residência de Férias do Instituto no Forte de Santo António, em S. João do Estoril, ter como praia privativa a chamada “Praia do Forte”. Aconteceu que a Família de meu Avô utilizava correntemente há já alguns anos essa mesma praia, tendo por essa razão sido autorizada a continuar a frequentá-la, mesmo depois dela ter ficado adstrita em exclusividade ao Forte de Santo António. Convívio excelente, facilitado além disso pelo facto de um dos meus tios, o então capitão Carlos de Chaby, ser professor altamente estimado do Instituto e ser ao mesmo tempo assíduo frequentador da Praia do Forte. Foi depois professor distinto no Colégio Militar. Julieta do Espírito Santo, sem familiares próximos no Continente, era ali uma presença permanente durante as férias de Verão, tal como outras colegas de que recordo Raquel Ribeiro, Irma Maria Viana, Maria de Jesus Pancada e Maria Clotilde Pires, pelos contactos que com elas mantive ao longo da vida. Julieta era então uma referência nas actividades desportivas, em parte por ser prima dum jogador muito popular de futebol, Guilherme Espírito Santo, e em parte pelo seu ecletismo que nos deslumbrava tanto nos jogos de voleibol e basquetebol que organizávamos na praia, como em competições de atletismo, em especial no salto em altura. Verdadeira “gazela”, campeã da simpatia, sempre com um sorriso largo, sonoro, franco e comunicativo. Um sorriso que ficou para a vida inteira! Ao terminar o curso do liceu, o seu sonho centrava-se na prática do ballet, desejo que porém não mereceu os favores de seus pais que tinham outros ideais para ela. E foi por isso que acabou por se decidir pela medicina, actividade que exerceu com foros de pioneirismo, já que foi a primeira médica santomense da História. Paz à sua alma!

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Abertura Solene do Ano Lectivo

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o dia 26 de Outubro de 2007 decorreu a Abertura Solene do Ano Lectivo, no Instituto de Odivelas. Passado este 1º trimestre, não é demais referir que o Instituto está a mudar e uma das provas disso mesmo foi a Abertura Solene. Ora, esta cerimónia teve, para além da habitual palestra, uma sessão de entrega dos laços da aluna. Esta sessão foi estabelecida pelas actuais alunas graduadas e pela direcção no sentido de permitir uma maior ligação entre as novas alunas e as alunas graduadas. O 12º ano e as demais graduadas pretendem ajudar as alunas, desde a sua integração e adaptação aquando da sua entrada no Instituto até todo o seu processo escolar. As alunas podem, desta forma, encontrar em cada graduada uma amiga com quem podem contar, sendo o Instituto a sua segunda casa, onde passam grande parte do seu tempo. Com isto, as novas alunas são integradas no batalhão colegial e são impelidas a viver segundo valores como a amizade, a fraternidade e a lealdade que o Instituto pretende transmitir. Deste modo, as novas alunas e todo o batalhão revive a mensagem do Instituto que está inscrita no laço da Aluna: In Duc in Altum – Cada vez mais alto. Assim, as alunas e o Instituto vivem uma nova abertura solene que surge como uma necessidade de unir o batalhão em torno do seu ideal de viver cada vez mais alto no caminho da sabedoria, permitindo a progressão e evolução do Instituto de Odivelas. Luísa Viegas A N.º 94/12º CCT

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Lição inaugural O alerta que vem dos pólos Nota introdutória: O tema do presente artigo “O ALERTA QUE VEM DOS PÓLOS” constituiu a Lição Inaugural da Abertura Solene do ano lectivo 2007-2008, no Instituto de Odivelas, proferida pela professora Teresa Victória Abrantes.

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biénio que decorre entre Março de 2007 e Março de 2009 foi designado pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Conselho Internacional para a Ciência como IV Ano Polar Internacional, situação que não se verificava há exactamente 50 anos. O evento resulta da congregação de esforços de milhares de cientistas e de centenas de instituições nacionais e internacionais. Visa promover o desenvolvimento da ciência nas regiões polares, mas também divulgar junto da sociedade a importância crucial que as regiões polares têm para a dinâmica e regulação climática do Planeta. Neste programa científico educacional participam mais de 60 países, onde se inclui Portugal, pela primeira vez. No âmbito da participação do nosso país, reuniu-se um grupo de cientistas portugueses que se dedicam ao estuHá que dar do das regiões polares e constituiu-se atenção às mudanças o Comité para o Ano Polar Internacional. Este Comité desenvolveu um proclimáticas jecto educativo designado “Latitude 60”, cujos principais objectivos visam realçar a importância das regiões polares para o nosso planeta e divulgar as mudanças que se estão a operar no Árctico e na Antárctida, ao nível do clima, dos ecossistemas, dos hábitos de vida

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dos povos polares e ainda, as consequências que estas têm para o resto da Terra e, particularmente, para Portugal. O Instituto de Odivelas associa-se a este evento global através da minha apresentação que mais do que uma lição, pretende ser uma mensagem de esperança e uma forma de dar voz ao “ Alerta que vem dos Pólos”.

Antárctida é o continente com a maior altitude média: 2.300 metros (fig.1).

- Localização das regiões polares Em primeiro lugar, começo por localizar e caracterizar, genericamente, as duas regiões tão longínquas mas fascinantes em termos de beleza e poder natural: o Árctico e a Antárctida. Estes dois extremos da Terra assemelham-se, superficialmente. Nos dois locais, o gelo e a neve estão em qualquer parte para onde se olhe, mas por baixo do gelo existe a diferença: se fizermos um buraco no Árctico, após seis metros encontramos água, enquanto que na Antárctida ao fim de quatro quilómetros de gelo encontramos terra. O Árctico é um oceano gelado quase inteiramente rodeado por ilhas e pela parte Norte da Europa, da Ásia, da América e Gronelândia. A Antárctida é um continente gelado rodeado pelo oceano Glacial Antárctico. No Árctico, a espessura média do gelo flutuante é cerca de três metros. Em oposição, a contínua extensão de gelo que cobre a Antárctida - calote glaciária - tem uma área de 14 milhões de quilómetros quadrados, ou seja, uma área aproximada à da Europa. A espessura média do gelo ronda os 2.700 metros, atingindo em alguns locais os 4.000 metros. Este é um dado muito interessante, pois permite-nos concluir que a

Fig. 1 - A Antárctida

Geograficamente, o território divide-se em duas zonas: a Antárctida Ocidental e a Oriental subdivididas pelos Montes Transantárcticos (fig. 2).

ANTÁRCTIDA 14 Milhões Km2

MONTES TRANSACTÁRCTICOS Fig. 2

Na Antárctida Ocidental, a calote glaciária também designada por inlandsis, encontra-se numa vasta área assente sobre o continente, mas a uma altitude abaixo do nível médio do mar. Na Antárctida Oriental, o gelo está assente no continente, acima do nível do mar. A Antárctida Ocidental é, por isso, LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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muito mais instável e mais sensível às alterações climáticas. Na Antárctida, a neve e o gelo sobrepuseram-se, em camada sobre camada, durante centenas de milhares de anos. A imensidão deste gelo (90% de todo o gelo da Terra) esconde um facto surpreendente: a Antárctida é um deserto gelado e seco, uma vez que o total anual de precipitação é muito reduzido. A Antárctida é o continente mais frio, mais ventoso e mais alto do planeta. As regiões polares recebem radiação solar apenas durante seis meses, devido à sua localização na extremidade do planeta e à inclinação do eixo da Terra em relação ao plano de órbita à volta do Sol. Na outra metade do ano, estão em total escuridão. Estes são os principais factores que explicam as baixas temperaturas que aí se registam. Na região do Árctico, as temperaturas podem atingir os -70 º Celsius, no Inverno. No Verão, as temperaturas sobem ligeiramente, porque o Sol permanece, em alguns meses, sempre acima da linha do horizonte. Na Antárctida, as temperaturas médias anuais variam muito ao longo do ano, mas fazendo uma média, esta ronda os -35º Celsius. No Inverno, as temperaturas do ar podem mesmo chegar aos -89º Celsius. Vejamos agora, o que se passa relativamente à fauna e à flora das regiões polares. No meio do oceano Glacial Árctico, a vida animal e vegetal é reduzida, o mesmo não sucedendo nas suas margens, principalmente no Verão, quando se dá a fusão do gelo. Nessa época do ano, as algas desenvolvem-se e servem de alimento a peixes como o bacalhau22

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-do-árctico. No meio marinho existem também, focas, morsas e baleias. O urso polar é um dos animais mais conhecidos do Árctico, vivendo bem adaptado ao frio. Alimenta-se de focas e de outros animais e é capaz de percorrer grandes distâncias à procura das suas presas (fig.3). Fig. 3 - Morsa no Árctico

“Na Antárctida, as baixas temperaturas, o vento frequentemente muito forte, a escassez de solo sem neve ou gelo e os quase seis meses de obscuridade dificultam o desenvolvimento da vida vegetal. Por isso, esta é composta quase exclusivamente por algas, musgos e líquenes.” A maior parte das aves e mamíferos que se observam em terra (albatrozes, pinguins, e focas) utilizamna somente para descansar, acasalar ou fazer os ninhos, pois alimentam-se no mar (fig.4). Aqui, as águas frias favorecem a concentração de oxigénio permitindo o desenvolvimento do plâncton microscópico que está na base de uma vida animal muito rica. Apesar dos meses de escuridão invernal, o plâncton desenvolve-se por baixo do gelo, permitindo que o Kril se alimente dele. O


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Fig. 4 - Foca no Antárctico

Krill é um animal minúsculo idêntico ao camarão e constitui a principal fonte de alimentação de inúmeras espécies como as baleias, as focas e os pinguins (fig.5). Depois desta breve caracterização do Árctico e da Antárctida importa frisar que estes dois reinos gelados estão, actualmente, sob a Fig. 5 - O Krill ameaça de um importante fenómeno: o aquecimento global. - O efeito de estufa e a sua contribuição para o aquecimento global Mas o que é o aquecimento global? Para que possamos responder a esta questão, é necessário conhecer, ainda que sumariamente, a constituição do sistema Terra. A Terra é constituída por cinco elementos fundamentais: a atmosfera (camada gasosa que envolve e protege a Terra), a hidrosfera (oceanos, rios e água subterrânea), a litosfera (as rochas da

superfície terrestre e as formas de relevo), a criosfera (parte da Terra que está congelada - glaciares, mar gelado, neve e permafrost) e a biosfera (que inclui os seres vivos) (fig.6).

Fig. 6 - Constituição do sistema Terra

Qualquer alteração num destes elementos pode ter interferência nos outros. Por exemplo, como refere o cientista polar Gonçalo Vieira, o aumento da temperatura do ar pode causar a fusão dos glaciares e, consequentemente, desencadear uma subida do nível do mar que por sua vez, poderá erodir ou submergir muitas áreas litorais e afectar muitos seres vivos, incluindo o próprio Homem. Para compreendermos em que é que consiste o aquecimento global, importa analisar como funciona, em primeiro lugar, a atmosfera. Sem a atmosfera a vida seria impossível. É ela que nos fornece o ar que respiramos, que nos protege das radiações solares e dos meteoritos e nos mantém com uma temperatura agradável. “Contudo, se imaginássemos a Terra como uma cebola, a espessura da nossa atmosfera não excederia a da sua camada exterior.” A atmosfera possui quatro LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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camadas distintas: a troposfera, a estratosfera, a mesosfera e a termosfera. Para analisar o aquecimento global, debruçar-nos-emos sobre a troposfera (fig.7).

Fig. 8 - Composição da Troposfera

Fig. 7 - Camadas da atmosfera

meno muito importante: o efeito de estufa. Para percebermos em que consiste o efeito de estufa, é necessário analisar o mecanismo de uma estufa. Dentro dela, os raios solares (radiação solar) atravessam o vidro e atingem o solo e as formações vegetais. Depois de absorvidos por estes, são convertidos em calor (radiação infravermelha) que dificilmente atravessará o vidro (fig.9). Consequentemente, o calor acumula-se dentro da estufa e a temperatura aumenta. No nosso planeta existe um processo semelhante.

A troposfera é a camada inferior da atmosfera. Estende-se em média doze quilómetros acima da superfície da Terra e contém 80 por cento de todos os gases da atmosfera. É constituída por azoto (78 por cento), oxigénio (21 por cento) e outros componentes (1 por cento) dos quais se destacam o vapor de água (H2O), o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e outros gases raros, assim como partículas sólidas e líquidas em suspensão (fig.8). Alguns destes gases são cruciais para a vida no nosso planeta. Por exemplo, é a partir do vapor de água existente na atmosfera que se formam as nuvens. Além disso, componentes como o vapor de água, o dióxido de carbono e o metano são fundamentais num fenó- Fig. 9 - Efeito de estufa 24

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O vapor de água, o dióxido de carbono, o metano, o óxido nitroso, o ozono (troposférico), os clorofluorcarbonetos e os hidroclorofluorcarbonetos existentes na atmosfera funcionam como o vidro ou o plástico transparente de uma estufa, uma vez que são os principais responsáveis pela absorção e reflexão da radiação terrestre. Na sua ausência, a radiação infravermelha não seria absorvida pela atmosfera. “Nesta situação hipotética, a temperatura média global da atmosfera à superfície seria próxima dos -18º Celsius em lugar dos actuais 15º Celsius. Esta diferença de 33º resulta de um efeito de estufa natural que favorece decisivamente as condições de habitabilidade do nosso planeta.” Perante esta constatação, é evidente que o fenómeno do efeito de estufa é benéfico para a vida na Terra. Todavia, verifica-se actualmente, um grave problema associado a este fenómeno e que se prende com o aumento acentuado e desregulado de dióxido de carbono e de outros gases com efeito de estufa. De 1970 a 2004, a emissão global destes gases aumentou 70 por cento (IPCC, 2005). O aumento dos gases com efeito de estufa leva a que aumente a barreira que retém grande quantidade da radiação infravermelha, impedindo, consequentemente, que esta se liberte para o espaço. Daqui resulta o aquecimento global que se tem traduzido num aumento da temperatura média não só da atmosfera como dos oceanos, à escala planetária. Os actuais modelos que simulam o sistema climático terrestre, incluindo a atmosfera, os oceanos e a biosfera, in-

dicam que parte das alterações climáticas observadas, a nível global, é causada pelas emissões de gases com efeito de estufa provocadas pelas actividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis e as alterações no uso dos solos, em particular a desflorestação. Há vários sinais de alterações climáticas recentes. Desde o início do século XX, a temperatura média global da atmosfera à superfície aumentou cerca de 0,6º Celsius. Em algumas regiões continentais, o aumento foi maior como, por exemplo na Europa onde atingiu 0,95º Celsius. No que respeita à precipitação, observou-se especialmente nas últimas décadas uma maior frequência de fenómenos extremos: episódios de precipitação intensa, sobretudo nas latitudes médias e elevadas, e secas nas latitudes médias. Durante o século XX, observou-se um recuo da grande maioria dos glaciares de montanha, uma redução da massa de gelo nas grandes altitudes e uma redução significativa na área de gelos permanentes no Árctico (fig.10).

Fig. 10 - Redução da área de gelos do Árctico

“Quanto ao futuro os modelos climáticos projectam um agravamento destas tendências. Para a temperatura média LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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global, a projecção até 2100 é de um aumento entre 1,4º e 5,8º Celsius. Na Europa, o aumento projectado é de 2,0º a 6,3º Celsius, um pouco mais elevado do que a média global.” À medida que a temperatura média do ar à superfície aumenta, verifica-se também uma lenta transferência de calor do ar para as camadas superficiais dos oceanos. Embora este processo seja muito lento, é um dos responsáveis pela elevação do nível do mar devido à expansão térmica dos oceanos, uma vez que a água quente ocupa mais espaço do que a água fria. Segundo o Quarto Relatório de Avaliação, de 2005, do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (organismo da ONU), o nível médio global dos oceanos subiu 10 a 20 centímetros durante o século XX, facto que resultou principalmente, da dilatação térmica da camada superficial dos oceanos (IPCC, 2005). Segundo as projecções feitas pelo mesmo relatório, o nível médio das águas do mar aumentará entre 28 e 43 centímetros até ao final do presente século.

nos gelados os cientistas estão a assistir às mudanças mais rápidas e aos efeitos mais drásticos das mudanças climáticas do que em qualquer outro ponto da Terra.” No Árctico, a temperatura já subiu dois graus Celsius nos últimos cinquenta anos, o dobro da subida do mercúrio nos termómetros mundiais. O aquecimento global está a acelerar a fusão do gelo. O Árctico é uma região erguida sobre a água. Gelo flutuante que todos os Verões derrete em água salgada para voltar a congelar no Inverno. Tem sido assim desde há milhões de anos. Só que a extensão de gelo que cobre o Oceano Glacial Árctico tem diminuído, no Verão, cerca de 20 por cento desde 1979. Além disso, o gelo que permanece tem-se tornado muito menos espesso. Os estudos feitos pelos submarinos da Marinha dos EUA, durante o último meio século, conjugados com imagens de satélite revelaram que a camada de gelo perdeu 40 por cento da espessura que tinha há quatro décadas (fig.11).

- As consequências nas regiões polares e os seus impactos à escala planetária Os efeitos do aquecimento global são já visíveis em muitos pontos do planeta e ocorrem a um ritmo avassalador. As regiões polares são, sem dúvida, as mais sensíveis às alterações climáticas. Como afirmou Al Gore, ex-vice presidente dos Estados Unidos da América e Prémio Nobel da Paz (2007), “nestes dois rei26

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Fig. 11 – A camada de gelo do Árctico diminui 20% desde 1979


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Se as previsões para o aquecimento global se confirmarem, o gelo do Árctico desaparecerá de uma só vez nos Verões da segunda metade deste século. As razões pelas quais a calote gelada do Árctico tem vindo a diminuir tão depressa são as seguintes: primeiro, é muito mais fina que a calote da Antárctida, visto que flutua sobre o Oceano Árctico; segundo, logo que uma porção de gelo se derrete, há uma diferença drástica na quantidade da radiação solar absorvida pelo oceano. Tal como podem observar, o gelo, particularmente nos Pólos, devolve ao espaço 90 por cento da luz solar que nele incide, como se fosse um espelho gigantesco, enquanto a água do mar reflecte apenas 5 a 10 por cento da radiação solar, acabando por absorver a restante. Ao aquecer, a água exerce uma maior pressão de fusão na extremidade do gelo adjacente. A isto os cientistas chamam retroacção positiva. E está a acontecer neste momento no Árctico. Com o degelo do Árctico, não haverá uma subida do nível das águas do mar. Afinal, à volta do Pólo Norte há oceano congelado e, por isso, quando o gelo derrete não aumenta o volume da água. O mesmo não se passa na Gronelândia: os glaciares da segunda maior massa de gelo do planeta estão a derreter rapidamente e a empurrar mais água para o oceano, fazendo aumentar o nível médio dos oceanos no mundo. Na Gronelândia, os cientistas verificaram que se têm formado lagoas de água do degelo. Estas lagoas sempre

existiram, mas a diferença é que actualmente cobrem uma área cada vez maior. Esta água resultante do degelo penetra até ao fundo, abrindo sulcos e túneis verticais a que os cientistas chamam moulins (Fig.12). Quando a água atinge o fundo do gelo, lubrifica a superfície do leito da rocha e destabiliza a massa de gelo, havendo a Fig. 12 - Os Moulins da possibilidade Gronelância de esta deslizar mais rapidamente para o oceano. O degelo sazonal e a formação de moulins sempre ocorreram no passado. Porém, o degelo tem-se intensificado a um ritmo acelerado, como se pode observar na fig. 13.

Fig. 13 - Degelo na Gronelândia LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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Estas mudanças na cobertura de gelo já estão a ter implicações nas espécies que habitam no Árctico. O urso polar luta, desesperadamente, por um lugar onde consiga sobreviver e escapar à extinção (fig.14). Um estudo científico mostrou que pela primeira vez, um número significativo de ursos polares tem vindo a afogar-se. Actualmente, os ur-

A Corrente do Golfo transporta calor do Trópico de Câncer para as áreas mais frias do Atlântico Norte. Isto explica, por exemplo, que no Inverno as cidades de Lisboa e de Madrid sejam mais quentes que a cidade de Nova Iorque localizada, sensivelmente, à mesma latitude. A água que fica no Atlântico Norte, quando a água quente se evapora, é, não só mais fria, mas também mais salgada. Por isso, torna-se muito mais pesada e afunda-se muito rapidamente dando início à corrente de água fria que se desloca para Sul em direcção ao Equador, ao longo da costa Leste da América do Norte. Contudo, nas águas do Atlântico Norte, tem-se registado uma reduFig. 14 - No Árctico o urso polar está em perigo ção significativa da salinidade e da densidade, resultante de um maior sos têm de nadar distâncias muito maiofluxo de água doce causada pela fusão res entre as banquisas - plataformas de dos gelos oceânicos, do degelo dos gelo que se formam todos os anos nas glaciares e de um maior escoamento nos regiões polares. Por outro lado, as forios. Ora, segundo alguns cientistas, o cas sem alimento estão a perder gorduagravamento futuro desta tendência e o ra e não conseguem resistir à vida nas aumento das chuvas nas latitudes eleáguas geladas. vadas poderão reduzir a salinidade das “Modelos climáticos recentes indicam águas polares. Este facto, conjuntamenque um aumento da temperatura méte com o aquecimento, reduz a densidia global da atmosfera, superior a 3º dade das águas polares e diminui o seu Celsius, poderá conduzir à fusão inteafundamento, podendo mesmo alterar a gral da camada de gelo sobre a circulação termo-halina do Atlântico Gronelândia, num intervalo superior a Norte, com consequências graves para o 1.000 anos. Esta fusão elevaria o nível clima regional. Esta alteração poderia médio do mar em cerca de 7 metros.” provocar uma nova era glaciar no HeSegundo os cientistas, a fusão do gelo misfério Norte e trazer icebergs até à costa da Gronelândia, para além de contride Portugal. buir para o aumento do nível das águas Nestes cenários alarmantes, existe aindo mar, poderá também alterar a circuda um elemento ameaçador que como lação das correntes marítimas, nomeadiz o astrofísico francês Hubert Reeves, damente o curso da Corrente do Golfo, “é um dragão adormecido sob os gelos que modera o clima europeu. polares que não deve ser acordado: o 28

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metano”. Este é outro dos gritos de alerta que vem dos Pólos. Efectivamente, em vastas áreas das regiões polares, o solo encontra-se congelado e, durante a estação quente, apenas funde a camada mais superficial com alguns metros de profundidade. Essa camada, que está por cima do solo gelado, chama-se camada activa. O solo permanentemente gelado que está por baixo chama-se permafrost. Ora, existem grandes quantidades de metano sequestradas no permafrost das regiões polares. O permafrost inclui, além de solo, também a rocha, a matéria orgânica, a água e os gases presentes no subsolo, desde que permaneçam a temperaturas inferiores a 0º Celsius. Como foi dito anteriormente, o permafrost é um componente fundamental da criosfera e tem implicações directas no sistema climático mundial. Em vastas áreas da Terra, com especial incidência no Árctico, o permafrost incorpora grandes quantidades de matéria orgânica que não se pode decompor, porque está isolada da atmosfera e porque a temperatura do permafrost é muito baixa. A maior parte desta matéria orgânica é constituída por restos de vegetais ou animais congelados e que estão como que armazenados no permafrost, que funciona como um enorme reservatório de carbono. Com o aumento das temperaturas do ar que tem ocorrido nas latitudes mais elevadas, regista-se em muitos locais, a fusão do permafrost. “Ao fundir, formam-se, geralmente, áreas pantanosas e o carbono que antes estava isolado vai decompor-se por acção de microrganismos que o transformam em meta-

no e em dióxido de carbono. Estes são importantes gases com efeito de estufa e ao serem libertados para a atmosfera vão, por sua vez, contribuir para um aumento das temperaturas da Terra e consequentemente, para uma maior degradação do permafrost. Este é outro exemplo de retroacção positiva, ou seja, a fusão do permafrost pode conduzir a uma maior fusão do mesmo e a um maior aquecimento global.” Outro sinal de alerta de que algo está a mudar muito rapidamente nas regiões polares foi o que se passou na Antárctida em 2002. Em Fevereiro desse ano, a plataforma de gelo Larsen B, localizada na Península da Antárctida, com uma área de 3.250 quilómetros quadrados, fracturou-se e desapareceu num período de 35 dias (fig.15).

Fig. 15

Convém referir que “as plataformas de gelo são partes dos glaciares que se prolongam desde o continente para o interior do oceano. Têm uma superfície aplanada e a sua espessura atinge os 200 metros. Estas plataformas de gelo estão a flutuar e a sua fusão não tem implicações no nível do mar. Contudo, elas funcionam como travões ao moviLAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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mento dos glaciares que as alimentam, e quando as plataformas fundem, esses glaciares ficam desprotegidos. A acção do mar faz-se sentir directamente nos glaciares continentais, e estes acabam por aumentar a sua velocidade de deslocação, contribuindo para um aumento do nível do mar.” “Em 2003, um estudo que resume uma década de dados de satélite revelou que a causa para o colapso da plataforma de Larsen B foi a fusão tanto da parte de cima como da parte de baixo da plataforma de gelo, provocada pelo aquecimento da atmosfera e do oceano. Este aquecimento tornou-a tão fina e tão cheia de fendas que a sua destruição era inevitável.” As imagens de satélite mostram que as lagoas de degelo que se encontram no topo da plataforma tiveram uma acção determinante neste processo. À semelhança do que se passa na Gronelândia, a água penetra na vertical e faz com que a massa de gelo deslize rapidamente para o oceano. Em suma, o desaparecimento daquela plataforma, que chocou muitos cientistas, está relacionado com o aumento das temperaturas, tanto da atmosfera (cerca de 2,5º Celsius nos últimos cinquenta anos), como do oceano. Aliás, a Península da Antárctida constitui uma das áreas do planeta onde o aquecimento tem sido mais acentuado. Os pinguins-imperador, tal como os outros animais que dependem do gelo flutuante para se reproduzirem e para se alimentarem são os primeiros a sofrerem com o aquecimento global. Estudos recentes indicam que a população de pinguins-imperador diminuiu cerca de 70% desde 1960. 30

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Os cientistas estão também preocupados com o que poderá ocorrer na Antárctida Ocidental. Como já foi referido, ali “a massa de gelo é mais vulnerável às alterações climáticas, porque em muitos locais, a sua base encontrase abaixo do nível médio das águas do mar. Levantamentos recentes indicam que os glaciares na região Oeste estão a perder massa e alguns deles a fluir mais rapidamente para o oceano, provavelmente devido ao efeito do aumento da temperatura superficial na base do glaciar (fig. 16). (...) Note-se que a fusão da camada de gelo naquela região corresponderia a um aumento do nível médio do mar da ordem de 5 metros. (...) A fusão da totalidade da actual calote polar antárctica produziria um aumento do nível médio do mar da ordem de 60 metros. Consequentemente, a fusão total dos gelos da Gronelândia e da Antárctica produziria um aumento do nível médio do mar de cerca de 67 metros.”

Fig. 16 - Glaciares fluem para o Oceano

- As consequências em Portugal As regiões polares, apesar de distantes, são componentes fundamentais do sistema global e as mudanças climáticas


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que aí se registam terão consequências directas em todo o mundo e, naturalmente, em Portugal. Neste contexto, importa realçar de que modo as alterações evidenciadas nas regiões polares poderão afectar o nosso país. Como já foi referido, se existir uma alteração na circulação termo-halina do Atlântico Norte, devido à fusão do gelo dos glaciares e às outras alterações que se fazem sentir no Árctico, é expectável que se verifiquem mudanças climáticas na Europa, nomeadamente em Portugal. Se a fusão do permafrost continuar a verificar-se nas latitudes mais elevadas, é provável que aumente a libertação de dióxido de carbono e de metano, dois importantes gases com efeito de estufa. Estes gases, ao serem libertados, vão contribuir para o aumento da temperatura média à superfície da Terra, ou seja, para o aquecimento global. “O aquecimento global pode ter várias consequências, como a mudança do ritmo climático, a intensificação de fenómenos meteorológicos extremos e a subida do nível do mar. Isto é algo que nos afecta a todos.” Portugal, localizado no Sul da Europa, é uma das regiões mais vulneráveis às alterações climáticas. Segundo os cenários do relatório do SIAM, sigla do grupo que estuda as alterações climáticas em Portugal, divulgado em Fevereiro de 2006, prevê-se um aumento significativo da temperatura média em todas as regiões do país, até ao final do século XXI, acompanhado por um incremento da frequência e intensidade de ondas de calor, redução da precipitação, principalmente no Sul de Portugal e secas prolongadas. Além disso,

estima-se um aumento da frequência de períodos de precipitação extrema, aumentando a intensidade e a frequência dos episódios de cheia, principalmente no Norte do país. Estas alterações terão impactos mais ou menos significativos em vários sistemas naturais e sociais tais como: recursos hídricos, agricultura, florestas, biodiversidade, saúde humana, zonas urbanas e turismo, entre outros. A subida do nível médio das águas do mar terá alguns impactos na costa de Portugal Continental. A nossa zona costeira estende-se por cerca de 950 quilómetros e alberga três quartos da população. É aqui que se encontram os principais centros de decisão política, os pólos comerciais e industriais, o que lhe confere uma elevada importância a nível nacional. Durante o século XX, o nível médio do mar subiu cerca de 15 centímetros no litoral de Portugal Continental. As projecções, no cenário mais pessimista, apontam para uma subida de 1 metro do nível médio do mar até 2100 (IPCC, 2001). Esta subida poderá provocar um aumento da erosão costeira, a inundação de terras baixas e a contaminação salina das águas subterrâneas, devido à intrusão da água salgada em algumas áreas litorais. Por outro lado, o aquecimento das águas superficiais do oceano Atlântico poderá incentivar a migração de espécies marinhas para Norte, o que afectará a nossa pesca com reflexos económicos para as comunidades piscatórias. Convém, no entanto, salientar que as consequências apresentadas são meras previsões e estão condicionadas pela incerteza dos cenários de emissão de LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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gases com efeito de estufa, bem como pelas deficiências dos modelos utilizados. - O que podemos fazer para travar o aquecimento global Uma ideia presente na mente dos mais cépticos, quanto às alterações climáticas, é que estas poderão afectar a humanidade nas próximas décadas, mas que, de momento, não representam qualquer ameaça imediata para nós. Não se iludam os que pensam deste modo, porque não se trata de um amanhã assim tão distante. Quando olho para os meus pais, que nasceram um pouco antes da segunda Guerra Mundial, vejo-os a deleitarem-se na companhia dos seus netos. Vê-los juntos é observar uma cadeia de amor que se prolongará por 150 anos pois esses netos só atingirão a idade que os meus pais têm presentemente dentro de muito tempo. Para mim e para eles, o bem-estar das crianças é tão importante como o nosso. Sendo assim, quando nos preocupamos em lhes dar uma boa educação e saúde e em garantir o seu futuro em termos monetários, devemos pensar que este esforço será em vão se não considerarmos a nossa obrigação de cuidarmos da Terra que é, afinal, a sua e a nossa casa. A uma escala maior, 70 por cento de todas as pessoas que estão vivas hoje ainda estarão vivas em 2050, motivo pelo qual as alterações climáticas influenciam quase todas as famílias do planeta. Todos nós, indivíduos e empresas, contribuímos para o fenómeno do aquecimento global: com a energia que con32

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sumimos em casa, na escola, nos edifícios, nos escritórios e nos processos produtivos; com as nossas opções de transporte e com os resíduos que produzimos. Combater as alterações climáticas significa reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, o que passa, sobretudo, por reduzir o consumo de energia. Se o problema pertence a todos, a solução também. Existe uma responsabilidade sobre o clima que pode e deve ser voluntária. Todos nós podemos fazer algo para minimizar esta crise climática. Em casa, grande parte da energia que consumimos é eléctrica. Como a electricidade é produzida, parcialmente, em centrais térmicas que queimam combustíveis fósseis, quando consumimos electricidade em nossa casa, estamos a contribuir para a emissão de gases com efeito de estufa. Através de uma selecção e utilização eficiente dos equipamentos domésticos, podemos reduzir as emissões de carbono, ao mesmo tempo que reduzimos a factura energética. As nossas opções de mobilidade condicionam também o nível de emissões. Alterando a forma como nos movimentamos e como conduzimos, podemos poupar combustível, aumentar a segurança e reduzir as emissões. Para finalizar, gostaria de vos dizer que o futuro começa hoje, com as nossas atitudes e pequenos gestos. Vivemos numa época em que a informação flui rapidamente, em que os discursos dos cientistas e dos políticos se multiplicam e se conjugam com acções à escala planetária com um objectivo comum: alertar a nossa consciência para a necessidade de agir com rapidez.


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Como disse Martin Luther King: “Estamos confrontados com a urgência premente do agora. Neste enigma da vida e da História, que se vai revelando, existe a possibilidade de chegar tarde demais (…).” Uma das formas mais expressivas de demonstrar o carinho pelos nossos filhos e pelos nossos netos é deixar-lhes uma casa que seja habitável – este, ainda nosso, planeta azul! Referências bibliográficas AA.VV. (2005), Atlas National Geographic, volume 10, Edição portuguesa, RBA Coleccionables, S.A. FLANNERY, Tim (2006), Os Senhores do Tempo, Lisboa, Editorial Presença,. GORE, Al. (2007), Uma Verdade Inconveniente, 3ª ed., Lisboa, Esfera do Caos. MEDEIROS, Carlos Alberto (Dir), (2005), Geografia de Portugal - O Ambiente Físico, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores.

REEVES Hubert, (2006), A Agonia da Terra, Lisboa, Gradiva. SANTOS, F., MIRANDA, P., (2006), Alterações Climáticas em Portugal Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação – Projecto SIAM II, Lisboa, Gradiva. STRAHLER, Alan, STRAHLER, Arthur, (2000), Introducing Physical Geography, 2ª ed., New York,Wiley. VICTÓRIA, Teresa, MENDES, Fátima, (2002), O Mundo de Todos Nós, Lisboa, Plátano Editora. VIEIRA, G. et al, anopolar.no.sapo.pt/latitude60/index.html XAVIER, J. et al, Pergunta a um Cientista Polar, http://anopolar.no.sapo.pt/latitude60/

Sites utilizados http://anopolar.no.sapo.pt/latitude60/ www.carbono-zero.com www.visão.pt www.meteo.pt www.nationalgeographic.com www.iambiente.pt www.earthobservatory.nasa.gov

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As Graduadas e as Graduações

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o Instituto de Odivelas, desde 2004, as alunas do 12º ano e algumas alunas do 11º ano têm sido escolhidas pela direcção para assumirem as funções de graduadas. Neste ano lectivo de 2007-2008, realizou-se a cerimónia de graduação, no dia 12 de Setembro. Após o curso de graduações, nos dias 10 e 11 de Setembro, com aulas de nutrição, psicologia, etiqueta e ordem unida, as alunas graduadas receberam e acolheram as novas alunas com actividades lúdicas e didácticas de modo a familiarizá-las com a vida colegial. O curso de graduadas, a cerimónia e o contacto com as novas alunas ajudaram as alunas mais velhas a percepcionar que esta função de ser graduada é deveras difícil, pois a aluna graduada tem de dar o exemplo perante todas as alunas e tem de ajudá-las nas suas dificuldades, conciliando toda esta responsabilidade com o seu plano de estudos e a sua vida escolar. LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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É de notar que as alunas graduadas estão hierarquizadas, tendo maior relevância a Comandante de Batalhão, Liliana Cardeira nº 237, seguidamente, a Porta-Estandarte, a Porta-Guião, as Comandantes de Companhia, a Escolta e, por último, as Comandantes de Ano. Relativamente às graduações não é demais referir que a Comandante de Batalhão tem a função de estabelecer a comunicação entre a Direcção, as graduadas e o corpo de alunas e de chefiar as graduadas; a Porta-Guião e a Escolta têm a função de auxiliar a Comandante Batalhão e as Comandantes de Ano; já as Comandantes dos respectivos anos estão responsáveis por coordenar e ajudar esses mesmos anos. Assim, as alunas estão empenhadas em assumir as suas funções com muito vigor e respeito e esperam, através do trabalho desenvolvido junto das alunas, poder contribuir para melhorar o espírito do corpo de alunas e contribuir para um bom ambiente colegial. Por Luísa Viegas A N.º 94 / 12º CCT Q Q

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Exposição de motivos de Natal no Instituto de Odivelas

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o dia 10 de Dezembro foi inaugurada, pela Directora do Instituto de Odivelas, Dr.ª Graça Martins, e na presença da antiga Directora, Dr.ª Margarida Raimond, a tradicional exposição de Natal, subordinada ao tema «Motivos de Natal», em que foram expostos alguns dos trabalhos realizados pelas Alunas nas disciplinas de Educação Visual e Tecnológica (2.º e 3.º ciclos) e do Curso de Artes (Ensino Secundário). O local escolhido para este evento cultural foi uma das salas de recreio das Alunas, onde se albergaram alguns dos trabalhos realizados ao longo do primeiro período, os quais se encontram agrupados segundo os diversos 34

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níveis de ensino, e de acordo com os motivos representados, as técnicas e os materiais utilizados. Ao visitante da exposição é possível


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percorrer um circuito que inicia com trabalhos das alunas dos 5.º e 6.º anos, executados em papel, com recurso à técnica “origami”, que permite trabalhar uma concepção geométrica a partir da forma do quadrado, com uso da régua e esquadro. Dessa técnica são igualmente exemplos a construção de caixas e a decoração de uma árvore de Natal exclusivamente com flores de papel, obra das alunas do 8.º ano. Recorrendo a este mesmo papel foram realizados outros interessantes trabalhos, tais como cartões postais, selos personalizados, e sacos decorados com motivos natalícios, utilizando uma técnica tão simples como a do recorte e colagem. Ao nível do 9.º ano, foram apresentados trabalhos de grupo, tendo por inspiração o Natal mas extrapolando para outras questões, como o ambiente e a preservação dos ecossistemas. «Comunicar o Natal» foi a mensagem que deu o mote a alguns trabalhos efectuados em papel colorido, recorrendo igualmente à sobreposição e colagem, de que resultaram painéis multicolores, representando o globo terrestre, na sua multiplicidade. Mais próximo dos ícones tradicionais do Natal, um outro grupo representou uma estrela, através da pintura acrílica em suporte de tela.

O presépio foi outro dos motivos escolhidos pelos grupos para recriarem um pouco da tradição e das imagens desta época. Na escultura de presépios, a imaginação das Alunas foi igualmente fértil, sendo possível observar trabalhos elaborados a partir de materiais tão diversos como massa “Fimo”, massas alimentícias ou metais. A modelagem de massa deu também origem à criação de bases de velas, adequadas à decoração da mesa de Natal. Outros motivos trabalhados foram a árvore de Natal, o Pai Natal com as renas e a simpática figura do boneco de neve, que serviram de inspiração para as Alunas. Para a criação destas figuras, representadas tridimensionalmente, recorreu-se a materiais como a pasta de papel, a pasta de madeira e o papel “maché”. Uma obra intitulada “Reis Magos”, do 8.º ano, é exemplo do uso desses materiais, numa interpretação construtivista, que

parte do uso de material e objectos do quotidiano atribuindo-lhes novas formas e novos significados. Surgiram assim interessantes trabalhos em baixo-relevo sobre cartão, pelo 7.º ano, num trabalho simultâneo de escultura e pintura. O Ensino Secundário apresentou trabalhos que são pequenas obras de arte, quer pela subtileza das formas, quer pela elaboração e LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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complexidade que atingem, requerendo técnicas e materiais mais sofisticados. Veja-se, a título de exemplo, a representação da Sagrada Família e os centros de mesa sobre uma base de acrílico. A Sagrada Família constituiu, aliás, um dos motivos centrais da exposição, com diversos trabalhos a ilustrarem-na. Num sentido mais abstracto, mas versando alguns dos mesmos motivos e temas é apresentado um trabalho com espelhos e candeeiros de papel, intitulado «Universos», da autoria do 12.º ano do Curso de Artes Visuais, constituído por um conjunto de espelhos instalados numa base circular, no chão, sobre os quais incidem focos de luz, sendo possível ao observador captar através deles a sua própria imagem, ao mesmo tempo que lê uma mensagem escrita. Sobre a sua simbologia, reflectiram as Alunas, na fase de elaboração do trabalho, deixando-nos o seguinte apontamento: A forma das esferas, que se assemelha a planetas dispersos no espaço, inspirou o nome do projecto: “Universus”. A obra remete para um mundo feito de muitos povos que cada vez mais se afastam, embora partilhem o mesmo espaço (simbolismo das esferas). No chão, os espelhos reflectem os movimentos descritos pelos candeeiros, como que remetendo para um Eu egoísta que cada vez mais se desenvolve nas sociedades dos nossos dias, falam de um mundo que já não vê para além da sua imagem reflectida num espelho que não mostra mais que uma imagem exterior, superficial. No espelho partido, de onde “sai” a mensagem, há a quebra, a ruptura com o jogo de luzes, como o acordar da inércia em que parece mergulhada a sociedade. A Mensagem: “Era uma vez um mundo de fantasia, um reino de máscaras e faz-de-conta. 36

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Aproxima-te… Olha-me… Conhece-me… Conhece-te… Reflecte-te.”, fala novamente das vidas de plástico que se levam, vidas para serem vistas apenas, em que a aparência é tudo e o conteúdo pouco significa. A frase tem, por fim, o objectivo de convidar quem quer que seja que esteja a vê-la a participar na experiência do conhecimento real, a perder um pouco de tempo a conhecer e admirar os valores intemporais, a “reflectir-se”, a deixar a sua marca. A exposição exibe ainda um trabalho colectivo, intitulado «Presépio Multicolor», que consta de vitrais coloridos, executados em cartão e papel celofane, de que se evidencia a geometria das formas (com preponderância para o triângulo, em sobreposição, sugerindo um efeito de verticalidade), os jogos de luz e as transparências, bem como a profusão de cores a partir dos tons básicos. Este trabalho baseia-se em construções geométricas muito rigorosas, tendo por base o triângulo, associado às estrelas e às figuras humanas, com uma implícita leitura simbólica. Mais uma vez e, segundo uma das tradições do Instituto, as Alunas demonstraram, através dos seus trabalhos, um grande sentido estético e uma grande sensibilidade e imaginação criadora, atributos associados ao rigor e à capacidade de trabalho, incutidos pelas suas Professoras. A qualidade e diversidade dos trabalhos expostos merecem, pois, uma visita atenta por parte de todos os apreciadores de Arte, não sendo, certamente, exagero afirmar que muitas das jovens alunas se revelarão futuros talentos.


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Festa de Natal no Instituto de Odivelas

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o dia 14 de Dezembro celebrou-se o Natal no Instituto de Odivelas. As festividades tiveram início com uma eucaristia solene, celebrada pelo capelão Borges, à qual assistiram a Directora, Dr.ª Graça Martins, as alunas dos diversos níveis de Ensino, bem como os professores, funcionários civis e pessoal militar do Instituto. A celebração eucarística foi acompanhada por lindos cânticos, interpretados pelo grupo musical das alunas, dirigido pela professora de Música, Dr.ª Amélia Pinto. Esta missa, que assinala a vivência cristã do Natal no Instituto de Odivelas, culminou com uma oração especial, dedicada pelo capelão Borges às alunas e suas famílias e a todos os que aqui vivem e trabalham. Rezava assim: Abre o teu coração para receber os sonhos… Alimenta expectativas realistas e positivas para o novo ano… Rodopia… Lança para longe o medo… Sente a vida!... Sonha, procura, espera… Ama e semeia a felicidade! Deixa a tua alma voar alto; deixa-a chegar aos braços de Deus… Deposita n’Ele toda a tua confiança, a tua vida, os teus desejos mais íntimos, os teus limites, as tuas adversidades… Acredita que também eles chegarão ao céu… Irão juntar-se às estrelas, penetrar o coração de Deus e voltarão cheios de energia para se tornarem reais. Basta querer de verdade, ter fé e nunca, NUNCA desistir deles!... E então, aquele Deus feito Menino, Ele mesmo descerá uma vez mais à terra e escolherá o teu coração para revitalizar e inundá-lo de uma alegria sem fim. Capelão Borges Após a cerimónia religiosa, era então tempo de iniciar o momento recreativo tão aguardado e cuidadosamente preparado por alunas e professores. A festa decorreu segundo um programa diversificado e atractivo, tendo iniciado com um momento musical, em que foram interpretados os temas «Joy to the world» e «Natal Africano», pelas alunas de Música, recorrendo a diversos instrumentos musicais, o que gerou um efeito de grande harmonia. Depois do prelúdio musical, seguiu-se um momento de poesia, em que foram ditos «História Antiga», de Miguel Torga, Poesia ao gosto popular, «Natal», de Pedro Homem de Mello, «Sete Loas de Natal», de Moreira das Neves, e «O Menino Deus», trova popular. Na arte da representação as nossas alunas demonstraram igualmente a sua vocação e empenho, numa peça intitulada «A greve dos anjos», da autoria do 6.º 2.ª e «A nossa peça de Natal», do 6.º 1.ª, esta última adaptada e encenada pelo 9.º ano de Oficina de Teatro e da opção de Música LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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leccionada pela Dr.ª Amélia Pinto. Entre as duas peças actuou novamente o coro, entoando o cântico de «Glória». A poesia foi a expressão escolhida pelas alunas do 7.º 1.ª, que escreveram e recitaram um poema alusivo a esta festa, intitulado «Sim, então haverá Natal». Duas outras turmas – do 7.º e 9.º anos – proporcionaram à assistência outro agradável momento musical, seguindo-se-lhe novo momento de poesia, interpretada pelos 8.ª 1.ª, 2.ª e 3.ª. Foram ditos os poemas «Litania para o Natal de 1967», de David Mourão-Ferreira, «Hoje é dia de ser bom», de António Gedeão, e «Natal», de Manuel Sérgio. O 11.º ano subiu então ao palco para interpretar uma peça da autoria das alunas, «O rapto do Pai Natal», em que demonstraram, para além de um excelente desempenho, um elevado sentido de humor, engenho e criatividade, tendo levado a assistência a uma verdadeira apoteose, em alguns momentos cómicos muito bem conseguidos. A festa encerrou com um momento musical, em que as alunas interpretaram o tema «I wish you a merry Christmas», igualmente muito apreciado e recebido com um merecido aplauso geral. 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789

A Adolescência

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dolescência é uma fase de criação, um projecto por definir, são várias idas à Lua com regressos incertos. É uma folha de papel com um desenho abstracto, uma mistura de sentimentos por vezes com um toque de melancolia delicioso. Um salto de trampolim, um dia frio em que pomos a mão na janela e rapidamente a tiramos. É um fogo crescente que arde por descobertas, é uma busca de identidade, uma tempestade. Um sabor doce que se junta a um amargo. É uma série de perguntas curiosas sem resposta. É uma descoberta, uma liberdade confinada, um mundo só nosso com constantes visitantes. São sentimentos verdadeiros seguidos de uma mentira, é um lugar onde pensamos que governamos, mas darem-nos ordens é inevitável. É um beijo carinhoso com algo de tristeza, É uma constante contradição aceite, não por todos, mas por alguns. É um sentimentalismo exagerado por outros, e tão insensível ao mesmo tempo. São tantas mudanças em tão pouco tempo, Mas, acima de tudo, é um crescimento contínuo em direcção à plenitude. Por Laura Gonçalves A nº181, do 9º A, 3ª T

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O QUE É FEITO DE TI, AA?

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M. Margarida Pereira-Müller - AA N.º 244/1967

Rita Ferro, a nossa mulher na Tunísia

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aria Rita Ferro, AA nº 42/1964 (não, não confundir com a escritora homónima) entrou para o IO em 1964 para o 2º ano do liceu (actual 6º ano). Desse tempo, não guarda boas recordações: “Recordo o colégio como um período muito duro, com muitas limitações intelectuais e emocionais”. No entanto, reconhece que “claramente, o nível do ensino recebido, as relações pessoais com a maioria das professoras e a verdadeira camaradagem que um ambiente hostil gera entre colegas, tornando-as amigas”. De lá saiu para a Faculdade de Letras de Lisboa, onde se licenciou em Filosofia. A carreira docente era o seguimento natural. Na realidade, Rita Ferro começou a sua vida profissional como professora de Filosofia no liceu, carreira que trocou, alguns anos depois, pela de diplomata. Estás no serviço diplomática há já muitos anos. Penso que agora na Tunísia estás pela primeira vez a representar Portugal na função de embaixadora. Como te sentes? A Tunísia é efectivamente o meu primeiro Posto como Embaixadora, numa zona geográfica e num País que não conhecia nem como turista! Ao saber que havia sido aqui colocada fiquei entusiasmada, por um lado por isso mesmo, por outro por ser uma zona e um País que têm grandes semelhanças com o nosso, e até uma enorme coincidência his“Gosto de representar tórica e cultural, e finalmente poro País no estrangeiro” que, estando separada da família, afinal não estou assim tão longe (duas horas e meia de voo, apenas). Depois veio o peso da responsabilidade, que é grande, e agora o dia a dia, que é mais complexo e variado do que ao princípio imaginava. É muito diferente estar à frente duma embaixada e dum consulado? É bastante diferente, porque as tarefas consulares, sobretudo como as que tive em Madrid, onde havia também uma Embaixada, são mais de acompanhamento dos LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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problemas dos portugueses, residentes ou turistas, e sobretudo de registo civil, notariado e vistos a estrangeiros; aqui a Embaixada tem uma secção consular, ou seja, um mini-consulado, mas o seu trabalho é sobretudo de carácter político, económico e cultural. O que fazes exactamente? Concretamente, a minha função é a de representar Portugal junto das Autoridades tunisinas, fomentar o relacionamento entre os dois países, tanto a nível político como económico, comercial e cultural, para o que devo conhecer bem a realidade do país em que estou e a do meu próprio. Devo fomentar o seu conhecimento aqui e facilitar a ida de tunisinos a Portugal, quer em turismo quer em negócios ou em estudo, estágios, congressos; também a protecção dos interesses portugueses e a protecção consular aos nossos concidadãos que aqui vivem ou estão em viagem é obrigação da Embaixada e, logo, minha responsabilidade. Como é o teu dia-a-dia? Vou trabalhar por volta das nove, faço contactos com as autoridades locais, colegas, portugueses residentes, leio a imprensa, envio informação ou peço informação a Lisboa, respondo a correspondência escrita e trato dos assuntos correntes da gestão da Embaixada, com a ajuda de um colega diplomata e do resto da equipa, composta por portugueses e tunisinos; por volta das quatro, regresso a “casa”, ou seja, à Residência da Embaixada, na zona tão conhecida de Cartago (a Cartago da Dido e da Salambô) e ao fim da tarde e ao jantar tenho frequentemente (em cer40

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tas alturas mesmo muito frequentemente...) encontros de carácter social e diplomático: inaugurações de exposições, jornadas de cinema, espectáculos de música ou teatro dos mais variados países aqui representados e jantares com nacionais e com colegas, mais formais uns, mais descontraídos outros. O que te levou a escolher esta carreira profissional? Foi o acaso que me trouxe a esta carreira: era professora de Filosofia num Liceu em Lisboa quando abriu concurso para a carreira diplomática, e dele fui avisada por um primo que estava já no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não foi uma vocação de sempre, como acontece com alguns dos meus colegas; foi mais uma oportunidade que apareceu e que tentei... Que formação básica tens? Sou licenciada em Filosofia, o que não me deu uma preparação específica para o concurso de entrada no MNE, concurso difícil que exigia na altura, como exige hoje, uma boa preparação. Mas resultou! Que degraus tiveste de subir para chegar a embaixadora? Entra-se para o Ministério com a categoria de Adido, categoria em que se está “à experiência” durante dois anos; passa-se então à categoria de Secretário de Embaixada, e, por concurso interno, à de Conselheiro de Embaixada; a categoria seguinte é a de Ministro Plenipotenciário, o que sou actualmente, com a qual já se pode ser acreditado como embaixador; o “topo” da carreira diplomática é a categoria de Embaixador.


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No serviço diplomático, saltita-se de país em país. Consegue ter-se uma vida familiar? A vida familiar é possível, o modelo é que pode não ser o tradicional... No meu caso parti para o primeiro Posto, Paris, com toda a família; o meu marido, médico, fez lá a especialidade, e as miúdas, que eram muito pequenas, lá fizeram a primária, uma, e a infantil, a outra. Regressei a Lisboa para participar na primeira Presidência Portuguesa da União Europeia e só voltei a sair vários anos depois, desta vez como Cônsul Geral em Madrid; já só foi comigo a Vera, minha filha mais nova, que acabou lá o liceu, no Liceu Francês, que ambas frequentaram desde a infantil; o António e a Maria, a mais velha, só iam “de visita”, mas frequentemente, e nós duas vínhamos de férias no Natal e no Verão. Para a Tunísia vim sozinha - as filhas já estão a trabalhar - mas pode ser que o marido possa vir passar cá um período mais comprido do que os fins-de-semana alargados que às vezes consegue “arrancar” ao trabalho... O que há de mais “excitante” na tua profissão? O que esta profissão/carreira tem de mais excitante é a ausência de rotina; a actividade muda quando passas do trabalho em Lisboa para o estrangeiro, de Posto para Posto, e, quando de novo regressas, não vais habitualmente trabalhar para o mesmo serviço e não te ocuparás, portanto, dos mesmos assuntos.

O que gostas mais de fazer? Do que mais gosto de fazer...acho que é mesmo de trabalhar, de preferência com alguma calma e tempo de reflexão. E menos? O que menos gosto é de ter um ritmo de trabalho que não permita “pensar” e se converta em mera reacção a situações de emergência quotidiana! Na tua vida profissional tiveste alguns momentos muito difíceis? Momentos difíceis, em trabalho, são situações de grande stress, impossíveis de evitar, ou em que a responsabilidade é muito grande e não pode ser partilhada, o que também acontece. E momentos muito compensadores? Compensador é quando, resolvidas essas mesmas situações de maneira satisfatória, tu própria te congratulas... ou alguém o reconhece. Alguma vez pensaste mudar de actividade, fazer outra coisa parecida ou completamente diferente? Penso muitas vezes que poderia e gostaria de ter feito coisas completamente diferentes; teria sido feliz em actividades ligadas à Natureza, à observação de animais, ao Mar. Como ocupas o teu tempo livre? Gosto de ler, o que faço, ainda que menos do que gostaria; gosto de cinema e de teatro (que aqui não tenho); gosto de jardinar, muito! Odeio o desporto e, cada vez mais, a “conversa mole”!

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À CONVERSA COM...

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M. Margarida Pereira-Müller - AA N.º 244/1967

O IO continuará a ser uma casa de educação integral e formação humana

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Dr.ª Graça Martins é a directora do IO desde o início do ano lectivo 2006/7. Para fazer um balanço do seu 1º ano como directora e saber que planos tem para o futuro do nosso antigo colégio, a “Laços” falou com a actual directora.

Está a dirigir o IO há um pouco mais de um ano. Como encontrou a casa? Cheguei a directora após sete anos como professora no IO, dois dos quais também como subdirectora. Neste período fui tomando conhecimento da casa e do seu funcionamento. Durante mais de um século, e com o esforço de grandes mulheres, o IO tem evoluído como uma casa de educação integral e formação humana de alunas bem preparadas para a vida adulta. A exigência e a qualidade sempre foram apanágio do IO. É indiscutível o mérito que o IO tem na formação de mulheres capazes e competentes nos vários quadrantes da sociedade, contudo necessita que se aposte na sua divulgação no exterior, tendo sido esta uma das É necessário manter minhas grandes apostas, não descurando a necessidade de a excelência e a qualidade acompanhar as evoluções pedano ensino gógicas e tecnológicas dos novos tempos. Quais foram as suas prioridades ao tomar conta do cargo? Que balanço faz deste primeiro ano? Como tem sido o trabalho com os outros dois colégios militares? Sente que há sinergias que se podem aproveitar? Quais e como? Apesar dos cortes que sofremos no nosso orçamento, conseguimos modernizar salas de aula e recreios e aumentar o número de novas alunas, bem como a visibilidade do IO, pelo que o balanço é positivo.

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À CONVERSA COM...

O trabalho tem sido gratificante. A existência de uma Direcção de Educação que coordena algumas das actividades dos três Estabelecimentos Militares de Ensino (EME) e promove o diálogo tem ajudado a estreitar o relacionamento entre todos e a aproveitar as sinergias que advêm da missão comum a que conjuntamente nos propomos. De facto, temos procurado partilhar alguns momentos importantes nos calendários escolares de cada EME, para fortalecer o convívio entre os nossos alunos. Um novo ano escolar começou há um trimestre. Quais são os seus objectivos para este novo ano escolar? Que novidades há quer a nível pedagógico, quer a nível logístico? O IO nunca trabalhou para os rankings. Como a Dra. Margarida Raimond me transmitiu, nós não seleccionamos elites, nós formamos elites e, consequentemente, os nossos objectivos são mais abrangentes do que o mero sucesso académico das alunas. Procuramos transmitir valores que façam delas raparigas confiantes, seguras e felizes… tudo o mais vem por acréscimo. Não há mudanças significativas. Continuamos a orientar-nos pelos currículos do Ministério da Educação concomitantemente com disciplinas curriculares próprias do IO e extra curriculares que são oferta. Qual é o ratio internas vs. externas e filhas de militares vs. filhas de civis? Actualmente temos 250 alunas, das quais 56% são internas e 44% são externas.

Muito se fala actualmente em cursos profissionais, que antigamente havia no IO (Formação Doméstica e Comércio). Tem nos seus planos de futuro oferecer cursos profissionais às suas alunas? As nossas alunas têm, essencialmente, a ambição de seguir uma carreira universitária quer na esfera civil, quer na área militar nas três Academias, pelo que, tal não está no nosso horizonte de objectivos. Quais são os seus planos para um futuro a longo prazo? Aonde pretende chegar com o IO? É necessário manter a excelência e a qualidade no ensino por que sempre nos pautámos, sabendo evoluir e manter o IO na vanguarda da educação e da formação em Portugal. Neste sentido, queremos continuar a servir da melhor maneira possível a grande faLAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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À CONVERSA COM...

mília militar, bem como a sociedade civil. Regularmente, surgem tentativas quer da Junta/Câmara Municipal quer do IPPAR de tomarem parte do Instituto de Odivelas? Como protege o colégio desses ataques? O IO funciona num espaço de invejável beleza e riqueza histórica, pelo que é normal que as entidades competentes se preocupem com a sua conservação. Contudo, mantemos todos os seus corredores e salas vivos e funcionais e, por isso, pelo menos por enquanto, não se justificam tais preocupações. Quanto ao IPPAR, lamentamos profundamente que não tenham tido disponibilidade de verbas para nos ajudar com

as obras do telhado da Igreja, avaliada como património nacional, as quais ficaram ao encargo das receitas (DCCR) do IO. O Instituto, não descurando o seu espaço físico e social de inserção, tem procurado manter relações de cordialidade com os organismos públicos do Concelho, num espírito de abertura, por parte da nossa Comunidade Escolar, ao meio civil envolvente. Dando continuidade à nossa secular missão, trabalhamos na senda do progresso e da excelência, concedendo, naturalmente, o merecido lugar à Casa que nos acolhe, aos espaços com História que temos o privilégio de ocupar e a honrosa missão de manter, pelo que encaramos com optimismo o futuro do Instituto de Odivelas.

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Encontro com a... POESIA

23 de Fevereiro, sábado, às 16 horas INS CREVE-TE e vem dizer-nos um poema teu ou da tua escolha.

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DESTAQUE

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M . M a r g a r i d a Pe r e i r a - M ü l l e r - A A N . º 2 4 4 / 1 9 6 7

A magia da Salette 37 anos ao serviço da AAAIO

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uem estiver atento à nossa associação e tiver seguido os seus passos desde o início, não pode deixar de conhecer uma sócia e voluntária sempre presente: a Maria Salette Barreto Tereno, AA nº 276/1936, uma mulher calma, mas decisiva, flexível e aberta, e extremamente organizada, e sempre, sempre bem disposta e de bem com a vida. Chegou à AAAIO em 1971, quando o lar foi aberto. “A Maria Amélia Dias telefonou-me e perguntou-me se a poderia ajudar”. Sempre que ia à associação e podia, organizou toda a parte relativa às sócias. A direcção da AAAIO mudou, veio a Vírgina Pacetti, depois a Rosette Milheiro e por fim a Ana Maria Pinto Soares – e a Salette lá estava, sempre pronta a ajudar. “A partir de 2008 deixo de colaborar com a direcção, pois já me sinto mais velha, mas vou continuar a dar o meu apoio como voluntária”. Mas quem é a Salette, donde veio, o que tem feito na vida, para onde vai? Na conversa que teve com a “Laços”, disse que ao falar sobre o seu percurso de vida, tinha que começar por falar sobre os seus avós que “trabalhavam as terras, as suas e as dos outros, andando à jorna nas terras dos senhores mais abastados”. Para aumentar os rendimentos, “negociavam casteletas, umas bobinas de fio rudimentar com que se tecia a trama do burel, um tecido muito grosseiro, com Gosto de ter vivido que os frades e camponeses confeccioe de ter sido eu nam a sua roupa”. O Pai, “o 5º filho de António Lopes e Clara Barreta, foi o único que foi à escola, por imposição do irmão Manuel, 18 anos mais velho, que sentira muitas dificuldades na vida por ser analfabeto” uma situação comum nos finais do século XIX, sendo a taxa de analfabetismo muito alta em Portugal. Talvez a escola lhe tenha aberto a mente, pois “era muito inteligente, com grande curiosidade cultural e sensibilidade artística, um ser humano muito aberto ao progresso e avançado para a sua época” – qualidades que terá passado à filha. LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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DESTAQUE

Aos 20 anos, o Pai iniciou a carreira militar. Já como sargento é colocado no Fundão como comandante do posto da GNR. Aqui conhece Maria de la Salette, também a mais nova de quatro irmãos, com quem casa. A filha nasce e é baptizada Salette “em Fevereiro de 1929, no Domingo Gordo, às 12h em ponto, quando no sino da igreja soavam as 12 badaladas… assim o contavam”. E talvez daí lhe venha a mania da pontualidade. Entrada no colégio O Pai é então colocado na Covilhã no Regimento de Infantaria 21, mais tarde Regimento de Caçadores 2. “Aos 5-6 anos, os meus Pais começaram a pensar no meu futuro. À época na província, a oferta escolar era limitada e incompatível com o soldo dum sargento”. O Pai pede a transferência para o Instituto Feminino de Educação e Trabalho onde é colocado na secretaria. Salette entra para a 1ª classe do colégio em 1936, “graças à bondade e à boa vontade do então director, Coronel Ferreira de Simas, que me aceitou com 6 anos, porque os 7 já estavam à vista, em Fevereiro de 1936”. Recebeu o número 276. “Adaptei-me bem às normas e às colegas. Não recordo angústias do que quer que seja. Em casa, a disciplina e o rigor impunham-se a par dum enorme carinho e amor prodigalizado pelos meus Pais, um pilar que o Instituto reforçou, “tesouros” que ainda hoje são uma referência e me obrigam a ter postura digna, quando a adversidade bate à porta”. Por ser filha dum sargento, teve de seguir o Curso Comercial, pois o Curso Liceal estava vedado às que não eram 46

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filhas de oficiais. Normas estranhas as desse tempo! Vida profissional Aos 17 anos sai do colégio com o diploma do Curso Comercial na mão e consegue imediatamente colocação no Cofre de previdência dos Oficiais do Exército Metropolitano (mais tarde absorvido pelos IASFA) sob a tutela do então Ministério da Guerra. “Por lá fiquei durante 6-7 anos, evoluindo de escriturária a ajudante de contabilista”. Saiu “com louvor e lugar cativo, caso me arrependesse”, porque tinha concorrido à CUF como secretária de direcção. “Fiquei logo em 1º lugar graças à minha já experiência profissional. “Na CUF era o paraíso: melhor salário, melhores condições sociais, refeitório, semana inglesa quinzenalmente, gratificação pelo Natal após avaliação”. De repente, surge outro desafio: foi colocada na fábrica de amoníaco, em Alferrarede, perto de Abrantes, para secretariar o director da fábrica, que deveria preparar a instalação do Centro de Estudos e Projectos da CUF (mais tarde Profabril), que teria sede em Lisboa. Em Alferrarede, novo paraíso: um dia, ao fugir dum cão ameaçador, tropeça e cai nos braços dum ex-aluno dos Pupilos do Exército. “Casámos e fomos felizes até que a morte nos separou. Foi uma época tristíssima, afundada em desgosto, sentia um vazio completo sem objectivos, sem marido, sem Mãe”. Mas era preciso olhar em frente e, acima de tudo, dar atenção ao Pai, já “bastante idoso que muito sofre com a ausência da sua companheira de mais de 50 anos e ao ver-me ainda jovem e já viúva”.


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Vivia-se o pleno 25 de Abril, a situação nacional era agitada com repercussões nas empresas privadas. Era na altura secretária da administração da Petrosul, uma das empresas do grupo CUF, mas nem a Revolução nem o PREC a incomodam. Salette é respeitada por toda a gente – “passei esse momento ilesa, respeitada e respeitando, ajudada e ajudando, amistosa e empenhada no cumprimento dos meus deveres laborais, sociais e humanos”. Há uma fusão de quatro empresas da área dos combustíveis (Petrosul, Sacor, Cidla e Sonap), que dá lugar à Petrogal. Salette mantém a sua posição profissional “embora com outras pessoas e vivendo as convulsões que as mudanças provocam e a instabilidade do momento revolucionário com novas directrizes”. Passa mais tarde para assessora da administração. A par da actividade profissional, foi valorizando o currículo com cursos que a empresa facultava na Cegoc, na norma, no Instituto Britânico. “Passei por Londres em cursos de férias e fiz formação intensa sobre Organização e Métodos”. Na reforma Mesmo tendo “gostado muito do que fiz profissionalmente e de me sentir realizada”, chegou o dia em que deixou a vida profissional activa e se reformou. Mas não ficou parada. Começou por colaborar na organização dum jornal de circulação gratuita. “Foi outra situação muito gratificante, pois gosto de começar projectos a partir do nada”. Ao fim de 2-3 anos, a situação do jornal estava consolidada. Salette mete férias do jornal, decidida a viver dos rendimen-

tos. “Gostei tanto desse tempo que prolonguei de tal modo as férias que, quando regressei já não havia jornal…” Voltou à Suíça desta feita par Lausanne onde passou grande parte do Inverno. Ao regressar, começa a dedicar-se mais à nossa Associação. Fez parte dos Corpos Sociais durante dois mandatos. Não se recandidatou porque “os 80 anos aproximam-se e decidi retirar-me, ficando a colaborar no que possa e o tempo e a saúde permitirem”. Esta decisão foi de angústia para a Salette, pois “não sou de roturas e tenho grande dificuldade em desatar laços – e este com a AAAIO está demasiado apertado”, comenta com tristeza à Laços. Apesar de viver sozinha, não sente solidão. “Para mim solidão é um vazio, a ideia de que tudo acabou. Eu encontro sempre algo para fazer em minha casa”. Na realidade, Salette entretém-se com muitas coisas. Gosta de livros e de ler, de conviver, de ir ao cinema e a exposições, de bordar, de passear e de viajar. Gosto de sonhar e onde quer que vá ou esteja levo comigo as recordações, armazenadas no meu coração. Além disso, tenho bons amigos e familiares que me acarinham, impecáveis no seu afecto e presença”. Salette resume a sua vida, dizendo que teve uma vida feliz com alguns desgostos. “Tudo o que se passou na minha vida foi bom”. Contradizendo Florbela Espanca no seu poema Minha Piedade, “penas não são comigo, a hora em que nasci foi abençoada, não preciso de asas para ver o céu, habito-o ao estar bem com os outros porque estou bem comigo. Gosto de ter vivido e de ter sido eu”.

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D E S T A Q U E Q Ana Maria Pinto Soares Hoeppner - AA N.º 318/1952

Poesia a Ponto Cruz

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Exposição de Maria Salete Barreto Tereno, AA 276/1936

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esolvi escrever para não me perder! É que, quase sempre que se ousa falar de improviso, perdem-se os fios à meada, aqui neste caso, os fios do ponto de cruz, e de certo, ficarão coisas importantes por dizer, outras alongadas demais, além de que resultaria numa baralhada – que é situação que a nossa expositora mais abomina! Assim, acho que, sucintamente e com maior rigor e propriedade de expressão, poderei fazer uma apresentação condigna, real e justa da nossa colega e grande amiga e da voluntária mais antiga da nossa Associação, neste dia, em que ela nos presenteia com uma das suas ocupações de tempos livres preferida, além da leitura. Sim, porque a Salete é uma mulher muito ocupada além de muito interessada e prendada ou não tenha sido ela Menina de Odivelas. A Salete não carece de qualquer apresentação. Todos os que, aqui hoje, a acompanham, conhecem-na bem - pelos laços de amizade ou de trabalho de há longos anos. Nos finais deste nosso mandato, a Salete Um trabalho que está comigo como Vice-Presidente em que a poesia desde 2001, achou por bem assinalar um ciclo da sua dedicação pela nossa Casa, se confunde com um presente a todas nós e a ela prócom a habilidade manual pria. Aproveitando uma das nossas actividades culturais – “Os Encontros Com...”, pensou que seria um contributo poder revelar uma das suas facetas, entre tantas, onde a poesia se confunde com a habilidade manual, o bom gosto, a perícia, a minúcia, a imaginação e a emoção duma mulher que, pragmática mas sensível e muito humana, rege a sua vida pelo mundo envolvente que vai evoluindo, mas sempre orientada na educação da casa de seus muito queridos pais, na instrução que o colégio lhe deu, na vida profissio1

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Discurso proferido na inauguração da exposição a 10 de Novembro de 2007

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nal competentíssima que, excelentemente, liderou e na vida conjugal muito rica e realizada, embora curta demais, para quem merecia a benesse duma prolongada felicidade encontrada. Assim, estamos aqui para apreciar uma exposição, que há alguns anos, seria, não direi comum, mas frequente, pelo trabalho em si – o bordado – e que nos tempos que correm, se pode considerar uma raridade. Quem é que se lembra do ponto de cruz? A geração do após 25 de Abril se calhar, nem nunca ouviu falar nele. Mas ele tem a sua história e a Salete irá contar-nos o seu maravilhoso percurso. A raridade e a novidade desta amostra é tratar-se da simbiose do ponto de cruz com a poesia, tornando-a, assim, inédita. A Salete pôs o ponto de cruz a falar pelos nossos poetas – clássicos e modernos. Ou será que os poetas gostaram do ponto de cruz da Salete?... Florbela Espanca, com quem ela não se identifica (mas aprecia a sua poesia), foi o motor da sua história, imaginada num percurso de vida – quem sabe talvez o dela própria – que nos retrata com uma forte sensibilidade e uma enorme carga emotiva em pontinhos miudinhos, coloridos tal o arco-íris e com alguns desenhos da sua própria autoria cheios de imaginação e certa ingenuidade. Estamos perante temas clássicos, iluminuras, miniaturas e cenas naïf como disse. Vários estilos num singelo ponto... o ponto de cruz! E garanto-lhes: o lado do avesso é tão perfeito quanto o direito. Tendo acompanhado o seu projecto desde o início até hoje, dia de inaugura-

ção, devo confessar que, se o ponto de cruz era um dos meus trabalhos manuais preferidos além da costura, o trabalho dela comoveu-me e rendeu-me profundamente. A Salete concebeu a sua exposição ao pormenor, com o rigor que, aliás, tem pautado a sua vida. O entusiasmo, a excitação e a emoção que pôs em cada momento que avançava com os quadros – alguns deles, bordou e desmanchou e voltou a desmanchar, até chegar ao ponto da perfeição que lhe é

peculiar, apesar duma súbita e grave incapacidade ocorrida nas mãos - lembrava-me uma criança que, a cada brincadeira ou êxito conseguidos, se extravasa de alegria, de risos, gestos e expressões contagiantes. E foi mesmo contagiante! Ela pensou em tudo: na temática dos bordados, nas molduras, nos expositores, nos convites, na sala, nos convidados, no historial interessantíssimo deste ponto ao longo dos séculos, um trabalho de pesquisa moroso, apresentando-nos, aqui, o seu espólio pessoal sem outras pretensões senão as de reviver uma arte talvez esquecida (palavras suas) mas que nos revela um pouco da LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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sua maneira de ser e de estar na vida – mesmo nos seus tempos de lazer. Mulher inteligente, culta e esclarecida com um enorme sentido de humor, autocrítica e irónica, por vezes, consigo mesma, é emotiva, arrebatadora e temperamental. O requinte e a elegância resultantes, talvez, duma estética apurada adquirida nos vários cursos de arte e pintura que frequentou e da convivência com um mundo intelectual e cultural elevado, são duas tónicas importantes na sua vida exigindo sempre que “o que houver a fazer terá de ser com nível senão não vale a pena.” Muito sólida nas suas convicções, determinada e determinante nas decisões, o método e a organização foram sempre o seu lema primordial. Analista ferrenha não prescinde de uma análise minuciosa de situações ou comportamentos, evitando julgamentos prematuros que a possam induzir a alguma injustiça ou decisão precipitada. Dona de casa meticulosa, embora “fraca na cozinha” no seu entender, competente em tudo a que lança mão, é também uma pesquisadora curiosa e minuciosa. 50

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A nobreza de sentimentos em que a rectidão, sinceridade, justiça e lealdade caminham de mãos dadas é aliada a uma sensibilidade muito humana e carinhosa, atenta às situações boas e menos boas de quantos colaboram com ela, à evolução do nosso mundo moderno em mutação constante e do país que, ultimamente, a desgosta, reclamando “não ser mais o país onde nasceu nem onde aprendeu a viver” onde lhe faltam os valores maiores. Estará aqui um pouco da alma de Florbela Espanca? De Camões? Da Alma Lusa generalizada? Ou, simplesmente, a Alma da Salete? Tudo interrogações, pois ela também se interroga muito... E este pequeno mundo da nossa Associação, tem o privilégio de a ter como colega, companheira e amiga, uma grande Mulher a quem não saberemos nunca agradecer devidamente e como merece, o que ela fez, faz e fará ainda por todas nós e pelo engrandecimento e dignificação da nossa associação. A Salete começou há 37 anos, como voluntária a colaborar com as Direcções da Amélia Dias, da Virgínia Pacetti e da Rosete Milheiro na organização dos serviços administrativos onde, se diga com justiça e fundamento – ela é uma barra. Se algum dia, alguma de nós fizer o historial da nossa associação ao pormenor, vai esbarrar de certeza com comentários, pareceres, projectos, relatórios e mapas feitos por ela. Se alguém sabe da evolução da nossa Casa, a Salete é a pessoa por excelência. Será ela a nossa Torre do Tombo? Não entrou no mundo moderno da electró-


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nica – porque não quis. “Já não tenho paciência! Além do mais é uma técnica muito complicada para mim!” Mas ela sabe tudo, e mais, ela tem um registo de memória invejável e uma noção exacta das situações mais críticas da nossa Associação e das pessoas que nela se envolveram. Desde 1999 que faz parte dos Corpos Sociais e a partir de 2001, com a saída da Presidente M. de Lourdes Mesquita, passou a ser a nossa Vice-Presidente, lugar que tem desempenhado com o rigor, abnegação e a lealdade que a caracterizam. E muito Amor! Querendo ou não, tu tens o teu nome gravado com letras maiúsculas na nossa história associativa pela tua forte personalidade e por tudo o mais que já foi dito.

Eu, pessoalmente, tenho tido o privilégio de partilhar contigo, como mais directa colaboradora e interlocutora de trabalho, apoiando ou discordando, as múltiplas decisões que, na Direcção, temos de tomar nos destinos desta nossa Casa. Como amiga - uma amizade que foi crescendo ao longo destes oito anos com as nossas iniciativas, alegrias, alguns sucessos, inúmeras angústias, dúvidas e desalentos, e, até envolvendo problemas pessoais e mesmo íntimos - tenho enriquecido, dia a dia, com esta mulher guerreira e destemida que tem o poder de Dar do tamanho do Mundo e a Alma do tamanho do Universo. BEM HAJAS POR TUDO O QUE DESTE DE TI!

Tens comentários a fazer à nossa revista? Então escreve-nos! Temos uma secção “Cartas à Directora”.

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D E S T A Q U E Q Maria Salete Barreto Tereno - A A N . º 2 7 6 / 1 9 36

Em defesa do Ponto de Cruz

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á tempos tive uma conversa com alguns amigos, sobre a intenção de um dia promover o Ponto de Cruz a arte e organizar uma exposição em sua honra, onde ele se pudesse mostrar através dos meus quadros. O dia chegou, e ele aí está, um pouco tímido perante plateia tão distinta, embora confiante nesta sua amiga de sempre, que vos pode garantir, estar encantada pela amizade renovada convosco, as amigas de infância que com ela estudaram, aprenderam e

brincaram. A sua linguagem não é audível, embora domine dois idiomas, um cujas letras, diga-se cruzinhas, são as usadas pelo arco-íris, o outro, o dos poetas, expressa-o em desenhos aos quadradinhos. Tomo a palavra em seu nome que vou procurar honrar, dissertando sobre a sua origem, utilidade, entretenimento e aspiração artística, pois se, a pintura, a escultura, a joalharia, e tantas outras actividades, são consideradas como tal, porque não o bordado a Ponto de Cruz? Pretendo também defender a sua prática, porque nos dias de hoje, em que tudo se globaliza e tudo se produz industrial e massivamente, o Ponto de Cruz anda arredio de mãos pequeninas, como foram as minhas, que o aprenderam a fazer, por altura dos meus 6/7 anos. Sobre o Ponto de Cruz, para além da sua leitura e execução, pouco ou nada saNo ADN bia, e ao organizar esta mostra, pensei do Ponto Cruz ser interessante valorizá-la com colheita de informação, que me dissesse algo só se encontram mais, do que os bordados que vamos ver, genes femininos com esse objectivo, onde quer que fosse e encontrasse cruzinhas, e encontrei muitas, procurei remetê-las ao seu tempo, interrogando-me sobre os seus quês e porquês, enfim, recolher o máximo de informação possível, o que não foi tarefa fácil. A minha curiosidade foi tal, que tentei chegar à sua certidão de nascimento, o princípio de tudo, que não encontrei; as fontes são variadas, contraditórias e vagas; umas situam-no na Grécia Antiga, no ano de 2500 AC, outras na Ásia Central

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em 850 DC. Não consegui saber onde nasceu, nem identificar o seu progenitor. Sobre o que fez, por onde andou, o que viu e ouviu, a informação foi fácil de conseguir, pois encontrei testemunhos credíveis em museus, igrejas e palácios. No seu ADN só se encontram genes femininos, só tem mãe, e muitas...as mulheres...de todo o mundo, de todas as épocas e de todas as idades e condição. É senhor de uma personalidade forte e única; é criativo, expressivo, útil e relaxante; o seu look é óptimo: é bonito, simpático, veste bem, e, embora, sóbrio gosta muito da cor, o que o torna jovem e alegre; enfim, os seus predicados são tantos que tornar-se-ia excessivo enumerá-los aqui. Defeitos? Encontro um, por excesso de qualidade, de tão exacto é excessivamente rigoroso e exigente, não permite enganos, e se os houver, é radical e não perdoa, exige que se desmanche e volte a fazer, o que é muito enfadonho. A sua história perde-se no tempo; há conhecimento de que as populações primitivas já o usavam para unir peças do seu vestuário rudimentar, e que o faziam com um ponto cruzado, cosiam para a direita, recosiam para a esquerda, cruzando o primeiro ponto com a passagem do segundo, e aqui está o Ponto de Cruz, tão fácil quanto isto!! Também encontrei em gravuras antigas, camponeses a fazer cestas de vime com hastes cruzadas, ou a guardar o trigo em sacos toscos, fechados com Ponto de Cruz. Os romanos usaram a cruzinha para representar a grafia do seu dez.

As nossas irmãs da Grécia Antiga, no ano de 2500 AC, muito atentas ao conforto e beleza femininos, foi com o Ponto de Cruz que inventaram o soutien, ao cruzar sob as suas túnicas, duas fitas de seda passadas por baixo do seio, fixando-as ao centro com a cruzinha bordada a ouro; este primitivo soutien não tinha caixa, o seio ficava desnudo, o que é visível na estatuária chegada até nós. Em Portugal, o Ponto de Cruz, foi usado por todos, para tudo e em todas as épocas, o que constatei em museus, igrejas e palácios ao observar, por exemplo, o manto que D. Filipa de Lencastre usou no dia do seu casamento com D.

O bolo comemorativo da exposição

João, lá aparece o Ponto de Cruz bordado a ouro, a unir veludos e damascos; também o encontrei em paramentos e objectos de culto em igrejas e conventos; encontrei relatos em que a rainha D. Maria o teria usado para bordar as vestes de Nª. Senhora do Cabo, onde eu o vi a bordejar rendas e folhos, quando a imagem peregrinou pela região saloia. LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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DESTAQUE

Sabemos que foi no século XIX que o Ponto de Cruz teve a sua época de ouro e o seu passado nobre, ao cirandar pelas cortes que o usaram e dele abusaram, pois à época a conversa entre mu-

O texto “Poesia em Ponto de Cruz”

lheres de nível social mais elevado processava-se à volta dos bordados. Encontrei informação que remete a sua origem para a Ásia Central em 850 DC, pelas mãos de uma mulher, que enquanto esperava o seu amado, para se entreter, cruzou dois fios para fazer um desenho, e esperou...e esperou!! E quando resolveu arrumar a saudade de quem não apareceu, tinha feito um tapete, que chegou à Europa, trazido pelos Cruzados chegados do Oriente, os tais amados por quem as mulheres suspiravam, e entre suspiros e esperas iam fazendo Ponto de Cruz, que rapidamente se impôs e passou a actividade feminina, em que as mulheres utilizavam as cruzinhas para coser bainhas, dobras e ornamentos quando consertavam e confeccionavam roupa. Mais tarde, no Renascimento, o Ponto de Cruz é difundido de tal maneira, que 54

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passa a fazer parte da educação feminina, dentro e a partir dos conventos e também no seio familiar. Em França, o Ponto de Cruz foi pioneiro como marcador de roupa branca, letras maiúsculas bordadas a vermelho, indicando a inicial do nome do seu dono. Também em França apareceram mais tarde os mostradores, um quadro com algarismos, letras, símbolos religiosos e heráldicos, pequenos animais ou flores, que ainda hoje encontramos como decoração em paredes de casas antigas. Há informação de que Shakespeare nas suas obras faz referência aos mostradores como objectos de uso comum. É curioso que, apesar da sua popularidade na Europa, o Ponto de Cruz em Inglaterra não foi nem é muito divulgado, e à época da Rainha Vitória por tudo e por nada se bordava a Petit Point. Por volta de 1500, o Ponto de Cruz aparece na Alemanha em diagramas com símbolos heráldicos. No século XIX também na Alemanha, aparecem as primeiras paisagens desenhadas a Ponto de Cruz. Em 1840, pela primeira vez, se produziram diagramas coloridos à mão sobre uma base quadriculada. Nesse ano os alemães invadiram a Europa com 14000 exemplares, o que é um número considerável para a época. Mas para fazer Ponto de Cruz são precisas linhas, e é também em 1840, que uma aristocrata vienense, Therese Dilmont, já então membro da academia de Bordados da Imperatriz Maria Teresa, se associa a Jean Dolffriz, grande empresário têxtil, produtor das linhas


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DMC, marca que felizmente chegou intacta aos nossos dias, e claro que são as linhas usadas para fazer as tais cruzinhas, que contam as histórias na tal linguagem aos quadradinhos, com o alfabeto em arco íris, plagiado pelas tais linhas!!! No fim do século XIX, início do século XX, o bordado a Ponto de Cruz chegou a ser paixão, matéria de ensino nas escolas e entretenimento de mulheres de todas as idades e condição social. Em meados do século XX, de repente, o Ponto de Cruz deixou de estar em moda, e quase desaparece para dar lugar a outros passatempos, outras paixões e outras necessidades. As mulheres estão comprometidas com as grandes lutas pela sua afirmação no mundo activo, dispõem de poucos momentos de descanso, para dedicar ao Ponto de Cruz, que sabemos ser habilidade exacta, delicada e absorvente, cujo exercício requer disponibilidade e tempo. Mas a questão não será só essa, a mulher moderna envolvida nos contextos de luta pela igualdade, até talvez se envergonhe de exercer actividade extremamente feminina, como é o bordado a Ponto de Cruz, porque estando inserida na sua época, a da electrónica, a sua escolha de entretenimento está mais em consonância com jogos de computador, a TV, a Internet, o cinema, e tantas outras, como o desporto, o Soduku, as viagens, as discotecas, etc, escolha tão aprazível e correcta, quanto a das nossas antepassadas ao privilegiarem o Ponto de Cruz.

E volto a 1886 a Therese Dilmont, autora do 1º Manual sobre Ponto de Cruz, que traduziu para 17 idiomas, e através dele o Ponto de Cruz chegou à América e ao Japão, em resumo, o Ponto de Cruz deu a volta ao mundo pelas mãos desta mulher inteligente, culta, empreendedora e habilidosa, que não se envergonhou do seu amor ao Ponto de Cruz, e também não escondeu ou camuflou a condição e a sorte de ter nascido mulher. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e os tempos e as vontades de hoje projectam-se muito para além do Ponto de Cruz, embora saibamos também que atrás de tempo, tempo vem, que em cada dia novo, damos um passo gigante com novas realizações, que contribuem para que o mundo esteja em permanente mudança, o que acontece, desde a noite dos tempos, e até que o mundo seja mundo. Claro que, a época do Ponto de Cruz passou, e ficar nela seria parar no tempo, mas pela sua beleza, colorido, o relaxe que a sua execução provoca, as recordações que dele tenho, defendo valer a pena, continuar o seu ensinamento e a sua prática. E por isto e por aquilo, a minha ligação ao Ponto de Cruz é indissolúvel por afectiva e grata. Ele é a pausa do meu dia, sempre nos acompanhamos no importante e menos importante das nossas vidas e quando aos 6/7 anos achei ser o Ponto de Cruz um amor à primeira vista, hoje aos 80 é, com certeza, uma paixão assolapada.

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I D E I A S S O L T A S Q Maria Noémia de Melo Leitão - A A N . º 2 4 5 / 1 9 3 1

D. Maria Pia de Saboia Senhora e Rainha de Portugal

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a beleza frágil dos seus quinze anos incompletos, Maria Pia de Sabóia era já Rainha de Portugal. D. Luís havia subido ao trono em 14 de Novembro de 1861, em virtude da morte prematura de seu irmão o rei D. Pedro V, apenas com vinte e cinco anos, e que não deixara descendência. Não obstante a tristeza que envolvia a corte, pela morte do Rei e de dois infantes seus irmãos (D. Fernando e D. João), todos jovens e vítimas da febre tifóide que grassava no país, D. Luís tinha de pensar no seu casamento, assegurando a sucessão ao trono. De entre as princesas indicadas e que satisfaziam os interesses de Portugal e da sua pátria de origem, encontrava-se o nome de Maria Pia de Sabóia, filha de Vítor Emanuel II – rei da Sardenha e do Piemonte, que perfilhava ideias liberais nimbadas de um certo romantismo garibaldino. Umas e outras consubstanciadas num ideal independentista que varria a Europa – e não só – levaram-no a concretizar a unificação da Itália, em 1870. A mãe da Princesa era a arquiduquesa de Áustria, Maria Adelaide, que muito sofreu com a guerra que opôs seu marido, Vítor Emanuel, aos irmãos, representantes dos interesses que a Áustria detinha na Península Itálica. Morreu quando sua filha Maria Pia tinha apenas sete anos. O Instituto de Odivelas O casamento anunciado agradou a deve muito bastantes portugueses e, até a países estrangeiros, porque a noiva haà Rainha D. Maria Pia via sido educada num ambiente liberal e de respeito pelo poder constitucional. Também houve quem reprovasse esta união matrimonial, aqueles que consideravam Vítor Emanuel II um rei excomungado, invasor dos Estados Pontifícios que ficaram reduzidos à cidade do Vaticano, com as Basílicas de S. Pedro e de S. João de Latrão, e a Castelgandolfo, a residência de Verão dos Papas.

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D. Luís recebeu de alguns príncipes amigos, do Rei da Suécia e da Rainha Vitória, a provação da sua escolha, mas com uma ressalva destes dois monarcas. Oscar da Suécia aponta-lhe o inconveniente de a noiva ser muito jovem e não lhe poder dar filhos de imediato. “Mas felicito-te de todo o meu coração, sobretudo porque eu creio que tu terás uma companheira encantadora e boa1 A rainha Vitória é mais frontal. “... Aquilo que eu recrimino é a extrema juventude da princesa Maria Pia que não terá quinze anos quando casardes com ela e que não terá, de todo, a idade de vos ser útil. “2 D. Luís pede a mão de Maria Pia, a seu pai, por carta, em 18 de Junho de 1862. “Não houve uma princesa católica de quem não se tenha falado. A minha escolha está feita, falta-me apenas o vosso assentimento ao meu pedido”3 Em Julho seguinte, logo o rei de Itália escreve uma carta em resposta à que havia recebido e que começa por dizer: “O pedido que Vossa Majestade acaba de fazer da mão de minha filha tocou vivamente o meu coração de Rei e de pai e agradou-me profundamente.”4 É interessante ver como Vítor Emanuel II, nesta mesma carta põe em relevo a hospitalidade que seu pai – o rei Carlos Alberto – encontrou entre os portugueses, quando, como exilado, se refugiou 1

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Espinha da Silveira, Luís Nuno e Fernandes, Paulo Jorge- D. Luís, Circulo de Leitores (pág. 41) Obra citada (pág. 41) Obra citada (pág. 40) Obra citada (pág. 41)

no Porto. Morou numa casa acolhedora, na Quinta da Macieira, pertencente a Alberto Ferreira Pinto Basto que a pôs à disposição deste monarca infeliz, que vinha já muito doente e morreu poucos meses depois numa cama modesta, em ferro, talvez porque entendesse que era mais higiénica do que uma em madeira. Esta casa é hoje um Museu de mobiliário e decoração românticos, muito agradável de ver, e donde se avista toda a

parte da cidade debruçada sobre o rio, até ao mar da Foz. A cidade recorda-o na sua toponímia, na Praça de Carlos Alberto e, na capela onde o seu corpo ficou sepultado. Dado o consentimento para o casamento, começa a fase do namoro, que vai ser curta, apenas alguns meses. D. Luís mostrou-se desde logo um noivo muito apaixonado. Chovem cartas e telegramas, levando mensagens até Turim, cidade capital do LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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Piemonte, onde a princesa Maria Pia nasceu a 16 de Outubro de 1847 e onde residia. A bela obra dos historiadores Luís Nunes Espinha da Silveira e Paulo Jor-

ge Fernandes sobre D. Luís e já referida em citações feitas, debruça-se com pormenor sobre a correspondência trocada entre os noivos. D. Luís revela-se o homem que vive o amor na sua plenitude, que não pode calar as expressões mais ternas e demonstrativas do seu entusiasmo, da sua expectativa. Para além das palavras que envolvem sentimentos de amor, diz-lhe do que gosta, quais as suas preferências que vão desde o fumo à caça, à música, à literatura, ao estudo das línguas e à arte. Quer, por assim dizer, fazer-lhe o seu retrato psicológico e caracterológico para que ela faça uma ideia de quem vem encontrar. Expressões como “amo-te já demasiado para poder esperar até te dizer que és o meu único pensamento, como serás um dia toda a minha vida”5, são bem elucidativas.

Enviou-lhe um retrato para que ela pudesse avaliar as suas feições, o seu porte que, ironicamente, invoca como “triste figura”. Fala-lhe da família que hão-de constituir e que ele deseja semelhante àquela em que ele próprio foi educado, dentro da exigência de uma correcção inapelável e de sentimentos de dedicação e estima que unia todos os elementos familiares e se manteve até ao fim de cada um, como testemunham cartas trocadas entre D. Luís e sua irmã Maria Antónia. A última carta de namoro manifesta o desejo que sentia em... “que o nosso primeiro encontro fosse o menos observado possível”6 Entretanto a Princesa, inicialmente mais comedida, começa lentamente a manifestar os seus sentimentos e abre-se em declarações de amor. “Meu querido Luís o meu pensamento está sempre contigo. Só penso em ti, meu amor. Amo-te de todo o meu coração e não me canso de o repetir. Sou toda Tua, para toda a vida.7 Vai-se aproximando a data do casamento pelo que D. Luís informou D. Maria Pia do nome dos nobres e outras pessoas distintas que irão buscá-la a Turim e farão parte do séquito que a acompanhará a Portugal, ficando algumas das damas ao seu serviço. O plenipotenciário designado por D. Luís para subscrever o tratado pré-nupcial foi o Visconde de Carreira – Luís António de Abreu Lima – e, pela parte italiana, foram designados Jacques Durando e o Senador Conde Jean Nigra. O tratado foi 6

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Obra já citada (pág. 43)

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Obra já citada (pág. 49) Obra já citada (pág. 50)


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assinado em 9 de Agosto de 1862 e, em 6 de Setembro, as Cortes portuguesas aprovaram-no. O Rei ratificou-o no dia 9 do mesmo mês. O casamento realizou-se logo no dia 27 seguinte, na capela do palácio real, sendo D. Luís representado pelo príncipe Eugénio de Sabóia Carignan, com a presença do rei Vítor Emanuel II, nobres da corte e a representação portuguesa enviada por D. Luís. Mimada por demonstrações de afecto familiar, com a dádiva de numerosos presentes de que fazia parte o rico diadema oferecido pelo imperador dos franceses, Napoleão III, Maria Pia de Sabóia estava preparada para vir ao encontro de seu marido. No dia 29, embarcou no porto de Génova, a bordo da corveta Bartolomeu Dias, acompanhada pelas corvetas Estefânia e Sagres. A Itália fez-se representar por várias embarcações. No dia 5 de Outubro a esquadra chegou a Lisboa. A Rainha foi recebida por uma cidade em festa. Os elementos quiseram partilhar desta felicidade. O dia estava calmo, iluminado por um Sol radioso que tornava mais azul o céu de Lisboa. A bordo recebeu o Rei e outros dignitários mas, só no dia seguinte desembarcou. Um pavilhão ricamente ornamentado tinha sido erguido, no Terreiro do Paço,

para que a Rainha, desembarcada no Cais das Colunas acompanhada do Rei que a foi buscar à corveta Bartolomeu Dias, descansasse um pouco, recebesse as chaves da cidade e se preparasse para a realização do casamento por palavras de presente. A cerimónia teve lugar na igreja de S. Domingos, vistosamente engalanada. Por toda a cidade ecoavam os vivas, os foguetes, o repique dos sinos, as bandas de música. Grande era alegria de todos, rendidos que estavam à gentileza e graciosidade da noiva e da felicidade que se desprendia da expressão do jovem casal. Aos dezasseis anos D. Maria tinha o primeiro filho, o futuro rei D. Carlos e poucos anos depois, nasceu o Infante D. Afonso. A Rainha Maria Pia foi-se impondo à corte e ao povo, pelo seu porte majestoso e, também, pela sua generosidade. Cedo revelou a sua cultura, a sua inteligência, o seu interesse no desenvolvimento do povo, através da educação. Não foi fácil o reinado de D. Luís, como já desde o tempo da sua mãe – D. Maria II – o choque entre ideologias emergentes, as dificuldades financeiras e as lutas partidárias desassossegavam políticos e o povo, a maior vítima das crises políticas. Dizem os ecos da época que ela intervinha, junto do Rei, aconselhando-o a LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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tomar esta ou aquela decisão. D. Luís era pouco interventivo na governação; respeitava o poder constitucional e as resoluções da Câmara. Conta-se que, numa das sedições acontecidas, o Marechal Saldanha cercou o Palácio da Ajuda e foi falar com o Rei. A Rainha apareceu e disse-lhe, secamente: “Se eu fosse o Rei mandava-o fuzilar”. Era detentora de uma grande generosidade, corajosa e abnegada. Um dia, em Cascais, passeando ao longo da costa, com D. Carlos e D. Afonso, uma onda traiçoeira e imprevisível envolveu os Infantes. Logo a Rainha se lançou à água para salvar os seus filhos, no que foi ajudada pelo ajudante do farol da Guia que resgatou mãe e filhos ao mar. Este acontecimento levou D. Luís a conceder à Rainha a “medalha de ouro para distinção e prémio concedido ao mérito, filantropia e generosidade 8- concessão que foi acompanhada de uma extensa carta, enaltecendo as virtudes de D. Maria Pia, e que termina: “De Vossa Majestade extremoso esposo - Luís. “ Muitas foram as ocasiões em que a Rainha D. Maria deu provas da sua bondade. Chuvas torrenciais, devastadoras e ruinosas em bens e pessoas provocaram um movimento de solidariedade à frente do qual se encontrava a Rainha. As crianças mereceram especial atenção às acções de beneficência realizadas pela Rainha. Fundou a creche de Vítor Manuel, na Calçada da Tapada. O hospital pediátrico Maria Pia, é uma homenagem que a cidade do Porto quis prestar à neta de Carlos Alberto, que 8

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Benevides, Francisco da Fonseca, Rainhas de Portugal

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guardou da Rainha uma grata recordação, quando um dia visitou aquela cidade. E, para perpetuar, também, a sua memória e o seu nome, ainda lá está a estrutura metálica da ponte do caminho-de-ferro que, durante mais de um século, fez a ligação das duas margens do Douro. Pena é que a deixem deteriorar-se, pois que representa uma obra notável de engenharia do séc. XIX. E nós, antigas alunas do Instituto de Odivelas, quanto lhe devemos? Bem sabemos que seu filho D. Afonso aparece como fundador da casa que nos educou. Mas, quanta influência e ânimo não terá o Infante recebido de sua Mãe para prosseguir a obra pensada, para benefício de tantas crianças órfãs de pai? Temos a certeza, por documentos da época, de que a Rainha D. Maria Pia se empenhou em que o Colégio tivesse dignidade, se impusesse pelo saber transmitido e a observância de valores intemporais. Basta lembrar a atenção que a própria Rainha dava às alunas; o carinho com que as recebia no Paço ou as visitava, em Odivelas; os presentes que lhes dava; e a elevação com que se fez a sessão inaugural, na presença do Rei D. Carlos, seu filho, e da Rainha D. Amélia e de outros membros da Casa Real. Tinha uma personalidade muito vincada. Os seus críticos falavam dos seus gastos, em vestuário, jóias, acessórios de vária ordem. Foi considerada a rainha mais bem vestida da Europa, como sua nora - a Rainha D. Amélia - havia de ser tida como a princesa mais bonita da Europa. Era majestosa, impunha-se pelo seu porte, a sua elegância, a expressão doce


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da sua face, o seu sorriso discreto. Quando assistia a um espectáculo, em S. Carlos, ou noutro teatro, correspondia à saudação do público, impunha-se pela distinção que a todos encantava. Não foram só rosas a sua vida de Rainha de Portugal. Avistou a capital do reino, no dia 5 de Outubro de 1862. Dia de sol reflectido no casario e no rio, dia de sol no seu coração de jovem feliz que vinha ao encontro do ser amado e da pompa e circunstância que a aguardavam. Bem diferente foi o mesmo 5 de Outubro quarenta e oito anos depois, em 1910. Ao sol que lhe iluminava o espírito sucedeu o nevoeiro adensado de um embarque, em sentido contrário. O mesmo mar, a mesma costa portuguesa da qual se ia afastando, até ficar o mar largo, o barco levando-a ao encontro da sua terra natal. Deixara Turim, radiosa e bela. Regressava envelhecida e triste. Esperava-a o

exílio, a ausência, para sempre, do Portugal que tinha adoptado para pátria, de alma e coração. A cabeça, já um tanto perturbada, não esqueceria, por certo, o filho e o neto barbaramente assassinados, a angústia e a dor desses momentos de interrogação e de espanto. Em Portugal ficou a recordação de uma Rainha que, impetuosa e arrebatada, tinha a elegância e a altivez dos que são educados para serem ao mesmo tempo, exemplo de serenidade e tranquilidade. E para sempre fechou os olhos perto da cidade onde nasceu, no dia 11 de Julho de 1911. Pouco tempo durou o seu exílio, mas o bastante para que, pela sua mente confusa passassem imagens difusas da sua inquebrantável vontade de viver com dignidade e, apesar da sumptuosidade, sem esquecer os menos bafejados pela sorte, pelo que a chamavam de a nossa “Rainha da Caridade”.

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Apontamento

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a saga continua... O vento raivoso rangia os dentes e dava passadas loucas sem que eu soubesse porquê. Bramava em tonteiras para um lado e para o outro como que a procurar arrumação; ou seria para eu o ouvir? Saberia ele como eu gostava dele assim? Dir-se-ia que me consolava a mão que ele me estendia, como se soubesse que era a sua música tão agressiva que eu procurava. Mas não, não alcançava o que eu esperava daquele vento que tanto alterava o mar. Porque de repente sem ao menos um adeus, desaparecia em passinhos mansos. No entanto, do alto do meu terraço eu continuava dentro da sarabanda desencadeada – vento, mar, céu azul sem nuvens – sim, desencadeada pela sua passada. As gaivotas que até então se deixavam empurrar pelo gigante cheio de ventanias, pairando apenas, começavam um lento movimento de asas, em posições tão graciosas que tentariam qualquer pintor. A franja das ondas voltou à mansidão de afagar a praia em murmúrios segredados, como enamorado amante, até recuar e integrar a imensidão de que viera. “Ó mar imenso sem fundo e sem fim...” era esta a morna cabo-verdiana pela qual me apaixonara nos meus 14, 15 anos. E ali, à minha mão, estava esse mar imenso onde vinha encontrar um passado longe, longe, sem saber o que mais me fascinava... o mar?, os meus verdes anos? Os pequenos barquinhos negros que me lemVento, céu e mar... bravam casquinhas de noz, mas que a minha imaginação logo transformava, ora dando-lhes velas e mastros ora reduzindo-os a canoas, ou dando-lhes o volume de enormes cargueiros carregados de contentores; se até podia apreciar alguns grandes navios de passageiros! Ou os pescadores à linha que no quebra-mar de grandes pedregulhos e que contados somariam 12, 14? Na verdade do meu terraço nunca os vi apanhar qualquer peixe, mas deixo à minha vista o fracasso da pescaria. Ah! tanto que este mar guardava para mim! O luzeiro no seu dorso – revérberos do sol que partilhava o seu lume com a imensidão líquida azul-céu, azul-cinzento, verde-garrafa e que para mim era a esperança...

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Subitamente o vento voltando trouxe um frio que envolveu o frio já existente e que nele me envolveu também. Pois era assim que daquele terraço eu via um recamado de brilhos de estrelas descidas céu para um embalar constante que me deixavam partilhar com elas.

Meu Deus, como eu me sentia bem, ali naquele meu terraço, que tanto me dava em troca de nada! Como era belo aquele mar que se oferecia manso, rabujento, brincalhão, sorridente... como era belo!

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Racismo Esta cena passou-se efectivamente num voo da British Airways entre Joanesburgo e Londres. Uma senhora branca com cerca de cinquenta anos sentou-se ao lado de um negro. Muito incomodada chamou a hospedeira, que lhe perguntou. – A senhora tem algum problema? Resposta da senhora branca: – Então não está a ver? Deram-me um lugar ao lado de um negro! E eu não suporto ficar ao lado de um desses seres tão repugnantes. Dê-me, por favor, um outro lugar. A hospedeira respondeu: – Acalme-se minha senhora, porque o avião está muito cheio e quase todos lugares estão ocupados. No entanto eu vou ver se há ainda algum lugar disponível. A hospedeira afastou-se e voltou alguns minutos mais tarde, dizendo: – Tal como eu calculava, não há um único lugar vago em classe económica. Falei com o comandante que me confirmou que também não há lugar em executiva. Temos porém ainda um lugar em primeira classe. E antes que a senhora pudesse fazer qualquer comentário a hospedeira continuou: – Não é habitual na nossa companhia permitir que um passageiro da classe económica se sente em lugares da primeira classe. Mas, dadas as circunstâncias, o comandante achou que seria escanda-

loso obrigar qualquer outra pessoa a sentar-se junto de alguém tão repugnante. A hospedeira virou-se então para o negro dizendo: – Cavalheiro, peço-lhe o favor de pegar na sua bagagem de mão, pois tem um lugar à sua espera na 1.ª classe. Nessa altura os passageiros que tinham assistido consternados a toda esta cena, levantaram-se e aplaudiram com entusiasmo a decisão. Caro irmão branco Quando eu nasci, era negro Quando cresci, continuei negro Quando me exponho ao sol, sou negro Quando tenho medo, também sou negro Quando estou doente, continuo negro Quando um dia morrer, serei negro Porém, tu, homem branco Quando nasceste, eras rosado Quando cresceste, eras branco Quando te expões ao sol, ficas vermelho Quando tens frio, ficas azul Quando tens medo, ficas verde Quando estás doente, ficas amarelo Quando um dia morreres, ficarás cinzento. Texto que circula na Internet e traduzido por Maria Benedita Tribolet de Abreu

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Elsa Sofia Dayrell Por tela Ribeiro - A A N . º 7 / 1 9 4 8

O Meu Natal de 1947

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ra o nosso primeiro Natal na casa de S. Martinho, junto ao quartel. Na véspera já tínhamos pedido licença para ir ao Pico escolher um pinheirinho para a nossa árvore de Natal. O impedido já tinha recebido instruções e lá fomos com ele escolher aquele que nos parecia melhor. Acabámos por trazer um que já estava cortado, tão grande que quase tocava no tecto da sala! E éramos todos pequenos, a gritaria, a ida ao mercado às compras das botas de “vilhão”1 com cola de pneu, (os três sentados em “caixas”2 de madeira muito grandes...), e o Pai dando ordens: - Essas são pequenas. Quero antes aquelas que são um pouco maiores e mais fortes. Vão durar mais! Oh! Homem! Não vê que isso não tem borracha, que não vão durar nem um mês?! E era a risota, as botas largas a caírem dos pés, grandes como o Pai mandava, para durarem, porque estávamos a crescer! O mercado era uma beleza, cheio de cor. Os “ balaios”3 cheios de tudo o que o dinheiro deixava comprar. Dávamos a volta de carro à cidade, para ver as iluminações, o ar atarefado das pessoas, a pressa de chegar a casa que, apesar das semanas de preparação, ainda havia muito a fazer... E lá voltávamos contentes para casa a acabar a árvore de Natal. Cheirava a bolo de mel pela casa toda. A mãe ficava a compor tudo na cozinha, a esconder os presentes à nossa curiosidade Nós éramos pequenos natural. - Oh! Manuel! Mete os teus irmãos na ore estávamos felizes dem. Acabem com esse chinfrim. Daqui a bocado não vem o Pai Natal para ninguém! Vão pôr os vossos sapatos na chaminé. Era a correria, escada acima a buscar os sapatos, cada um com o seu. Batiam à porta. Lá estavam os vizinhos no “ caminho”, em bando á nossa espera, para a “ missa do parto”4 na Igreja Velha. - Eu vou.

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Vilão=camponês caixas = arcas balaios = cestos de caniço = missa do galo

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- Eu não vou! Quero ver chegar o Pai Natal, dizia o Oscar, que era nessa altura o mais pequeno. - Espreita pela chaminé - brincava o meu Pai- já lhe vi uma bota há bocado. Nós, os mais velhos, lá íamos à Missa do Galo, ver nascer o “menino”, que à meia-noite era colocado nas palhinhas da manjedoura, na “lapinha”5 da igreja. Quando regressávamos ainda a minha mãe andava às voltas. Era a corrida à chaminé, cada um a ver o seu sapato. Os nossos presentes: as camionetas de madeira, os carrinhos de lata, os soldadinhos de chumbo, o burrinho de flanela cinzenta com as crinas de lã preta. E as minhas bonecas de trapo, com trancinhas e laçarotes, as caras pintadas mais lindas que já vi, feitas às escondidas pelas mãos de artista da minha mãe, que de cada bocadinho de qualquer coisa, fazia uma maravilha para os meus olhos. Era o vestir e despir num corrupio o enxoval da boneca. Como eram lindas as minhas bonecas de pano! Não havia assim em nenhum lado. Até olhavam para mim com aqueles olhos grandes espantados com pestanas e tudo! Os meus irmãos falavam todos ao mesmo tempo, o meu Pai dava ordens que ninguém ouvia, os cães entravam pela casa dentro à espera dos ossos de galinha gorda do jantar, e o Manuel, muito ajuizado, tomava conta das coisas e de nós. A minha Mãe, quase em silêncio fazia tudo sem ter tempo para se sentar. Não sei mesmo se alguma vez teve direito ao seu jantar de Natal... 5

lapinha = presépio muito “ naif” com rochas onde se representa a ilha

Mas nós éramos pequenos, estávamos felizes, tínhamos ido à Missa do Galo, tínhamos a nossa grande árvore de Natal com uma estrela de prata a brilhar lá em cima, desenhada pela Mãe, os nossos presentes, a família junta, a nossa Festa. - Vem ajudar na “ lapinha”5! - Põe ali o pastorinho no meio das “searas”6 e das “cabrinhas”7. - Não tires as ovelhas! Gritava o Edgar furioso. - Vês? Deixaste cair os Reis Magos... - Guarda os Reis Magos- dizia o Manuel, que sabia sempre tudo – eles só chegam a Belém no dia 6 de Janeiro! Nisto aparecia o Pai. - Vou lá acima ao quartel ver se os homens estão bem. Quem quer ir comigo? Largávamos tudo. Íamos todos com o Pai. Os cães à frente a ladrarem, o Sultão de pernas curtas, rabo enrolado, a Blaky aos pulinhos. Nessa altura ele era para nós o Pai forte e sábio, o comandante daqueles soldados todos, quem mandava em toda a gente!... Só não mandava na alegria do nosso Natal...porque nessa... só mandávamos nós! Este foi o meu último Natal de família, ainda criança, com os Pais e os meus irmãos. Depois vim para Lisboa estudar para o Instituto.

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Searas = pequenos recipientes onde se põem a germinar grãos de diversos cereais, algumas semanas antes do Natal, para depois decorar o presépio cabrinhas = fetos pequenos que nascem nas rochas da ilha no Inverno LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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Elsa Sofia Dayrell Por tela Ribeiro - A A N . º 7 / 1 9 4 8

Outro Natal, já distante – 1983

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atal! É Natal outra vez. A minha “tribo” emigrou. Cresceu e emancipou-se. Foi à procura de outros Natais, com neve, com crianças, noutros sítios que não aqui, porque tudo cresceu com este Natal conhecido, e há que viver outras coisas novas. Lá está o Presépio de barro. Moldado em dedos pequeninos, no cantinho da arca ao fundo da sala, onde os meninos o puseram, pela primeira vez. A Senhora, de mãos postas, esperando que o Menino cresça; José, de cajado, não se sabe a fazer o quê; e uma vaca deitada - que esteve para ser um burro. Lembro-me que faltou o barro e ficou vaca, porque fazia mais falta ao Menino. E os tempos eram já assim,... sempre qualquer coisa adiada... Na mesa da sala, o arranjo de plantas com a vela encarnada que este ano não se acende ao jantar – fica adiada para o dia seguinte.... E depois era a chegada dos amigos sem família, e de jantar sem peru. Que divertido jantar com a minha “tribo”! Onde isso já vai! Mas a verdade é que cá está o Natal outra vez! As árvores cortadas à venda pela rua, para a festa, que vão fazer tanta falta e que não se repõem; os presentes cada vez mais pequenos que toda a gente se esforça por encontrar, e que oferece quase envergonhada; as primeiras queixas dolorosas que se ouvem por todo o lado, a careza, o desemprego, a fome. Nem a chuva faltou! Este ano vai haver jantar de família, daquela família velha que se tinha em pequenina, e que se deixou para trás. É como encontrar a Saudade que está de volta. O sítio já não é o mesmo. Dos membros da “ velha tribo” já só restam quatro juntos, a lembrar quantos faltam, os que morreram ou se foram para o Brasil. Mas chegaram as Boas Festas dos que estão sempre connosco. Os “sem família” encontraram outra família e vão fazer o Natal deles. Eu tenho sorte porque vou jantar! O meu Natal, esse é que de repente ficou velho!

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M. Margarida Pereira-Müller - AA N.º 244/1967

O quotidiano inglês na Revolução Industrial

ara que as gerações vindouras saibam o que as gerações que as antecederam faziam e viviam é necessário que se preserve seu modo de vida. Uma tarefa muitas vezes árdua, muitas vezes mal compreendida pelos políticos a quem compete dar fundo, pois é do conhecimento comum que “sem ovos não há omoletas”. Felizmente, na região inglesa conhecida por Black Country (País Preto, nome que ganhou devido ao fumo e ao pó preto causados pelos milhares de fornalhas e fornos no século XIX), junto a Birmingham, houve um grupo de pessoas que viu mais longe e criou o Museu Vivo do Black Country (Black Country Living Museum – www.bclm.co.uk) que oferece uma vista única sobre a região, unindo o passado ao presente e fazendo a ponte para o futuro numa experiência viva inesquecível. Sendo visitado por 248 000 pessoas anualmente, este museu espalha-se por 26 hectares (o equivalente a 25 campos de futebol), mostrando de modo bem palpável como se vivia em Inglaterra na altura da Revolução Industrial. Emprega 160 pessoas das áreas vizinhas e injecta milhões de euros (na realidade, libras…) na economia local, atraindo visitantes à região. Quando, em 1976, começaram os trabalhos numa zona abandonada a somente 18 km do centro de Birmingham, poucas pessoas pensaram que a história do Black Country se iria desenvolver duma maneira tão espectacular – e tornar-se um dos museus ao ar livre mais importantes do Preservar o passado, Reino Unido. “Na realidade, os museus têm um papel modelar o futuro muito simples: preservar objectos e contar histórias que prendam as pessoas”, resume dum modo tão simples o director do museu, Ian Walden. Os primeiros museus ao ar livre surgiram há mais de 100 anos na Escandinávia. “Quando hoje andamos pelo Black Country Living Museum, parece que as casas, as lojas, as oficinas e as fábricas sempre ali estiveram. No entanto, tudo foi trazido para esse local a partir de 1976; o canal e o túnel Dudley sempre aqui estiveram”. LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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Não se construíram porém os edifícios do nada – a maioria das casa veio de vários locais da região. Foram desmanteladas cuidadosamente, tijolo a tijolo e depois reconstruídas, novamente, tijolo a tijolo na área do museu. Restauraram-se as máquinas, o mobiliário e os objectos originais, para dar ao museu uma nova dimensão sem nunca perder de vista a autenticidade. O pessoal, vestido a rigor, conta histórias do tempo que já lá vai e ensina muitas coisas que se perderam com o tempo. As professoras recriam na escola o ambiente do século XVII/XIX, os ferreiros produzem pregos e correntes de ferro, o padeiro amassa pão e bolos (que não podem ser vendidos por causa dos Regulamentos de Fabrico de Alimentos, sendo usados depois pelo museu para decorar as casas em exposição no museu), o homem da confeitaria explica como se fazem rebuçados, o dono da mercearia fala da sua pequena loja onde tudo se vendia. Dois pontos altos na visita são, sem dúvida, a visita à mina onde se podem ver, quase ao vivo graças às figuras de cera que, em gravação, nos dão as explicações, como era trabalhar debaixo do solo em péssimas condições. O carvão tinha em certas partes 10 metros

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de espessura o que obrigava a que se trabalhasse deitado e com esforço sobre-humano. Lá em baixo, tudo está às escuras. Cada grupo de cinco visitantes recebe uma lanterna que ajuda a andar nos corredores da mina. De quando em quando uma figura de cera conta um pormenor da vida diária dos mineiros, incluindo os diversos acidentes que aconteciam com uma grande frequência. Em 1712, Thomas Newcomen construiu a primeira máquina a vapor do mundo em Dudley. No museu pode ver-se uma réplica de 1986, construída usando a informação de 1719 registada por Thomas Barney. No edifício administrativo do museu, que serve de entrada, e que foi trazido de Smethwick, reconstruído tijolo a tijolo e aberto ao público em 2000, uma interessante exposição, que inclui uma bela colecção de carros e motos, explica o desenvolvimento da indústria na região. Indústria significa também mobilidade, e esta carros eléctricos. O museu possui uma série de eléctricos que estiveram em serviço em Dudley de 1920 e 1929 – e um eléctrico lisboeta, um verdadeiro “amarelo” da Carris, que ainda ostenta a indicação “Xabregas” na parte dianteira! O Black Country Living Museum é, sem dúvida, um lugar para se viver a História.


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S O L T A S Q M. Margarida Pereira-Müller - A A N . º 2 4 4 / 1 9 6 7

O gigante verde de olhos brilhantes – A magia de Swarovski

ara a grande maioria, o mágico, as lendas e o extraordinário são só para crianças. Felizmente que há quem pense o contrário e nos dê a nós, adultos, a possibilidade de ir ao encontro também desse mundo diferente do nosso quotidiano. A empresa Swarovski investe não só em cristais – aliás o seu bem sucedido negócio – como também em arte e no mundo da fantasia. Basta ir a Wattens, a 17 km (20 minutos) de Innsbruck (Áustria), onde se encontra a sede da Swarovski para ficarmos presos neste mundo mágico. Logo que nos aproximamos, vemos a cabeça do gigante verde de olhos brilhantes que deita água pela boca. Um gigante que nos atrai para o seu interior. Dentro da cabeça, temos uma série de instalações, criadas por diversos artistas plásticos modernos de renome, a que Swarovski deu o nome de “Mundos de Cristal”. Inaugurada a 1 de Dezembro de 2007 e representando um investimento de 10 milhões de euros, estas Câmaras das Maravilhas, como lhe chama André Heller, encanta os visitantes, levando-os a um mundo de fantasia, lendas, sonho e espanto. Um mundo que nos leva a olhar, a ver, a ouvir, a cheirar, a sentir e a saborear. O primeiro Mundo de Cristal, criado por André Heller, a alma criativa de Swarovski e que os lisboetas conhecem pelo seu “Teatro do Fogo”, um fogo de artificio monumental no Terreiro do Paço em Cada pessoa associa 1983, foi inaugurado em 1995, integrado nas celebrações do centenário da conceitos diferentes fundação da empresa, o labirinto de crisao nome Swarovski tal tem trazido alegria e encanto a mais de sete milhões de visitantes de todo o mundo. Ou seja, o gigante vive e transforma-se. Uma explosão de criatividade que faz jus ao seu fundador. A empresa foi fundada por Daniel Swarovski I, também conhecido por ser uma fonte inesgotável de imaginação e fantasia. Das treze câmaras cristalinas, ocupando 4000 m², oito são totalmente novas, tendo sido criadas por Fabrizio Plessi, Susanne Schmögner, André Heller, e Nikki de Saint Phalle, entre outros. O Teatro Mecânico, criado por Jim Whitting, levaLAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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frutar o efeito de harmonia das cristalizações em constante mutação. André Heller criou o maior caleidoscópio do mundo, em colaboração com Peter Mandl. O caleidoscópio reflecte-se num cristal com 440 facetas, que por seu lado são reflectidas pelo caleidoscópio. Também o jardim que envolve a empresa é digno de nota, fazendo parte do reino mágico do gigante verde. Foi concebido por André Heller, tendo esculturas e inúmeras fantasias de diversos artistas plásticos, entre os quais Bruno Gironcoli, Franz West e Heidrun Brandt-Perakis. No parque, André Heller criou um labirinto em forma de mão que oferece informação e convida para se brincar às escondidas. O gigante verde, deitando água pela boca, guarda o Há também um delicioso jogo Mundo dos Cristais. de intriga e sons misteriosos, criados pelo piano da natureza, uma instalação do artista austríaco cas. Resumindo: objectos reais, rígidos, Alois Schild. A água, a fonte da vida, tem ficam com vida. também um papel importante no parque. Noutra sala, a belíssima voz de Jessye Fontes de água nascem no cimo do monte Norman canta uma ária numa sala só e descem até ao meio do parque, simbocom um cristal de quartzo de Madagáscar lizando o rio Inn, que corre no meio de com mais de 100 kg de peso bruto, e Innsbruck, e serve de alimento à vegetaum plasma, onde se pode ver (e ouvir) a ção alpina. soprano americana a cantar. Noutra sala, Tal é a variedade de artistas, tal é a o artista inglês Brian Eno expõe os seus variedade de objectos criados, pelo que quadros virtuais e apresenta todas as cada pessoa, a quem se diga o nome facetas do cristal numa instalação deSwarovski, associa conceitos diferentes: nominada “Reflexões”. pequenos animais de cristal, jóias, Do antigo Mundo de Cristais, manteveobjectos de arte moderna e até música se a Catedral de Cristal, a alma do Mun– Swarovski apoiou a produção dum insdo dos Cristais, um sala com 50 m². trumento musical novo, inspirado num Seguindo o princípio da construção do instrumento asiático, e com sons muito “astródomo” geodésico de Buckminster cristalinos: peças de cristal de diferenFuller, 595 espelhos formam um caleites tamanhos pendem duma estrutura doscópio acústico e óptico. Na sala sede madeira que lembra os tori, as enguinte temos o Cristaloscópio, onde o tradas dos templos japoneses. visitante pode descansar, relaxar e des-

© ANATOL JASIUTYN

-nos a uma colecção de sonhos que mais lembra uma passagem de modelos, ao mesmo tempo estranha e fascinante: no centro da sala move-se a mulher que anda, uma boneca/manequim de costureira sem cabeça cujo corpo se abre e fecha. Ao fundo, uma série de pernas de homem, sem corpos, mas vestidas com calças impecavelmente engomadas, dança animadamente. Por cima das nossas cabeças voam camisas impecavelmente bran-

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Maria da Glória de Sant’Anna - A A N . º 2 8 0 / 1 9 3 6

Moçambique – Cabo Delgado (anos cinquenta)

firmar por exemplo “este livro é meu”, é muito subjectivo. Nada nos pertence. O livro é meu porque o comprei, porque o pus na estante, porque o folheei, porque lhe conheço o conteúdo ou até porque o escrevi. Depois disso o tempo se encarregará de o transformar a outros olhos, a outras mãos, ao momento deteriorante da integração noutro conjunto. – Mas Dona Genoveva, calma, baixinha, maquinalmente quotidiana, nunca saberá que eu penso isto, que em essência e por outra via bem diversa lhe aconteceu – . *** É tempo das chuvas. Porém nem até ao mais distante horizonte de mar se vê uma nuvem. O calor está cheio de poeira leve e as cigarras desfazem-se em gritos para o sol. É a seca. A água começa a faltar nas cisternas caiadas de branco e em cujo fundo repousam pedaços de ferro. Avança o receio de a única água possível que é salobra – enquanto não se acabam O subjectivismo os trabalhos de depósitos e canalizações para lá do quilómetro cinquenta subindo da palavra para o Mièse. “meu” Formam-se filas de gente com garrafões para encher na cisterna municipal de água paga e racionada. Mas Dona Genoveva que vive num bairro de casas maticadas com tecto de macuti1 e sem cisterna ali em Cumisseti, não está preocupada com a seca. 1

Folha de palmeira. LAÇOS Número 1/08 – Outubro 2007-Janeiro 2008

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No seu quintalzinho rodeado de uma cerca de caniço de um metro e meio de altura, onde esgravatam meia dúzia de galinhas, ali no quintalzinho há uma nascente de água doce. Vem não se sabe de onde e surge mansa no chão areento, dando a Dona Genoveva uma grande tranquilidade. Dona Genoveva faz a sua lida de casa, come o seu caril de peixe ou camarão, trata das flores (ela tem uma buganvília a crescer num vaso de barro) e a seca não a atinge. De vez em quando sai, vai ao bazar comprar fruta ou amendoim, gosta de sentir o cheiro das pessoas e a humidade do chão, conversa com os vendedores e nunca volta sem tomar um púcaro de chá na mesa comprida “O que fazes tu aqui roubando a minha água?”

A mulher compõe o lenço que lhe esconde o cabelo, e responde sem mudar de posição: “Esta água não é tua.” Dona Genoveva franze o sobrolho muito irritada. “É sim. Está no meu quintal.” A mulher levanta-se. Pega na lata cheia onde mete um galho de árvore que fica aflorando, põe-na à cabeça e diz: “Está no teu quintal porque Deus a pôs aqui. E o que é de Deus é de todos. Por isso levo esta água.” *** Dona Genoveva não pôs cadeado. E enquanto não chegam as chuvas, senta-se cá fora a conversar com as mulheres que vêm pela tarde a buscar a água de Deus. Do livro de Glória de Sant’Anna “Ao Ritmo da Memória”, 2002

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