Politica ambiental na amazonia

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Economia

A POLÍTICA AMBIENTAL NA AMAZÔNIA: UM ESTUDO SOBRE AS RESERVAS EXTRATIVISTAS Francisco Carlos da Silveira Cavalcanti

Tese apresentada ao Instituto de Economia da universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Economia, sob orientação do Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon

Campinas IE/Unicamp-2002


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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Economia

A POLÍTICA AMBIENTAL NA AMAZÔNIA: UM ESTUDO SOBRE AS RESERVAS EXTRATIVISTAS

Francisco Carlos da Silveira Cavalcanti

Tese de Doutoramento apresentada ao Instituto de Economia da UNICAMP para obtenção do título de Doutor em Ciências Econômicas – área de concentração: Política Econômica, sob a orientação do Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon.

Este exemplar corresponde ao original da tese defendida por Francisco Carlos da Silveira Cavalcanti em 30/09/2002 e orientada pelo Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon. CPG, 30/09/2002

Campinas, 2002


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RESUMO

O objetivo desta tese é refletir, a partir de uma experiência concreta - no caso a reserva extrativista Chico Mendes -, qual a política ambiental mais adequada à conservação da floresta Amazônica ou, em termos genéricos, à conservação de uma floresta tropical de um país em desenvolvimento. Trabalha-se com a hipótese de que as reservas extrativistas (RESEX), como fruto de uma luta política e social dos movimentos locais, podem ser consideradas como uma alternativa à criação de reservas de cunho preservacionistas, definindo um novo paradigma de regulação ambiental. Não se pretende afirmar com isto que as RESEX devam ser consideradas como modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia, mas como uma experiência que pode ser replicada, visando ao desenvolvimento sustentado do meio rural amazônico ou outras áreas de floresta tropical úmida. Isto, principalmente, tendo em vista as múltiplas dimensões que a constituem, o que consolida este projeto como uma experiência inovadora de conservação da floresta tropical. Este cenário, por outro lado, reforça o debate suscitado pela importância crescente das Reservas Extrativistas, não só como proposta baseada nos princípios da sustentabilidade mas, sobretudo, pelas suas especificidades: proposta de preservação com a presença do homem e, como fruto de um movimento político dos seringueiros acreanos, em resposta à tentativa de expropriação da terra e ao processo de derrubada da floresta.


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Para: Meus Pais, Tristão e Nires; Meus filhos Joana e Paulo José; Meus irmãos Neide, Dedé, Margarida,Tantão e Márcio ; E por fim, mas não menos importante, aos seringueiros do Acre.


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AGRADECIMENTOS Ao longo da elaboração deste trabalho tive oportunidade de receber apoio e ajudas das mais diferentes formas, todas elas imprescindíveis para que o projeto chegasse a bom termo. Ao nomeá-los neste espaço, gostaria de expressar e demonstrar meu reconhecimento e gratidão a todos que de certa forma trilharam comigo esta trajetória: À Universidade Federal do Acre na pessoa do Reitor Jonas Filho agradeço o imprescindível apoio institucional; Ao Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon que me orientou na elaboração deste trabalho agradeço pela solidez de seus conhecimentos na área ambiental, o que resultou em sugestões e argumentos consistentes, além de sua imensa paciência o que tornou o nosso trabalho numa tarefa agradável e gerou um clima de camaradagem essencial no oficio acadêmico; Aos professores Ademar Romeiro, Peter May, Guy Henry e José Maria da Silveira, que fizeram parte da banca examinadora meus agradecimentos pelas críticas e sugestões; Ao Prof. Dr. Otaviano Canuto, inicialmente pela confiança e amizade demonstrada ao longo de mais de uma dezena de anos, além das sugestões apresentadas; Ao Prof. Dr. Ademar Romeiro, Prof. Dr. José Maria da Silveira e Prof. Dr. Pedro Ramos pelas críticas e sugestões apresentadas por ocasião da elaboração do trabalho; À profª Dulcélia Mota Lopes pela revisão criteriosa dos originais; À Profª. Dra. Eugenia Leone por me possibilitar acesso ao seu curso de métodos quantitativos, oportunidade em que atualizei meus conhecimentos na área de estatística; O colega acreano e mestrando da área ambiental, Raimundo Cláudio Maciel, além da “assessoria” na área de informática, me prestou um inestimável apoio no trato das questões relativas aos dados da pesquisa ASPF;


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Na secretaria da pós –graduação do IE contei sempre com a boa vontade de Alberto e Cida, aos quais agradeço o apoio; Aos colegas do Departamento de Economia da Ufac que solidariamente apoiaram minha proposta de trabalho deixo aqui expresso o meu reconhecimento; Ao pessoal que trabalha no projeto ASPF, no Acre, Gisele Batista, Edjane Batista e Claudia Saldanha pela ajuda e outros apoios prestados ao trabalho. Ao casal Cassiano e Socorro Camelo, cuja amizade sempre esteve presente; Ao prof. Aldenor Fernandes de Souza amigo que ocupa a honrosa função de superintendente do INCRA, e a todos de sua equipe como José Maria Esteves, Schubart,

Takarrachi,

Cristina

Benvinda,

Manoel,

Vicente,

os

meus

agradecimentos; Ao Prof. Orlando Sabino, Tricolor, colega do departamento e diretor do Sebrae pelo apoio prestado; À Profa. Dra. Silvia Martins de Souza, historiadora, pelo diálogo constante e proveitoso resultado de seu rigor analítico e seu crescente interesse pelas questões ambientais; No Conselho Nacional dos Seringueiros contei com a boa vontade de todos. O presidente Juarez Leitão dos Santos, o secretário José Maria (o bóca), Luiz Vasconcelos, Rebouças e as secretarias Erondina e Leda. Todos além de prestar informações me possibilitaram acesso a documentos valiosos; Meu tio e amigo Elson Martins cuja amizade e apoio estiveram sempre presentes desde os meus primeiros trabalhos; À minha prima Vársia, pelo carinho e o esforço para que eu tivesse acesso a documentos importantes; O secretário de Estado Carlos Vicente teve a bondade de gastar parte de seu valioso tempo para fazer uma exposição sobre a política do Governo Estadual para o setor extrativista, para mim e outros pesquisadores; O Prof. José Fernandes do Rego, secretário de Estado da Produção que apesar de seus afazeres, me permitiu acesso a informações valiosas;


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À mestranda Ormifran Cavalcante sou grato pelas informações, documentos valiosos e entrevistas que ela efetuou no âmbito de sua pesquisa e generosamente me possibilitou acesso; O pessoal do IBAMA/CNPT do Acre foi solidário e prestativo. Meus agradecimentos ao Josemar e sua valorosa equipe que tanto se esforçam pelo êxito das reservas; No IMAC contei com a ajuda da amiga de longas datas Célia Pedrina, do amigo Ramadam, e da coordenadora do ZEE/AC Janete; O pessoal da Caex, Capeb e Compaeb foram muito gentis e pacientes ao explicar o funcionamento das instituições e as relações com a produção extrativista das reservas; A Tininha, cuja companhia, solidariedade e generosidade à flor da pele, foram fundamentais nesta trajetória; Os colegas Juliano Gonçalves, Karina, Hugo Silimbani, Alex Goulart, Alexandre Gori, Hector Escobar e Estela, pela rica convivência e a certeza que existe uma juventude capaz e, sobretudo, muito determinada para cuidar dos assuntos ambientais; Á Joana e Paulo José, meus filhos, pela rica convivência e as alegrias vividas em conjunto; Meus irmãos Tantão, Marcio e Dedé constituíram uma retaguarda de apoio imprescindível para providenciar informações necessárias e urgentes para o trabalho; Os companheiros Odair Garcia e Maria; a amiga Silvia Possas, os baianos Hamilton, Luiz e Guerra; os amigos Otaviano e Rogério Gomes criaram um ambiente de muita camaradagem, alegria e, sobretudo, bom humor; Por fim, agradeço aos colegas de turma, Teódulo Vasconcelos, Alberto Arcangeli e Miranda, pela rica convivência e os ensinamentos que me passaram ao longo do curso. Esta é uma das lembranças mais bonita que trago guardado.


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“A impressão dominante que tive, e talvez correspondente a uma verdade positiva, é esta: o homem ali, é ainda um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado nem querido - quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem... Os mesmos rios ainda não se firmaram nos leitos; parecem tatear uma situação de equilíbrio derivando, divagantes, em meandros instáveis, contorcidos em sacados, cujos istmos a revezes se rompem e se soldam numa desesperadora formação de ilhas e de lagos de seis meses, e até criando formas topográficas novas em que estes dois aspectos se confundem; ou expandindo-se em furos que se anastomosam, reticulados e de todo incaracterísticos, sem que se saiba se tudo aquilo é bem uma bacia fluvial ou um mar profusamente retalhado de estreitos”. Euclides da Cunha, no livro À Margem da História, ed. Martins Fontes, 1999.


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RELAÇÃO DE SIGLAS

ASPF – Pesquisa Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural no Vale do Acre. BANACRE – Banco do Estado do Acre BASA – Banco da Amazônia S/A BCA – Banco de Crédito da Amazônia BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CAEX – Cooperativa Agroextrativista de Xapuri CAGEACRE – Companhia de Armazenamento Geral e Entrepostos do Acre CAPEB – Central de Associações de Pequenos Produtores Rurais de Epitaciolândia e Brasiléia CEDEPLAR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais CEPA/ACRE – Comissão Estadual de Planejamento Agrícola do Acre CMMAD – Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland) CNPT- Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações tradicionais CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros COLONACRE – Companhia de Desenvolvimento Agrário e Colonização do Acre COMPAEB – Cooperativa Mista de Produção Agropecuária e Extrativista dos Municípios de Epitaciolândia e Brasiléia LTDA CPATU – Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido CPT – Comissão Pastoral da Terra


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EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação FIBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística FNO – Fundo Constitucional do Norte FUNAI – Fundação Nacional do Índio FUNTAC – Fundação de Tecnologia do Acre IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IMAC – Instituto do Meio Ambiente do Acre IMAZON – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPA – Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia ITTO – Organização Internacional de Madeira Tropical MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo NASA – National Aeronautics and Space Administration ONG – Organização Não-Governamental OXFAM – Agência Católica para o Desenvolvimento PAD – Projeto de Assentamento Dirigido PAE – Projeto Agroextrativista PESACRE – Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre PIC – Projeto Integrado de Colonização


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PIN – Programa de Integração Nacional PMACI – Projeto de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária PNUD – Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PPG-7 – Programa Piloto Para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil POLAMAZÕNIA – Programa de Pólos Agro-industriais e Minerais da Amazônia POLONOROESTE – Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil PROBOR – Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal PRODFAO – Programa de Desenvolvimento da Fronteira da Amazônia Ocidental PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terra RECA – Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado RDC - Rubber Development Corporation – Companhia de Desenvolvimento da Borracha SAF – Sistema Agroflorestal SEBRAE – Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas SEPRO – Secretaria de Produção SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUDHEVEA – Superintendência da Borracha SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus U C – Unidade de Conservação


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UFAC – Universidade Federal do Acre UINC – União Internacional para a Conservação da Natureza U P F – Unidade de Produção Familiar. ZEE/AC – Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre WWF – World Wide Fund


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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Definição Econômica de Poluição Ótima

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Figura 2 – Evolução da População Rural e Urbana – Acre (19601991)

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Figura 3 - Percentual de desflorestamento por regional do Acre 1996

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Figura 4 - Percentual de área desflorestada por ano - ACRE1978/1998

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Figura 5 - Taxa anual média de desflorestamento - Acre 1978/1998

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Figura 6 - Mapa de um seringal Nativo Figura 7 – Mapa da RESEX Chico Mendes

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Figura 8 - Evolução da população da RESEX Chico Mendes 1994/1998

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Figura 9 - Imagem da área desmatada ao redor da RESEX Chico Mendes - 1996

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Figura 10 - Evolução da produção de Borracha - Acre 1977/2000

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Figura 11 - Composição do Custo Total de Produção entre Custos Fixos (CF) e Variáveis (CV) - RESEX Chico Mendes 1996/1997 Figura 12 - Indicadores de desempenho econômico da RESEX Chico Mendes - 1996/1997 Figura 13 - Renda Bruta (RB): Máxima, Mínima e Média - RESEX Chico Mendes - 1996/1997 Figura 14 – Comparação do impacto do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes – 1996/1997

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Exportação de Borracha amazônica e preços internacionais (£) - Período: 1821 - 1947................................................................................................................... 66 Tabela 2 - Estado de São Paulo e Amazônia: exportações de café e de borracha. 1871/1920 ..................................................................................................................... 67 Tabela 3 - Exportação de produtos Coletados – 1881-1883............................................ 70 Tabela 4 – Índice de Gini– Acre/Brasil – 1970-1995/96 .................................................. 95 Tabela 5 – Distribuição percentual do número de estabelecimentos agropecuários e da sua área total – Acre – 1970-1995/96 ........................................................................ 96 Tabela 6 - Destinação das Terras do Acre - 2000 ............................................................ 98 Tabela 7– Estrutura fundiária por estratos, nº de imóveis e área das propriedades – Estado do Acre-1999................................................................................................. 100 Tabela 8 - Projetos De Assentamentos Agroextrativista: Localização, Área e População – Acre/2000 ............................................................................................. 101 Tabela 9 - Reservas Extrativistas do Acre: área, população e decreto de criação -1999 .................................................................................................................................... 102 Tabela 10 - Índice de desmatamento: diversas unidades - 1999 .................................. 103 Tabela 11 - Dados Gerais da RESEX Chico Mendes -1991/1998................................. 136 Tabela 12 - Estimativa da Renda por Familia Média Bruta Anual dos Seringueiros da Reserva Chico Mendes – 1991 ................................................................................. 139 Tabela 13 – Evolução percentual da participação das atividades produtivas na renda bruta total da RESEX “Chico Mendes” – 1991-1997 - Acre ................................ 140 Tabela 14 - Quant. (%) de UPF's por produto explorado na RESEX Chico Mendes 1996/1997 ................................................................................................................... 141 Tabela 15 - Participação na Renda Bruta por produto na RESEX Chico Mendes1996/1997 ................................................................................................................... 142 Tabela 16 - Produção, Renda Média e Máxima dos Principais Produtos da RESEX Chico Mendes – 1996/1997....................................................................................... 143


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Tabela 17 - Renda Total e por Atividade RESEX Chico Mendes - 1996/1997 ........... 145 Tabela 18 - Evolução da produção de Borracha e Castanha na RESEX Chico Mendes - 1995/1998................................................................................................................. 147 Tabela 19 - Composição da Renda e Custo por Atividade Reserva Chico Mendes – 1996/1997 ................................................................................................................... 150 Tabela 20 - Composição dos Custos Totais, Fixos e Variáveis na Reserva Chico Mendes – 1996/1997.................................................................................................. 151 Tabela 21 - Custo Unitário, Preço Médio e Índice de Eficiência Econômica na RESEX Chico Mendes – 1996/1997....................................................................................... 152 Tabela 22 - Composição da Renda Bruta (RB), Margem Bruta Familiar (MBF) e MBF/RB por atividade na RESEX “Chico Mendes” – 1996/1997....................... 155 Tabela 23 - Indicadores de Desempenho Econômico da Reserva Chico Mendes – 1996/1997 ................................................................................................................... 157 Tabela 24 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 1 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997.................................................................................................. 159 Tabela 25 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 2 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997.................................................................................................. 160 Tabela 26 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 3 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997.................................................................................................. 161 Tabela 27 - Composição da Renda Bruta por Estrato com Base na Renda Líquida Reserva Chico Mendes – 1996/1997 ........................................................................ 165 Tabela 28 - Renda Média por Estabelecimento e por Categorias Familiar - Acre – 1995/1996 ................................................................................................................... 166 Tabela 29 – Margem Bruta Familiar, Autoconsumo e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico Mendes – Acre- 1996/1997 .................................... 168 Tabela 30 – Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes – Acre-1996/1997 ............................. 171 Tabela 31 - Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Margem Bruta, MBF/RB e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico Mendes – Acre-1996/1997 ...................................................................................................... 172 Tabela 32 - Simulação de Renda Proveniente do Manejo Florestal (R$).................... 180


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Tabela 33 - Projeção da Renda Média Anual em R$ decorrente da Implantação de um SAF na RESEX Chico Mendes................................................................................ 184 Tabela 34 - Comparação do sistema extrativista tradicional da borracha e as IAP's (colocação Boa Vista)................................................................................................ 188 Tabela 35 - Composição da Renda Bruta, Produção e Preços Médios por atividade na RESEX Chico Mendes - 1996/1997 ......................................................................... 220 Tabela 36 - Composição do custo, produção total e índice de desempenho econômico – RESEX Chico Mendes- 1996/1997 .......................................................................... 221 Tabela 37 Produção média, preço médio, RB média máxima e mínima – RESEX Chico Mendes – 1996/1997....................................................................................... 222 Tabela 38 - Composição da renda total, máxima, mínima, média e mediana – RESEX Chico Mendes – 1996/1997....................................................................................... 223


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ÍNDICE RELAÇÃO DE SIGLAS ......................................................................................... ix LISTA DE FIGURAS............................................................................................ xiii LISTA DE TABELAS ........................................................................................... xiv ÍNDICE ................................................................................................................ xvii INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1 CAPÍTULO 1: CONTRIBUIÇÃO DA ECONOMIA À PROBLEMÁTICA AMAZÔNICA .......................................................................................................... 7 1.1 Introdução..................................................................................................................... 7 1.2 A Economia e o Meio Ambiente .................................................................................. 9 1.3 O Conceito de Desenvolvimento Sustentável ............................................................ 25 1.4 Políticas Ambientais e as RESEX .............................................................................. 29 CAPÍTULO 2: AS RESEX E A QUESTÃO AMBIENTAL ..................................... 41 2.1 Introdução................................................................................................................... 41 2.2 A Luta Seringueira, a RESEX e a Questão Ambiental............................................... 44 2.3 A Concepção Naturalista: a Preservação sem a Presença Humana............................ 51 CAPÍTULO 3 – EXTRATIVISMO DA BORRACHA: A HEGEMONIA DO BARRACÃO ......................................................................................................... 61 3.1 Introdução................................................................................................................... 61 3.2 Extrativismo da Borracha no Acre ............................................................................. 66 3.3 A Propriedade da Terra............................................................................................... 73 CAPÍTULO 4 – A EXPANSÃO DA FRONTEIRA E O MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA: OS FUNDAMENTOS DA RESEX............................................... 83


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4.1 Introdução................................................................................................................... 83 4.2 O Processo de Resistência .......................................................................................... 89 4.3 A Forma de Acesso e o Uso da Terra......................................................................... 95 CAPÍTULO 5 – FORMAÇÃO E ASPECTOS GERAIS DAS RESEX.................. 107 5.1 Introdução: A Formação das Reservas ..................................................................... 107 5.2 A Produção Familiar Extrativista ............................................................................. 114 CAPÍTULO 6: A DINÂMICA ECONÔMICA DA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES ............................................................................................... 125 6.1 O Modelo Metodológico .......................................................................................... 125 6.2 Dados Gerais da RESEX Chico Mendes.................................................................. 133 6.3 Indicadores Econômicos da RESEX Chico Mendes ................................................ 138 6.4 A Distribuição da Renda na Reserva Chico Mendes: Os Três Estratos ................... 156 6.5 Análise do Impacto do Subsídio nos Rendimentos das Famílias ............................. 168

CAPÍTULO 7: TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS.............................................. 175 7.1 Introdução................................................................................................................. 175 7.2 O Manejo Florestal ................................................................................................... 176 7.3 Sistemas Agroflorestais ............................................................................................ 182 7.4 Ilhas de Alta Produtividade ...................................................................................... 186 7.5 Serviços Ambientais................................................................................................. 189 7.6 O Protocolo de Kyoto ............................................................................................... 190 CONCLUSÕES ................................................................................................... 195 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 201 ANEXO 1 – MAPAS............................................................................................ 213


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ANEXO 2: GLOSSÁRIO ..................................................................................... 215 ANEXO 3: RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS................................................. 218 ANEXO 4: UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL............................... 219 ANEXO 5: TABELAS ......................................................................................... 220


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INTRODUÇÃO O crescimento das preocupações com as questões ambientais e, em particular, o aquecimento do planeta e perda de biodiversidade, colocaram a preservação1 da floresta Amazônica como uma questão de interesse internacional, ampliando os debates sobre a possibilidade de compatibilização entre crescimento econômico e preservação ambiental. Este quadro de preocupações com a questão ambiental evidencia a importância crescente da Amazônia, pelas suas dimensões e riquezas naturais, mas, principalmente, porque os estudos e pesquisas sobre o meio ambiente estabeleceram um papel crucial desta na resolução/agravamento desses problemas. Pensar a preservação da floresta amazônica, tout court, implica considerar amplamente duas possibilidades. A primeira é a “proteção estrita”, nos moldes da preservação norte-americana. Apesar das dificuldades de implantação de uma política dessa natureza, devido aos altos custos financeiros e sociais, da necessidade de forte participação do Estado, seja no processo regulatório, seja no aparato de fiscalização, os defensores desta proposta, os preservacionistas, assumem que a manutenção da diversidade biológica só é possível com a exclusão do homem. Estes argumentam que a presença das populações tradicionais é incompatível com o objetivo da preservação das diversidades biológicas. No outro extremo, a questão fundamental é pensar a preservação da floresta como parte de uma política de desenvolvimento regional, o que implica não só considerar a presença das populações tradicionais mas, sobretudo, pensar uma política ambiental que seja viável, baseada no conceito de desenvolvimento sustentável. Viabilização neste caso entendida amplamente como criação das condições de sustentabilidade, ou seja, algo que não se confunde com uma análise parcial de custo-benefício. Isto não significa negar a importância deste 1

Diegues (2001) chama a atenção para a distinção conceitual entre “conservação de recursos naturais” que significa a exploração de forma sustentável dos recursos, enquanto que “preservação” diz respeito à reverência à natureza, excluindo, portanto, a presença humana para fins exploratórios. Neste trabalho estaremos usando os termos referidos no sentido descrito acima.


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instrumento de análise econômica, mas tão somente considerá-lo parte das condições de sustentabilidade. A formulação de políticas públicas no âmbito da problemática ambiental expressa, de certa forma, esse tour de force. Assim, as políticas de cunho regulatório, denominadas de Políticas de Comando e Controle (C&C) advogam a regulação direta sobre o uso de recursos naturais através de leis e regulamento, enquanto os economistas de inspiração neoclássica contestam a eficácia desses instrumentos e argumentam no sentido do uso de Política de Instrumentos Econômicos (IE) – cobrança de taxas, incentivos, créditos e a livre negociação -, pressupondo o mercado como o Locus ideal para a resolução dos problemas ambientais. Há ainda uma posição considerada como intermediária, que consiste no uso de regulação com instrumentos econômicos. Este cenário, por outro lado, reforça o debate suscitado pela importância crescente das Reservas Extrativistas (RESEX)2, não só como proposta baseada nos princípios da sustentabilidade mas, sobretudo, pelas suas especificidades: proposta de preservação com a presença do homem e, como fruto de um movimento político dos seringueiros acreanos, em resposta à tentativa de expropriação da terra e ao processo de derrubada da floresta. O objetivo desta tese é refletir, a partir de uma experiência concreta - no caso a reserva extrativista Chico Mendes -, qual a política ambiental mais adequada à conservação da floresta Amazônica ou, em termos genéricos, à conservação de uma floresta tropical de um país em desenvolvimento. Trabalha-se com a hipótese de que as RESEX, como fruto de uma luta política e social dos movimentos locais, podem ser consideradas como uma alternativa à criação de reservas de cunho preservacionistas, definindo um novo paradigma de regulação ambiental. Não se pretende afirmar com isto que as RESEX devam ser consideradas como modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia, mas como uma experiência que pode ser replicada, visando ao desenvolvimento sustentado do meio rural amazônico ou outras áreas de floresta tropical úmida. Isto, principalmente, tendo em vista as múltiplas dimensões que a 2

A partir deste momento quando aparecer a sigla RESEX, entenda-se Reservas Extrativistas.


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constituem, o que consolida este projeto como uma experiência inovadora de conservação da floresta tropical. Considera-se, então, o pressuposto de que as reservas representam uma forma específica de organização social da produção – isto entendido de uma forma ampla -, que comporta desde o processo de trabalho até a gestão comunitária da produção, conformando uma política ambiental peculiar, misto de uso de instrumentos econômicos e comando e controle . Para tratar desta questão, parte-se do princípio que as Reservas Extrativistas representam algo mais amplo e complexo, que não se confunde com o extrativismo da borracha, entendido como uma atividade econômica. Está-se a enfatizar, na verdade, a necessidade de estabelecer novos conceitos de forma a dar conta desta complexidade. Afinal, o que são as reservas? Uma forma peculiar de ocupação e uso da terra? Uma forma específica de organização da produção? Uma política ambiental? Ou uma unidade de conservação pura e simples? A Resex, na verdade, como uma política ambiental baseada nos princípios da sustentabilidade, só pode ser compreendida quando vista em seu conjunto de múltiplas determinações. De qualquer forma, é insuficiente, por ser genérico, afirmar que as RESEX representam uma proposta mais ampla envolvendo a forma e o uso da terra e a organização da produção em condições de sustentabilidade, até porque a organização da produção, tamanha a diversidade com que ocorre na realidade da reserva, dificulta uma afirmação ampla, tal como freqüentemente acontece. Da mesma forma, consideram-se insuficientes as abordagens reducionistas que tratam a reserva a partir de uma disjuntiva, tanto as que a consideram um modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia, quanto as que a tratam como um obstáculo ao desenvolvimento ou uma proposta economicamente inviável. Assim posto, estas abordagens, de certa forma, reintroduzem o trade-off entre crescimento e preservação no âmbito da reserva. Na verdade, convém admitir desde logo que as reservas não são um espaço produtivo homogêneo. Uma reserva são “muitas”, poder-se-ia afirmar. Evidenciar esse conjunto de especificidades, sobretudo desvendando os


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mecanismos de dinâmica econômica é fundamental para o entendimento do papel da reserva, principalmente no âmbito da discussão do desenvolvimento sustentável. Da mesma forma, mais especificamente, admite-se a possibilidade de que o controle da ocupação e a forma de uso da terra, apesar de fundamental, não são suficientes para garantir a conservação e uso sustentável da floresta. Para a compreensão desta trajetória, é necessário entender a dinâmica da economia do extrativismo, no núcleo do processo de produção e, principalmente, a participação e o papel do progresso técnico, a diversificação da produção e a gestão do processo produtivo, os quais, supõe-se, podem vir a constituir as bases da sustentabilidade da reserva extrativista. Trata-se, em última instância, de “inventar” uma nova economia – o que chamaremos aqui de “economia da floresta” -, cuja base consiste na superação do trade-off entre crescimento econômico e preservação e sua transformação em sinergia econômica. A tese está estruturada em 7 capítulos. Nos dois primeiros, procurou-se mostrar que o entendimento das RESEX conduz à apreensão das determinações complexas entre a economia e o meio ambiente, pela suposição de que não é possível compreender suas diversas e complexas dimensões, apartadas de uma problemática mais ampla. Isto implica recuperar trajetórias, cujas bases teóricas ficaram mais evidenciadas num movimento que procura analisar teoria e objeto de análise num processo relacional. A discussão conceitual, portanto, tornou-se imperativa para que a compreensão das RESEX fugisse aos “lugares-comuns” e permitisse estabelecer nexos entre a proposta - com seu núcleo fundamental, que é a noção de sustentabilidade - e sua dimensão no espaço do desenvolvimento regional. Já nos capítulos 3 e 4, o movimento efetuado objetivou a construção do conceito de RESEX a partir da formação da economia extrativista da borracha. Para tanto, se procurou apreender as especificidades do processo de ocupação do espaço territorial acreano, em que a forma de acesso e o uso da terra são os elementos que fundam as bases dos atuais processos produtivos da região. É a


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partir desse estudo que é possível compreender os determinantes que possibilitam as RESEX se estruturarem como uma ruptura às práticas sociais do seringalismo tradicional. Portanto, é na economia gumífera que são criadas as condições fundamentais para a criação das RESEX. Ao buscar os fundamentos da RESEX, na forma e dinâmica da estruturação dos processos produtivos, visando a entender esta proposta como decorrência de um particular processo de ocupação, o que se pretende é redimensionar este conceito, de forma a evitar o equívoco de considerá-la uma proposta de desenvolvimento sustentável, capaz de, por si só, alavancar o desenvolvimento regional. Com isto, recupera-se a proposta original, cujo núcleo consistia da articulação da dimensão conservacionista com a melhoria das condições de vida das populações extrativistas. Nos capítulos 5 e 6 tratou-se de entender a dinâmica econômica do extrativismo, a partir da análise de alguns indicadores, principalmente renda e custos de produção. Para tanto, considerou-se a RESEX Chico Mendes como um estudo de caso que possibilitasse apreender a estrutura econômica das RESEX como um todo. Para esta análise, considerou-se como básico o conceito de sistema de produção, pois o mesmo permite entender a organização da produção das diversas famílias e suas estratégias de utilização e combinação dos recursos e tecnologia disponíveis nos seus processos produtivos. O seu uso permite, ainda, perceber como se organiza o processo de trabalho para a extração de produtos e a formação dos rendimentos. As fontes de dados para a elaboração destes capítulos foram, além dos dados bibliográficos, a pesquisa de campo efetuada pelo Departamento de Economia da Universidade Federal do Acre para a elaboração de um banco de dados denominada de “Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural no Vale do Acre” realizada entre maio 1996 e abril de 1997 e uma coleta de dados efetuada em julho de 2001, através de entrevistas com produtores, dirigentes sindicais, membros do Conselho Nacional dos Seringueiros e técnicos dos diversos órgãos que atuam na área tais como EMATER, INCRA e IBAMA.


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A utilização da base de dados referentes aos anos de 1996/97, não implica prejuízo às conclusões e inferências decorrentes da análise dos dados. O extrativismo sofreu poucas modificações nos seus elementos estruturadores ao longo dos últimos cem anos. Por outro lado, a profundidade e abrangência das informações representam um avanço, em face da precariedade ou inexistência das informações, principalmente as referentes à estruturação da renda e dos custos das atividades produtivas do meio rural acreano. O capítulo 7 retoma algumas das questões fundamentais tratadas ao longo do trabalho e discute outras, até então não abordadas. Tem-se nele, a pretensão de discutir um conjunto de propostas, notadamente as que se relacionam às incorporações tecnológicas visando ao incremento de produtividade, apontando para aquilo que, no início do trabalho, denominou-se de “invenção” de uma “economia da floresta”, ou seja, a da ampliação das possibilidades em termos de viabilização e consolidação das RESEX. Nesta linha, encontram-se as propostas das “Ilhas de Alta Produtividade”, manejo florestal, e criação de mercados para novos produtos, que conformam um conjunto de possibilidades e perspectivas para as reservas e, sobretudo, para o conjunto da economia acreana.


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CAPÍTULO

1:

CONTRIBUIÇÃO

DA

ECONOMIA

À

PROBLEMÁTICA AMAZÔNICA

1.1 Introdução

As últimas décadas podem ser consideradas como decisivas para a consolidação de um pensamento de cunho preservacionista. Em que pese à complexidade dos temas ambientais não há como negar a existência de um relativo consenso em torno de uma idéia: as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da Amazônia não podem mais ignorar o desafio ambiental, expresso no aproveitamento das riquezas naturais baseado nos princípios da sustentabilidade. Neste quadro, a criação das Reservas Extrativistas assume relevância como proposta dos seringueiros acreanos, visando à conservação ambiental do espaço amazônico, definindo uma forma de uso da terra e regulação fundiária, isto principalmente pela repercussão que alcançou, seja no âmbito nacional ou internacional, ensejando um amplo debate cujo núcleo central é a definição de uma política ambiental que seja capaz de, ao mesmo tempo, conservar a floresta, possibilitar a equidade social e gerar renda. Num primeiro momento, é necessário contextualizar as RESEX no interior da discussão ambiental, na perspectiva analítica das diferentes formas interpretativas, pois sem este movimento, não ficam claros, pela impossibilidade de se estabelecer os nexos teóricos, as diferentes visões interpretativas, seja da questão ambiental ou mesmo pontualmente de uma política de conservação tipo RESEX. Esta contextualização permite apreender as diversas dimensões das reservas e seus nexos sociais para, então, conformar o quadro contendo os argumentos e interesses dos diversos atores que participam do embate ambiental. As RESEX possuem múltiplas dimensões, sendo que uma das mais importantes, por caracterizar a proposta, é a dimensão política. Neste sentido,


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representou uma resposta específica das populações da floresta a uma ordem instaurada e estabelecida que se mostrava anacrônica. Decididamente, nem o velho extrativismo nem a nova ordem que o governo federal tentara implantar como

um

modelo

de

desenvolvimento

regional

baseado

na

pecuária,

correspondiam aos anseios e perspectivas desse agrupamento sócio-cultural. Não é de estranhar, portanto, o encaminhamento ocorrido como a estruturação de um movimento de resistência a esta ordem implantada, cujos reflexos sobre as populações que habitavam a floresta incidiam muito diretamente na posse da terra. Ao se recompor a trajetória das RESEX, vê-se que, num primeiro momento, os seringueiros tratavam de garantir direitos sobre a terra, o que não impediu a inclusão de outros elementos à luta política, para então conformar o quadro que se consolidou com a incorporação das lutas ambientais e o contato, como seria natural, com o movimento ambientalista internacional. A RESEX não foi construída apenas como uma resposta política alternativa a um determinado modelo de desenvolvimento regional mas, sobretudo, constituiu-se num movimento de resistência, em que a luta pela posse da terra era o elemento nuclear e unificador do movimento. Por outro lado, ao redefinir as relações sociais e culturais estabelecidas pela hegemonia do antigo seringalismo, estruturou uma dimensão social, que permite afirmar que esta proposta em geral, é uma reinvenção que supera os limites estreitos de uma simples atividade econômica, para se colocar como uma nova realidade cultural, um modo de vida, estabelecendo e redefinindo formas de apropriação e relação homem-natureza. Convém ressaltar, porém, que todas essas complexas relações que dão unicidade à proposta RESEX adquirem um outro sentido, mais amplo e colado às diversas propostas de desenvolvimento regional, quando vistas como parte da questão ambiental. Vê-se, então, não se tratar de uma questão pontual, nem tampouco simplista, mas sim de uma questão controversa dada a sua importância, notadamente no que se refere aos diversos e múltiplos interesses em jogo.


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1.2 A Economia e o Meio Ambiente De uma perspectiva ampla, pode-se afirmar que existem duas grandes correntes na economia que abordam a questão ambiental: A primeira, denominada economia ambiental, tem seus fundamentos na teoria neoclássica e, portanto, constitui o mainstream por ocupar a posição hegemônica no pensamento econômico contemporâneo. Já a segunda, conhecida como economia ecológica, tem seus fundamentos teóricos e metodológicos baseados nas leis da termodinâmica. A relevância destas duas correntes reflete-se no conjunto de políticas públicas ambientais, sejam as definidas pelos diversos países e governos ou

as

definidas

pelas

diversas

agências

internacionais

e

nacionais,

governamentais ou não. O que se pretende neste tópico é delinear o conjunto de aspectos fundamentais das duas escolas e com isto destacar os elementos estruturadores de ambas, de sorte que se possa perceber as diferentes apropriações do conceito de desenvolvimento sustentável e, portanto, da questão ambiental e, a partir daí, tratar da política ambiental, tentando apresentá-la de forma a contextualizar as Reservas Extrativistas. A inserção da problemática ambiental pelos neoclássicos ocorre a partir de alguns fundamentos cujos princípios gerais podem ser resumidos na concepção do mercado como um instrumento mais adequado para uma ótima alocação de recursos, na medida em que os agentes econômicos – firmas e consumidores procuram maximizar suas utilidades, tendo o preço como um indicador do grau de escassez relativa dos bens e serviços. O equilíbrio de todos os mercados leva a que se atinja o “ótimo de Pareto”, situação em que os mercados, em condições perfeitamente competitivas, atingem o máximo de bem-estar social. Neste modelo, o meio ambiente apesar de participar do sistema econômico é considerado externo ao mercado. Daí que os bens e serviços ambientais, dependendo de sua forma de inserção ao processo produtivo, sejam considerados externalidades.

Neste

sentido,

os

problemas

ambientais

considerados

externalidades negativas, são vistos como falha de mercado que exigem correção,


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o que implica precificar os danos garantindo que os processos ocorram no âmbito do mercado. A especificidade dos problemas ambientais, considerados a partir da interação da natureza com o sistema econômico, define duas abordagens distintas ainda no âmbito da economia ambiental dividindo-a em economia da poluição e economia dos recursos naturais. A primeira, neste sentido, é decorrente da constatação de que a economia despeja os dejetos, de forma geral, no meio ambiente, enquanto que o uso dos recursos naturais, ou bens ambientais define a abordagem da economia dos recursos naturais, também conhecida como economia dos inputs. Estes processos ficam mais claros se evidenciarmos como centrais os conceitos de exterioridade e temporalidade como propõe Amazonas (1994). É possível, então, entender o mecanismo lógico de inserção dos danos ambientais aos marcos da economia neoclássica. Os bens ambientais, por serem públicos, não são passíveis de terem seus preços determinados pelas preferências individuais e, dessa forma, o mercado desses bens não se constitui. Isto é possível e lógico por se considerar o meio ambiente como externo ao mercado (Norgaard, 1997). As externalidades, assim, se configuram no conceito básico para a valoração dos bens ambientais, isto na medida em que “surgem quando o consumo ou a produção de um bem gera efeitos adversos (ou benéficos) a outros consumidores e/ou firmas e estas não são compensadas efetivamente no mercado via sistema de preços” (Motta, 1990, p. 113). A degradação ambiental, qualquer que seja a forma assumida, constitui caso típico de externalidade negativa, embora o caso clássico seja mesmo a poluição. A compensação representaria a internalização dos danos. O fato é que a insatisfação decorrente do dano ambiental é considerada como falha do mercado, porque o mecanismo de preço não terá sido capaz de restabelecer o nível de otimização. Visto assim, fica evidente que a solução para o problema é criar mercado, via atribuição de valor à queda de satisfação recompondo as premissas da maximização da utilidade e maximização dos lucros. Uma vez recomposto o equilíbrio, através da correção da falha de mercado, cessa a preocupação com o ambiente. Neste caso, por suposto, é irrelevante o


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nível de poluição desde que os agentes envolvidos, através do mercado, expressem sua satisfação. Seguindo esta linha de raciocínio, a poluição, como externalidade negativa, é internalizada quando os custos marginais de controle são iguais ao custo marginal de degradação ambiental, caracterizando o ótimo de poluição como o ponto em que, mesmo existindo poluição, esta é socialmente aceita. A figura 1, permite vislumbrar melhor a base analítica exposta de correção das externalidades negativas. O ponto y corresponde ao ponto ótimo de poluição, ou seja, ao novo nível de equilíbrio, considerado onde LPML (lucro privado marginal liquido) é igual ao CEM (custo externo marginal) este agora acrescido do valor atribuído ao dano ambiental na margem. Considera-se que neste ponto ainda ocorre poluição, só que em níveis socialmente aceitáveis, enquanto o poluidor maximiza seus lucros nas novas condições.

Figura 1 - Definição Econômica de Poluição Ótima

Fonte: Pearce e Turner (1991, p. 89) apud Almeida (1998)


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Na abordagem da economia dos recursos naturais ou exploração das matérias primas - ao contrário da economia da poluição em que as externalidades ocupam posição mais evidente, porque imediata ao processo produtivo -, estas não

são

detectadas

de

imediato

ou

sequer

dimensionadas

face

ao

desconhecimento científico. Em decorrência, os custos sociais resultantes dos danos ambientais, são distribuídos no tempo e no espaço como legados às gerações futuras. A questão fundamental da economia dos recursos naturais, seguindo a ótica microeconômica, reside na especificidade dos recursos naturais: como o agente econômico aufere lucros a partir de sua extração e o aumento progressivo da escassez acarreta aumento dos preços, o agente se depara com o dilema de extrai-lo hoje ou em um momento futuro. Assim, a quantidade ótima a ser extraída ao longo do tempo, deve ser calculada a partir de dois conceitos básicos: o custo de oportunidade, visto como a segunda melhor opção de utilização alternativa de um capital e a taxa de desconto para o cálculo do valor presente do uso do capital. No caso dos recursos renováveis, estes dois conceitos em conjunto e comparativamente permitem o cálculo do “nível ótimo de extração”, que corresponde às quantidades ótimas a serem extraídas ao longo do tempo. Quanto aos recursos exauríveis, o preço do produto deverá ser igual à soma do seu custo marginal de extração e seu custo de oportunidade. É este o processo de inserção e resolução do problema ambiental, no qual prevalece a lógica de mercado e o preço expressa a vontade coletiva e regula a alocação ótima dos fatores de produção. A respeito dessa questão há que se assinalar que isto, na verdade, representa um movimento mais amplo de releitura e incorporação dessas questões aos marcos analíticos de corte neoclássico. Um exemplo que bem ilustra essa forma de apropriação é a maneira como é abordado o conceito de desenvolvimento sustentável. Este conceito elaborado no âmbito das discussões ambientais, mais especificamente nas discussões sobre o modelo de desenvolvimento vis a vis à degradação ambiental, estruturou-se baseado em três preceitos normativos - na


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eficiência econômica, equidade social e prudência ecológica -, que devem ser vistos como um todo. Contudo, sob o argumento de que o conceito como um conjunto de princípios que visa em última instância, o bem estar da sociedade, para a economia convencional repõe a idéia de otimização de Pareto, principalmente através das duas primeiras condições. A este respeito, pode-se afirmar que há um alto grau de concordância entre diversos autores neoclássicos ao considerar semelhantes o princípio de eficiência econômica – tal como formulado no conceito de desenvolvimento sustentável – e a idéia paretiana de que seja assegurada a manutenção do bem-estar social (Mueller, 1999). Posto desta forma, tem razão Beckerman3 (1993), que não vê sentido neste conceito, uma vez que supostamente o aparato conceitual neoclássico daria conta das questões propostas. Esta talvez configure uma posição mais extremada, na medida em que se nega a perceber as especificidades e as necessidades do mainstream economics dar conta das novas questões derivadas das restrições ambientais. Ainda no seio da economia convencional, uma postura menos radical tende a considerar a sustentabilidade

como

uma

restrição

ao

crescimento

econômico.

Nesta

abordagem, em que se abstrai o ambiente, o sistema econômico pode ser representado como um sistema linear P

C

U K

em que P, implica a produção de bens de consumo C e bens de capital K, por seu lado, bens de capital implica em consumo futuro que é responsável pela criação de utilidades ou bem estar. Ao considerar a incorporação do ambiente no sistema econômico, em que R passa desempenhar as funções de supridor de inputs para o funcionamento do sistema econômico, a nova representação passa a ser a seguinte: R 3

P

C

U

Para este autor o conceito de desenvolvimento sustentável não apresenta nenhuma novidade analítica, pois o conceito neoclássico de otimização é suficiente para abordar e resolver os problemas econômicos e ambientais.


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O novo fator R ao ser incorporado, resulta em uma restrição para se atingir o “ótimo de Pareto”. Como bem assinala Solow (1974), a hipótese de otimização requer que U não seja declinante, ou seja, que ele se mantenha constante. A perspectiva de crescimento sustentável – o que implica em estoques de capital não declinantes, ou mesmo substituição suficiente entre o capital “ambiental” e capital “fabricado” -, fica mais claro se representado por uma outra função: W = W (K,E)4, em que o bem estar futuro (W) em cada período de tempo é função do estoque de capital fabricado (K) e capital ambiental (E). Para que ocorra o desenvolvimento sustentável a primeira condição, como já referido, é que o valor de W não possa declinar, o que implica em que os estoques de ambos capitais (K) e (E), não sejam declinantes ou haja substituição de capital ambiental por capital fabricado na mesma proporção. Esta condição pode ser representada por: -q∆ ∆E ≤ ∆K onde q é o preço sombra do capital ambiental - o preço que existiria se estas funções se realizassem de forma ótima no mercado -, e ∆E e ∆K expressam as modificações ao longo do tempo. Dessa forma, isto significa que, o valor da exaustão ambiental não pode exceder o valor do investimento liquido em capital fabricado. De qualquer forma, a equação mostra que se E declina haveria perda de bem estar. Para que isto não ocorra, o preço sombra q deverá crescer para expressar os custos sociais dos danos ambientais no mercado que por sua vez devem também crescer, significando que os preços refletem o grau de escassez relativa dos bens ambientais. A substituição de capital ambiental por capital fabricado se põe, assim, como a questão fundamental. Para alguns neoclássicos é possível um elevado grau de substituição entre os capitais, ocasionado pela elevação da eficiência decorrente do progresso tecnológico. Diante do exposto, resta concluir que o crescimento econômico na perspectiva do desenvolvimento sustentável, para o mainstream depende de um alto grau de substitubilidade entre os capitais ambientais e fabricados. Uma outra alternativa seria o incremento dos custos dos danos ambientais, devidamente


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internalizados e crescentes para refletir o custo - sombra dos danos ambientais. Ainda assim, na lógica do mainstream isto resultaria no desenvolvimento e difusão de tecnologias capazes de induzir um crescimento sustentável. Os principais problemas da economia convencional, cujos fundamentos estão baseados na microeconomia, para dar conta da problemática ambiental ocorrem, em grande medida, devido às limitações teóricas e epistemológica, o que contribui para a incapacidade da mesma em oferecer respostas adequadas aos problemas ambientais. Apesar de sua hegemonia, principalmente na questão ambiental, a abordagem, já de início, ao considerar a economia um sistema total, define um espaço restrito de análise por desconsiderar a relação entre economia e meio ambiente em sua complexidade. Esta restrição terá implicações em toda estrutura teórica do mainstream e será objeto de muitas críticas, entre elas a que considera a economia um subsistema do meio ambiente “e depende dele tanto como fonte de insumos de materiais como depósito para o lançamento da produção de resíduos” formulada por Daly (1996, p. 6). Duas implicações imediatas devem ser consideradas. A primeira é que, ao incorporar o meio ambiente na análise econômica desta maneira, reconhece-se que este interage de forma positiva com a economia ao regenerar os insumos e absorver os resíduos dentro dos limites da capacidade de suporte da natureza. Nesta perspectiva, a questão é remetida à discussão quanto à escala de uso dos bens ambientais, ao contrário da economia convencional que ignora, por considerar irrelevante, os limites naturais à exploração econômica. Por outro lado, isso reforça a idéia que a economia convencional tem da questão ambiental como um problema de alocação intertemporal de recursos entre consumo e investimento (Romeiro, 2001 e Amazonas, 1994). A questão ambiental para a economia convencional pode ser resolvida da seguinte maneira. Para os casos de poluição ou uso dos serviços ambientais, como recursos hídricos e ar, que não possuem mercados por serem bens públicos e, portanto, não há a definição clara de propriedade, a política ambiental, refletindo 4

Esta parte está baseada em Almeida (1998, p. 21 e seguintes).


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ação coletiva, deve ser direcionada no sentido da correção das falhas de mercado. Para a extração de recursos naturais, cujo problema é de outra natureza, supõese que o preço como índice do grau de escassez relativa sinalizaria para a proximidade do esgotamento destes bens, com o seu aumento. A economia ambiental, na verdade, supõe que a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais é improvável por dois motivos. Primeiro, pelo alto grau de substitubilidade dos fatores de produção. Capital, trabalho e recursos naturais tenderiam a ser usados em magnitude adequada de forma que a escassez de um implicaria maior uso de outro. E, em não havendo limites nem escala para o processo de substituição, tampouco, a base analítica exposta de correção das externalidades negativas considerar-se-ia a possibilidade de irreversibilidades na exaustão ambiental dos bens. Em segundo lugar, há o pressuposto de que a tecnologia é capaz de não apenas resolver o problema de declínio da produtividade dos fatores como de ajustar a escala de uso dos recursos. A crítica de que o cálculo do valor das perdas com base na preferência dos consumidores é improvável, na medida em que se requer um amplo conhecimento da importância dos bens em questão, pode ser estendida à abordagem da economia dos recursos naturais, cujo problema de geração de externalidades negativas não ocorre de imediato, pois os custos “são dispersos no tempo e no espaço às gerações futuras” (Amazonas,1994, p. 58). Isto traz à tona a discussão da finitude dos recursos naturais e, concomitantemente, uma questão de suma importância: os danos ambientais em sua maioria são processos irreversíveis. Uma vez ocorrido não mais é possível retroceder no tempo para evita-los. O tempo, ao ser relevado pelos neoclássicos, acaba por fragilizar o conteúdo teórico desta escola, pelo desconhecimento presumível da degradação irreversível de certos recursos naturais. A perspectiva de escassez que, na lógica da economia ambiental, aponta para a criação de mercados para os bens exauríveis e, em decorrência, resultaria em um uso comedido do produto, mostra-se irreal pois nada garante o surgimento dos mercados antes que o recurso seja extinto ou esgotado, o que ressalta a


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inexistência de um comportamento altruístico de solidariedade com as gerações futuras. Por outro lado, isto impacta fortemente a hipótese já referida, que é a perfeita substituição dos recursos (Romeiro, 2001). Os recursos ambientais não são substitutos perfeitos, como quer o mainstream. Todas estas considerações assinalam que as tentativas de internalização dos danos ambientais, via mecanismos econômicos, ressaltam a incompatibilidade entre a fundamentação teórica e a complexidade dos processos ambientais. A Economia Ecológica e outras abordagens alternativas, como as evolucionistas e institucionalistas, apesar de suas especificidades, guardam pelo menos um aspecto em comum: a insatisfação com a abordagem neoclássica dos problemas ambientais. A forma de análise dos institucionalistas é fundada no papel que as instituições, entendidas amplamente como organizações, sistema institucional e relações de poder, desempenham nos processos econômicos. Ao adotar a concepção filosófica holística para dimensionar os problemas em sua totalidade, estes ampliam sobremaneira seu campo de análise incluindo as trajetórias tecnológicas, os processos históricos, a organização social e a cultura. Neste sentido, ao tratarem a questão ambiental, dispõem de uma interpretação mais realista, na medida em que não reduzem a questão ao âmbito do mercado, por considerarem os problemas ambientais de uma complexidade que envolve aspectos físicos, sociais, políticos, econômicos e culturais, exigindo uma visão multidimensional e multidisciplinar. No contexto da complexidade, consideram ainda relevantes os custos de transação, as incertezas do futuro e, principalmente, a possibilidade de irreversibilidade das perdas dos bens ambientais na exploração econômica de determinados produtos ou espécies. A crítica mais pertinente à visão institucionalista decorre exatamente da amplitude com que abordam os problemas, o que impede a consolidação de um corpo teórico amplo capaz de estabelecer leis gerais. Como resultado os institucionalistas são levados a tratar cada caso como um caso específico. A base conceitual dos evolucionistas é a crítica à forma como os neoclássicos tratam a


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tecnologia no sistema econômico. Esta é considerada um conjunto de conhecimentos sobre o processo produtivo que ocorre no contexto das firmas em diferentes proporções, conforme a combinação de fatores. Para Schumpeter (1984), a dinâmica econômica decorrente do processo concorrencial determina como crucial a busca por lucros extraordinários, o que ocorre pela introdução de inovações tecnológicas que, por sua vez, serão responsáveis por desequilíbrios e incertezas no mercado. Por outro lado, os evolucionistas consideram as inovações tecnológicas o conceito chave para os problemas ambientais, na medida em que acreditam que o progresso técnico promove a elevação da eficiência produtiva, contribuindo para a superação de limites da natureza substituindo produtos que dependem de recursos em vias de exaustão. Como decorrência desses fundamentos teóricos, os evolucionistas propõem que a política ambiental seja exercida através de incentivos econômicos e/ou políticas do tipo comando e controle. Isto pressupõe a presença do Estado, que deve se responsabilizar por uma política de inovações tecnológicas de produtos e processos e, com isso, superar as restrições ambientais. Já a economia ecológica surge no bojo da questão ambiental e sua importância como temática presente na agenda do debate mundial nasce nos anos 1970, a partir da convicção de que era viável e necessário pensar na compatibilidade entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Inicialmente

esta

concepção

se

expressa

através

do

conceito

de

Ecodesenvolvimento. Esta visão cuja base é o desenvolvimento econômico com preservação ambiental adquire sua forma mais acabada no conceito de desenvolvimento sustentável consolidado no relatório Brundtland de 1987 (Nosso Futuro Comum, 1991). A economia ecológica procura se distinguir da economia convencional através da percepção do problema ambiental estabelecendo importância a interrelações entre a economia e o ambiente. Neste sentido, constitui um campo transdisciplinar relacionando as diversas questões entre sistema econômico e ecossistemas (Costanza,1996, p. 3).


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Esta particular visão de mundo, ao contrário da anterior, entende a relação entre o meio ambiente e a economia, como uma relação em que a economia constitui um subsistema do meio ambiente, interagindo e dependendo dele em dois sentidos: como fonte de matérias primas (insumos) ou como depósito para os resíduos, conforme já enfatizado (Daly, 1996). Esta visão da economia como um subsistema do meio ambiente constitui a pedra angular nas formulações da economia ecológica sobretudo por ser ponto de partida e base para a crítica à economia convencional que considera a economia um sistema fechado ou total. Outro fundamento da economia ecológica é resultado, em grande medida, de considerar a economia um sistema aberto em que são incorporados valores éticos e a solidariedade. Não é sem motivos que o conceito de desenvolvimento sustentável é solidamente apoiado nesses princípios inexistentes na economia ambiental. Dessa forma, o princípio da sustentabilidade - eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica - impôs-se como princípio norteador de uma nova forma de relação do homem com a natureza e passou a estar presente em todos os fóruns e debates a respeito do desenvolvimento econômico. As raízes da economia ecológica podem ser determinadas na obra seminal de Georgescu-Roegen5, que incorpora no debate as leis da termodinâmica como relevante para edificar a base conceitual. A primeira lei da termodinâmica, que trata da conservação da matéria, estabelece o princípio de que o homem não pode criar nem destruir a matéria ou a energia, tão somente transformá-la. Já a segunda lei, visto de uma forma simplificada, assinala que nos processos de uso da energia ocorre uma transformação da energia livre, portanto disponível, em energia presa ou não - disponível. A partir da observação deste processo em que há perda de qualidade na utilização da energia, Roegen conclui ser este evento a mais econômica das leis físicas, haja vista tratar-se de um fenômeno de escassez. 5

Refiro-me a “The Entropy law and the Economic Process”, obra em que Roegen elabora sua teoria de que os processo econômicos deveriam levar em conta os fluxos de energia, ao invés de se restringir ao fluxo circular de mercadorias entre firmas e consumidores. Assim, a partir da lei da entropia, incorpora-se as idéias de irreversibilidades e limites, considerando a economia como subsistema da natureza. Isto abala os alicerces analíticos da economia convencional, notadamente a idéia de substituição perfeita entre fatores de produção.


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Ao perceber que a economia convencional limitava seus estudos aos fluxos de matérias, Georgescu-Roegen argumenta que é necessário incorporar o estudo dos fluxos de energia, principalmente a segunda lei da termodinâmica. Para o autor, é contraditório que mesmo após estes dogmas mecanicistas terem perdido a sua supremacia na física e seu domínio na filosofia, continuem servindo como paradigmas para as teorias econômicas (Georgescu-Roegen, 1989, p. 61). Como decorrência,

assinala

Roegen,

os

livros-textos

de

economia

continuam

representando os processos econômicos como um movimento pendular entre a produção e o consumo em um sistema fechado. Em verdade, o funcionamento do ciclo econômico baseado nos supostos do mercado, como melhor alocador de recursos em concorrência perfeita, configurando o ótimo de bem estar social, parece confirmar a idéia de que em concorrência perfeita todos os agentes ganham e, com isto, a complexa relação entre a economia e o meio ambiente, principalmente os danos decorrentes dos processos produtivos, ficam negligenciados. Ao sugerir que a economia considere os processos econômicos como fluxos de matéria-energia, o que concretamente Georgescu-Roegen faz é romper com a idéia de que a economia é um sistema fechado e auto-sustentado. Na perspectiva de considerar os fluxos de energia, ou mais apropriadamente entropia, passa a ser relevante a interação do meio ambiente com a economia, notadamente os danos ambientais decorrentes do uso de recursos naturais e a absorção de dejetos e resíduos pela natureza. Propõe que os economistas considerem como relevante a segunda lei da termodinâmica “que especifica que a entropia (isto é, a quantidade de energia não disponível) de um sistema fechado acusa incrementos contínuos de forma que um sistema mais ordenado se transforma progressivamente em um sistema mais desordenado” (Georgescu-Roegen, 1989, p. 61). O relevante no processo de utilização de energia, conforme ressalta Roegen, é que há uma perda na qualidade desta ao passar de um estado de baixa entropia para alta entropia. A lei da entropia ampliou a possibilidade de incorporação de novas interpretações, por considerar que num sistema fechado ocorre incremento


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contínuo de transformação de energia de um sistema ordenado para um sistema progressivamente mais desordenado. O uso de recursos naturais na economia, considerando o meio ambiente como suporte material, nada mais é do que a transformação de baixa entropia em alta entropia, da mesma forma que a capacidade de absorção do ambiente é limitada face ao despejo de alta entropia decorrente da atividade produtiva. Dessa forma, a economia ecológica busca a sustentabilidade negando que os danos ambientais possam ser reparados por processos de internalização, como propõe a economia ambiental, bem como reconhece a importância e os limites da tecnologia na resolução destes problemas. O fundamental, a partir dos princípios da sustentabilidade, é a incorporação de valores éticos, como a preocupação com as assimetrias sociais entre gerações e nações, na formulação das políticas ambientais. Note-se que a partir da contribuição de Roegen dão-se dois grandes passos. O primeiro, já enfatizado, é considerar a economia como parte de um sistema, no caso o ambiente, e o segundo é inserir a questão da finitude e irreversibilidades dos danos de alguns bens ambientais no debate. Dessa forma, o argumento neoclássico de que o capital pode ser substituído ad infinitum fica totalmente comprometido pela sua total irrealidade. Não é verdade que o progresso técnico permite a total substitubilidade dos bens de capital. A importância do progresso técnico persiste na medida em que contribui para a elevação da produtividade, mas não resolve o problema da perda de qualidade da energia, conforme estabelece a lei da entropia. Assim o argumento da sustentabilidade fraca proposto por Solow (1974), em que o estoque de capital (KT) permanece constante ao longo do tempo, pressupondo que o KM (capital manufaturado) pela sua capacidade de substituir o KE (capital ambiental) poderia manter o capital total constante não é razoável. Por outro lado, não é razoável também supor como no argumento da sustentabilidade forte que o KN (capital natural) deve ser mantido constante, supondo existência da possibilidade de substituição por outra forma de capital manufaturado. O conceito de Ecodesenvolvimento, segundo Romeiro, emerge como uma proposição conciliadora “onde se reconhece que o progresso técnico efetivamente


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relativiza os limites ambientais, mas não os elimina e que o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente para a eliminação da pobreza e disparidades sociais” (Romeiro, 1999, p. 3). Conclui que a aceitação dos princípios do desenvolvimento sustentável, ou seja, “a proposição de que é necessário e possível intervir e direcionar o processo de desenvolvimento econômico de modo a conciliar eficiência econômica, desejabilidade social e prudência ecológica passa a ter uma aceitação generalizada” (Romeiro, 1999, p. 3). A questão das controvérsias, portanto, fica circunscrita à esfera da intervenção. A dificuldade decorre das diferentes interpretações e receituários de como intervir na realidade. Assim, a economia ecológica se estrutura conformando campo analítico próprio para pensar as relações entre o sistema econômico e suas relações com o meio ambiente, baseado nos conceitos biofísicos-ecológicos (bioeconomics). Nesta linha de raciocínio, Romeiro (2001) resume bem a questão ao afirmar que o problema da economia política da sustentabilidade deve ser visto “como um problema de distribuição intertemporal de recursos naturais finitos, o que pressupõe a definição de limites para seu uso (escala)” (p. 2). Só estes fatores, - distribuição e escala - acrescidos do papel da tecnologia, já são suficientes para deixar clara uma distinção na abordagem do conceito de desenvolvimento sustentável. O discurso sobre a questão ambiental, tal como emerge de Estocolmo em 1972, redefine de forma dramática o conceito de modernidade decorrente do padrão de acumulação capitalista. Como assinala Sachs (1986), definiu-se uma linha intermediária na disjuntiva entre aqueles que defendiam um crescimento zero, dado à perspectiva de esgotabilidade dos recursos naturais, e os economistas que relevam os danos ambientais, encarando-os como meros desajustes ou inexistência de mercado. A concepção de sustentabilidade, que emerge entre as duas posturas anteriores, na verdade anula o trade-off entre desenvolvimento e preservação ambiental. Mais do que isto: frente à impossibilidade de generalização dos padrões de desenvolvimento e de consumo dos países desenvolvidos, esta concepção questiona seriamente a idéia de progresso ancorado numa apropriação


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predatória da natureza. Por outro lado, critica as assimetrias sociais, quer entre países, quer entre segmentos sociais no mesmo espaço regional. Por fim, estabelece como fundamental o princípio da prudência ecológica, na perspectiva de resguardar o patrimônio ecológico para usufruto das gerações futuras. Daí a importância dos fundamentos éticos, principalmente a solidariedade, pois deles não só se estruturam os arcabouços teóricos mas, sobretudo, definemse as posturas normativas contidas no conceito de desenvolvimento sustentável e formulações político derivadas. Como decorrência desse debate, parece claro que as crises ambientais expressam uma crise de caráter mais geral, que representa o esgotamento de um modelo civilizacional. Nesse contexto, se as crises desvelam o caráter anacrônico e contraditório do atual processo de desenvolvimento, torna-se necessário desvelar

a

crise

ambiental,

o

que

implica

considerar

as

visões

que

consubstanciam os movimentos de estruturação social tão relevantes quanto às exterioridades das crises. Dito de outra forma, entender o caráter das crises requer discutir o papel da natureza, não só nos processos produtivos mas, sobretudo, as dimensões políticas e sociais como elementos importantes e estruturadores dos processos civilizatórios. De qualquer forma, a idéia de que estas crises, de caráter global ou local, expressam uma crise mais geral, que aponta para o esgotamento de um modelo civilizacional não só desvela e questiona os padrões atuais de consumo e produção, mas delimita o papel crucial que o desafio ambiental representa no questionamento do atual processo civilizatório (Guimarães, 1998, p. 53). Alguns autores, ao pensar a questão ambiental como decorrente de um processo histórico, posto que estruturada a partir de uma visão antropocêntrica, que remonta ao iluminismo, parecem estabelecer os marcos corretos da delimitação do problema. Com efeito, é fato já evidenciado por vários historiadores que o Iluminismo, no século 18, representou um repensar não só dos valores sociais mas também um avanço das ciências e dinamismo tecnológico. No âmbito geral, a representação social, como

expressão dos valores de participação e

cidadania, consolidou um contexto de ruptura do Ancien Régime para uma nova


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sociedade. Na verdade, tratou-se de “inventar” uma nova estrutura de Estado em que foram contemplados os interesses das novas e emergentes classes sociais – no caso a burguesia - e, mais importante ainda para os nossos propósitos, estabeleceu-se uma nova forma de apropriação na relação homem-natureza. A forma holística com que o conjunto de novos valores se consolidou, forneceu os elementos necessários à formulação dos princípios que dão base de sustentação a sociedade ocidental, tal como a conhecemos atualmente. Por outro lado, como elemento nuclear e subjacente a todos esses processos já referidos, a visão antropocêntrica daí derivada adquire na relação homem – natureza uma forma puramente antagônica. Paradoxalmente, a afirmação desta visão resulta em dois pólos distintos e opostos que negam, em conjunto, a possibilidade de uma sociedade baseada nos princípios da sustentabilidade, tal como referidos anteriormente. Posto assim, parece que as mudanças pontuais, novas posturas, e o crescimento da consciência ecológica, em muito contribuem para minorar os danos ambientais mas, todavia, não solucionam a questão de fundo. Fica evidente a necessidade de redefinir novos estilos de desenvolvimento, ou melhor ainda, de estabelecer como horizonte, na feliz expressão de Sachs, a passagem de uma civilização do “ter” para uma civilização do “ser” (Sachs, Apud Romeiro, 1999, p. 14). A implementação de mudanças no jogo, tal como parece inevitável implica, por seu turno, em responder novas perguntas dentre as quais, por sua relevância, são as condições objetivas para essas mudanças. Para Romeiro, não só torna-se necessário que ocorram as ditas transformações, no sentido de se definir um novo estilo de vida de caráter civilizatório, bem como estas devem ocorrer diferentemente da transformação já referida, em que a superação das forças retrógradas, pela descentralização política acabou por gerar um imenso potencial de desenvolvimento das forças produtivas. A nova ruptura, em função da especificidade do desafio ambiental, não deveria ser um resultado aleatório, fruto de um jogo de correlações de forças políticas, mas uma ruptura cujas bases deveriam ser “ações conscientes em busca de soluções socialmente eficientes” (Romeiro, 1999, p. 7). Parece claro que o autor está a enfatizar que na trajetória


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de busca de estruturação de um novo projeto de sociedade torna-se necessário, antes de tudo, aprofundar ainda mais a consciência ecológica, posto que será ela a variável fundamental na estruturação do que virá. Neste caso, talvez não seja adequado pensar em “mudanças no jogo”, mas sim em inventar um novo jogo. 1.3 O Conceito de Desenvolvimento Sustentável As três últimas décadas marcam, definitivamente, o surgimento da questão ambiental e sua importância como temática presente na agenda do debate mundial. Espraiou-se no mundo contemporâneo a preocupação com a preservação dos recursos naturais no sentido do manejo adequado do meio ambiente de sorte a permitir seu usufruto às gerações futuras. A sustentabilidade – crescimento econômico com justiça social e prudência ecológica –, impôs-se como princípio norteador de uma nova forma de relação do homem com a natureza e passou a estar presente em todos os fóruns de debates a respeito do desenvolvimento econômico (Sachs, 1993). Isto, em forte medida, é resultado do tipo de crise que se apresenta na atualidade. Enquanto nas antigas civilizações as crises eram localizadas e tinham uma amplitude delimitada, o fato diferente na atualidade é que “a nossa geração é a primeira a viver sob a ameaça de uma catástrofe nuclear e ecológica global” (Deléage, 1997, p. 23). Por outro lado, intensas discussões e acordos internacionais acenam no “sentido de se consolidar uma gestão coletiva das crises globais” (Lipietz, 1997), que envolvem mudanças climáticas e biodiversidade. Contribuíram em muito para essas mudanças as grandes catástrofes e crises ambientais registradas em período recente. A consciência ecológica cresce sobremaneira á medida que a humanidade se dá conta da gravidade dessas crises e, sobretudo, percebe progressivamente que o futuro do planeta dependerá de transformações radicais, quer nos processos produtivos, quer nos padrões de consumo. As crises, assim, parecem exercer dois papeis. Se por um lado representam ameaças, por outro, a força determinante de interesses localizados só deixa de se impor na medida em que as crises mobilizam e estabelecem prioridades de


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caráter coletivo. Lipietz (1997), baseado numa perspectiva de dimensão, estabelece uma distinção entre crises globais e crises locais. Assim, a poluição de rios, erosão dos solos e outras conseqüências de igual magnitude que têm como causadores agentes pontuais constituem crises locais, enquanto que as crises decorrentes de um modelo de desenvolvimento, envolvendo vítimas em vários continentes, como a crise da camada de ozônio, o efeito estufa e a chuva ácida, são exemplos de crise global. A amplitude deste tipo de crise, cujas causas são difusas e a culpabilidade indeterminada, aliada a um alto grau de incerteza quanto a causas e efeito, que as controvérsias das diversas interpretações dos cientistas não permitem esclarecer, acabam por dificultar negociações envolvendo países e acordos amplos. A emergência deste quadro, que vimos aqui elaborando, data do já conhecido relatório do clube de Roma (1968)6, cujo teor alertava para o fato de que, mantido o ritmo do crescimento econômico e os atuais padrões de consumo haveria, num curto prazo de tempo, o esgotamento dos recursos naturais. Para o relatório, o crescimento era contraditório com o progresso, na medida em que a natureza impunha limites físicos - sendo o mais evidente deles seu provável esgotamento -,o que implicaria em se estabelecer de imediato uma taxa de crescimento zero. A intenção inicial do clube de Roma, estabelecida amplamente como “dilemas atuais e futuros do homem”, como seria previsível a partir dos elementos assim colocados, resultou num projeto mais específico e mais amplo, cujo teor seria o exame dos problemas que afligem todas as nações, dentre outros a pobreza em meio à abundância; a deterioração do meio ambiente e a expansão urbana descontrolada. Como decorrência das discussões travadas no âmbito do referido clube, estabeleceu-se, acertadamente e como princípio geral, que os problemas são inter- relacionados, e sua magnitude e complexidade exigem soluções fora dos padrões tradicionais e articulação global (Meadows, 1972, p. 10). 6

O Clube de Roma foi formado em abril de 1968 a partir de um encontro que mobilizou cerca de 30 pessoas entre cientistas,educadores economistas, industriais e funcionários públicos com a intenção de discutir “os dilemas atuais e futuros do homem” (Meadows,1972, p. 9)


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O resultado deste projeto, publicado sob o titulo de “Limites ao Crescimento”, alertava que se o mundo continuasse a crescer mantendo esta tendência de crescimento populacional e a industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais se mantivessem constantes, o estoque de recursos naturais estariam exauridos em breves cem anos. (Meadows, 1972, p. 20). O tom catastrófico do relatório teve diversas implicações. Uma das mais importantes foi colocar na agenda internacional o debate, então relegado, sobre o desenvolvimento econômico, que passou a ser travado em sua relação com o meio ambiente, ampliando sua importância. Outra implicação decorrente deste quadro amplo foi colocar em xeque a idéia predominante, desde o pós-guerra, de que

o

crescimento

econômico

por

si

implicaria

na

superação

do

subdesenvolvimento. Para se ter uma idéia deste tipo de expectativa, basta considerar-se a previsão de Schumpeter (Apud Romeiro, 1991, p. 142). que dizia que com 50 anos de crescimento econômico, considerando uma taxa anual de 2% ao ano e desconsiderando o aumento populacional, todos os países teriam eliminado a pobreza. Por outro lado, gradativamente, ficou claro que o padrão tecnológico e de consumo dos países desenvolvidos, por questões de natureza ecológica, não poderiam ser generalizados aos países subdesenvolvidos (Romeiro, 1999). De uma forma ampla, pode-se afirmar que era este o quadro ainda predominante em Estocolmo (1972), ou seja, prevalecia a disjuntiva entre preservação

ambiental

e

crescimento

econômico,

representado

pelos

denominados Malthusianos num extremo, cuja base era um reducionismo do ecologismo

intransigente

e,

no

outro

extremo,

os

Cornucopianos,

que

representavam um economicismo estreito e rigoroso (Sachs, 1986, p. 11). O encontro de Estocolmo acabou por definir uma linha intermediária, com a formatação do conceito de ecodesenvolvimento, que apontava para novos elementos mas, sobretudo, incluía a ética e a solidariedade como valores nucleares na nova pauta de discussão. Isto, em certa medida, relevou o trade-off entre desenvolvimento e preservação ambiental, até porque, conforme Strong,


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ambos “estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudança do conteúdo das modalidades e das utilizações do crescimento” (Sachs, 1986, p 7). Emerge daí, portanto, a pedra de toque da questão, ou seja, a concepção de que a sustentabilidade pressupõe três critérios fundamentais que devem ser contemplados simultaneamente - equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica -, na medida em que conformam o núcleo e expressam o caráter normativo básico do conceito7. O que se pretendia, a partir de Estocolmo, era a viabilização do processo de sustentabilidade forte, ou seja, mudanças institucionais profundas o suficiente para transformarem a atual lógica de acumulação capitalista e seu correspondente padrão de consumo, como bem enfatiza Romeiro (1999, p. 68). Na realidade, instauram-se novos dissensos como resultado das diversas apropriações do conceito de sustentabilidade. Contudo poder-se-ia acrescentar que as novas roupagens da velha discussão não escondem um certo ar “conservador”, que nega a gravidade do desafio ambiental e/ou propõem políticas públicas conciliatórias, através da intermediação do mercado. A maior implicação decorrente da amplitude e gravidade dos problemas ambientais foi a consolidação de uma nova visão de mundo, refletindo-se em novos paradigmas, notadamente no avanço teórico experimentado pelas ciências sociais (Morin, 1997, p. 53). Conquanto o processo de produção implique, pelo menos historicamente, uma crescente e sistemática apropriação da natureza por parte dos agentes produtivos,

isto

parece

não

se

ter refletido

nas

formulações

teóricas,

principalmente no âmbito das diversas correntes teóricas da economia. Só após intensas transformações, os economistas passaram a problematizar e incorporar as preocupações ambientais como aspectos relevantes das diversas escolas econômicas. Uma vez suposto que o ato de produzir implica uma relação entre os agentes produtivos e a natureza, e que este ato é capaz de gerar problemas ambientais, a questão relevante do ponto de vista econômico então é como 7

Segundo a definição do conhecido relatório Brundtland desenvolvimento sustentável “é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (Nosso Futuro Comum, 1991, p. 46).


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atribuir valor aos bens e serviços ambientais. Até porque se danos há, estes não apenas devem ser reparados como devem ser passíveis de valoração para a estimativa de custos e outros cálculos imprescindíveis à atividade econômica. Certamente esta dificuldade teórica em valorar os bens e produtos ambientais ou tratar os problemas ambientais, tal como o processo de desmatamento da Amazônia como uma externalidade negativa, portanto sujeita a correção por parte do mercado, pode ser destacado como um dos elementos de fragilidade teórica da economia ambiental em dar conta de determinados processos, notadamente os no âmbito da questão ambiental amazônica. 1.4 Políticas Ambientais e as RESEX A pretensão desta parte do capítulo é situar o estado das artes da política ambiental, de forma que se possa entender e discutir as Reservas Extrativistas na perspectiva da gestão dos recursos naturais. Para este fim é suficiente um resumo e uma apresentação geral das políticas ambientais, tendo como referencia as abordagens da economia ambiental e ecológica, pois a pretensão é uma análise da política ambiental para apreender uma realidade especifica, a das Reservas Extrativistas. O que chama a atenção ao analisar as políticas públicas e o processo de regulamentação por que passa o setor ambiental, é que o tratamento dado pelos policy-makers parece ir de encontro a uma tendência mais geral de desregulamentação e maior liberdade para as chamadas forças de mercado. Segundo Canuto (1998), no início dos anos 80, a regulamentação e as políticas públicas eram objetos de ataque. A tendência mais geral observada era o processo de desregulamentação. Canuto chama atenção ainda para o fato de que na área ambiental o movimento ocorreu de forma distinta. Neste setor, as políticas públicas e a regulamentação cresceram em prestigio, aceitação e abrangência, e os controles diretos sobre o uso dos recursos naturais foram se estabelecendo na maioria dos países da OCDE, apesar da


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existência de uma crescente contestação em relação à eficácia das políticas de regulamentação em detrimento dos chamados mecanismos econômicos. A princípio convém esclarecer, conforme referência acima, que existem dois vetores de política ambiental: as políticas de “comando e controle” (C&C) baseado na regulamentação (normas, leis etc.) e os “instrumentos econômicos” (IE), cuja origem provém da microeconomia neoclássica e estabelece uma série de mecanismos como cobranças de taxas, política de incentivos e créditos , política de incentivos fiscais e a livre negociação, tudo isso visando alterar a relação Custo-Benefício de forma que o poluidor incorpore os custos e, por outro lado, favoreça aqueles que proporcionam benefícios. Uma das características dos IE é que eles constituem uma alternativa à política de C&C em parte devido aos altos custos que envolvem a implementação das leis e normas, sobretudo no que se refere à fiscalização e controle. As políticas de comando e controle visam obrigar os agentes econômicos a reorientar suas decisões. As formas mais freqüentes de uso podem ser sumariadas como a seguir8; •

Estabelece padrões de poluição para fontes especificas, ou seja impõe limites para emissão de determinados poluentes;

Controle de equipamentos e exigência de tecnologias “limpas” disponíveis;

Controle de processo: exigência de substituição de insumos;

Controle de produtos, visando a geração de produtos mais limpos. Ex: Proibição de carros com baixo desempenho energético.

Proibição total ou restrição parcial de atividades em certos períodos. Ex: Rodízio de automóveis em São Paulo.

Controle do uso de recursos naturais, por intermédio da fixação de cotas, como exemplo o governo pode exigir uma cota de reflorestamento para cada árvore derrubada. A lógica dos IE baseia-se no princípio de que os bens ambientais e outros

serviços, ou não possuem mercados próprios ou não funcionam de forma eficiente. Para corrigir essas “falhas de mercado” propõem então a intervenção do


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governo para criar esses mecanismos econômicos, o que representa, em última instância a criação artificial de um mercado no qual, através da simulação da criação de um preço para os danos ambientais, ocorre efetivamente a incorporação desses danos aos custos privados do poluidor. Com estes mecanismos os neoclássicos parecem não se afastar tanto dos seus caros preceitos, na medida em que, apesar de propor a mínima participação do governo na economia, a correção das falhas de mercado, tal como proposta, restabelece o âmbito do mercado como instância decisiva para as tomadas de decisões. Outra forma de IE derivada da economia convencional é a livre negociação. Esta formulação partiu de Coase (Apud Almeida, 1998) que propôs que os problemas ambientais deveriam ser resolvidos através da negociação, desde que direitos privados fossem reconhecidos. Seu teorema diz o seguinte: “não importa quem detém os direitos de propriedade haverá sempre a tendência de se atingir a poluição ótima (ou nível ótimo de degradação) se houver livre negociação”. A formulação de Coase apresenta algumas condições entre elas: todos os agentes implicados no problema ambiental participam da resolução; as negociações não envolvem custos de transação e a negociação é levada até o fim. Assim formulado, o teorema apresenta algumas desvantagens. A primeira é que as condições são difíceis de serem atendidas. Em segundo plano, exclui a participação das gerações futuras no processo de resolução dos problemas e, também, releva a escala de igualdade de poder envolvendo as partes. Uma negociação para ser legítima, requer que os contendores possuam o mesmo nível de poder. O fundamental, neste tipo de análise, é considerar que as proposições apresentam vantagens mas, sobretudo, desvantagens, que às vezes implicam soluções completamente inviáveis na prática. Esse parece ser o caso da maioria dos instrumentos econômicos. No primeiro caso, o da negociação coseana, os elevados custos de transação praticamente reduzem essa proposta ao âmbito da solução de pequenas querelas. No outro caso, o da “poluição ótima”, duas críticas são definitivas quanto à viabilidade dessa proposta. A primeira se refere ao fato da 8

Este sumário, com pequenas alterações, foi extraído de Almeida (1999, p. 4-5)


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solução não se efetivar. Afinal, o fato da permanência da poluição significa que o “ótimo” é uma solução restrita ao âmbito econômico. Por outro lado, não é possível calcular corretamente os danos ambientais (Romeiro, 1999, p. 9/10). O resultado dessa constatação, não significa que esses instrumentos devam ser descartados. Na verdade é crescente a disseminação de seu uso. Segundo Almeida (1997, p. 12/7), “estudos da OECD confirmam uma tendência de uso crescente de instrumentos econômicos na política ambiental de seus países membros, muito embora ainda predominem com folga os instrumentos de comando e controle”. A explicação para isso é que na prática os danos ambientais não são necessariamente devidamente calculados mas, na verdade, estimados e fixados pelos policy-makers de forma que atinjam seus objetivos gerais. No âmbito da economia ecológica, há uma linha que contempla a interrelação entre o uso de C & C e uso de instrumentos econômicos. Assim, a definição do processo decisório comporta duas alternativas: na primeira, há um uso específico do instrumento de análise do custo – benefício e, na segunda alternativa, em face à complexidade dos ecossistemas naturais, impõem-se limites á interferência da economia nos ecossistemas naturais (May, 1995). Estas considerações permitem ressaltar uma das mais importantes dimensões das Reservas Extrativistas. Estas parecem constituir, também, um caso de política ambiental, combinando “comando e controle”, que se expressa na regulamentação básica das RESEX que visa, sobretudo, a preservação ambiental e uso de instrumentos econômicos. Assim, a terra não pode ser comercializada - é propriedade da União com usufruto coletivo -, e também não pode ser utilizada para outros fins que não a atividade extrativista. A exceção é a cultura de subsistência e a extração de madeira para pequenas construções de uso próprio O caso de extração de madeiras de forma sustentada é ainda uma questão embrionária, sendo que a princípio só é admitida em forma comunitária sob a coordenação do IBAMA9. Não se infira disto tudo que a proposta RESEX tem uma 9

A questão do manejo florestal é discutida no cap.7. De qualquer forma vale a pena indicar que já existem muitas experiências nesta área, como é o caso da comunidade do PAE Chico Mendes que conseguiu o selo verde (FCS –Conselho de Manejo Florestal, na sigla em inglês) para a produção de madeira de forma ambientalmente correta. Este é o primeiro caso de manejo sustentado a


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estrutura centralizada ou acarreta altos custos com fiscalização. Como se verá melhor adiante, a proposta das reservas se estruturou a partir de uma base sólida de discussões com o conjunto dos extrativistas e consolidou-se a partir de um processo participativo, cujos resultados assinalam um alto grau de cooperação e fortes laços comunitários. Por outro lado, uma análise das reservas mostra, desde logo, que não é possível tratá-las como um campo específico de uma determinada política ambiental. Isto não significa negar a importância do aparato normativo que rege as RESEX, mas a afirmar da possibilidade de implementação de políticas tipo IE, notadamente, pela inconsistência dos mercados formais na avaliação dos produtos e serviços ambientais. Afinal, como avaliar os serviços de manutenção dos estoques de recursos florestais, muitos deles sequer conhecidos pelo Estado das artes na ciência, como é o caso da biodiversidade, cujo conjunto de informações científicas se encontram ainda num momento incipiente. O fato de estes serviços não serem devidamente avaliados pelo mercado cria a possibilidade de futuramente pagar-se pelos serviços ambientais. Na prática, a implementação das políticas ambientais, tipo RESEX, apresenta uma série de dificuldades, principalmente quanto às formalidades que dizem

respeito

a

gerenciamento

e

planejamento

dessas

experiências,

completamente alheias ao universo cultural dos seringueiros. Muitas dessas questões estão presentes no Relatório de Avaliação Independente, elaborados pelos consultores Irving e Milikan (1997, p. 4), para o “Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, que desenvolve o “Projeto Reservas Extrativistas”. Este projeto é parte do Programa Piloto e visa a desenvolver em quatro Reservas Extrativistas, experiências sobre modelos de gerenciamento econômico, social e ambiental, aperfeiçoando e capacitando as populações tradicionais na “administração dos recursos naturais renováveis das florestas tropicais, por

conseguir licença para o exercício deste tipo de atividade. (Folha de São Paulo, 02/04/02). Nas reservas extrativistas o IBAMA já iniciou algumas experiências de manejo sustentado, mas os resultados ainda se encontram em fase de avaliação.


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intermédio da co-gestão entre governo e sociedade”. Assim, o projeto estabelece os seguintes objetivos: 1. Completar a regularização legal das Reservas Extrativistas e outros procedimentos necessários para assegurar os direitos de acesso aos recursos naturais entre as populações tradicionais; 2. Fortalecer organizações comunitárias e instalar infra-estrutura social e comunitária nas reservas; 3. Aprimorar o manejo e conservação dos Recursos Naturais nas Reservas Extrativistas. Na avaliação propriamente dita, os autores chamam a atenção para o grande desafio que é a implementação do projeto tendo em vista a contribuição na implantação de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia centrada nas premissas de desenvolvimento sustentável deixando claro sua visão de que “o caráter inovador e arrojado do projeto, por si só, já representa uma evolução em termos de proposta de desenvolvimento da Amazônia”. O desafio, então, é resumido em quatro pontos: regularização fundiária e resolução dos conflitos no tocante ao acesso aos Recursos Naturais; fortalecimento da organização comunitária; geração de alternativa de rendas e conservação ambiental. Isto, no entanto, não significa relevar os demais problemas e obstáculos que a construção de uma proposta dessa natureza envolve. O primeiro diz respeito às grandes distâncias, decorrente das grandes extensões de área das reservas, que não só dificultam sua implementação como outros tipos de ação, como monitoramento, avaliação e, principalmente, a comunicação. Estes elementos revelam um aspecto crucial desta realidade. As ações de um modo geral devem contar com o apoio da comunidade, pois são inviáveis o controle e fiscalização de área de tamanha magnitude. O perigo de atividades como extração de madeira ou a pecuária, que vão de encontro à concepção conservacionista das reservas, devem ter seu encaminhamento de forma participativa, de sorte que, através do processo de discussão os moradores possam desenvolver estas


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atividades sem perder de vista a dimensão ambiental. Se assim não ocorrer, o Estado torna-se inoperante para coibir atividades

consideradas ilegais. Ilustra

bem essa situação a ocorrência de contrabando de madeira, mesmo com a fiscalização exercida pelo IBAMA e pelos próprios moradores das reservas. Há uma crítica ao IBAMA, cuja deficiência de atuação representaria um entrave à viabilização desse objetivo. Isto vale para o monitoramento dos planos de utilização, principalmente na parte referente à conservação dos recursos naturais. O relatório independente de Irving e Milikan, toca numa questão vital para a conservação dos recursos ambientais que é a execução correta dos planos de utilização, porque sem isto as forças de mercado ou outros interesses, como posseiros vizinhos à reserva, se imporiam colocando a reserva como proposta ambiental em perigo. Este mesmo relatório chama atenção, no âmbito das políticas públicas, para a pequena integração entre a reserva e os órgãos públicos. As políticas do INCRA e das prefeituras, de um modo geral, parecem desconhecer a existência das reservas. Isto, em parte, explica-se pela forma como o extrativismo é visto pelas diversas comunidades do Acre, isto é, de um modo geral associado às práticas do barracão, uma atividade em decadência. Ao tentar uma ação de compatibilização das políticas públicas das diversas instituições voltadas para o fortalecimento das reservas, torna-se necessário uma ação política que estabeleça claramente uma distinção entre as reservas e o velho extrativismo. Outra dificuldade que parece estar sendo superada é a incipiente organização comunitária que, como ação coletiva, implica processos que envolvem a presença física dos seringueiros. Se, por um lado, as grandes distâncias não favorecem esta atividade, por outro lado, as experiências em atividades sindicais geraram uma cultura favorável, que tem contribuído para as ações coletivas. Assim, segundo os autores, Irving e Milikan a organização comunitária

tem

avançado,

notadamente

através

da

consolidação

das

associações e a criação dos núcleos de base como elemento de efetivação das ações do projeto.


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Na parte referente ao apoio à educação e à saúde, faz-se necessária uma articulação entre o projeto e diversos órgãos como ministérios, governo estadual e prefeituras, de forma que se possam desenvolver ações mais efetivas e permanentes. No âmbito da produção, o projeto tenta duas vias integradas, que são as alternativas de geração de renda e a melhoria das condições de subsistência. O relatório assinala que já há sinais de diversificação da produção; todavia, há ainda um longo caminho a percorrer, no sentido de superar alguns obstáculos, tais como capacidade gerencial e capacidade de análise dos impactos ambientais decorrentes das atividades produtivas. A atividade agro-pastoril, a princípio, contraditória à concepção das Reservas Extrativistas, precisa ter seu papel devidamente dimensionado e definido, de forma a não concorrer para a ampliação dos danos ambientais. Por tudo isso, a variável ambiental precisa ser devidamente internalizada, principalmente em decorrência da ameaça que representam as transformações antrópicas que acontecem nas áreas de entorno. Na figura 9 (p. 137) pode-se visualizar melhor essa questão da ameaça que representa atividades que ocorrem ao redor da RESEX. Como a parte cor de rosa mostra as áreas desflorestadas, vê-se que a parte interior da reserva está bem conservada, enquanto ao redor cresce a área antropizada. Por fim, o relatório apresenta algumas “lições” extraídas dessa experiência que podem contribuir para a elaboração de projetos futuros para as próprias reservas ou projetos semelhantes envolvendo populações tradicionais: •

A estratégia de ação descentralizada tendo como pressupostos abordagem participativa e o estabelecimento de parcerias interinstitucionais parece fundamental para o equacionamento das principais questões econômicas sociais e ambientais de unidades de conservação de uso direto com as características descritas.

Um projeto dessa natureza não pode estar dissociado de uma estratégia de desenvolvimento regional integrado (considerando os aspectos políticos


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econômicos sociais e ambientais) tendo os atores locais como elemento principal. •

É necessário se trabalhar metodologicamente segundo as especificidades sócio-culturais e ambientais de cada área. O enfoque homogêneo dirigido a áreas tão singulares pode levar a serias distorções do projeto.

O enfoque produtivo de projetos de desenvolvimento dirigido às populações tradicionais deve ser capaz de compatibilizar os aspectos de geração de renda, organização gerencial e conservação ambiental ou correm o risco de se tornarem insustentáveis.

Projetos dessa natureza devem buscar soluções que assegurem o caminho mais curto entre o recurso e o beneficiário e que promovam o seu efeito multiplicador

(em

termos

espaciais

e

temporais)

e

a

garantia

de

sustentabilidade, com relação à autonomia das populações beneficiadas e continuidade das ações encaminhadas. Esse conjunto de proposições, ao tempo que evidencia uma série de dificuldades por que passam as reservas, mostram também uma série de ações capazes de consolidar a proposta. Essa postura, na verdade reflete uma visão ampla das reservas que supera o entendimento desta como uma pura e simples atividade econômica. A partir do exposto, tem-se então os elementos essenciais para se compreender o papel das Reservas Extrativistas enquanto política ambiental, ou melhor ainda, como na prática esta experiência supera os estreitos limites conceituais da formulação de política ambiental derivada da abordagem das duas escolas econômicas já referidas. O caso da reserva norte-americana Yellowstone pode servir de referência para melhor explicitar estas idéias. Trata-se de uma típica política de comando e controle, consolidada a partir da concepção naturalista, cuja base preservacionista é a formação de ilhas isoladas da presença humana, considerando que este tem uma postura destruidora em sua relação com a natureza.


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A ausência do homem na reserva Yellowstone e, conseqüentemente, a inexistência de conflitos, evitou a introdução do dilema muito presente na definição de política ambiental, que é a do tipo de política a ser implementada se de C & C ou de uso de Instrumentos Econômicos. As RESEX, ao contrário, representaram uma solução extremamente criativa dos seringueiros10, consolidando uma experiência de conservação de áreas florestais com a presença humana e, também, uma resposta que transcende o dilema como referido, em termos de uma opção entre os dois tipos de política ambiental. A experiência da RESEX, ao superar esta dicotomia, comprova de forma concreta a insuficiência da abordagem neoclássica para os problemas ambientais. Além do mercado não valorar corretamente os bens e serviços ambientais, fica evidente também, a insuficiência das proposições de políticas derivadas dessa abordagem. Na verdade, a RESEX parece evidenciar o tom mais realista da abordagem da Economia Ecológica, de que é necessária a formulação de um mix de políticas ambientais, cujo ponto de partida deve ser o estabelecimento da regulação do uso dos recursos naturais com o envolvimento efetivo das populações locais. O ponto focal das Reservas Extrativistas, exatamente o que permitiu a construção e a efetivação dessa proposta foi, sem dúvida, a “participação popular”. É isto – a legitimação por parte do conjunto de moradores -, que garante o êxito das medidas no interior das RESEX. A regulação, quando necessária, é efetivada com o apoio dos moradores, o que evita o alto custo na área de fiscalização, responsável pelo fiasco de muitos projetos desta natureza. Por outro lado, a existência de um conjunto de unidades produtivas, consideradas exitosas no sentido de gerar uma renda monetária acima dos padrões médios dos diversos sistemas de produção familiar no meio rural acreano, mostra um amplo espaço de possibilidades de aumento de renda sem degradação do meio ambiente. 10

A rigor, esta proposta contou com apoio de parcela substancial da população acreana, notadamente, dos setores mais progressistas como professores, parte da imprensa e outros setores organizados.


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Em linhas gerais, a RESEX construída a partir de um processo histórico em que um grupo de seringueiros torna-se sujeito desse processo, comprova a importância da participação e organização popular, como ponto de partida para a garantia do êxito da política ambiental, seja de C & C, uso de instrumentos Econômicos ou um misto de ambas.


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CAPÍTULO 2: AS RESEX E A QUESTÃO AMBIENTAL

2.1 Introdução Neste capítulo, discute-se as principais questões a respeito das Reservas Extrativistas e sua relação com o meio ambiente. A primeira refere-se ao papel da RESEX no desenvolvimento regional. As diferentes visões a este respeito podem ser agrupadas, grosso modo, em duas posições antagônicas que expressam, de uma maneira geral, os diversos e difusos interesses em jogo na questão ambiental. Uma segunda questão, mais ampla por superar as dimensões regionais, refere-se a uma perspectiva que denomino de preservação radical, em que se pressupõe a exclusão da presença humana como requisito essencial ao processo de proteção ambiental da floresta Amazônica. A visão predominante, no âmbito da primeira questão, é a que considera as RESEX como um modelo de desenvolvimento sustentável, entendido amplamente como uma economia da pequena produção capaz de gerar renda, corrigir desigualdades sociais e manter o ecossistema florestal. Pressupõe a proteção da Amazônia a partir de uma ocupação peculiar em que respeitados os direitos das populações tradicionais estas seriam responsáveis pela proteção da floresta. A visão antagônica, parte do princípio que o extrativismo vegetal é por si só incapaz de gerar os resultados econômicos necessários à ruptura do atual padrão de desenvolvimento, o que em última instância, resulta por reproduzir as condições de pobreza e miséria atuais. A segunda questão, não menos importante, é derivada da concepção naturalista norte – americana, de que as reservas devem se constituir em ilhas de preservação excluindo a presença humana. Esta concepção é influenciada pela ameaça crescente do potencial destrutivo resultado do padrão industrial americano, de resto, comprovado à larga, notadamente e principalmente pósrevolução industrial.


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Parte-se do pressuposto que o entendimento do papel da RESEX no desenvolvimento regional implica apreender sua forma de inserção no contexto da problemática ambiental. Portanto, definir as determinações mais gerais entre a economia e o meio ambiente de forma que se possa apreender as especificidades da reserva do ponto de vista conceitual, ou seja, ver as reservas como parte das discussões ambientais. A preservação da floresta Amazônica como uma questão de interesse nacional e internacional é resultado do crescimento das preocupações com as questões ambientais e, em particular, o aquecimento do planeta e perda de biodiversidade. Em decorrência dessas preocupações globais, ampliou-se o debate sobre a possibilidade de compatibilização entre crescimento econômico e preservação ambiental. Este quadro de preocupações com a questão ambiental evidencia a importância crescente da Amazônia, pelas suas dimensões e riquezas naturais mas, principalmente, por que os estudos e pesquisas sobre o meio ambiente atribuem um papel crucial desta na resolução/agravamento desses problemas. Isto fica particularmente claro ao se considerar as mudanças globais decorrentes da forma de acesso e uso das terras. As mudanças globais (Vitousek, 1992) podem ser decorrentes de ações naturais ou antropogênicas e classificadas em duas categorias. Na primeira, estão incluídas as mudanças que dizem respeito aos grandes sistemas da terra – atmosfera e oceanos - e, portanto, adquirem dimensões planetárias. Fazem parte desse grupo as variações climáticas, o decréscimo da concentração do ozônio na atmosfera e o aumento da radiação de ultravioleta. Na segunda categoria, os problemas são originados de espaços delimitados e, em grande parte, decorrentes da forma de ocupação e uso da terra. Exemplos desse tipo de problema são a perda de biodiversidade e a invasão biológica, resultando em propagação de doenças e mudanças químicas na atmosfera e alterando ciclos vitais como o da água e do carbono. O uso da terra, nos dois casos, adquire papel crucial, porque age diretamente modificando, pelo menos na maioria dos casos, a biodiversidade


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regional, o ciclo biogeoquímicos, os ecossistemas biológicos e, no plano social, define a estrutura de urbanização, os processos econômicos e, por conseguinte, afeta a qualidade de vida das populações locais. Por mais paradoxal que possa parecer, na década de 1970, ao mesmo tempo em que se ampliava progressivamente uma consciência ecológica global definia-se, no âmbito das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento regional, um particular processo de ocupação da Amazônia, cujo núcleo impactava frontalmente com as idéias de desenvolvimento baseadas nos princípios da sustentabilidade. Vários estudos assinalam a importância da terra como elemento fundamental para o acesso a vantagens econômicas, principalmente, incentivos fiscais e créditos agrícolas subsidiados (Hecht et all,1988), (Romeiro e Reydon, 2000). O resultado desse processo - perspectiva de desenvolvimento apoiada na grande empresa agropecuária -, além de agravar a situação social de parcela considerável da população amazônica, foi o desencadeamento de um forte processo de degradação ambiental. Reydon e Hebers (1989) estabelecem uma relação direta entre a elevação dos danos ambientais e os movimentos do preço da terra com a implantação dos grandes projetos agropecuários na região amazônica. Estes projetos estimulados pelo governo federal, via incentivos fiscais, ampliam o processo de especulação com a terra e, sobretudo, acirram os conflitos pela posse da terra. Foi assim, de forma contraditória, que se estruturou a questão ambiental na Amazônia, isto é, como resultado direto da tentativa de implantação de um modelo de desenvolvimento baseado na grande empresa agropecuária, cuja lógica era a transformação da floresta em pasto, tudo isto apoiado pelo conjunto de políticas definidas pela “Operação Amazônia”11, cuja base eram os incentivos fiscais da SUDAM. A década seguinte, em decorrência, representou um marco para a Amazônia, pois consolidou um modelo de desenvolvimento cujo padrão se baseou 11

Nome dado a um conjunto de leis e mudanças institucionais visando implementar uma política de cunho desenvolvimentista para a região amazônica, considerada como um imenso vazio demográfico que precisava ser integrada á unidade nacional (MI/SUDAM, 1968).


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no uso intensivo e predatório dos recursos naturais, expressando de forma direta uma ameaça às populações locais e à floresta tropical. Esta nova forma de apropriação da natureza se, por um lado, resultou em forte processo de degradação ambiental, por outro lado, gerou um forte movimento de resistência a este modelo representado pela luta das populações locais pela posse da terra o que resultou, por seu turno e a nível mundial, numa forte e crescente consciência crítica a respeito dos problemas ambientais na Amazônia. Dentre as diversas iniciativas que comprovam essa assertiva, pode-se destacar a mudança de postura do Banco Mundial, com relação à questão ambiental na Amazônia. A partir de então, o Banco passou a incorporar os conceitos de crescimento econômico com metas de proteção ambiental. O resultado em termos práticos se expressou na exigência de estudos de impacto ambiental para obras financiadas com recursos oriundos do Banco (Banco Mundial,1992). Foi dentro deste quadro mais geral que emergiu, em 1985, uma resposta dos seringueiros acreanos à expropriação da terra e ao processo de devastação da floresta, consubstanciada na proposta das Reservas Extrativistas (RESEX). Estas foram, portanto, uma decorrência deste movimento de resistência que visava a geração de valor sem degradação do meio ambiente, transformadas em política pública pelo governo federal. Neste sentido, pode-se afirmar como já referido anteriormente, que as RESEX constituem uma conquista a mais à política inicial que era, naquele contexto, a luta pela posse da terra (Novaes, 1991). 2.2 A Luta Seringueira, a RESEX e a Questão Ambiental A proposta RESEX nasce da luta dos seringueiros, inicialmente como resposta política à situação de exclusão dos quais eram vítimas para, logo depois, incorporar a dimensão ecológica. A rigor, a preocupação ecológica sempre esteve presente na economia da borracha em virtude, principalmente, do próprio processo de trabalho e da relação do extrativista com a natureza. Por outro lado,


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como decorrência natural do processo da luta política, os seringueiros organizados em torno do Conselho Nacional dos Seringueiros perceberam que, não seria suficiente garantir a posse da terra. Era preciso construir um novo sistema de produção, preservando sua cultura e seu modo de vida, então ameaçados. A organização em torno dos sindicatos rurais representava algo novo, mas eficaz na consecução dos seus objetivos. A trajetória natural, portanto, era construir algo mais amplo e sólido para possibilitar melhores condições de vida, e ao mesmo tempo pudesse se constituir em alternativa ao modelo baseado na pecuária, que requeria o desmatamento como premissa básica para a constituição de pastos. Além do forte conteúdo ambientalista das RESEX, a grande novidade dessa proposta é, como afirmado anteriormente, que a mesma emergiu como resultado direto da luta política dos seringueiros acreanos. Por mais de um século essa população pobre, não indígena, viveu da exploração dos produtos da floresta causando pouco ou quase nenhum dano ao ecossistema florestal. Diante do surgimento de um processo de venda de terras do Acre para investimentos na pecuária e especulação fundiária, a terra desmatada passou a ter maior importância determinando o enraizamento da prática do desflorestamento. Os seringueiros, de forma organizada, elaboram uma proposta inovadora e alternativa, tendo como elementos nucleares a preservação e a valorização dos produtos da floresta visando, sobretudo, a melhoria de vida do conjunto das populações tradicionais. Isto, em grande medida, é responsável pelo amplo apoio que esta proposta vem recebendo, desde o trabalho político desenvolvido na década de 1980 por Chico Mendes, de cientistas e organizações ambientalistas de todo o mundo. A inspiração dessa proposta nas reservas indígenas, partiu do líder seringueiro Chico Mendes e foi incorporado pelo conjunto dos extrativistas por ocasião do primeiro encontro realizado em Brasília (CNS, 1993a, p. 1). Este encontro marca, portanto, não só a criação do CNS, mas também a das RESEX, haja vista sua aprovação em plenária. A determinação maior neste momento era, sem dúvida, a luta pela posse da terra. Os seringueiros queriam usufruir o


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extrativismo garantindo a posse da terra e como mantenedores do seu próprio meio de produção e não queriam mais “participar como mão-de-obra barata ou semi-escrava” (CNS, 1993, p. 1), conforme a visão que eles possuíam de sua inserção no processo produtivo dos seringais tradicionais. Por volta do início da década de noventa, o CNS já tinha uma proposta das RESEX mais ampla e mais bem elaborada. Apesar de enfatizar que ao apresentar a proposta estavam conscientes de que “não há apenas uma única e definitiva solução para o desenvolvimento sustentável na Amazônia” (CNS, 1993, p. 14), prevalecia ainda a idéia de uma proposta genérica e única no sentido de se contrapor ao modelo da pecuária e de superação do extrativismo tradicional. Assim, os novos elementos incorporados ao movimento dos seringueiros apontavam para a concepção das reservas como parte da luta política pela reforma

agrária

no

Brasil,

como

alternativa

ao

modelo

tradicional

de

assentamentos do INCRA e, por fim, com a incorporação clara e definitiva da dimensão ecológica. Dessa forma a preservação ambiental internalizada como ponto focal da proposta das RESEX foi assim descrita: “A principal característica das RESEX, portanto, é o resgate da importância do homem, numa nova perspectiva de ocupação do espaço amazônico, associada à conservação do meio ambiente onde são levados em consideração os aspectos sociais, culturais e econômicos das populações locais” (CNS, 1993, p. 6). A relevância dessa concepção se expressa, para além dos seus aspectos históricos, pela incorporação da preservação ambiental como elemento basilar e articulador dos princípios da sustentabilidade. Desde então, passou-se a considerar como elementos nucleares tanto a conservação dos recursos naturais quanto a melhoria das condições de vida das populações extrativistas (CNS, 1993, p. 10), tudo isto como expressão da vontade coletiva. Nesta

mesma

linha

de

raciocínio,

Rêgo

elabora

o

conceito

de

“neoextrativismo” que, segundo o autor, é uma proposta na perspectiva da organização da produção familiar, todavia perpassando todas as instâncias da vida social: a econômica , a política e a cultural. Assim, o neoextrativismo implica


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uma elevação no nível de qualidade de vida, principalmente pela elevação e geração de renda em decorrência da incorporação do progresso técnico e a incorporação de novas alternativas de extração de recursos associados ao cultivo, criação e beneficiamento e comercialização da produção (Rêgo, 1999). O fundamental no trabalho referido, em que pese o nível ainda embrionário da referida proposta, é que a mesma não só pretende se constituir em uma forma ampla de organização da produção baseada nos princípios da sustentabilidade, mas redefine o conceito de extrativismo considerando-o algo mais amplo do que a simples coleta de recursos naturais como ocorre nos casos do extrativismo mineral. Resta assinalar que, o conceito de neoextrativismo, na medida em que contempla uma nova idéia de estruturação da produção baseados nos princípios da sustentabilidade, mostra-se adequado a discussão da viabilidade das reservas, principalmente em razão da ruptura aos moldes produtivos da organização social e produtiva dos velhos seringais. Os elementos fundamentais, como bem assinala Anderson (1994), seriam os direitos dessas populações a terra e, ao mesmo tempo, a promoção da conservação dos recursos naturais. Estes elementos estão presentes na definição de RESEX elaborada por Allegretti que chama a atenção para o papel do Estado como responsável pela proteção dos espaços territoriais definidos como RESEX e, por outro lado, assinala que a concessão real de uso deve ser regulada através de contrato aprovado pelo IBAMA (Allegretti, 1994, p. 19). Concordando com os termos gerais desses autores, Menezes (1994) ressalta a dimensão alternativa que as RESEX assumiram ao se contrapor aos desmatamentos na Amazônia. A visão geral que se tinha das reservas, contudo, será drasticamente alterada após a morte de Chico Mendes, em 1988. Para Anderson, a partir deste fato, “as reservas passaram a ser consideradas como novo paradigma de desenvolvimento para a região amazônica, recebendo apoio de uma ampla frente de organizações não-governamentais, universidades e instituições de pesquisa, e agências de desenvolvimento dentro e fora do país” (Anderson, 1994, p. 227). Isto


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de certa forma explica a forma entusiástica e pouca crítica, pelo menos no início, com que as reservas foram tratadas. Há, no entanto, outro aspecto a ser melhor considerado que é o seguinte. Ao analisar de forma ampla a consolidação da proposta RESEX, chama atenção a forma recorrente como a maioria dos autores trata a questão. Em geral, consideram a RESEX uma proposta de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Esta idéia, tal como referida, está presente na maioria dos documentos do CNS. No Relatório Sócio-Econômico de 1992, afirma-se que a RESEX deve ser não só uma obrigação das populações tradicionais mas, também, obrigação do governo, por se tratar de um modelo de desenvolvimento voltado para a realidade amazônica (CNS,1992, p. v). Considera ainda, este documento que, o extrativismo é a única forma de utilização da floresta e de proteção do meio ambiente (CNS, 1993 a:1). Nesta mesma linha de raciocínio Allegretti afirma que: “A grande peculiaridade

desta

proposta

é

a

reconciliação

entre

desenvolvimento,

conservação do meio ambiente e equidade social” (Allegretti, 1994, p. 19). Esta idéia, na verdade, reafirma a percepção das RESEX como modelo de desenvolvimento sustentável, o que de resto, constitui a percepção de muitos respeitáveis autores. Sobre esta questão pode-se afirmar que ela, de certa forma, mostra a maneira como a RESEX foi percebida naquele contexto. O caráter progressista e inovador da proposta contribuíram em muito para o seu alto grau de aceitação e, por outro lado, afetou o senso crítico empanado pela euforia da consolidação da mesma. Um ponto recorrente na literatura, como sugestão visando à consolidação das reservas, é que estas, desde sua origem, previam a diversificação da produção, o que tem sua lógica por considerar como um dos princípios a melhoria de vida das populações locais. Isto, por seu turno, abre um leque de possibilidades para a elaboração de estudos visando a consolidação das RESEX. De qualquer forma, cabe assinalar que ainda em 1993, o CNS já alertava para a importância dessa questão. Diz o documento que “a superação econômica do extrativismo tradicional é uma outra dimensão presente hoje nas Reservas


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Extrativistas enquanto noção e enquanto prática, “concluindo que é necessário a elaboração de alternativas que permitam a diversificação dos produtos-base da economia extrativista, sugerindo a efetivação de pesquisa e levantamentos de produtos extrativos com potencial econômico (CNS, 1993, p. 15). A diversificação da produção vista como caminho para uma ampliação das fontes de renda é ressaltado por outros autores. As Reservas Extrativistas, segundo Anderson, “foram criadas para garantir os direitos de populações que dependam da extração de produtos florestais não – madeireiros. Isso não significa, entretanto, que essas populações devem depender exclusivamente desta atividade para sempre” (Anderson, 994, p. 235). Ao discutir essa questão, Mauro Almeida, que concorda em linhas gerais com o exposto, vai mais além ao propor a modernização do processo produtivo, notadamente na parte referente ao processamento e comercialização dos produtos já conhecidos (Almeida,1994, p. 265). O que este autor propõe é a elevação da produtividade no elo da cadeia de produção, que se mostra mais simples de se efetivar, e pode ser conseguido com cursos e a criação de cooperativas, de forma a elevar a renda dos extrativistas. Em sentido mais amplo, Almeida indica que essa sugestão deve ser ampliada e replicada para outros sistemas de produção, o que certamente contribuiria para elevar a renda das populações envolvidas e, por outro lado, para diminuir a pressão das atividades para o desmatamento. No outro extremo da discussão, e em contraposição a estas idéias, argumentam alguns que as reservas baseadas no extrativismo vegetal representam uma proposta de preservação da miséria. As RESEX, assim, seriam incapazes de incorporar progresso técnico; de uma inadaptabilidade natural a um sistema de alta escala de produção ou, ainda, de impossibilidade de gerar uma rentabilidade média compatível com os padrões estabelecidos na região. O autor mais representativo dessa forma de pensar é sem dúvida Homma (1989) cujo argumento, com muita ênfase, é que a instabilidade na atividade extrativista vegetal não permite considerá-la um modelo de desenvolvimento viável para a Amazônia.


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Em diversos estudos Homma propõe um modelo econômico que busca apreender o extrativismo vegetal como um ciclo econômico, sujeito a fortes fatores de instabilidades. Neste modelo Homma distingue dois tipos de extrativismo; o de coleta, em que a árvore geradora do produto mantém-se em pé, enquanto no outro tipo de extração, o de aniquilamento, há a destruição da planta-matriz objeto de interesse econômico. As coletas de castanha e do látex são exemplos claros do primeiro caso, enquanto a extração de madeira e a do palmito constituem exemplos de extração por aniquilamento 12. Um dos fatores de instabilidade apontado no modelo de Homma é a entrada no mercado de produtos concorrentes, como é o caso dos produtos sintéticos (Homma, 1989, p. 33). A rigidez da oferta e a redução das fontes de recursos resultam em elevação dos preços dos produtos o que, por sua vez, implica em descobertas de novos produtos, resultado direto das inovações tecnológicas, que descobrem e desenvolvem produtos mais baratos, como é o caso da borracha sintética. Pode ainda ocorrer a substituição por outras espécies, ou ainda o desenvolvimento de processos mais modernos, como é o caso dos seringais de cultivo em São Paulo. Neste modelo, Homma assinala também que o aumento artificial através de subsídios, como ocorre atualmente, apenas retarda a exaustão dos produtos coletados. Por outro lado, ressalta ainda que, na atual conjuntura, a permanência do setor ainda é explicada pelos baixos custos de produção do extrativismo tradicional vis a vis a produção racional, exceção feita às plantações de São Paulo.

12

O processo de extração do látex da árvore denominada Castilloa, era um típico processo de aniquilamento conforme denominação de Homma. Cunha descreve o processo da seguinte maneira: ”assim o estrator derruba de uma vez para aproveitá-la toda. Atora-a, depois, de metro em metro, desde as sapopembas aos últimos galhos do madeiro derrubado, rasas cavidades retangulares correspondentes às secções dos toros delas retira, ao fim de uma semana, as planchas valiosas...” (Cunha, 1986, p. 66).


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2.3 A Concepção Naturalista: a Preservação sem a Presença Humana As preocupações ambientais no Brasil, pode-se considerar, tiveram seu marco definido em meados do século 18, no espaço de consolidação da concepção das idéias e valores naturalistas. Este movimento amplo de preocupações com a natureza, no sentido de seu desvendamento, teve origem na Europa e se expressou através da intensificação dos estudos, coletas e pesquisas sobre a flora e fauna se ampliando para o modo de vida social e cultural dos povos, sobretudo os das Américas. As raízes desse movimento, pelo menos tal como se expressou no Brasil Imperial, parecem apontar para pelo menos dois elementos determinantes. O primeiro deles é fundado na idéia de desvendar o Novo Mundo, ao qual a Europa começava a ter acesso a partir dos descobrimentos. Este posicionamento, por outro lado, esteve intimamente associado a um projeto mais amplo de construção do Estado Moderno, dentro do qual a história natural e o futuro nacional encontravam-se estreitamente entrelaçados. O segundo elemento ao qual nos referimos anteriormente, diz respeito a uma crescente tomada de consciência, tanto na Europa quanto na América do Norte, do potencial destrutivo do ser humano. Esta preocupação crescente de cunho preservacionista foi uma decorrência da constatação de que a revolução tecnológica, base da industrialização, ao possibilitar um notável desenvolvimento das forças produtivas permitiu uma apropriação de recursos naturais numa escala nunca dantes experimentada pelos diversos processos produtivos existentes ao longo da história da civilização. A concepção naturalista, tal como se estruturou nos EUA, parece ter guardado uma grande distância da concepção naturalista européia, num movimento que aponta para uma forma peculiar de percepção da natureza. Nos EUA, o naturalismo assumiu um caráter mais especifico, baseado na idéia de que a única maneira de preservar a natureza é mantê-la afastada do homem. Como decorrência, se expressou concretamente na definição de áreas naturais dotadas


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de belezas cênicas com o objetivo de proteger a “vida selvagem” (wilderness) ameaçada crescentemente pelo padrão industrial e expansão urbana. A criação do parque Yellowstone em 1872 nos EUA, consubstancia com nitidez esta idéia do naturalismo como garantia da vida selvagem através da criação de “ilhas de preservação” do mundo natural isoladas da presença predatória do homem. Se a idéia da criação destas “ilhas de preservação” baseiase, por um lado, na convicção da necessidade de proteger o mundo natural afastando-o da presença humana, por outro lado, aponta de forma subjacente para uma nova interpretação do mito do paraíso perdido, que viria em ajuda desta forma de exercício da política ambiental ao reforçar esta noção através do imaginário. Além da importância da postura naturalista expressa na criação dos parques deve-se também ressaltar que esta concepção da natureza acabou por se constituir na forma de política conservacionista mais utilizada pelos países do terceiro mundo (Diegues, 2001). No caso brasileiro, o naturalismo ancorou-se na idéia de exotismo dos trópicos, e se expressou através de uma intensa movimentação que teve início em 1810 e prolongou-se até aproximadamente os anos 1870, de sorte que gradativamente a fauna, a flora e as paisagens brasileiras foram apropriadas e passaram a integrar e consolidar uma imagem dos trópicos na Europa (Martins, 2001). A concepção naturalista americana, tal como referida anteriormente, se manifestou de forma concreta no Brasil por ocasião da proposição, elaborada por André Rebouças, em 1871, visando a criação de um parque nacional em Sete Quedas, idéia que só iria se concretizar em 1961 (ATLAS, 2000). No entanto, em 1937 foi criado o primeiro parque deste gênero no Brasil, então batizado com o nome de Parque Nacional de Itatiaia. É de notar que este momento é diferenciado do movimento naturalista Europeu na medida em que tanto o projeto de Sete Quedas quanto o de Itatiaia demonstram a influência do naturalismo americano. Até a criação do Código Florestal, em 1965, os parques e outras áreas de preservação foram criados obedecendo à lógica naturalista norte-americana de criação de monumentos


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públicos naturais com reputado valor estético ou cujos atributos ecológicos apresentassem interesse para o conhecimento científico (Morsello, 2001). Ainda que a política naturalista norte-americana tenha exercido influência sobre as políticas ambientais em diferentes países da América Latina, sua transposição implicou uma acomodação em relação a realidades específicas. O caso do Brasil é exemplar neste sentido uma vez que, sendo suas florestas habitadas por indígenas e por populações hoje denominadas tradicionais, tornouse imperativo levar em conta sua presença para a elaboração de políticas ambientais. As populações tradicionais encontram-se organizadas como agrupamentos de

pequenos

produtores,

atraídos

por

uma

atividade

econômica

momentaneamente rentável. Para elas, a natureza tem papel relevante na definição e desenvolvimento de modos de vida específicos, geralmente em sintonia com as regras básicas do ecossistema florestal. Dessa forma, adquirem conhecimentos profundos dos ciclos biológicos da natureza e desenvolvem tecnologias simples, porém adaptadas ao seu modo de vida e à lógica do meio ambiente. Por fim, deve ser ressaltado que estas comunidades desenvolvem uma cultura própria, rica de saberes que envolvem as leis da natureza (Diegues, 2001). Refletindo de certa maneira estas especificidades referidas, o Código Florestal de 1965 (lei 4.771) criou uma série de categorias, dividindo-as, porém, em dois grandes grupos: •

áreas de uso restrito, que não permitem a exploração de recursos naturais, como é o caso dos parques (nacionais estaduais e municipais) e as reservas biológicas;

áreas que permitem a exploração pelo homem, como é o caso das florestas nacionais estaduais e municipais e áreas de proteção ambiental. Em 1977 foram criadas as áreas especiais e locais de interesses turísticos

e arqueológicos, tais como as reservas e estações ecológicas e, finalmente, em 1990, foram criadas as Reservas Extrativistas, que representam uma inovação no âmbito das unidades de conservação (UCs), tanto por serem fruto das


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reivindicações dos seringueiros e extratores, quanto por definirem uma nova forma de ordenamento fundiário, resultando na definição de uso da terra cuja exploração dos recursos naturais deve ser de forma sustentável. Assim, o pensamento conservacionista no Brasil pode ser apreendido a partir da evolução do pensamento naturalista. Num primeiro momento, tratou-se de coleta, estudos e pesquisas a partir de expedições de caráter científico. Um outro momento é o da consolidação do naturalismo norte-americano, visando a preservação de espaços de “vida selvagem”, portanto, excluindo a presença humana. Por fim, temos então a consolidação dessa evolução que se manifestou no Encontro “Cúpula da Terra” realizado no Rio de Janeiro, em 1992, que pode ser considerado, de forma sintética, como a imagem mais acabada da questão ambiental,

encarada

então

de

forma

planetária

e

em

suas

múltiplas

complexidades. *** Após a definição de um quadro representativo das diversas visões e argumentos a respeito das RESEX elaborados pelos diversos atores referentes ao papel das RESEX no âmbito da discussão ambiental, importa discutir os limites e viabilidades dessas diversas propostas. Uma análise das proposições de Homma, pelo menos daquelas que dizem respeito mais diretamente à existência das RESEX, permite apontar de imediato pelo menos duas considerações de caráter geral. A primeira delas é que Homma parte de uma análise pontual do extrativismo para tirar ilações para as RESEX, como se ambos – extrativismo e RESEX - fossem a mesma coisa. Na verdade, ao observar o conjunto de críticas ao extrativismo13, tais como considerá-lo como uma atividade decadente; o uso de grandes extensões de área para uma parcela pequena de moradores; o subsídio do governo para tornar atraente a extração da borracha; a dificuldade de introduzir tecnologias para o 13

Este conjunto de críticas foi resultado de um levantamento efetuado por Allegretti, no qual a autora discute a fragilidade dos argumentos contidos em cada uma destas críticas (Allegretti, 1994).


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processo de produção; o fato de privilegiar um pequeno grupo social; o questionamento da viabilidade econômica das RESEX e, por fim, o fato de as RESEX não conservarem efetivamente os recursos ameaçados apontam exemplarmente para a confusão referida anteriormente. É necessário, porém, não confundir o extrativismo vegetal com a proposta das RESEX. Como observou Allegretti (1994, p. 42), “se em vez de terem sido denominadas de ‘extrativistas’, as reservas tivessem recebido o titulo de ‘reservas de desenvolvimento sustentado’ ou ‘reservas de ecodesenvolvimento’, certamente grande parte dessa polêmica não existiria” e com isso chama a atenção para o fato de que parcela considerável das críticas as RESEX na verdade referem – se à atividade do extrativismo vegetal. Em segundo lugar, o modelo de Homma, por se fundamentar nos preceitos neoclássicos, reflete uma realidade que pode ter um certo grau de realismo circunscrito à lógica do mercado. Todavia, desconsidera que a floresta tem, além do valor de uso direto, um valor de existência que é decorrente da atribuição de valor por pessoas aos ecossistemas ameaçados ou em fase de extinção, em virtude da satisfação que estes recursos causam por existirem e estarem sendo preservados14, e que, certamente, parte da humanidade está disposta a pagar. Por outro lado, o mercado não dispõe de meios formais para internalizar aos custos privados da atividade econômica, os custos ambientais em que ocorre indefinição dos direitos de propriedade dos bens ambientais. A existência das Resex, neste sentido, contribui de forma decisiva para acabar com este dilema, sobretudo, em decorrência da definição da regulação ambiental. O argumento de Hardin (1989), no artigo sobre a tragédia dos comuns, os regimes comunais implicam formas de gestão cujos resultados são a destruição dos recursos naturais. Para que isto ocorra, o autor pressupõe a inexistência de formas 14

Pearce assinala que existem quatro fatores para a determinação do valor econômico da floreta tropical: Valor de uso direto – valor que é calculado diretamente no mercado: Ex. valor da exploração da madeira, valor da caça e pesca etc. Valor de uso indireto - valor da proteção de barragens, ciclagem de nutrientes, regularização do clima e outros. Valor de opção - valor da disponibilidade do recurso para uso direto ou indireto no futuro. Valor de Existência - é o valor dissociado do uso efetivo ou virtual. É caso dos valores atribuído por pessoas aos ecossistemas em extinção ou ameaçados por estarem sendo preservados (Pearce, 1990, apud Marques e Comune, 1999).


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institucionais de gestão dos interesses coletivos. A ausência de regulação e contratos sociais resulta em usos indiscriminados dos recursos naturais. Isto posto, e considerando o alto nível de organização comunitária das Resex,é razoável supor um espaço amplo de uso racional dos recursos e, também, possibilidades de criação de mercados e valoração dos bens e serviços ambientais. A ocorrência dessas possibilidades compromete os argumentos de Homma, que as RESEX são inviáveis. Não se infira disto, que a totalidade das conclusões de Homma são inadequadas. Pelo contrário, muitas delas são válidas para o extrativismo vegetal e correspondem a um alerta para aqueles que as compreendem como uma política estratégica para se pensar o desenvolvimento regional a partir dos princípios da sustentabilidade. A existência desse debate, além de gerar impasses, mostra a fecundidade e a preocupação crescente com um desenvolvimento adequado à região. Por outro lado, a leitura da ainda incipiente literatura a respeito das Reservas Extrativistas remete, de imediato, a uma série de indagações sobre sua importância e o seu papel no contexto do desenvolvimento regional amazônico, principalmente se levarmos em conta que o projeto é recente e encontra-se em vias de consolidação. Daí não ser desprezível a quantidade de equívocos conceituais, principalmente, uma certa tendência a ignorar a amplitude da proposta, descolando-a da questão ambiental. Como resultado, cria-se um campo de debate em que questões menos representativas ganham relevo, obscurecendo a questão vital, que é a definição conceitual das reservas e a possibilidade de viabilização das mesmas, num momento em que o desafio ambiental estrutura novo contexto desenvolvimentista. Portanto, é necessário, antes de qualquer coisa, delimitar o espaço conceitual das reservas sem perder de vista o núcleo fundamental da questão, que é a noção de sustentabilidade e a forma de acesso e uso da terra. Ao olhar atentamente a discussão acima é possível localizar alguns dos elementos que contribuem para obscurecer o debate. Em primeiro plano, a existência de uma idéia equivocada do conceito de desenvolvimento sustentável.


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Ao se considerar as RESEX como projeto de desenvolvimento sustentável da Amazônia, atribui-se à dimensão ecológica uma primazia no conceito, deixando de lado a viabilidade econômica, principalmente os aspectos concorrenciais das outras atividades. No outro extremo, os críticos do extrativismo, pelo menos a maioria deles, não levam em conta o potencial preservacionista desta atividade. Confunde-se uma atividade econômica como o extrativismo, com uma proposta ampla, que envolve política ambiental e política fundiária, entre outras dimensões15. O resultado imediato desse tipo de confusão, seja ela deliberada ou não, é a reposição do velho trade-off entre crescimento econômico e preservação. Por outro lado, convém ressaltar que, considerar as RESEX o modelo de desenvolvimento sustentável para toda a Amazônia, como querem muitos, implica alguns problemas. O primeiro é ampliar a importância da viabilidade econômica da proposta, remetendo-a e reduzindo-a a esfera produtiva, como se no conceito de desenvolvimento sustentável a dimensão econômica tivesse a primazia em termos de importância. Isto não só se constitui num equívoco conceitual como representa um empobrecimento da questão, por contextualizá-la ao âmbito do mercado. Por outro lado, se as populações tradicionais da região, por mais de cem anos vivendo em condições de miséria absoluta, foram capazes de extrair da floresta sua subsistência sem causar danos significativos à natureza, isto não deve servir de modelo a ser replicado para toda a Amazônia, mas sinalizar para a sociedade em geral que esta tem uma dívida para com os povos da floresta. Neste sentido, e, na medida em que partiu dos extrativistas a idéia deste modelo baseado em princípios de sustentabilidade, que implica melhoria de sua qualidade de vida, restaria à sociedade, por suposto, chancelar este projeto, até porque, nos termos propostos, sem um aporte substancial de recursos para a estruturação das RESEX e desenvolvimento de pesquisas para tornar competitivo os produtos da floresta, estar-se-ia, na verdade, condenando uma parcela substancial da população amazônica a viver em padrões de vida bem inferiores 15

É necessário, de imediato, não tratar como equivalentes dois conceitos tão diferenciados e distintos como o extrativismo e as reservas. Esta confusão tem sua razão de ser, em parte, pela inserção ao nome das reservas do termo “extrativistas” o que pode induzir, os menos atentos a pensar que as reservas devam ter como única atividade o extrativismo.


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aos padrões médios urbanos da própria Amazônia16, ainda que melhorando suas condições reais de existência. O fato inegável é que o extrativismo, principalmente o da borracha, que é a melhor opção econômica do ponto de vista da preservação ambiental, apresenta enormes dificuldades econômicas, ao mesmo tempo em que outros produtos extrativos ainda estão por consolidar-se em termos de mercado. Por outro lado, não se pode deixar de considerar a pecuária que, por apresentar uma série de condições favoráveis à sua expansão, acaba por se constituir em trajetória natural para a pequena produção (Cavalcanti, 1994). Em outros termos, se considerarmos apenas as forças de mercado, a tendência natural é a pecuarização da pequena produção e com isso o crescimento natural da pressão pelo desmatamento. Em suma, se for permitido às forças de mercado agirem livremente o desmate será inevitável. Visto desta maneira, qualquer formatação de um conjunto de política pública ou de implementação de projetos visando o desenvolvimento da Amazônia deve partir do pressuposto de que toda atividade econômica deve ter como condição prévia o não desmatamento, o que pressupõe, como decorrência, uma nova postura da sociedade e, fundamentalmente, a redefinição do papel de atuação do Estado. Esta análise aponta para a necessidade de se elaborar uma política global, por suposto incluídos outros sistemas de produção e suas particularidades de forma que se possa elevar a renda do conjunto dessas populações ao mesmo tempo em que promove a conservação dos recursos naturais. Após o exposto, creio que é possível redimensionar a questão do desenvolvimento regional, a partir de um modelo que contemple a conservação ambiental em conjunto com a geração e agregação de valor aos produtos. Em outros termos, trata-se de “inventar” uma “economia da floresta”, sem perder de vista a questão mais ampla que se refere ao desenvolvimento da região não

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Para o economista acreano, Mário Lima, a proposta da RESEX, baseada no extrativismo convencional impõe “Um trade off´, uma troca compensatória, em termos mundiais: a destruição do futuro de um grupo de homens em troca do futuro da humanidade. Sim, a perda de um grupo de homens submetidos a holocausto para que o resto da humanidade sobreviva” (Lima, 1992, p. 173).


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descurando da noção de que este desenvolvimento deve ser conservacionista e não-excludente. Para tanto, não é preciso pensar a RESEX como ponto de partida; basta considerá-la parte importante e indissociável do desenvolvimento sustentável da região. Em assim pensando, a preservação da floresta pode e deve ser uma responsabilidade compartilhada por outras atividades produtivas.17 Em outras palavras, ao invés de pensar na RESEX como o elemento responsável pelo desenvolvimento da região poder-se-ia atribuir um papel relevante e estratégico, mas articulado a outros sistemas de produção de forma que se teria uma política global e integrada para pensar o desenvolvimento regional. Esta política, frente às diversidades da realidade acreana, certamente deveria se constituir num conjunto de iniciativas que garantisse e estabelecesse espaços para as atividades produtivas já existentes na região e a serem criadas, mas, sobretudo, redefinindo papéis historicamente consolidados, como o do próprio Estado, tendo sempre em vista os princípios da sustentabilidade. Uma vez estabelecido o princípio mais geral de política global e integrada, caberia então reconhecer o papel estratégico desempenhado pelas RESEX em decorrência de suas especificidades conservacionistas.

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O que se está sugerindo corresponde ao mesmo que Sawyer propõe com relação à pequena produção, ou seja, a constituição de um campesinato ecológico (Sawyer, 1995).


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CAPÍTULO 3 – EXTRATIVISMO DA BORRACHA: A HEGEMONIA DO BARRACÃO 3.1 Introdução No jornal O Varadouro, de abril de 1980, apareceu publicada sob o título de “As motosserras voltam ao trabalho”, a seguinte noticia: “as chuvas praticamente cessaram. Começa no Acre o longo período de estiagem. É hora, portanto, de os grupos ou empresas agropecuárias movimentarem suas motosserras e recomeçar os serviços de desmatamentos e queimadas, para preparar o solo para a semeadura do capim.” Uma outra notícia publicada no mesmo jornal, do mês de agosto do mesmo ano, com o titulo de “A luta pela posse” noticiaria que “um seringueiro assustado levou a noticia às autoridades policiais de Rio Branco, altas horas da noite. Houve uma tocaia no seringal Nova Empresa e mataram o capataz das terras, Carlos Sérgio. Era uma quinta feira da primeira quinzena de julho. No domingo o quadro estava mais completo: o auxiliar de Carlos Sérgio, Osvaldo Gondim, também fora encontrado morto, em estado de putrefação, e na cadeia já estavam os cinco posseiros responsáveis, tendo Antônio Caetano de Sousa como líder do grupo. Num outro seringal, quase simultaneamente, posseiros e proprietários trocavam tiros, segundo noticias não oficiais, e um trabalhador restaria ferido. Julho, época de desmatamento, os atritos pela posse da terra, no estado, são acirrados e freqüentes. Há vários personagens nesses atritos”. O que há de importante e comum a unir as duas notícias, e o que teria a ver com as Reservas Extrativistas? Na primeira notícia, a presença das motosserras em ação e o processo de desmatamento por elas produzido, enquanto na segunda, os mesmos fatos e atores tomam parte em uma situação de tensão e conflito envolvendo posseiros e proprietários em luta pela posse da terra. Tudo isso, sem dúvida, conforma um quadro de complexas determinações que tem como pano de fundo uma política de ocupação do espaço regional em pleno andamento.


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Frente ao exposto, parece justificável revisitar o passado com o objetivo de tentar unir as pontas destes elementos, procurando entender o conjunto de questões fundamentais impostos à economia acreana decorrentes de um processo peculiar de ocupação. O desmatamento e a luta pela terra ganham sentido como parte de um processo histórico que deságua na formulação de uma determinada política ambiental, sendo este é o primeiro ponto de chegada para estabelecer as bases da proposta das Reservas Extrativistas. O que se procurará, a seguir, é configurar um quadro do processo histórico da ocupação da Amazônia, suas implicações e determinações visando dar sentido ao que ocorre na atualidade, a partir do pressuposto de que o entendimento das especificidades da economia gumífera, notadamente, o acesso a terra e seu uso serão determinantes para a estruturação de processos produtivos atuais. Neste sentido, se pretende tão somente tentar estabelecer os vínculos entre os elementos fundamentais presentes desde cedo nos processos econômicos da região, como a propriedade da terra e suas implicações na consolidação de um determinado padrão de desenvolvimento na região. Por outro lado, apesar de acreditar que o entendimento da ocupação recente do Acre e toda problemática daí derivada não podem ser completamente apreendidas através do processo mais geral de ocupação do espaço amazônico, é preciso resgatar a origem e os elementos constitutivos da consolidação da economia da borracha na Amazônia como um todo, para então apreender as especificidades acreanas Autores como Mendes e Sachs (1998), Roberto Santos (1980) e Sawyer (1981) que, dentre outros, tratam das questões amazônicas concordam, em linhas gerais, em relação às etapas da evolução da economia da região. Na sua visão, a primeira inserção da região no mundo produtivo ocorre com as atividades desenvolvidas na extração vegetal, conformando o que hoje é denominado de ciclo das drogas do sertão. No dizer de Armando Mendes, a mesa da humanidade seria bem mais sóbria se a Amazônia não tivesse produzido vários alimentos como o milho, a batata doce, a mandioca, o cacau e muitos outros (Mendes e Sachs, 1998, p. 35).


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Esse ciclo ocorre nos marcos do sistema colonial, e será esse conjunto de relações entre a metrópole e a colônia que irá definir, pelo menos inicialmente, o processo de ocupação desse espaço geográfico. Com efeito, no início do séc. XVII, com a presença de soldados e colonos portugueses tem-se o desenvolvimento das primeiras atividades econômicas na região. Enquanto os soldados trataram de expulsar franceses, ingleses e holandeses, os colonos cuidaram de implantar os primeiros núcleos de ocupação permanente, que serão responsáveis pela extração vegetal das especiarias e produtos consumidos principalmente na Europa. Assim, definiu-se a estrutura da economia colonial amazônica, cujo processo de trabalho baseou-se na coleta das chamadas “drogas do sertão”. Apesar da tentativa de se ter “grandes lavouras de produto de exportação como o cacau, a cana de açúcar que faziam a riqueza de outras regiões da colônia, a monocultura jamais alcançou ali a mesma importância.” (Ribeiro, 1970, p. 21)18 Isso se deveu, em parte, à descoberta contínua de novos produtos, mas sobretudo em razão da existência de grandes extensões de terra. A partir de 1755, a associação Estado/empresa privada constituiu a companhia geral do Grão-Pará e Maranhão visando dominar e humanizar as grandes áreas amazônicas, tarefa esta muito dispendiosa para que a coroa estivesse em condições de arcar sozinha (Dias, 1970, p. 258). Como decorrência, a Amazônia experimentou um momento de crescimento econômico representado pela intensificação da produção e exportação do cacau, café, algodão e pelo crescimento da pecuária.19 A economia, antes incipiente e de subsistência, passou a desempenhar efetivamente o papel de fornecedora de produtos junto aos mercados europeus, consolidando internamente o que ficou conhecido como fase de valorização da Amazônia. 18

O marco da colonização é a fundação da cidade de Belém no ano de 1616 e define claramente a incorporação econômica e política do espaço amazônico à lógica colonialista, em que a colônia deveria produzir e servir para a metrópole. 19 Quanto ao papel desempenhado pela companhia neste período há uma controvérsia.Enquanto para Nunes Dias e outros esta teria sido a grande responsável pelo surto de crescimento da economia. Já para Dauril Alden se progresso houve, este ocorreu pelo cultivo do cacau, produto cuja exportação já vinha crescendo antes da vinda da companhia. Parece correto supor, pelas informações, que é inegável a participação da companhia no crescimento econômico da região; todavia não é menos verdade que a produção do cacau já vinha crescendo independente da companhia, conforme Santos (1980, p. 17).


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É importante deixar claro que a primeira atividade econômica, seja através da extração de especiarias, e posteriormente, no ciclo agrícola, definiu a forma subordinada da economia colonial em suas relações de troca com o capitalismo mercantil europeu. O relevante, neste caso, é enfatizar que a base econômica da colonização foi afetada de forma crucial pelas condições impostas pela natureza. Nas palavras de Caio Prado Júnior, “a agricultura que requer um certo domínio sobre a natureza, apenas se ensaiou” (Prado Jr., 1998, p. 69), concluindo com a argumentação de que as atividades na Amazônia requeriam apenas que se penetrasse na floresta ou se navegasse os rios, o que inviabilizava, pelo menos naquele momento, o desenvolvimento de uma agricultura tradicional. O ciclo agrícola ou, mais precisamente, o ciclo de exportação do cacau, que se consolidou na medida em que os obstáculos naturais foram sendo superados, teve seu declínio a partir da morte de Pombal e o conseqüente fim da companhia. As terras, antes dedicadas à agricultura, foram abandonadas criando um problema que seria agravado progressivamente com a ampliação da atividade extrativa da borracha. Através do depoimento de Manoel Barata pode-se ter uma idéia deste momento de transição Segundo ele, “é triste dizer que o Pará compra hoje a outros estados e ao estrangeiro os gêneros que outrora produzia em abundância: o café, o arroz, o açúcar, o algodão, o milho, a aguardente e, até mesmo, a farinha de mandioca (. ..) A maior parte dos cultivadores destes gêneros de produção foi distraída pela empolgante indústria do fabrico da borracha. A agricultura sucumbiu debaixo da influencia nociva dessa deslumbrante e áurea miragem do lucro rápido e fácil, mas efêmero” (Barata, 1973, p. 319/320). Isto mostra como havia uma certa preocupação com a economia da borracha, mas já permite vislumbrar a força com que se imporia a economia extrativista da borracha. Em outro trecho, do mesmo autor, essa noção fica mais evidenciada ao afirmar que “nunca viu o Pará tanta moeda de ouro em circulação; o dólar americano andava em todas as mãos. O povo chamava-lhe pichilinga” (Barata, 1973, p. 320). O momento de consolidação da economia gumífera ocorreu no âmbito da II Revolução Industrial, com a transformação do látex em matéria - prima industrial. O capitalismo, fruto de um forte processo de concentração e centralização do


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capital, induziria de forma espetacular o desenvolvimento científico e tecnológico, o que resultaria em uso crescente de novos recursos naturais. As novas fontes de energia, a expansão e sofisticação da indústria química, e a indústria automobilística acabariam por definir um novo padrão de desenvolvimento, baseados no uso intensivos de recursos naturais (Pinto,1984). Assim, a Amazônia passaria por nova onda de inserção na história do capitalismo mundial. Estima-se que mais de meio milhão de pessoas se deslocou para a região com o objetivo de se incorporar à extração do látex (Furtado, 2000, p. 137). Estes números demonstram a importância econômica que o extrativismo da borracha passou a ter, principalmente em decorrência das inovações tecnológicas – no caso, o processo de vulcanização20 -, que permitiu o uso em grande escala do látex como matéria - prima industrial. Os dados da tabela 1 comprovam a pujança da economia da borracha. Vêse que num primeiro momento, fase de consolidação, período de 1821 a 1880, a exportação e os preços internacionais sobem gradativamente. Num segundo momento, 1880 a 1912, apresenta números expressivos. No período de 1881 a 1890 a exportação é de 110.048 toneladas; de 1891 a 1900, 213.755 t; e no ano de 1901 um pouco mais de 30mil t. A exportação, que é crescente, atinge seu pico em 1912, momento em que chega a 42.286 toneladas e, a partir desse momento entra em declínio progressivo. A performance da economia da borracha é marcada por dois fatores que ocorrem concomitantes. O primeiro são os excelentes preços internacionais, que se apresentam crescentes ao longo do tempo. Em 1840 o preço era de 72 £, já em 1901 havia subido par 283 £, para em 1905 atingir 420 £ e em 1910 atinge o seu auge com o valor de 655 £ por tonelada. O segundo fator referido, que explica em parte o declínio da borracha brasileira, é a entrada da produção da borracha produzida pelas colônias asiáticas. Esta produção, feita em moldes racionais – plantio de árvores próximas e coleta mais ágil -, estabelece diferenciais de 20

Conforme Roberto Santos (1980) o termo vulcanização foi usado pela primeira vez em 1842, e como implicava o uso de enxofre e calor, pareceu adequado a homenagem ao deus mitológico Vulcano. A vulcanização veio resolver os maiores problemas técnicos que o látex apresentava e


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produtividade à produção asiática que a economia gumífera amazônica será incapaz de fazer frente.

Tabela 1 - Exportação de Borracha amazônica e preços internacionais (£) - Período: 1821 - 1947 Ano Quant.(t) £/t 1821-1830 329 67 1831-1840 2.314 72 1841-1850 4.693 45 1851-1860 19.383 116 1861-1870 37.166 116 1871-1880 60.225 183 1881-1890 110.048 152 1891-1900 213.755 209 1901 30.241 283 1902 28.632 256 1903 31.717 308 1904 31.866 350 1905 35.393 420 1906 34.960 401 1907 36.490 374 1908 38.206 308 1909 39.027 484 1910 38.547 655 1911 36.547 412 1912 42.286 380 1913 36.232 285 1914 33.531 206 1915 35.165 200 1916 31.495 240 1917 33.998 224 1918 22.662 174 1919 33.252 188 1920 23.587 106

Ano Quant.(t) £/t 1921 17.493 72 1922 19.855 72 1923 17.995 100 1924 21.568 90 1925 23.537 206 1926 23.263 145 1927 26.162 107 1928 18.826 76 1929 19.861 75 1930 14.138 54 1931 12.623 32 1932 6.224 34 1933 9.453 43 1934 11.150 50 1935 12.370 50 1936 13.247 88 1937 14.792 90 1938 12.064 44 1939 11.805 63 1940 11.835 97 1941 10.734 126 1942 12.204 179 1943 14.575 191 1944 21.192 255 1945 18.887 270 1946 18.159 190 1947 14.510 186

Fonte: Benchimol (1977).

Este momento de expansão da economia da borracha, principalmente sua performance no conjunto da economia brasileira, pode ser confirmada pelos dados da participação deste produto no volume de exportação brasileira: no período de que obstaculizava sua expansão em termos de uso industrial, qual seja, o de a borracha tornar-se pegajosa no calor e muito dura e inflexível no frio.


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1889 a 1897 a borracha é responsável por uma média de 11,8% da exportação total, já no período de 1898 a 1910 esta média sobe para 25,7%; no período de 1911 a 1913 desce para 20% e de 1914 a 1918 chega a 12%.(VILELA e SUZIGAN, 1975, apud PAULA, 1977). Na tabela 2 tem-se os dados referentes à exportação da borracha e do café e a proporção da borracha frente a exportação do café. No momento já referido de consolidação da economia da borracha, de 1871 a 1880, o valor da exportação da borracha é de 107,9 mil contos enquanto o café chega a 221,8 mil contos o que significa que a borracha corresponde a cerca de 48% do valor exportado do café. No período de 1901 a 1910, auge da produção gumífera, o valor da exportação da borracha atinge 2.268,80 e o café 2.899,20, ou seja, o valor da exportação da borracha corresponde a 78,3% do valor do café, percentual este muito próximo da totalidade.

Tabela 2 - Estado de São Paulo e Amazônia: exportações de café e de borracha. 1871/1920 ANOS 1871 a 1880 1881 a 1890 1891 a 1900 1901 a 1910 1911 a 1920 Fonte: Cano (1981, p.89)

Exportações: 1.000 contos Borracha Café (AM) (SP) AM/SP 107,90 221,80 48,60 185,50 490,70 37,80 1.116,30 2.860,00 40,70 2.268,80 2.899,20 78,30 1.406,80 4.942,00 28,50


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3.2 Extrativismo da Borracha no Acre21 A ocupação do espaço geográfico, que hoje conforma o estado do Acre, é definida a partir da forma e pela especificidade como a economia das drogas do sertão estruturou-se no resto da Amazônia. Neste período, a região acreana era ocupada por índios (Aquino, 1978), e ainda desconhecida e fora do circuito produtivo que se desenvolvia no resto da Amazônia. Por outro lado, o aumento da produção ou a descoberta de novos produtos ocorria, de um modo geral, pela incorporação de novas áreas. Para tanto seguia – se o curso dos rios localizandose área produtiva e, assim, a atividade econômica consolidava um peculiar processo produtivo baseado na coleta e extração. Isto definiria a importância das expedições exploratórias, na medida em que estas seriam as responsáveis pelo conjunto de informações fundamentais para o movimento e ocupação dos espaços amazônicos em

busca das riquezas da floresta, tendo sido em parte essas

expedições as responsáveis pelos primeiros registros sobre as potencialidades econômicas. As primeiras expedições que atingiram a região hoje conhecida como o Estado do Acre datam dos anos 1850, com as expedições dos “encarregados dos índios” que percorreram todo o vale do rio Purus e tinham como objetivo “transmitir ensinamentos religiosos” aos índios (Rancy, 1986). Para Castelo Branco, o primeiro a chegar as terras acreanas teria sido João da Cunha Corrêa, um encarregado dos índios que, segundo os cálculos do autor, teria atingido as terras acreanas precisamente no dia 16 de janeiro de 1858 “descobrindo dessa forma, sem saber e sem alarde o futuro território do Acre” (Castelo Branco, 1958, p. 284).22 Existem muitas referências também à expedição chefiada por Seraphim da Silva Salgado, brasileiro que em 1857, com duas dezenas de índios e 21

Esta parte e a próxima estão baseadas em minha dissertação de mestrado (Cavalcanti, 1983). João Cunha Corrêa teria partido de Tefé, no rio Solimões, a 13 de outubro de 1857 e retornado a 30 de Abril de 1858, tendo nesta viagem atingido o vale do Purus. Para estimar a data provável em que o explorador teria chegado às terras do Acre, Castelo Branco estima que uma canoa grande como a de João Corrêa percorria uma média diária de 15 milhas. Fazendo então as contas a partir desse dado, Castelo Branco estima que o explorador no dia 16 de janeiro de 1865 teria se deparado com as terras acreanas. (Castelo Branco, 1958:284). 22


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soldados, viajando em canoas chegou, ao igarapé Arraia, afluente do Purus. (Prelatura de São Peregrino, 1928, p. 7). Todavia, um dos mais conhecidos exploradores, que ficaria bastante conhecido na região, foi Manoel Urbano da Encarnação que chegaria em 1861 à boca do Aquiry, nome indígena do atual rio Acre. Por fim, e também dignas de registro, são as primeiras expedições exploratórias com fins científicos, que ocorreram nos anos de 1864 a 1867. Estas, em sua maioria, foram chefiadas pelo engenheiro inglês William Chandles que, acompanhado de Manoel Urbano da Encarnação sendo que, na primeira delas, subiu-se o rio Purus até a boca do Araçá, região denominada atualmente “Chandles”, em homenagem ao explorador. A produção de especiarias no Acre não teve o mesmo dinamismo e importância que no resto da Amazônia. No entanto, estabeleceu os primeiros vínculos fundamentais para o período seguinte, por possibilitar a sistematização de um conjunto de informações sobre as potencialidades de riqueza na região. Não é possível determinar o montante dessas especiarias produzidas na região acreana, como inadvertidamente procedem alguns autores. Naquele momento não havia a contabilidade da produção a partir da delimitação dos espaços regionais, até porque, como a marcha da coleta e extração seguiam o caminho dos rios, como dito anteriormente, a produção naquela época era contabilizada por rios. Sendo assim, é mais razoável supor que no volume da produção de borracha e cacau do rio Purus estavam contabilizadas também a produção acreana. Esta pequena produção em volume, será crescente ao longo do tempo sem, todavia, ganhar expressão na economia regional acreana. A tabela 3 mostra a exportação dos produtos coletados ao longo do rio Purus, exportação esta que adquirirá importância gradativa na medida em que se ampliarão os espaços produtivos. De qualquer forma, o que se quer evidenciar é que, ainda que a produção não tenha sido relevante do ponto de vista econômico, firmaram-se neste momento as condições para a existência do ciclo da economia da borracha. Com efeito, a passagem desta fase que convencionamos aqui denominar “exploratória”, para a fase seguinte – a da economia da borracha -, não se deu de


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forma brusca; pelo contrario, ocorreu progressivamente e na medida em que crescia a importância econômica do látex.

Tabela 3 - Exportação de produtos Coletados – 1881-1883 Produto Borracha Castanhas Óleo de copaíba Pirarucu seco Salsaparrilha Cumaru

DO PURUS 5.423.164 Kg 40.749 (hl) 34 253 Kg 307 103 Kg 5 729 Kg 1 073 Kg

DO MADEIRA 3.543.995 Kg 10.913 (hl) 11 908 Kg 26 438 Kg 281 Kg 970 Kg

Fonte: Cunha, E. Um paraíso perdido.(1986) p.161

A chamada fase extrativista da economia acreana pode ter seu início datado simbolicamente com chegada dos primeiros imigrantes no navio “Anajás” em 3 de março de 1878, equipe esta coordenada por João Gabriel de Melo, cearense, que fundou o seringal Tauariá com o intuito de explorar a borracha.23 Esta chegada marca, na verdade, um intenso movimento populacional de nordestinos que se deslocam para a Amazônia para se dedicarem às atividades extrativistas da Borracha que, naquele momento, em plena revolução industrial, se transformara em importante matéria - prima industrial. Assim, será o extrativismo da borracha, portanto, a base da estruturação econômica e da urbanização do espaço regional acreano. Para se ter uma idéia dos movimentos populacionais, consta que em 1871, excedia de dois mil o numero de seringueiros na região (Costa, 1973, p. 22). Isto é relevante se levarmos em conta que o movimento será acelerado a partir de 1877, ano ocorreria uma forte seca no nordeste, que deixaria a força de trabalho sem opção, a não ser a de migrar e tentar a melhoria de vida em outro lugar. No documento da Prelatura de São Pelegrino (1928, p. 10), estima-se o montante de 23

Craveiro Costa e outros autores fazem referência a Manoel Urbano. Ver a esse respeito Costa, (1973, p. 22). Existe uma pequena controvérsia quanto a esta data. De inicio, a data de chegada do navio Anajás era dada como 3 de abril de 1877. A Universidade Federal do Acre, equivocadamente chegou a comemorar em 1977 o centenário de imigração dos nordestinos com um importante simpósio sobre a história do Acre. Para aprofundar esta discussão pode-se obter informações em Tocantins (1979, p. 151).


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migrantes entre 30 e 40 mil pessoas. Apesar da imprecisão estatística, sabe-se que a migração é intensa, pois todos os afluentes do rio Purus logo serão penetrados bem como ocupadas suas margens. Quanto ao Juruá, a exploração não ocorreu com a mesma velocidade, uma vez que os Nauas, índios habitantes daquela região colocaram obstáculos aos migrantes, o que resultou em confrontos violentos, envolvendo as duas partes (Reis, 1941, p. 24). Quanto a este caráter do fluxo migratório, Euclides da Cunha afirmaria, de maneira contundente, que “não se conhece na história exemplo mais golpeante de emigração tão anárquica, tão precipitada e tão violadora dos mais vulgares preceitos de aclimamento, quanto o da que desde 1879 até hoje atirou, em sucessivas levas, as populações sertanejas do território entre a Paraíba e o Ceará, para aquele recanto da Amazônia” (Cunha, 1999, p. 33). Ainda que grande parte dos estudiosos do tema atribua à grande seca o primado da determinação da ocupação do Acre em particular e, num âmbito mais geral, da Amazônia, é necessário rediscutir a questão da migração á luz de novas contribuições. A primeira questão a ser respondida é porque o fluxo migratório não se orientou para o sul, onde a economia cafeeira se via às voltas com a escassez de mão de obra tendo, inclusive, incentivado uma imigração européia volumosa24. Roberto Santos (1980) enumera seis motivos para este movimento, a maioria deles ressaltando a dimensão ideológica na tentativa de elucidar o problema. Tendo sido o mais significativo deles o fato de que o migrante nordestino resistia em se transferir para o sul, pois a economia cafeeira era considerada por eles como tradicionalmente escravista. Mesmo assim ainda restam indagações. Quem financiou, administrou e executou o processo migratório? Para Paula (1977), a resposta estaria na forma de inserção da economia da borracha na expansão do capital monopolista na metade do século XIX. Resumidamente, a ocupação do espaço acreano é o resultado do avanço do capital sobre as fontes de matérias primas, fundamentalmente a borracha 24

Esta questão é formulada e respondida por Roberto Santos (1980, p. 108) , que destaca seis motivos, entre eles, a ilusão do enriquecimento fácil, o preconceito do nordestino quanto ao trabalho nos cafezais, a forte propaganda das casas aviadoras e a seca que afrouxava os laços do nordestino com a terra.


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transformada em matéria - prima industrial (Pinto,1984). Tem seu início em meados do século XIX, em plena revolução industrial, a partir do processo de vulcanização, e da transformação da bicicleta e, posteriormente, do automóvel em produtos de amplo consumo (Paula, 1977). O extrativismo da borracha, ao se constituir como base do processo de urbanização da região acreana, resultou em transformações radicais na vida das populações locais. O novo condicionamento de vida na região se expressou através de uma acentuada mudança de hábitos de toda a ordem, mas fundamentalmente na multiplicação dos núcleos urbanos no interior (Reis, 1953). O sistema que pôs toda a economia da borracha para funcionar - o sistema de aviamento -, já era bastante conhecido e exercitado antes da economia gumífera, com as pequenas casas comerciais nos centros urbanos fornecendo mercadorias a crédito aos exploradores das especiarias (Reis, 1953). No caso dos seringais, ao crédito correspondia o empenho compulsório da totalidade da produção. O sistema funcionava, mais ou menos, da seguinte maneira: o seringalista – o proprietário das terras –, fornecia um conjunto de mercadorias (tanto bens de consumo, como utensílios necessários à produção) a crédito e o seringueiro – produtor direto – , empenhava toda sua produção compulsoriamente. Não havia circulação de dinheiro e o seringalista usufruía lucros através do monopólio exclusivo do comércio de mercadorias. Os preços eram fixados pelo aviador - aquele que fornecia a mercadoria - e isto permitia aferição de ganhos extras. O seringalista por sua vez, era aviado pelas “casas aviadoras” em sua maioria estabelecidas em Belém e Manaus, as reais beneficiarias desse lucro extra que Roberto Santos (1980) na sua obra que já se tornou referencia sobre aviamento, denominou de “juros extras”. Por fim, as casas aviadoras exportavam toda a produção. O mecanismo de funcionamento das compras, mostram claramente como ocorria a usurpação por parte do capital estrangeiro que ocorria da seguinte maneira: “As compras são feitas a 90 dias de vista. Trocam as letras da borracha comprada nas agências dos bancos ingleses, contra o dinheiro que entregam aos vendedores. Quando se vencem os noventa dias já a borracha chegou a Nova Iorque ou Liverpool e foi


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vendida. Não se precisam dispor de um só ‘vintém’”. (Silva, 1962, p. 95). O aviamento, constituía-se assim, em um extremo da cadeia de canalização de recursos para o exterior, enquanto no outro extremo, sob a hegemonia do capital comercial, permitia a aferição de lucros extras para os seringalistas. 3.3 A Propriedade da Terra A característica mais importante do processo de ocupação do Acre, no âmbito do nosso escopo, é a forma de acesso e uso da terra. Será em torno desta questão - a definição da propriedade da terra -, que terão lugar os debates e a trajetória de definição de uma política voltada para o desenvolvimento regional. Os trabalhos clássicos sobre o tema da questão agrária brasileira de um modo geral, partem do pressuposto de que a Lei de Terras (1850), ao possibilitar a transformação da terra em mercadoria, veio somente assegurar os interesses dos grandes proprietários. Dito com outras palavras, esta lei representou um marco no desenvolvimento capitalista no Brasil, por criar a moderna propriedade da terra gerando as condições formais que possibilitariam que a terra fosse socialmente explorada representando, do ponto de vista histórico, o momento de separação do trabalhador da terra como seu meio de produção e a instauração do trabalho assalariado. Em outros termos, a terra não apenas passou à condição de mercadoria como criou condições objetivas de existência do modo de produção capitalista. Muito recentemente, alguns autores (Motta, 1994; Holston, 1993; Silva, 1996) observaram que os conflitos de terra no Brasil sugerem a permanência de uma tradição desestabilizadora da lei, que data de nada menos que 400 anos de história. Segundo eles, o sistema jurídico-agrário brasileiro, ao contrário de estar baseado na função de manter as condições necessárias à vida social, é um promotor potencial de conflitos, e isto porque seus termos imprecisos e confusos criam condições favoráveis a diferentes interpretações, permitindo o uso de complicações da lei para a obtenção de vantagens extrajudiciais, abrindo campo para a legalização de diferentes tipos de usurpação, principalmente a grilagem.


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O que tais estudos sugerem é que uma boa forma de pensar a questão agrária no Brasil é procurar entender as raízes desta tradição desestabilizadora da lei, que ainda dá sentido a conflitos atuais. A partir desta perspectiva, pode-se então afirmar que as várias visões a respeito da regularização das posses são uma decorrência de diferentes interpretações da lei. O entendimento da conjuntura que acabou por desaguar na elaboração da Lei de Terras assim, parece se justificar, por ajudar ao entendimento de como os movimentos sociais em torno da questão do acesso a terra ainda hoje estão informados pela noção de que estão em debate diferentes interpretações sobre direitos de propriedade. Além disso, pode ajudar a entender como ultimamente uma das formas eficazes de luta tem sido a ocupação de terras improdutivas ou devolutas. A repercussão de tal fato tem levado o governo a providenciar o assentamento de trabalhadores em projetos de colonização. Estas ocupações são uma prática bastante antiga, que ocorriam desde o período colonial e se intensificaram no século XIX, com o objetivo de dar início a um processo de legitimação (Silva, 1996). Ainda sobre essa questão Reydon (1992) ao tratar dos mercados de terras agrícolas enfatiza a importância da especulação fundiária como elemento fundamental para a compreensão dos processos econômicos no meio rural. Esta importância ganha nitidez ao se verificar o papel que a especulação desempenha junto aos pequenos produtores assentados, contribuindo em muitas ocasiões para a própria permanência dos produtores na área agrícola Este não parece ser o caso do extrativismo, que se diferencia dos tipos de ocupação referidos anteriormente e também das ocupações colonizadoras em que, através do trabalho, garante-se a propriedade da terra. Isto porque o extrativismo pressupõe uma forma especifica de apropriação da terra pela força de trabalho em que não se estabelece nenhum vínculo entre esta e a terra. Esta especificidade da economia gumífera será essencial na discussão sobre a propriedade das terras acreanas, a partir da década de 70, envolvendo seringueiros, seringalistas e pecuaristas.


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Na prática, a definição do tamanho e a delimitação das áreas dos seringais seguem um roteiro básico. A ocupação se estabelecia ao longo dos rios, procurando detectar as áreas de maior incidência das arvores gumíferas. Uma vez localizado esse manancial de arvores, tinha início as atividades produtivas sem a preocupação com uma rígida delimitação das áreas de terra. O seringal é tanto mais importante pela densidade de seringueiras do que pela sua extensão. Acordos tácitos entre os seringalistas definiam os limites legais da propriedade, o que implicava, ás vezes, em desconhecimento dos exatos limites e delimitações das propriedades, até porque, com a ampla oferta de terras, a propriedade pouco ou nada representava. Muito mais relevante era o sistema de comercialização e crédito definidos diretamente pelas estruturas de propriedade. Isto não significa dizer que não ocorriam transações envolvendo seringais, mas que o processo de valorização, isto é, o preço, era estabelecido, não exclusivamente pelo tamanho da área, mas pela densidade de árvores gumíferas. Um aspecto dos mais importantes na discussão da propriedade das terras é que, nos primeiros tempos e de um modo geral, na formação de um seringal e de toda a economia gumífera, “a posse era mansa. Não se legalizava. Ninguém cuidava de garantir-se ao amparo da legislação” (Reis, 1941, p. 28) o que valia era a maior ou menor riqueza de madeiras25, e também a localização do seringal, em virtude das facilidades do acesso, bem como de comunicação com as casas aviadoras localizadas em Manaus e Belém. A legalização dos seringais seguia, portanto, um itinerário particular, e os poucos donos de seringais que se preocuparam em legalizar suas terras, dirigiram-se ao Estado do Amazonas, que tinha jurisdição sobre as terras acreanas. A ocupação do Acre, todavia, não se trata de um processo tranqüilo. Ao contrário, trata-se de um processo violento, marcado por movimentos armados, envolvendo brasileiros e bolivianos, em parte como decorrência da indefinição dos

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“Madeira” é a denominação que se usa para a seringueira, É comum mencionar-se que a colocação X é rica em madeira, que significa dizer alta incidência de seringueiras na colocação X. Colocação, por sua vez, é o local onde vive o seringueiro, geralmente formada por três estradas de seringa.


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limites mas, sobretudo, em função da importância crescente que adquiria o látex no mercado internacional. A questão dos limites do Acre adquire relevância, também porque contribuirá para a conformação de um quadro complexo quanto à definição dos direitos de propriedade das terras. Se em condições normais, já havia uma dificuldade natural decorrente de interesses contraditórios, no caso acreano, como se verá adiante, isto é ampliado devido a uma série de fatores. No início, os diversos tratados em face do desconhecimento geográfico da região, ao tentar definir os limites corretos da região só conseguiram ampliar as indefinições (Costa, 1975 e Reis, 1941). Assim, o tratado de Madri, de 1750, e o de S. Idelfonso, de 1777, pouco contribuíram para a delimitação das fronteiras das terras acreanas. De qualquer maneira, o fato destes tratados seguirem uma tradição jurídica que se baseava no instituto do Utis Possidetis26 representava algo positivo para o Brasil pois, quando da assinatura do tratado de Ayacucho em 1867, ocasião em que Brasil e a Bolívia chegaram a um acordo sobre sua fronteira na Amazônia ocidental, os brasileiros já ocupavam parte substancial das terras acreanas. É este raciocínio que leva o jurista Juraci Perez Magalhães afirmar que, no momento da assinatura do tratado de Ayacucho, ocasião em que o Brasil reconhece como bolivianas as terras do Acre, pelo princípio do utis possidetis o Acre já pertencia de fato e direito ao Brasil (Magalhães, 1977, p. 47). A Bolívia só demonstraria maior interesse por estas terras por volta de 1895, ocasião em que pressionou o Brasil para demarcar as fronteiras. Antes desta data, a jurisdição estava sob a responsabilidade do Estado do Amazonas. Após o acerto das fronteiras, a Bolívia conseguiu do Brasil autorização para instalar uma alfândega no Rio Acre, o que se efetivou em 23 de dezembro de 1898, visando auferir lucros com a extração do látex. A administração boliviana perdurou até 1904, cedendo lugar por um curto espaço de tempo à administração de Galvez, que criou o Estado independente do Acre. Após este interregno, pelo tratado de Petrópolis, a área foi transformada no Território do Acre, condição esta 26

Uti possidetis significa o direito adquirido através da ocupação efetiva.


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em que permaneceu até 1962, quando o Acre passou à condição de Estado da República Federativa do Brasil27. É como decorrência deste quadro descrito que a interpretação da legislação fundiária, somada a uma gama variada de interesses, definiu a regularização das terras no Acre como uma das mais complexas do território nacional. Em resumo, poderíamos ter documentos expedidos pelo estado do Amazonas, Bolívia, estado independente do Acre e títulos expedidos registrados em cartório, segundo a legislação brasileira. Após a assinatura do tratado de Ayacucho, o Amazonas passou à Bolívia, para ratificação, toda a documentação das terras do Acre. O mesmo procedimento de ratificação foi feito por Plácido de Castro, quando criou o estado Independente do Acre, procedendo à solicitação de toda a documentação expedida pela Bolívia e Amazonas, transferindo e documentando terras do domínio público para o domínio privado, ainda que o estado não estivesse juridicamente reconhecido. Com a criação do território do Acre, Plácido devolveu os títulos e orientou os proprietários a se dirigirem ao ministério da Justiça. É importante salientar que os títulos expedidos pelo estado do Amazonas até 1898 tinham sua área limitada a 10.000 ha. Essa, no entanto, não era uma medida acatada pelos seringalistas para fins de exploração da seringueira. As áreas exploradas na prática eram bem maiores que as determinadas por lei, chegando inclusive, alguns seringais, a possuírem acima de 80.000 ha. Entretanto, esses seringalistas só procuravam regularizar o mínimo possível de área com a finalidade de pagar menos impostos. Essa medida, entretanto, não impediu que a estrutura fundiária do Acre se tornasse concentrada, Ao contrário, e dado que o aumento da produção dependia da ampliação da reserva de árvores gumíferas, isto implicava, como de fato ocorria, a apropriação de novas terras. É isso que vai definir a característica fundamental dos processos econômicos no estado do Acre, diferindo-os do de outras regiões da federação e conformando o quadro de especificidades locais no bojo do qual foram gestadas as bases do processo recente. Isso na medida em 27

O Jornalista Elson Martins chama a atenção para o caráter espúrio das vendas das terras do Acre. Segundo seu depoimento, as terras eram registradas no livro de imóveis sem que fosse necessário apresentar o documento original e válido. Silveira, 1979, p. 803


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que se entenda que a apropriação da terra se dá segundo determinações sociais específicas, nas quais a produção não se volta para o atendimento imediato das necessidades individuais, seja do produtor direto – o seringueiro –, seja do proprietário das terras – o seringalista -, mas que é uma produção para o mercado, isto é, a própria reprodução do trabalho é mediada pela relação de troca, pelo mercado. Assim, a economia extrativista foi ao longo do tempo se instaurando baseada em dois elementos determinantes para a estruturação do velho extrativismo. Em primeiro plano, o aviamento foi definitivamente o grande mecanismo que pôs em funcionamento os seringais ao mesmo tempo em que concorreu para que a presença do trabalho compulsório ocorresse como forma exclusiva na exploração do látex (Paula, 1977, p. 13). Por outro lado, a ausência de progresso técnico se tornou em grande medida responsável não só pelas difíceis condições de trabalho mas, sobretudo, pela falta de competitividade da economia da borracha frente aos concorrentes asiáticos. Com efeito, a entrada da borracha produzida nos países asiáticos no mercado internacional foi responsável pelo desencadeamento de uma crise sem precedentes na economia gumífera Amazônica. Para se ter idéia do volume da produção asiática observe-se que em “1900 compareciam ao mercado internacional 4 toneladas de borracha de plantação. Em 1905 a tonelagem subiu para 145; em 1906 para 500; em 1910 para 8.500. Em 1914. Eram já 71.000” (Reis, 1953, p. 70). O resultado imediato disso foi a queda dos preços da borracha e, conseqüentemente, a desarticulação de parte considerável do sistema de produção. Isto gerou uma migração intensa da população do Acre para seus locais de origem, de tal forma que o estado perdeu um contingente respeitável de população entre 1920 e 1940. Aqueles que permaneceram, quando não continuaram suas atividades no extrativismo deslocaram-se para a cultura de subsistência de forma que, nesse período, iniciou-se a pequena produção agrícola no Acre. Foi a década de 20 que marcou um dos grandes momentos de crise na economia da borracha amazônica o que, para o Acre, representou uma crise


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generalizada, dado sua total dependência à produção gumífera. A queda dos preços iniciada em 1912 concorreu para que surgisse a produção de uma pequena agricultura dado que o seringalista, diante da impossibilidade de aviar o seringueiro em grande parte dos produtos que teriam que ser por eles adquiridos, se viram impossibilitados de manter o exclusivismo produtivo. A partir de 1940, principalmente no período da II Grande Guerra, o extrativismo teve um novo impulso (Corrêa, 1967). Esse novo surto contou com a participação direta dos Estados Unidos através de programas especiais executados por organizações norte-americanas, principalmente a Rubber Reserve Company (posteriormente denominada Rubber Development Corporation), que comandou todos os trabalhos na Amazônia “desde a incrementação da produção até o fornecimento dos artigos necessários aos seringueiros” (Corrêa, 1967, p. 86), além do próprio recrutamento de mão – de - obra no Nordeste e do transporte desta para a Amazônia. Enfim, influiu tanto na vida econômica como social da região28. Em 1942, dentro das condições dos acordos de Washington foi criado o BCB – Banco de Crédito da Borracha29, cuja finalidade principal consistia em viabilizar, com exclusividade, a comercialização da borracha, financiando os seringalistas. Esse novo surto, todavia, não atingiu uma década, de forma que nos anos 50, o extrativismo atravessou novo momento de crise. O aumento do preço da borracha não acompanhou o aumento do preço das mercadorias, o que somado à nova política do novo Banco de Crédito da Amazônia30, colocou os seringalistas

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Esse período foi chamado de Batalha da Borracha. Seu início data de 1942 com a assinatura dos Acordos de Washington, nos quais ficou estabelecido que o Brasil seria responsável pelo fornecimento de matérias primas consideradas estratégicas para as forças aliadas, estando entre elas a borracha. O término do acordo ocorreu em 1947. 29 O governo brasileiro entrou com 55% do capital, o governo norte-americano (através da RDC) com 40% e 5 % foram subscrição pública. 30 Pela lei n. 1.164,de 30 de agosto de 1950, o BCB – Banco de Crédito da Borracha é transformado em BCA – Banco de Crédito da Amazônia. A medida foi tomada em função do novo contexto econômico, em que a borracha atravessava novo período de crise e visava, sobretudo, ampliar o campo de atuação do antigo BCB, agora voltado a desenvolver a região. Seu objetivo era incentivar o início das atividades industriais e outras atividades produtivas.


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em grandes dificuldades, com o início de um processo de endividamento contínuo perante aquela instituição de crédito. Em 1953 foi aprovada pelo Congresso nacional a lei 1.806, que criava o plano de valorização econômica da Amazônia com o objetivo de desenvolver a região31. Para a execução desse plano foi criada uma Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA, com sede em Belém e jurisdição em toda a Amazônia legal. A atuação da SPVEA porém, ficou restrita à elaboração do I Plano Qüinqüenal e sua efetiva realização foi impossibilitada por muitos problemas. Mahar considera que “a origem de muitos desses problemas foi o caráter abrangente de suas metas, combinado com o conhecimento extremamente rudimentar da estrutura sócio-econômica e do potencial da região” (Mahar, 1978, p. 17). E ainda, segundo este autor, “antes de tudo, a programação orçamentária anual tornava o planejamento s longo prazo uma tarefa difícil, senão impossível. Em segundo lugar, a SPVEA jamais exerceu suficiente controle sobre a alocação de seus próprios recursos. Finalmente, e o mais importante, grandes cortes orçamentários feitos pelo Congresso Nacional forçaram alterações em projetos em curso e o adiamento ou o cancelamento de projetos propostos” (Mahar, 1978, p. 18). Encontrando-se as relações de troca desfavoráveis à empresa seringalista esta buscou transferir os custos da produção, via sistema de aviamento, para o seringueiro. Desta forma, a remuneração do trabalho atingiu limites inferiores às mais elementares necessidades humanas de forma que a produção manteve-se graças ao endividamento crescente do seringueiro ao barracão, mesmo diante da redução gradativa de sua cesta de consumo. O endividamento se alastrou no sentido seringueiro/casas aviadoras/Banco da Borracha, sendo este último o financiador da produção e, em decorrência, o credor e responsável por toda a articulação da produção gumífera.

31

Segundo Mahar (1978), o Plano de Valorização Econômica da Amazônia era “concebido em geral como um sistema de serviços e obras públicas destinadas a desenvolver a produção agrícola, mineral e industrial e a elevar o bem estar social e econômico da população regional”.


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Desta forma, a década de 60 encontrou a grande maioria das empresas seringalistas do estado vinculadas a débitos junto ao Banco da Borracha sob forma de hipoteca. Foi no bojo dessa dependência que se estabeleceram as bases das futuras negociações de terra no estado do Acre. Tomando como ponto de partida o entendimento da evolução da estrutura fundiária, que passa a ser engendrada a partir do momento da inviabilização da empresa seringalista, três aspectos devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, a ocorrência de uma corrente migratória para fora do estado, o que resultou numa menor pressão sobre a terra. Em segundo lugar, e associada a este aspecto, encontra-se a estruturação de uma produção agrícola com base na pequena propriedade da terra, o que levou a uma diversificação da produção e a formação de um mercado interno. Em terceiro lugar, na medida que a empresa seringalista se viu impossibilitada de acionar o seu instrumento de extração de valor e fixação da força de trabalho – aviamento interno – surgiu um terceiro personagem que exercerá importante papel no momento das transformações recentes. Trata-se do seringueiro que continua a extração do látex liberado, porém, da venda compulsória do produto ao barracão. Este seringueiro autônomo além de se responsabilizar em grande parte pela manutenção do volume de produção da borracha até os dias de hoje, representará, na fase atual, a parcela de força de trabalho que receberá o principal impacto das transformações econômicas acionadas pelos capitalistas que se deslocam junto com a fronteira agrícola.


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CAPÍTULO 4 – A EXPANSÃO DA FRONTEIRA E O MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA: OS FUNDAMENTOS DA RESEX

4.1 Introdução O início da década de 1970, marcou um momento de transição na economia acreana, com a implantação da pecuária como atividade básica e articuladora do processo de desenvolvimento regional. Esta mudança foi em parte beneficiada pela situação de insolvência em que se encontravam os seringais, como decorrência do próprio processo histórico visto anteriormente. Após o fim da segunda guerra mundial, com o retorno da normalidade no mercado internacional de matérias primas, os seringalistas gradativamente ampliaram suas dívidas com o banco da borracha, principal agente financiador da produção gumífera. Por outro lado, some-se a este quadro a expansão da pecuária extensiva, como elemento nuclear da política estatal definida a partir da operação Amazônia (MI/SUDAM, 1968). Nesse processo, pelo menos duas medidas tiveram forte impacto no interior da economia acreana. A primeira foi a criação da SUDAM, a partir da extinção da SPVEA, e a transformação do Banco da Borracha de financiador da economia extrativista em Banco de Crédito da Amazônia transformado em gestor das ações de compra e venda

de terras visando

recuperar parte das dívidas dos seringalistas.32 O capital, portanto, encontra condições excepcionais para a sua aplicação no Acre. Os preços das terras, frente à média brasileira, são irrisórios; a operação 32

È esclarecedor o depoimento sobre o endividamento de um seringalista, prestado pelo governador do estado.”Para que se tenha idéia do que isto representou em termos de endividamento, basta assinalar que um dos maiores seringalistas acreanos do vale do Juruá, com uma dívida de 1 milhão e oitocentos mil cruzeiros (resultado de um débito inicial acrescido de juros e correção monetária resultante por sua vez de sucessivas composições de dividas), sofreu intervenção do banco da Amazônia em todas as suas propriedades. Dois anos depois recebeu os seringais de volta com a dívida elevada para cerca de 12 milhões de cruzeiros..” (Mesquita, 1978, p. 10-11)


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Amazônia cria o aparato regional favorável aos investimentos através da SUDAM, com sua política de incentivos fiscais e o Banco da Amazônia como agente financeiro para viabilizar esta política e, por fim, todo esse aparato encontra eco no governo, que assume o poder local sob o discurso desenvolvimentista apoiando e identificando-se com a proposta de transformação da economia acreana. No governo Wanderley Dantas (1970 – 1974), a pecuária foi considerada atividade econômica moderna, capaz de se constituir em mola propulsora do desenvolvimento regional, conforme afirmações do próprio governador, em palestra proferida em agosto de 1977, durante o Simpósio de História do Acre, realizado na Universidade Federal do Acre. Na ocasião, o governador afirmou ainda que a sua política de desenvolvimento foi uma adesão à política do governo Médici e que sua gestão começou a incentivar a produção de gado, tendo sido isto efetivado a partir do que ele denominou “chamamento nacional”, uma forte campanha publicitária, financiada pelo Bradesco e realizada principalmente através do programa da TV Globo tendo à frente Amaral Neto. A respeito desta proposta de governo é bastante esclarecedora a palestra proferida pelo secretário da fazenda Edson Cardoso Nunes, na Associação dos Criadores de Gado Nelore do Brasil, em São Paulo, para empresários com interesse na região. O secretário argumentou ser um bom negócio investir no Acre e que “o estoque de madeiras nobres e outras de pouco valor comercial com uma densidade total de aproximadamente 300 metros cúbicos por hectare, favorecia a implantação de modernas indústrias madeireiras e, principalmente de celulose” (O Rio Branco, 1976)33. Foram destacados ainda três problemas que deveriam ser enfrentados para a viabilização do projeto governista, a saber, a colonização, investimentos em infra-estrutura e, por fim, a política de incentivos fiscais. Na verdade, a colonização, do que se apreende da exposição, é um mecanismo que visa resolver o problema fundamental vivenciado por todos os segmentos sociais, que é a regularização fundiária. Isto explica, em grande parte,

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Ver a respeito a matéria “Um modelo econômico para o Acre” publicado no jornal O Rio Branco de 26.11.1976.


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porque a regularização fundiária foi tão importante. O tom geral dos discursos dos diversos segmentos organizados, era a regularização fundiária. A imprensa registrou quase que diariamente a necessidade de se resolver o problema da titulação: os sucessivos governos estaduais pós-1970, não hesitaram em identificar em seus pronunciamentos e documentos a indefinição da propriedade das terras como o principal obstáculo ao desenvolvimento do Acre; os posseiros empunharam como bandeira de luta o reconhecimento de seus direitos, o que implicava a regularização fundiária, não sendo outro o discurso dos ”novos proprietários”. Se fosse resolvida essa questão, dizia o secretário, “reunindo condições excepcionais para a exploração agropecuária, podemos prever inclusive que o Acre, disporá, dentro de horizonte de tempo já definido, de um dos maiores rebanhos bovinos do país, e, uma agricultura diversificada e desenvolvida alimentará a indústria com matérias-primas indispensáveis à integração dos setores produtivos” (O Rio Branco, 1976). Quanto ao segundo ponto, o relativo á infra-estrutura, o secretário salientava que o governo já estava tratando de solucionar através de um programa de investimentos. Sobre o terceiro elemento citado como relevante, os incentivos fiscais, enfatizava que “desde há muito foram institucionalizados para a região através da SUDAM” (O Rio Branco, 1976). Do exposto, parece ser possível afirmar que a regularização fundiária no estado do Acre assume diversos significados, dependendo dos interesses contraditórios dos diferentes segmentos envolvidos com a questão da terra. Ao governo Dantas a regularização interessava duplamente, uma vez que contribuiria para o fim dos conflitos e, ao mesmo tempo, deixaria de se constituir em obstáculo à venda de terras, favorecendo a vinda de investidores do sul do país. Ao governo subseqüente, tendo à frente Geraldo Mesquita, que assumiu postura política diversa do seu antecessor, também interessava a regularização, conforme fica claro em exposição ao presidente Geisel, por ocasião da visita deste ao Acre, em julho de 1977: “A solução judicial ao alcance do INCRA – a da discriminatória – sem embargo de se prender aos princípios legais, tem seu curso extremamente moroso e eivado de situações geradoras de conflitos, de resultados aleatórios, não permitindo ao governo estabelecer uma programação para uso das terras


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tornadas públicas pela inconsistente justificação das posses” (Mesquita, 1978, p. 11). Dessa forma, com justa razão, o governador ao reclamar da morosidade e ineficiência do INCRA em regularizar a situação das posses, reclama também do pouco espaço para o exercício da governabilidade, pois interessaria ao governo através dos projetos de assentamento “devolver as famílias ao campo pois estavam passando dificuldades”34. Em parte, a “ineficiência” do INCRA e outras questões seriam decorrência da peculiaríssima situação das terras do Acre, e pela disputa que se estabeleceu, resultando em uma extensão significativa de terras cuja definição de propriedade se encontra em litígio no âmbito do poder judiciário. Naquele momento, as extensões de terras pertencentes ao Estado do Acre eram praticamente inexistentes, de sorte que o estado não possuía terras e, conseqüentemente, os projetos governamentais ou programas voltados para o setor rural, como por exemplo, os programa de assentamentos, dependeriam de transferências de terras por parte da União. Dessa forma, o governo estadual ficava impossibilitado de acionar uma política fundiária, independente dos interesses mais gerais estabelecidos no âmbito do Governo Federal. O fato das regularizações dos processos de terras no Acre implicar em certa morosidade justifica a tese do INCRA de que para o Acre deveria existir uma legislação específica. Outro argumento usado para a criação dessa legislação seria a complexidade de se definir os proprietários das terras acreanas haja vista o Acre ter passado por diversas administrações35. Obviamente que não seria uma legislação específica para o Acre que faria o INCRA transformar-se num órgão atuante, a ponto de levá-lo a atingir seus objetivos. O fato é que os problemas ocasionados no Acre parecem ter uma natureza bastante distinta destes argumentos. O entendimento da estrutura de propriedade das terras acreanas, neste sentido, deve ser enfocado como um desdobramento das relações de propriedade herdadas do extrativismo, do processo de trabalho, da forma de ocupação e menos uma decorrência das gestões administrativas. Tanto isso é 34

Palestra proferida pelo Governador Mesquita no Simpósio de História do Acre em agosto de 1977.


87

verdade que do Acre Independente ainda não apareceu nenhum título e da Bolívia só apareceram nada mais do que certificaciones, meras certidões de traslados ou cópias de cartório (Canuto, s/d, p. 3). A lei federal 6.383, de 7 de dezembro de 1976, que foi saudada no Acre como a solucionadora do problema fundiário, chegando a ser considerada como mais importante do que o Estatuto da Terra (Rêgo, 1979, p. 866), na verdade transformou o processo de legitimação de posse num processo de ocupação (Junqueira, 1979, p. 885). Este quadro de indefinição da propriedade contribuiu para agravar o processo de disputa pela terra. Estes conflitos, tendo de um lado os novos proprietários e de outro, os seringueiros, agora transformados em posseiros, vão progressivamente crescendo em violência. O então governador Geraldo Mesquita fez um resumo do contexto. Para ele, “a situação fundiária do Acre (...) não tem reflexos apenas no campo da economia. Suas implicações são também, e fundamentalmente, de ordem social, e se agravam desde 1972, em face da ocupação dos seringais nativos por investidores, atraídos pela expansão da fronteira agrícola, sem as necessidades e indispensáveis cautelas numa região de economia

extremamente

frágil,

baseada

exclusivamente

no

extrativismo”

(Mesquita, 1977, p. 4). Em outra oportunidade o bispo D. Moacir Grecchi, concordando com tais assertivas a respeito do caráter do novo processo de ocupação, afirmaria que “as conseqüências da nova política agrária e da forma agressiva e por vezes violenta como vem sendo feita a ocupação das terras do Acre têm sido desastrosas para milhares de trabalhadores. Expulsos, ou com ameaças, ou através de acordos aviltantes e indenização simbólica, tiveram que dar um novo rumo à sua vida” (Grecchi, 1979, p. 310). A expulsão de posseiros e seringueiros foi a causa principal dos conflitos que assumiram grandes proporções, principalmente, em decorrência dos métodos

35

Está-se referindo ao fato, já citado, de o Acre, até 1898, ser jurisdicionado pelo estado do Amazonas. Desta data até 1904 foi Estado Independente do Acre; em 1904 foi transformado em Território Federal e, a partir de 1962, em estado da Federação Brasileira.


88

violentos usados pelos fazendeiros para deixar a “terra limpa”, isto é, pronta para o cultivo ou para a pastagem. Eram os seguintes os métodos mais usados: a) “Não fornecimento de mercadoria para os seringueiros, obstrução de varadouros, proibição de desmatar e fazer roçados; b) Destruição de plantações, invasão de posses, derrubadas até perto das casas dos posseiros, deixando-os sem ou quase sem terra para trabalhar; c) compra de posses e benfeitorias por preços irrisórios ou, quando muito, em troca de uma área muito inferior ao módulo, que não permitirá ao posseiro e família trabalhar e progredir; d) atuação de pistoleiros que amedrontam os posseiros numa guerra psicológica através de ameaças ou mesmo com espancamentos e outras violências; e) ameaças feitas por policiais a serviço de proprietários; prisões de posseiros por questões de terra sem ordem judicial ou por ordem judicial sem que tenha sido movida a ação competente.”(Grechi, 1979, p. 310) Enfim, o que se pode concluir de tudo o que foi exposto é que esse processo, feito de uma maneira desordenada e violenta, incidiu diretamente no desalojamento e expulsão de posseiros e seringueiros, o que fez com que crescesse o êxodo rural em direção às cidades, com conseqüente afavelamento dos centros urbanos estimulando, ao mesmo tempo, o declínio da produção extrativista, que apesar de tudo ainda constituía a base da economia acreana e a principal fonte de emprego. Para se ter uma idéia desse movimento populacional basta ver o crescimento de dois bairros de Rio Branco: o bairro Palheiral que, em 1975 tinha uma população de 476, em 1979 passou para 3.975 pessoas. Já o bairro Bahia passou de 1.240 no ano de 1975 para 3.059 pessoas no ano de 1979. A figura 2 mostra a magnitude dos movimentos populacionais, em 1970, 72% da população acreana se concentrava na área rural enquanto os 28%


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restantes viviam nas cidades. Em 1991 o quadro era completamente invertido, mostrando que cerca de 62% da população se encontrava nas cidades, sendo que metade da população do Acre se concentra na cidade de Rio Branco. Em decorrência, o crescimento populacional dos bairros periféricos desprovidos de infra-estrutura, atendimento de saúde e falta de transporte resultou em baixa qualidade de vida dessas pessoas e em altas taxas de desemprego na capital.

Figura 2 – Evolução da População Rural e Urbana – Acre (1960-1991) 100 7 9 ,3 4

80

7 2 ,4 6 5 6 ,1 3

60 4 3 ,8 7

40 20

6 1 ,8 8

2 0 ,6 6

2 7 ,5 4

3 8 ,1 2

0 1960

1970 Urbana (% )

1980

1991

Rural (% )

Fonte: Censo IBGE (1991) A

4.2 O Processo de Resistência Uma outra face desse processo é a resistência seringueira que tornou mundialmente conhecido o líder Chico Mendes. A reação dos seringueiros teve seu início de forma desordenada, muito mais como uma reação de defesa. A luta política de forma organizada através dos sindicatos e os impedimentos dos desmates popularizados, como os “empates” só ocorrem numa segunda etapa. Nesse ínterim, o êxodo rural-urbano é intensificado, gerando um inchaço populacional nas cidades, principalmente Rio Branco.


90

O

primeiro

“empate”

estratégia

política

visando

impedir

os

desmatamentos e garantir a posse da terra –, que ficaria famoso e generalizado a partir de Chico Mendes, ocorreu em Brasiléia e foi liderado pelo seringueiro Francisco Pacheco da Silva. Conforme relato do jornalista Elson Martins, “o Seringueiro Francisco Pacheco da Silva, 56, mulher e nove filhos entrou para a história do sindicalismo rural no Acre como o primeiro a encabeçar um “empata”.36 O levante, como ele chama, aconteceu em abril de 1976, no seringal Carmem, em Brasiléia. Ele e mais 22 seringueiros enfrentaram 400 peões com o objetivo de obstruir o desmate do local. Pacheco não era ainda líder rural, mas as motosserras já roncavam a 500 metros de suas benfeitorias e a família estava ameaçada.” Ver meus filhos passar fome? Era arriscar a vida ou a morte, e procurar meus direitos”. Declarou na semana passada, lembrando o empata e os aperreios que passou”37. É de se notar que o “empate”, adquiriu uma conotação de forma de luta extremada para os seringueiros, daí a referencia ao fato de que “não havia mais nada a ser feito”, ou de que “era tudo ou nada”, como bem colocou Pacheco frente à perspectiva de ver seus filhos passarem fome. Esta característica de postura legalista, presente no movimento seringueiro, foi observada pelo jornalista Elson Martins. Segundo ele os seringueiros não partiam para ações que não fossem amparadas por lei, o que amplia em muito a importância da CONTAG, cuja estratégia política de atuação era o esclarecimento dos direitos dos posseiros. O “empate”, ao longo do tempo se generalizou como forma de atuação política para impedir os desmatamentos por parte dos seringueiros, principalmente sob a liderança de Chico Mendes, que se tornou o responsável pela popularização dessa forma de luta. Num segundo momento, gradativamente, as forças da sociedade contrárias ao processo de vendas das terras e a consolidação da pecuária como modelo de

36

O termo “empate” advém do verbo empatar que significa obstaculizar; criar embaraços. O termo consagrado e mais usado é “empate”. 37 Silveira, Elson Martins. Anotações de um repórter. O primeiro empata foi em Brasiléia.Gazeta do Acre. 13.07.86.


91

desenvolvimento regional, foram se articulando e o movimento de resistência cresceu em importância política e representatividade. A simultaneidade de certos acontecimentos torna difícil explicitar a ordem e importância dos diversos componentes presentes neste processo histórico. De qualquer maneira, o jornal O Varadouro, ao noticiar todos os eventos e ações referentes aos conflitos sobre a terra, inclusive possibilitando a veiculação dessas noticias para o todo o país desempenhou, um papel fundamental, seja por influenciar positivamente a própria imprensa local, seja por aglutinar a seu redor as forças locais do movimento cultural – artistas de teatro, cineclube Aquiry, professores da Universidade Federal do Acre e outras forças expressivas. Ainda no âmbito da imprensa, data desta época a veiculação, a nível nacional, das primeiras reportagens sobre os conflitos fundiários a partir dos correspondentes dos grandes jornais do país38. Por outro lado a Igreja39, que no início tivera uma atuação tímida, mais restrita aos bastidores políticos, passou a atuar mais firmemente, esclarecendo e orientando os posseiros quanto aos seus direitos, na maioria das vezes inclusive em parceria com a CONTAG, principalmente na formação dos sindicatos. Para a maioria das pessoas envolvidas com as questões aqui tratadas, a atuação da CONTAG foi definitiva na organização e esclarecimento dos direitos dos posseiros, até porque, como já referido anteriormente, ao tomar ciência dos seus direitos os seringueiros mudavam de postura no enfrentamento dos problemas. Para se ter uma idéia da atuação da CONTAG, no que se refere á defesa direta dos trabalhadores, o advogado da instituição Pedro Marques, no primeiro ano de atuação entrou na justiça com cerca de 400 ações trabalhistas. (O Rio Branco, 1981)

38

Vale a pena uma pesquisa sobre esse tema, para dimensionar melhor a participação da imprensa, principalmente dos jornalistas Elson Martins e Silvio Martinello, ambos fundadores do Varadouro, e correspondentes do Jornal O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, respectivamente. 39 É preciso distinguir a atuação política da igreja do Juruá e do alto Acre em virtude de discordância da atuação política das duas dioceses, como bem chamou a atenção Duarte, (1987, cap. 3).


92

Assim, em decorrência do cenário exposto, explica-se porque os seringueiros tenham passado a lutar de forma organizada e o sindicalismo rural experimentado um rápido crescimento a partir de então. O primeiro sindicato dos trabalhadores rurais do Acre foi fundado em Sena Madureira, em 20 de setembro de 1975, com a participação e influencia da igreja, através do Pe. Paulino Baldassari. A reunião ocorreu no colégio Santa Juliana e a ela

compareceram

557

trabalhadores,

quase

todos

seringueiros

(Costa

Sobrinho,1992, p. 172). Três meses depois, no dia 21 de dezembro de 1975, foi fundado o mais importante e atuante dos sindicatos, o de Brasiléia, contando em sua diretoria como membro do conselho fiscal Wilson Pinheiro de Souza, que mais tarde assumiria a presidência do mesmo e adotaria a estratégia dos “empates” como forma de impedir os desmates. Wilson Pinheiro foi assassinado por pistoleiros em 21 de julho de 1980, a mando de fazendeiros e sua morte desencadeou uma onda de violência, que resultou na morte de Carlos Sérgio, capataz da fazenda Nova Promissão, fato este já narrado no início do capítulo. Também participava dessa diretoria como secretário, Chico Mendes, na época desconhecido, mas que já demonstrava grande conhecimento da problemática e poder de mobilização40. A terceira fase da luta seringueira, já ocorreu sob a liderança inconteste de Chico Mendes. Sua habilidade, poder de convencimento e liderança não se resumiram ao meio rural. Pelo contrário, Chico Mendes demonstrou grande poder de articulação, na medida em que envolveu os setores urbanos em defesa dos seringueiros. A criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, mostra bem o estilo agregador e envolvente da forma de trabalho de Chico Mendes. Nas suas palavras, “a história do Conselho Nacional dos Seringueiros começa exatamente com a preocupação que a gente começou a enfrentar na luta contra o desmatamento, na busca de uma proposta alternativa pra garantir a floresta Amazônica. Daí, surgiu uma idéia entre algumas pessoas, alguns assessores do sindicato de Xapuri, e no próprio sindicato, de se organizar um encontro nacional de Seringueiros ou de levar uma comissão de seringueiros a Brasília pra discutir 40

Segundo entrevista concedida pelo Jornalista Elson Martins.


93

algumas coisas” (Grzybowski, 1989, p. 21). Mais adiante, acrescenta que a assessora Mary Allegretti, “topou” a idéia e que ele teve uma reunião com o pessoal do Ministério da Cultura. E, por fim, envolveu outras entidades, como a OXFAM, uma agencia católica da Europa que teve participação importante, principalmente no que se refere ao financiamento do encontro que foi realizado em outubro de 1985 e no qual, dentre as várias propostas, os seringueiros decidiram pela criação de uma entidade que tivesse representação em nível nacional capaz de viabilizar a preocupação maior dos seringueiros que era a definição de uma proposta ampla e alternativa capaz de garantir-lhes a posse da terra e, ao mesmo tempo a preservação da floresta Amazônica. Estava criado o conselho Nacional dos Seringueiros. Nas palavras de Chico Mendes, “descobrimos que para se garantir o futuro da Amazônia era necessário criar a figura da reserva extrativista como forma de preservar a Amazônia, mas como forma econômica, como proposta econômica ao mesmo tempo” (Grzybowski, 1989, p. 24). Vê-se, assim, que já estava presente nas idéias de Chico a noção de que a preservação da floresta deveria ocorrer concomitante à resolução do problema da posse e renda dos seringueiros. Esta idéia nuclear, ainda hoje está presente na concepção das reservas, constituindo-a, por assim dizer, em um projeto de reforma agrária amazônica41. No documento de diretrizes das RESEX (CNS, 1993) a especificidade da proposta é atribuída ao seu conteúdo de reforma agrária e de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, este modelo não só poderia se expandir por áreas específicas da Amazônia mas, sobretudo, e ainda segundo o documento, deveria se

constituir

em

alternativa

ao

modelo

de

desenvolvimento

predatório

fundamentado na grande propriedade, que comandou a expansão da fronteira agrícola na região.

41

Como referido, no início o movimento dos seringueiros era restrito à luta pela terra. A questão ambiental foi incorporada, principalmente, a partir do momento em que o ambientalista Adrian Cowell, que filmava um documentário sobre as queimadas na Amazônia em 1986, descobriu em Chico um aliado do movimento ecológico. Outra figura importante neste processo, foi a antropóloga Mary Allegretti, que junto com outros ambientalistas convidaram alguns membros da ONU a visitar Xapuri no inicio de 1987 (Nakashima, 1992).


94

Em linhas gerais, o modelo contemplou alguns pontos: Em primeiro plano, ao se pretender uma proposta de reforma agrária e desenvolvimento sustentável, visava se constituir em alternativa ao modelo de ocupação baseado na agropecuária e, em segundo lugar, ao inovar quanto á propriedade e manter a forma de uso da terra baseado no extrativismo representou uma alternativa ao modelo de colonização do INCRA.


95

4.3 A Forma de Acesso e o Uso da Terra A situação fundiária do Estado é caracterizada por uma elevada concentração fundiária, cujos fundamentos remontam ao processo inicial da ocupação. Com efeito, os determinantes desta situação devem ser buscados na estruturação da propriedade herdadas da economia da borracha. A ocupação originária do Acre, baseada no extrativismo, expandiu-se em termos de absorção das terras vizinhas e, nos casos de compra e venda, a negociação ocorria levando em conta o potencial produtivo do seringal. Esta lógica, associada ao processo produtivo extrativista, é que determina o caráter concentrador da estrutura fundiária na região. Entretanto,

a

partir

dos

anos

1970,

a

economia

orienta-se

fundamentalmente para implantação de pastagens em substituição à atividade extrativista da borracha. Esse novo processo, não só representou mudanças profundas nos processos produtivos como modificou fundamentalmente a forma de definir os limites das propriedades fundiárias. Os dados da tabela 4, que mostram os diferentes índices de concentração da terra para o Estado do Acre e o Brasil, em certa medida expressa esse conjunto de transformações aludidas. Todavia, o fato de que a pesquisa do IBGE para o censo, não se referir diretamente á propriedade, diz respeito mais ao uso da terra, certamente contribui para que o índice apresente resultados mais elevados à medida que se aumenta a atividade econômica no meio rural. Por conseguinte, não expressa fielmente o intenso processo de transferências de terras ocorrido.

Tabela 4 – Índice de Gini– Acre/Brasil – 1970-1995/96 Discriminação Acre Brasil

Anos 1970 1980 1995/96 0,619 0,693 0,723 0,844 0,857 0,857

Fonte: IBGE, Censos Agropecuários

Como se observa na tabela 4, enquanto no Brasil a concentração da terra manteve-se quase que constante, de 0,844 em 1970 passou para 0,857 no


96

período de 1995/96; no Acre, a intensa movimentação de vendas das terras, ocorrida no início da década de 1970, aponta para um crescimento no índice de concentração. Em 1970 o índice era de 0,619, passou para 0,693 em 1980 e, por fim, no período 1995/96 subiu para 0,723. aproximando-se do índice para o Brasil que no mesmo período era de 0,857. A tabela 5, reforça os processos descritos anteriormente e enfatiza a intensa mudança na estrutura de propriedade ocorrida. Com efeito, na década de 1970, a categoria mais expressiva era de “ocupantes” que totalizavam cerca de 45,8% do conjunto dos estabelecimentos e ocupavam uma área superior à metade da área total. Essa mesma categoria, em 1996, decresceu para 30,1% do total dos estabelecimentos, ocupando uma área equivalente a 17,6% do total. Já a categoria dos proprietários, que em 1970 possuíam apenas 17,6% do total de estabelecimentos e ocupavam uma área de apenas 13,3% do total, no ano de 1996 apresentavam um acréscimo expressivo de número de estabelecimentos, atingindo 69,4%, que por sua vez passaram a ocupar 81,2% da área total.

Tabela 5 – Distribuição percentual do número de estabelecimentos agropecuários e da sua área total – Acre – 1970-1995/96 Condição do Produtor Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total

1970 nº 17,60 36,40 0,20 45,80 100,00

Área 13,30 34,20 0,20 52,40 100,00

1980 nº 29,10 26,60 0,10 44,20 100,00

Área 37,10 36,60 0,10 26,20 100,00

1995/96 nº Área 69,40 81,20 0,40 0,70 0,20 0,60 30,10 17,60 100,00 100,00

Fonte: IBGE, Censos Agropecuários

Em meados da década de 1980, o quadro econômico e social do Acre já apontava para uma consolidação das estruturas definidas a partir da pecuarização e resistência a esse processo. Assim, a pecuária já se firmava e o processo de desmatamento, se mantinha em níveis aceitáveis, principalmente em decorrência do crescimento da consciência ecológica em todo o Estado, sobretudo, a consolidação das RESEX, maior conquista do movimento dos seringueiros e do


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movimento ecológico, que ganhavam amplos espaços em âmbito nacional e internacional. A tabela 6 mostra a situação das terras do Acre quanto a sua destinação. Antes de qualquer análise, todavia, convém esclarecer uma questão referente à área total do estado. Esta área aparece na tabela acrescida de 1.204.273 ha, pelo deslocamento da linha de fronteira estadual denominada de “Cunha Gomes”, fruto de decisão do STF, segundo informações do documento do recém criado Instituto de terras do Acre − ITERACRE. Se não consideremos a área proveniente deste deslocamento, a área total do Estado, considerando as informações do IBGE, é de 15.314.390 ha. Esta tabela mostra alguns aspectos importantes. Cerca de 51,92% da área total estão com destinação claramente definida, sendo que, excluídos os 10,20% que correspondem à área dos projetos de colonização do INCRA, restam 41,72 com % do estado, que podem ser consideradas áreas destinadas a projetos de concepção conservacionistas, tais como RESEX, UCs, terras indígenas e PAE. A área de 20,48% sem estudo de discriminação pelo INCRA, que é efetivamente um percentual elevado, representa um potencial que poderia vir a ser aproveitada para projetos de cunho conservacionistas. As áreas discriminadas pelo INCRA e as que se encontram ainda por serem discriminadas, o que corresponde a 48,08% da área do estado, em tese, representam o percentual de maior risco do ponto de vista da preservação ambiental. No primeiro caso, áreas em mãos de particulares, a degradação ambiental depende fundamentalmente da definição do uso da terra e outros fatores que se discute ao longo do trabalho. Todavia, os 3.383.088 ha (22,09%) de área não discriminada pelo INCRA indica uma grave situação, principalmente, ao se considerar a morosidade na definição dos processos em que os pretensos proprietários das áreas recorrem juridicamente contra o não - reconhecimento dos documentos apresentados. Estes casos, que levam anos para serem definidos, permitem, no ínterim, que os pretensos proprietários usufruam a área como se proprietários fossem.


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Tabela 6 - Destinação das Terras do Acre - 2000 Denominação 2.1 Projetos de Assentamento e Colonização 2.2 Projetos de Assentamento Agroextrativista – PAE 2.3 Reservas Extrativistas – RESEXs 2.4 Terras Indígenas 2.5 Florestas Nacional e Estadual 2.6 Unidades de Conservação de Proteção Integral 2.7 Terras Públicas ( áreas arrec. - INCRA n/ destinadas) Sub-Total 2.8 Áreas Discriminadas pelo INCRA 2.9 Áreas sem Estudo de Discriminação Sub-Total 2.10 Outras: áreas urbanas, militares, estaduais etc. Sub Total 2.11. Área de deslocamento da linha – C. Gomes/STF Sub-Total Total de Área do Estado

Quant. Área (ha) % do Estado 61 1.562.526 9,46 8 193.447 1,17 2 1.482.756 8,98 28 2.167.146 13,12 2 239.404 1,45 2 920.512 5,57 1.128.664 6,83 7.694.455 46,58 Várias 3.980.430 24,10 Várias 3.383.088 20,48 7.363.518 44,58 Várias 256.417 1,55 256.417 1,55 1.204.273 7,29 15.314.390 92,71 16.518.663 100,00

Fonte: INCRA, FUNAI, IBAMA,1999, Apud ACRE (2001, p. 6)

A situação exposta, referente à grilagem e outras práticas similares, além dos aspectos jurídico - formais, representa uma situação de extrema fragilidade no que diz respeito ao controle da degradação ambiental. Em recente trabalho sobre a prática de grilagem, denominado “Perfil dos proprietários/detentores de grandes imóveis rurais que não atenderam à notificação da portaria 558/99”, é composto um quadro geral mostrando a gravidade da situação. O documento analisa a situação do conjunto de proprietários ou detentores de a qualquer título de imóveis cadastrados com área igual ou superior a 10 mil hectares, que foram notificados a apresentar os documentos comprobatórios da propriedade dos imóveis, pela portaria 518/99, mas que não apresentaram documentos ao INCRA. Em decorrência, recai sobre esse conjunto de supostos proprietários a suspeição de irregularidades quanto a propriedade das áreas (Di Sabbato, 2001). Segundo o documento, a maioria dos estados da região norte possui elevados percentuais de áreas suspeitas de irregularidades, destacando-se o Estado do Acre. Conforme ainda o documento, no Acre existem 13.267 imóveis ocupando uma área de 5.244.582,8 há . Desse total 62 imóveis são suspeitos de


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grilagem, ou seja, 0,47% do total dos imóveis no Acre, que corresponde a uma área de 63,46% da área total cadastrada apresenta indícios de irregularidades (Di Sabbato, 2001). A tabela 7 mostra que existem cerca de 14.989 imóveis cadastrados no Sistema Nacional de Cadastro42 referentes ao ano de 1999, com uma área correspondente a 4.889.839 ha, ou seja, 32,04% da área total do estado. Os dados mostram que, considerando os imóveis acima de 1.000 como grandes propriedades, que estas totalizam cerca de 509 unidades, e que ocupam uma área de 3.851.846 ha, que corresponde a 79,57% da área cadastrada e a 25,24% do total do estado. Os dados provenientes do cadastro do INCRA devem ser observados com cautela devido a existência de sobreposição de áreas, situação em que o mesmo imóvel é cadastrado duas ou mais vezes em virtude da existência de vários títulos. Neste sentido, é fundamental extrair da área de 4.889.839 ha, a parte que apesar de cadastrada, não passou por processo discriminatório, em que o INCRA a partir de estudos e análises dos documentos define a área pública e a área particular. Este valor, no caso 1.037.993 ha, é significativo porque mesmo não sendo definida a propriedade dessa área os pretensos proprietários usufruem das mesmas, enquanto não ocorre a discriminatória. Em suma, o importante na perspectiva ambiental é a área não discriminada correspondente a 3.383.088 ha ou cerca de 22,17% do Estado. Esta área corresponde a um percentual elevado que, teoricamente, não se encontra sob a tutela do Estado e, portanto, representa um amplo espaço da floresta suscetível a um aproveitamento incorreto do ponto de vista da sustentabilidade.

42

Na maioria das vezes os dados provenientes do cadastro do INCRA apresentam pequenas divergências que, possivelmente, são decorrentes do caráter preliminar de alguns levantamentos. Isto, no entanto, não altera substancialmente as inferências dos dados.


100

Tabela 7– Estrutura fundiária por estratos, nº de imóveis e área das propriedades – Estado do Acre-1999 Estratos (ha) Quantidade % Área % até 50 5.220 34,83 151.228 3,09 50 - 100 8.094 54,00 590.476 12,08 100 - 500 1.013 6,76 179.936 3,68 500 – 1.000 153 1,02 116.353 2,38 1.000 – 5.000 312 2,08 738.034 15,09 5.000 – 10.000 114 0,76 773.781 15,82 10.000 e mais 83 0,55 2.340.031 47,85 Total 14.989 100 4.889.839 100 Fonte: Cadastro de imóveis do INCRA, 1999

.

∗∗∗ A forma de acesso a terra e o seu uso constituem dois pontos fundamentais que definem a existência das RESEX como uma efetiva alternativa ao modelo baseado na pecuária, sendo este o grande mérito da experiência das reservas, independentemente

de

se

constituírem

em

modelo

de

desenvolvimento

sustentável ou não. Esta experiência de não-demarcação de lotes, com a definição das áreas por “estradas de seringa”, é um requisito fundamental ao processo de trabalho extrativista. Em 1987, como resultado das pressões políticas da luta de Chico Mendes e seus companheiros, o INCRA fez uma primeira experiência de assentamento de seringueiros seguindo a proposta dos mesmos de não delimitar os lotes, como tradicionalmente se fazia nos projetos de colonização, mas estabelecendo a área total com a propriedade da União e usufruto dos seringueiros. Estes projetos, conforme tabela 8, foram denominados “Projetos de Assentamento Agroextrativista” (PAE), apesar de ainda constituírem uma área relativamente pequena para os padrões preservacionistas. Com relação a área


101

das reservas, os PAEs são importantes por representarem uma nova política de assentamento por parte do INCRA, mas também, por se constituírem em embrião das Reservas Extrativistas43. Os PAEs, inicialmente visam a regularizar a situação fundiária dos seringueiros e castanheiros, só que a partir do conceito de reforma agrária ecológica elaborado pelo INCRA. Neste caso, a regularização ocorre de forma coletiva, através da associação de moradores que se responsabiliza perante o INCRA pela gestão da área, a partir do Plano de Utilização que é elaborado pelos moradores com a participação de técnicos do INCRA. No plano de utilização, além de constar as normas gerais e compromissos da comunidade, é definido que os processos produtivos devem ser desenvolvidos sob os princípios da conservação dos recursos naturais (INCRA, 1997). Tabela 8 - Projetos De Assentamentos Agroextrativista: Localização, Área e População – Acre/2000 Nome PAE Canary Chico Mendes Limoeiro Remanso Riozinho Porto dias Porto Rico Santa Quitéria TOTAL

Localização Área (ha) Pop. Estimada Total de famílias Bujarí 8.053 126 21 Epitaciolândia 24.898 456 76 Bujarí 11.150 48 8 Capixaba 39.570 1.242 207 Sena Madureira 35.896 474 79 Acrelândia 22.142 606 101 Epitaciolândia 7.530 1.506 49 Brasiléia 44.205 1.506 251 193.444 5964 792

DEC./CRIAÇÃO Por.11/10-03-97 Por. 158/19-03-98 Por.11/19-03-98 por.472/04-06-87 Resol.39/20-10-89 Resol.40/20-10-89 Resol.43/11-07-91 Port.886/24-06-88

Fonte: IBAMA (s/d)

As primeiras duas Reservas Extrativistas brasileiras foram criadas no Estado do Acre. A primeira delas foi a de “Alto Juruá”, fundada em 23 de janeiro de 1990, localizada no município de Marechal Taumaturgo de Azevedo, com uma área de 538.492ha e uma população de aproximadamente 4.250 pessoas, enquanto que a outra reserva, denominada “Chico Mendes” está localizada no alto 43

Foram criados 4 PAEs no Acre, São Luiz do Remanso, em Rio Branco;Santa Quitéria, em Brasiléia; Macauã, em Sena Madureira e Cachoeira, mais tarde denominado Chico Mendes, em Xapuri.


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Acre, abrangendo parte de sete municípios do Estado do Acre. Atualmente estão em fase de implantação a RESEX do alto Tarauacá, com uma área estimada de 151.000 ha e 1.632 pessoas; a RESEX Riozinho da Liberdade com uma área de 400.000 ha e cerca de 4.800 pessoas e a RESEX Iracema do Cazumbar com uma área de 600.000 ha e cerca de 1.740 pessoas. A tabela 9 mostra os dados mais gerais das reservas do Acre e, principalmente, que estas possuem uma população estimada de 21.422 pessoas, o que representa 11,42% da população rural do Acre que segundo dados do IBGE está em torno de 187.541 pessoas. As reservas somam uma área de 2.070.494 que corresponde a 12,53% da área total do Estado. Apesar das reservas apresentarem um baixo índice de densidade demográfica, do ponto de vista da preservação ambiental, trata-se na verdade de um índice razoável levando-se em conta ser este o aspecto fundamental das mesmas.

Tabela 9 - Reservas Extrativistas do Acre: área, população e decreto de criação 1999 RESEX Chico Mendes Alto Juruá Alto Tarauacá∗ Riozinho da liberdade∗ Iracema do Cazumbar∗ Total

Pop. Estimada Total de famílias 9.000 1.465 4.250 665 1.632 272 4.800 800 1.740

290

21.422

3.492

Área (ha) 930.203 538.492 151.199 450.000

DECRETO/ CRIAÇÃO 99144 (12.03.90) 98.863 (23.01.90) S/n. (11.00) −

600

2.070.494

Fonte: IBAMA (1999, p. 12)

∗Estas Resex ainda estão em fase de implantação.

Obs: para o cálculo da população das três reservas usou-se a média de 6 pessoas por família.

Se for levado em conta que a preservação é um dos fatores fundamentais na base da concepção das RESEX, a tabela 10 atesta a importância das mesmas. O primeiro dado a ser considerado é que o índice de 9,27, que é a taxa de desflorestamento do estado do Acre é baixa vis a vis a taxa do estado vizinho de Rondônia, onde o processo de expansão da frente agropecuária ocorreu de forma distinta, sobretudo, pelo pequeno poder de reação e organização dos trabalhadores contra o desmatamento. Por outro lado, a taxa de desflorestamento


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da RESEX Chico Mendes em 0,66 e a de 1,01 da RESEX Alto Juruá mostra claramente que neste fundamento as RESEX efetivamente se constituem em unidades de caráter conservacionistas.

Tabela 10 - Índice de desmatamento: diversas unidades - 1999 Unidades RESEX Chico Mendes RESEX Alto Juruá Estado do Acre Estado de Rondônia

Área desmatada/Total Unidade - % 0,66 1,01 9,27 21,19

Fonte: IBAMA (1999a)

Ao verificar os dados sobre o desflorestamento, pela figura 3, vê-se que a maior parte da área desflorestada do Acre, cerca de 86%, está concentrada no Baixo e Alto Acre, parte sudeste do estado, exatamente onde estão localizadas a maioria das grandes fazendas, que se instalaram ao longo das rodovias e perto dos núcleos urbanos, os projetos de assentamentos dos colonos do INCRA e a maioria das estradas e municípios. Em decorrência, a maioria dos conflitos envolvendo a luta pela terra, ocorre exatamente neste espaço territorial. Não por acaso, também, é nesta área que se implanta a Reserva Extrativista Chico Mendes.


104 Figura 3 - Percentual de desflorestamento por regional do Acre - 1996

Fonte: ZEE/AC (2000, V. 2, p. 158)

Atualmente cerca de 9,7 do estado se encontra desflorestada, conforme mostra a evolução na figura 4. Verifica-se também que até 1978 o índice de 1,6 na verdade expressa que, a atividade produtiva que implicava em desmatamento como a pecuária e a pequena produção baseada em roçados, não correspondia ao intenso movimento de transferências de terras que transcorria desde o início da década e suas conseqüências como a política de colonização implementada pelo INCRA. Figura 4 - Percentual de área desflorestada por ano - ACRE-1978/1998

Atualmente a taxa média de desflorestamento no estado é

Fonte: ZEE/AC (2000, V.2, p. 155)


105

Na figura 5, tem –se a taxa percentual média anual e por períodos do desflorestamento no estado. A taxa média é de cerca de 0,35% por ano ou o equivalente a 53.000 hectares (ZEE/AC-2000,161). Percebe-se que a média é crescente ano a ano, sem todavia apresentar altas variações, com exceção do período 1994/95 que atingiu a média de 0,86%, possivelmente como resultado da elevação da atividade produtiva em decorrência da estabilização da moeda ocorrida no país.

Figura 5 - Taxa anual média de desflorestamento - Acre - 1978/1998

Fonte: ZEE/AC (2000, V. 2, p. 156) Após esta exposição é possível, então, extrair algumas conclusões de caráter geral. Em primeiro lugar e, tendo como ponto crucial o problema ambiental, - como conservar o ecossistema florestal ou, em segunda opção, como reduzir as taxas de desflorestamento -, o que se pode afirmar é que o processo de desmatamento, apesar dos esforços e êxitos alcançados, é uma ameaça constante.


106

As reservas, criadas inicialmente no contexto da luta pela terra, na medida em que passaram a fazer parte do movimento ambientalista internacional, constituíram-se em alternativa ao processo de devastação pelo qual passava a Amazônia no final da década de sessenta. Em segundo lugar, parece claro que as reservas definitivamente constituem uma proposta de cunho conservacionista, principalmente por se constituir uma política específica de acesso à terra. As reservas, além de utilizar os recursos naturais de forma sustentável, representam alternativa de mudanças na política de Unidade de Conservação no país, até então, baseadas na restrição absoluta ao uso das áreas (Reydon e Cavalcanti, 2002). Por fim, esta experiência aponta para a importância da definição e regularização do acesso e do uso da terra, como parte essencial do esforço de estancamento do processo de desmatamento da floresta Amazônica. Sem a regularização do uso e do mercado de terras, todo o esforço e os ganhos na área da preservação ambiental podem vir a ser comprometidos.


107

CAPÍTULO 5 – FORMAÇÃO E ASPECTOS GERAIS DAS RESEX 5.1 Introdução: A Formação das Reservas O primeiro encontro de seringueiros e extratores, realizado em Brasília no ano de 1985, sob a liderança de Chico Mendes, estabeleceu as bases para a criação das Reservas Extrativistas. Naquele momento, o núcleo central da proposta visava, sobretudo, a garantia da posse da terra. Por ocasião da consolidação da reserva, contudo, a proposta mais elaborada e mais densa, havia caminhado na direção da superação das relações vigentes

nos

antigos

seringais,

formatando

embrionariamente

um

novo

extrativismo e, por outro lado, incorporando de forma clara a idéia da preservação como elemento nuclear. Em linhas gerais, a reserva é resultado do movimento seringueiro que representava uma negação sob forma de resistência ao modelo que se tentou consolidar, a partir dos anos setenta, e que representava, na prática, a concepção geopolítica desenvolvimentista do governo militar brasileiro. Após 15 anos do evento de Brasília e a consolidação das reservas, algumas questões se impõem no âmbito da problemática ambiental, sobretudo as relacionadas ao desenvolvimento regional. Neste sentido, este trabalho, tal como já referido anteriormente, objetiva analisar se as reservas, tal como estruturadas, isto é, estabelecendo controle à ocupação e usos da terra podem ser considerados uma proposta de política de desenvolvimento sustentável. O que está na base desta questão é, na verdade e pelo menos de forma ampla, a discussão sobre a possibilidade ou não de compatibilizar crescimento econômico e preservação ambiental. O

entendimento

do

papel

das

reservas,

seja

amplamente

no

desenvolvimento regional, seja na perspectiva preservacionista, requer uma


108

análise da dinâmica econômica dos processos produtivos no interior das reservas, de forma que se possa esclarecer e discutir as condições de sustentabilidade. Dito de outra forma, o que se tentará a partir da análise da dinâmica econômica da reserva Chico Mendes é discutir o conjunto de questões que envolvem a viabilidade das Reservas Extrativistas como proposta baseada nos princípios da sustentabilidade. A

proposta

das

RESEX,

ganhou

densidade,

conforme

referido

anteriormente, a partir da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), em 1985, por ocasião do l Encontro de Seringueiros e Extratores, encontro este que objetivava tratar das questões relativas à categoria e organizar politicamente os seringueiros visando, sobretudo, através dos embates políticos, auferir ganhos para o conjunto dos seringueiros. Desse encontro nasceu o primeiro formato das RESEX, cuja base inicial visava garantir e legalizar a posse da terra e, a partir daí, estruturar um novo seringalismo, rompendo com pelo menos três pontos fundamentais que se constituíam a base do seringal tradicional, a saber, a regularização fundiária, o exclusivo da comercialização, e a obrigação do pagamento da renda para o antigo patrão, que chegava ás vezes a 30% da produção. A base da proposta, portanto, era a superação das relações vigentes nos antigos seringais, consolidando um novo extrativismo.44 No seringal tradicional, a teia de relações sociais e produtivas que permitiam a exploração dos seringueiros estava ancorada, principalmente, na forma de acesso a terra e no sistema de aviamento. A fundação dos seringais era um ato que exigia conhecimento ainda que superficial da região, na medida em que era necessário, antes de tudo, descobrir áreas abundantes em seringueiras para

estabelecer os primeiros abrigos e, ato contínuo, detectar o potencial

produtivo das áreas para então definir uma trajetória circular, que constituiriam as estradas de seringa. O movimento da fixação humana, no caso a fundação do seringal, era definido pela abundância das árvores gumíferas (Reis, 1953). 44

Convém deixar claro, desde logo, que estamos nos referindo a mudanças na estruturação social do extrativismo. Isto porque, do ponto de vista do processo de trabalho as mudanças são mínimas, notadamente na incorporação de inovações tecnológicas.


109

Segundo ainda Reis, “acontecia, muitas vezes, que, em meio à exploração de um seringal, descobriam-se, em rio próximo, novas áreas gomiferas. Verificava-se, então, verdadeira “corrida”, com o deslocamento de seringueiros que iam proceder à localização, abrir o seringal, ampliando o campo de operação” (Reis, 1953, p. 83). A operação de legalização não só era complicada, como extremamente morosa, o que não alterava o ritmo produtivo, até porque, como já se viu anteriormente, importava a incidência das arvores em detrimento da extensão. De qualquer maneira, convém ressaltar que o espraiamento das árvores que, segundo Reis, não contabilizavam mais de dez por hectare, resultou em empecilho natural para a viabilidade da pequena exploração, sendo a grande propriedade a marca do sistema produtivo fundado no extrativismo da borracha. Na sede do seringal, conhecida como barracão, concentrava-se a moradia do seringalista e todo o aparato de sustentação e controle das atividades das colocações. Era nesta área que se localizavam o armazém com os produtos destinados ao provimento dos seringueiros e os instrumentos necessários para a efetivação das atividades como comboio de burros, que levavam as mercadorias e traziam as borrachas e castanhas das colocações. Outro elemento característico deste sistema produtivo era a exclusividade da extração do látex. Os seringueiros, por proibição dos patrões, não se dedicavam à exploração de nenhuma outra atividade que não o extrativismo da borracha; quando muito, fosse permitido ou não, plantavam um pequeno roçado, o que lhes garantia uma pequena parcela de produtos para consumo interno. Com isto, os seringalistas garantiam uma maior produção, pela maior dedicação do tempo à produção, como também pela garantia de um mercado para venda de produtos de consumo para

subsistência dos seringueiros. A hegemonia do

barracão era consolidada com a proibição da venda da borracha produzida a outros seringalistas e, também, a cobrança de uma taxa sobre o total da produção. Certamente são esses os elementos fundamentais que, articulados, consolidaram a economia da borracha no Acre e possibilitaram sua reprodução por mais de um século. Assim, é através da análise do seringal tradicional e dos


110

seus elementos, principalmente o ponto enfocado na luta política dos seringueiros, que se torna possível entender o novo extrativismo, notadamente naquilo que seriam os seus pontos de avanço e ruptura com o velho seringalismo. Parte substancial da controvérsia sobre o papel e importância da economia do extrativismo da borracha resulta, no nosso ponto de vista, do fato de se relevar esta trajetória. Se considerarmos como ponto de partida a posse da terra, não é difícil vislumbrar porque este fator assumiu papel fundamental na luta política dos seringueiros. Num primeiro momento, o conflito ocorria claramente pelo confronto que tinha, de um lado, os

antigos donos da terra - no caso os seringueiros

tornados “autônomos” como se viu anteriormente -, lutando para permanecer na terra e também por condições de trabalho e, de outro lado, os novos proprietários, cuja lógica de ocupação implicava na terra desocupada, seja para fins produtivos através da implantação da pecuária, seja para fins especulativos. Nos dois casos, é imperioso ressaltar, a área limpa, desmatada e sem ocupantes era fundamental. A regularização fundiária, portanto, foi a pedra de toque para o estabelecimento das relações de produção de todos atores presentes na vida social dos anos setenta na região acreana, resultando deste fato sua incorporação como elemento nuclear, pelo menos num momento inicial da luta política dos seringueiros. Não é por acaso que esta idéia presente na proposta se encontra em diversos documentos e estudos sobre o extrativismo e que, ainda hoje, é responsável pela percepção das RESEX como uma proposta de reforma agrária dos seringueiros. A continuação da luta política no sentido de garantir a posse da terra e as condições de trabalho, direcionou naturalmente o movimento no sentido de incorporar a questão ambiental. Já se fez referência anteriormente à lógica dos empates. Sem a floresta e, em especial, sem as seringueiras, não há possibilidade da existência do extrativismo da borracha. A terra e a floresta, no processo produtivo dos seringais, são indissociáveis, e os seringueiros tinham perfeita noção desta especificidade, decorrendo deste fato que sua luta, através dos


111

empates, trazia embutida a dimensão ecológica do esforço da manutenção da floresta “em pé”. Nas palavras de José Maria B. Aquino, secretário do Conselho Nacional dos Seringueiros, tem-se um resumo da situação das RESEX: “hoje uma boa parte dos seringueiros tem suas terras regularizadas, que são as reservas, tem parcialmente a questão da borracha resolvida, com algumas usinas em funcionamento, temos também o apoio do governo que está dando o subsídio da borracha em 0,40 por quilo. A luta agora é para criar mais Reservas Extrativistas e pela viabilidade das que existem”. Na sua concepção, dos três objetivos gerais que motivaram a criação das RESEX, os que visam resolver a questão fundiária, preservar a natureza e aumentar a renda dos seringueiros devem ser alcançados em conjunto, sob pena de a reserva perder o seu sentido. Aquino reconhece, também, que no atual estágio, a questão econômica é a mais difícil, daí o esforço no sentido de explorar todo o potencial das reservas, e não apenas a borracha e a castanha, que foram tradicionalmente explorados pelos seringueiros. A formatação do modelo RESEX seguiu, portanto, a lógica da produção e reprodução do tipo de vida dos habitantes da floresta. A primeira ruptura deu-se com as formas de produção do seringal tradicional em suas diversas dimensões, sintetizadas nos três elementos nucleares já referidos, que constituíam a base dos seringais. Isto não implica que estas rupturas tenham ocorrido de forma abrupta. Pelo contrário, estas mudanças ocorreram em ritmos diferenciados, conformando um quadro em que permanecem velhas estruturas coexistindo com uma nova realidade. Na verdade, melhor seria dizer que essas mudanças estão em pleno processo de consolidação, aonde o velho e o novo, dialeticamente, vão tecendo novos processos e reinventando novas realidades. A criação da primeira reserva extrativista, a do Alto Juruá, foi fruto das reivindicações das populações extrativistas que ocupavam as áreas que hoje conformam a reserva e que eram formadas por antigos seringais. Em 1987, seus moradores, de forma organizada e com o apoio do CNS, reivindicavam a garantia da posse da terra e , sobretudo, o não pagamento das taxas de utilização das terras, cobrada pelos antigos proprietários dos seringais. A partir da criação da


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reserva, toda a área passou para o domínio da União e os moradores das terras passaram a explorá-las como se fossem os verdadeiros donos pelo princípio da “concessão de uso coletiva” (UINC, 1995) o que, de forma prática, solucionou o problema da posse da terra para os extratores moradores da reserva. A atividade econômica predominante é o extrativismo da borracha que, segundo dados cadastrais (UINC, 1995, p. 61) na RESEX do Alto Juruá, é atividade exercida por cerca de 65% das famílias, enquanto a maioria, cerca de 90%, também possui roçados com mandioca, milho e outros produtos destinados sobretudo, para o autoconsumo. Já a RESEX Chico Mendes, não só é maior, como mais populosa e apresenta diferenciações tanto do ponto de vista econômico, no que se refere aos processos produtivos e produtos, quanto em relação aos aspectos sociais. Isto, em parte, é explicado pela localização das duas reservas com relação aos mercados consumidores. Enquanto a Reserva Chico Mendes encontra-se mais próxima das sedes municipais e, portanto, dos mercados, e conta com uma melhor infra-estrutura, facilitando o transporte das mercadorias, na reserva do Alto Juruá, a infra-estrutura é praticamente inexistente, sendo que o acesso às colocações é difícil e incerto e está reduzido a precários caminhos abertos no meio da floresta denominados “varadouros”45. A partir do Município de Cruzeiro do Sul, através do rio Juruá a viajem de barco pode durar de três a quatro dias, enquanto que nos barcos tipo “voadeira”46 dura cerca de 24 horas. Possivelmente, em decorrência dessas diferenças, o próprio processo de dissolução do “seringalismo” tradicional tenha ocorrido de forma e em ritmos diferenciados nas duas áreas. No vale do Acre, com a crise da borracha, criou-se a figura do “seringueiro autônomo” no sentido de posseiro da colocação, mas sem patrão e sendo abastecido pelos marreteiros e regatões que substituíam os patrões nestes afazeres. Já no vale do Juruá, os seringais, mesmo em crise, não

45

Os varadouros, espécie de picadas abertas no meio da floresta, permitem o acesso de uma árvore à outra ou mesmo entre colocações,constituindo-se assim em verdadeiras estradas dos seringueiros. 46 Denomina-se voadeira um bote com motor potente em torno de 25 a 40 hp.


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sofreram grandes mudanças. Ali o seringueiro, continuava “aviado”47 pelo dono do seringal ou arrendatário, tendo com isso suas obrigações quanto ao pagamento da renda pela utilização da terra e quanto à compra no barracão e venda de sua produção para o seringalista. Um dado que é fundamental em todos os aspectos da reserva, seja econômico ou sócio-cultural, é o nível de organização e participação dos seus componentes . Para se ter uma idéia, alguns dados mostram um pouco do avanço em termos de organização comunitária. Em 1999, a reserva, dispunha de 3 associações, com cerca de 1520 famílias ou 86% do total das famílias participantes das associações que, em última instância, são os co-gestores da reserva48. Isto é particularmente relevante, principalmente se levarmos em conta as grandes distâncias que separam as diversas unidades produtivas. Por outro lado, este avanço é vital para a existência das reservas, haja vista a estruturação formal que exige a participação geral, como é o caso da elaboração do plano de utilização, que trata do planejamento das atividades produtivas em consonância com a conservação e o plano operativo anual, este último um instrumento de planejamento no qual são estabelecidas as atividades anuais a serem executadas através de convênios com as associações. São eles que estabelecem os compromissos assumidos pelo conjunto dos produtores de forma que, na ocorrência de financiamentos, estes são estabelecidos com as associações em nome do conjunto de produtores que participam do evento. É claro que esses processos formais, apresentam um grau elevado de dificuldades, o que é superado em grande parte pelo entendimento, cada vez maior, de que os seringueiros estão construindo algo que lhes pertence.

47

Este termo, muito usado nos seringais, é derivado da expressão “aviamento”, que tem o sentido de prover, abastecer de alimentos, peças de vestuário e instrumentos de trabalho. 48 Os embates políticos de décadas passadas e a experiência das lideranças dos sindicatos resultam num dado positivo facilitando uma ampliação da participação, o que se traduz em êxitos na área de saúde e educação. No ano de 1999, por exemplo, a reserva Chico Mendes já tinha conseguido a implantação de 42 escolas e 27 postos de saúde.


114

5.2 A Produção Familiar Extrativista A atividade extrativista da seringa resultou, ao longo dos tempos, em pouco ou quase nenhum dano à natureza. Isto possivelmente ocorreu em função das determinações impostas pela própria coleta do látex. Enquanto nas outras atividades, pelo menos historicamente, os processos produtivos gradativamente subordinaram a natureza, no caso dos seringais a elevação da produção ocorria a partir do aumento de árvores a serem “cortadas”, o que implicava o aumento do número de madeiras na estrada ou o número de colocações, pelas incorporações de novas áreas. Com o decorrer do tempo, os seringueiros aprenderam que a seringueira necessita de pelo menos um dia de “descanso”. Daí estabelecer-se que o número mínimo de estradas por colocação seria em número de duas, de maneira que, enquanto se efetuava o corte em uma estrada, a outra “descansava”. Por essa razão, o aumento da produção sempre ocorreu pela incorporação de novas terras configurando a extensividade como resultante da natureza do processo de trabalho de extração da seringa. Até então, a incorporação de tecnologia ao processo produtivo tem ficado restrito à ponta da cadeia produtiva, ou seja, ao momento pós-extração, principalmente no que se refere ao processo de “defumação”, cujos resultados para a saúde dos seringueiros é extremamente danoso, principalmente para a visão e o sistema respiratório. Experiências recentes, realizadas pelo prof. Paulo Kageyama, tratam da elevação da produtividade através do aumento do número de árvores no mesmo espaço que corresponde às estradas de seringa. Esse projeto denominado “Ilhas de Alta Produtividade”, tem no adensamento a perspectiva do aumento da produção e também da melhoria das condições de trabalho dos seringueiros. Esta idéia, a princípio tão simples, na verdade requer um cálculo preciso quanto à distância mínima entre duas seringueiras, de sorte que não ocorra a propagação


115

do “mal das folhas”, como é conhecida a praga Microcyclus ulei49, que é evitado naturalmente pela própria dispersão das árvores no interior da floresta. Essa forma de adensamento tem-se mostrado, na prática, eficaz e representa um avanço tecnológico, não só para o aumento da produtividade mas, sobretudo, para a diminuição das distâncias percorridas pelos extratores. Outro aspecto preservacionista na economia da borracha é que, os “varadouros” não implicam desmatamentos, causam um dano irrelevante à natureza, e devem ser limpos periodicamente, pelo menos uma vez ao ano, sob pena de a própria floresta, em seu processo natural de regeneração, fechá-los, impedindo as comunicações. Mesmo a agricultura tradicional, quando exercida pelos seringueiros, pouco tem contribuído para o desmatamento da floresta. Isto se deve, em parte, ao fato de esta atividade historicamente assumir um caráter complementar. No início dos seringais havia uma proibição, por parte dos “patrões” quanto ao estabelecimento de roçados o que, todavia, não impediu que muitos dos seringueiros os mantivessem, sendo que esta atividade se desenvolvia ao sabor da flutuação dos preços da borracha. Quando em crise, desempenhavam um papel estratégico para os “patrões” por garantir a permanência dos seringueiros em suas colocações50,. Esta situação, quanto ao desenvolvimento da pequena produção agrícola de alimentos nas RESEX, encontra-se um pouco modificada. Em primeiro lugar, porque passou a assumir realmente um papel de complementação da renda, estando presente na quase totalidade das colocações, até porque continua sendo um refúgio seguro às situações de crise, muito presente na atividade extrativista. E, em segundo lugar, porque com a ampliação da infra-estrutura com a abertura ainda que modesta, de estradas e ramais, e a conseqüente facilidade do transporte e escoamento da produção, em função da proximidade dos núcleos 49

O denominado “mal das folhas” é uma praga que ataca, como bem diz seu nome, as folhas das seringueiras, impedindo o seu desenvolvimento natural. Ocorre com muita freqüência, mas não se propaga com facilidade em virtude das distancias e da própria densidade da floresta. 50 O roçado era proibido para que o seringueiro dedicasse seu tempo exclusivamente ao corte da seringa, e também, não concorrer com a venda dos produtos alimentícios por parte dos


116

urbanos, a agricultura vai gradativamente deixando de ser um fator de subsistência para se constituir em opção de renda monetária. O problema, todavia, reside em um pequeno conjunto de unidades produtivas cuja estrutura de renda é fortemente marcada pelos custos de produção, notadamente a força de trabalho familiar, e que apresentam um elevado índice da autoconsumo. Dado esse perfil, esse expressivo grupo de produtores baseia sua subsistência na lavoura, o que resulta em desmate e queimadas para a formação de roçados. Além disso, e muito mais grave, é a atitude desses produtores face aos roçados exauridos. Em vez de abandonarem a terra para a formação de capoeiras, freqüentemente plantam capim e transformam a área em pasto visando à criação de gado. O novo roçado, imprescindível para esse conjunto de produtores, é feito em nova área o que implica em ampliação da área de desmate . Um dado fundamental para o entendimento da dinâmica da economia extrativista é perceber a estrutura produtiva de um seringal. A unidade produtiva de um seringal ou, atualmente, de uma reserva, é a “colocação”, onde se organiza o sistema de produção. Assim, para se entender como vive a população de um seringal, o mais adequado parece ser uma análise dos dados referentes a estas unidades produtivas, como é o caso do

seringal “Filipinas”, localizado no

município de Xapuri. Este seringal possui uma área estimada em 26.900 ha, com 16 colocações e um total de 110 estradas, o que significa que tem uma média de 6,8 estradas por colocação. A colocação que possui a maior quantidade de estradas as tem em número de 14, enquanto as menores possuem apenas 4. A área média de uma estrada, segundo técnicos do IBAMA conhecedores da região, gira em torno de 100 a 150 ha. Estes dados podem ser melhor compreendidos analisando-se o caso especifico de uma unidade produtiva (colocação) do seringal Porto Rico, localizado no km 37 da chamada “Estrada Velha”, ligando os municípios de Epitaciolândia a Xapuri. Neste seringal, o produtor tem uma colocação com três

seringalistas. Assim, os patrões através do sistema de aviamento abasteciam os seringueiros e auferiam lucros através das vendas.


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estradas, cada uma delas com uma média de 160 árvores de seringa, que produz 20 litros de látex ou 12 quilos de borracha em cada de dia de trabalho. No caso da castanha, essas estradas têm mais ou menos 300 árvores de castanheira o que permite a coleta média em torno de 250 latas por safra. A produção em termos de borracha, portanto, pode oscilar entre 10 e 30 quilos por seringueiro, dependendo do número de madeiras que possui a estrada ou ainda da produtividade da árvore. O seringueiro inicia sua jornada de trabalho por volta das três ou quatro horas da manhã, para aproveitar o período em que a arvore é mais produtiva, de forma que, por volta de meio dia, percorreu e efetuou o corte em todas as árvores de sua estrada. Como as estradas têm uma forma circular, no final do corte ele terá voltado ao seu ponto de partida. Após o almoço, reinicia a caminhada para efetuar a coleta, concluindo esta parte da tarefa ao entardecer. Neste momento terá caminhado por volta de 10 a 20 km, ou até mais, dependendo do tamanho da estrada, segundo estimativas efetuadas por técnicos conhecedores das áreas de seringa. Sua jornada de trabalho, antigamente seria concluída à noite com o processo de defumação do látex coletado. Hoje esse método é praticamente inexistente. Os seringueiros, ao retornar da coleta, coagulam o látex e, de três em três dias, passam-no na calandra, para extrair a água, tendo como resultado, ao invés das antigas pélas de borracha, o que se convencionou denominar “placa bruta” ou “pranchas”. Esse método predomina em todo o vale do Acre, principalmente em função da existência de duas usinas, uma em Xapuri e outra em Sena Madureira, que beneficiam as placas para então encaminhá-las às usinas do sul do país. A extinção do processo de defumação começou nos anos oitenta, a partir do desenvolvimento, por parte da SUDHEVEA, do processo das “folhas fumadas”. Este processo simplificou bastante a etapa final de trabalho do seringueiro eliminando o processo de defumação. Ele consistia, basicamente, em coagular o látex, para transformá-lo em lâminas, passando-o várias vezes na calandra, para pendurar estas laminas em uma sala e, então, defumá-las. Chamavam-se “miniusinas” os locais onde se concentravam as máquinas e estavam preparadas para esta tarefa, de um modo geral localizadas em locais previamente escolhidos para


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atender o máximo de pessoas. A desarticulação e falta de organização das vendas em conjunto por parte

dos seringueiros, resultou em descrédito da

experiência, apesar deste produto ter um preço maior no mercado. Segundo Costa Filho (1995), um caminhão que transportasse as folhas fumadas para São Paulo completava a carga com 10 toneladas, o que era equivalente à produção de dez mini-usinas. O problema estava em articular esses 10 seringueiros, em geral dispersos pela floresta, para completar a carga. Hoje a situação é bastante diferente, principalmente em função da existência das cooperativas e do alto grau de organização existente entre os seringueiros. Apesar do ocorrido é necessário assinalar que esta inovação tecnológica não deve ser descartada, tanto pela facilidade face ao processo anterior quanto pelo incremento de qualidade e agregação de valor que pode chegar a 100%. A questão

conforme

exposta

diz

respeito

muito

mais

ao

processo

de

comercialização do que a outros problemas na esfera da produção. A mais recente das inovações tecnológicas nesta etapa do processamento da borracha chama-se “Folha Defumada Líquida” (FDL). Este processo foi desenvolvido pela UNB, a partir de uma solicitação do IBAMA. O projeto de desenvolvimento da folha líquida envolveu inicialmente cerca de 50 famílias da reserva alto Juruá selecionadas para participar da experiência. Segundo o coordenador do CNPT/IBAMA em Rio Branco, Josemar Caminha, se houvesse recursos e garantia da comercialização de toda a produção na atualidade, as cerca de 700 famílias do Juruá estariam produzindo a FDL. Para o projeto piloto foi conseguido o preço de 2,40 reais o quilo, exatamente 100% superior a placa bruta que é 1,20. Este preço só é possível em virtude da FDL se constituir em um produto acabado, que pode ir para a indústria sem precisar passar por nenhum outro processo. Na verdade, trata-se da antiga folha fumada, só que a coagulação não é feita com o ácido acético e sim com o ácido piro-lenhoso. Após a coagulação, a lâmina é pendurada para secar em local protegido de sujeiras, principalmente poeira, e quando termina a secagem a lâmina fica escura, como a péla defumada, só que mantendo inalteradas todas as propriedades da borracha. É importante ressaltar que, neste processo, não é necessário passar por


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processamento de usinagem, nem tampouco por calandragem. O problema maior, por enquanto, é os custos elevados para a implantação do sistema, que envolve um nível de investimento inicial muito alto para os padrões de renda dos seringueiros. Segundo ainda Josemar Caminha, os extrativistas que estão trabalhando com a FDL não querem mais sequer fazer roçado, tal o entusiasmo com que participam da produção da FDL. Se existe avanço do ponto de vista tecnológico, velhos problemas clamam por sua resolução. Atualmente existem estocados em Cruzeiro do Sul cerca de 18 toneladas de borracha e o IBAMA está tentando viabilizar a sua comercialização. Segundo o técnico do IBAMA, caso o governo não participe diretamente no processo de viabilização da venda, a experiência tende a não dar certo, apesar de cerca de trinta famílias, de fora do projeto e por conta própria, terem adquirido o kit para trabalhar com FDL. Isto é resultado do sucesso da experiência que chega a render cerca de 100 reais mensais, valor este considerado razoável para a comunidade. É isto que gerou, na opinião do técnico, uma expectativa positiva, daí que muitas famílias por conta própria tenham aderido ao negócio. A este respeito vale ressaltar a opinião do coordenador do CNPT Josemar. Diz ele: “na minha opinião de técnico, que acompanho estas comunidades há muito tempo, posso garantir que se essas famílias tivessem uma renda mensal de 120 reais garantida todo mês, o governo não precisaria se preocupar com muitos problemas atuais, inclusive a fiscalização. Na nossa opinião, as famílias mais desassistidas, que passam por problemas, são aquelas que partem para tirar madeira e vender e partem para a caça com fins lucrativos. Os que tem a garantia de uma renda mínima não estão preocupados em desmatar”. Pela figura 6, pode-se ter uma visão mais realista da conformação de um seringal, com suas colocações e estradas. O seringal de um modo geral, era composto de uma área administrativa - a sua sede - localizada às margens de um rio, com um prédio principal denominado de barracão, que se dividia entre a residência do dono do seringal e um armazém de mercadorias, com um caixeiro que atendia no balcão. Neste local eram vendidas mercadorias mais especificas, tais como perfume, tecidos, remédios e outras do gênero. Além disso, “nas


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margens”, denominação genérica da sede em contraposição ao “centro”, ainda se localizavam as residências de trabalhadores que serviam ao funcionamento da administração. Distantes das margens, se encontravam então, as colocações com suas respectivas estradas de seringas. A ligação entre as diversas colocações e estas com o barracão ocorria através de caminhos e picadas abertas no meio da mata denominados de varadouros.

Figura 6 - Mapa de um seringal Nativo

Fonte: Rancy (1986, p. 94)


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O que se percebe atualmente é que a autonomia dos seringueiros, como resultado de sua luta política, não foi acompanhada pela estruturação de uma nova base produtiva. É bem verdade que se trata de um processo em pleno momento de construção dentro do qual nem no velho seringal, as suas práticas anacrônicas foram totalmente rompidas, nem o novo extrativismo está plenamente consolidado. Um dos fatores preponderantes desta situação é o transporte que não está devidamente solucionado, apesar de as reservas hoje disporem de animais, carros e barcos para transportar os produtos e até mesmo pessoas doentes. Um dos problemas mais sérios detectados na pesquisa, é o processo de comercialização e a pequena participação do governo nesta atividade. Ao analisar esta questão, o que chama a atenção de imediato é uma espécie de “vazio” decorrente das transformações recentes. Deixando de lado as avaliações críticas do ponto de vista social e econômico, o fato relevante é que estes seringais possuíam uma estrutura que funcionava. Os seringueiros produziam e recebiam em suas próprias colocações os produtos de que necessitavam tanto para sua sobrevivência, no caso de gêneros alimentícios, quanto no que diz respeito aos instrumentos de trabalho. Para que isso ocorresse os seringais tinham uma estrutura, que incluía um plantel de burros e outros componentes que viabilizavam a entrega desses produtos, bem como efetivavam o escoamento da produção. O conhecido “sistema de aviamento”, apesar de ser um mecanismo de extração de lucro, era também um eficiente mecanismo que punha em funcionamento a economia da borracha. Assim, a comercialização da produção. com a desativação dos seringais, e também do antigo aviamento, passou a ser feito por um novo personagem na economia extrativista. Com efeito, o “marreteiro”, que a bem da verdade sempre existiu, porém com uma atuação quase inexpressiva, passou a ser o principal agente da comercialização, tanto na compra da produção quanto na venda dos produtos necessários a vida dos seringueiros, ganhando duplamente, como anteriormente ganhavam os antigos patrões: compra mais barata a produção do


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que os preços de mercado e vendem mais caros seus produtos do que os preços praticados nos núcleos urbanos. Em 1991, Costa Filho (1995) detectou esse problema e vislumbrou que a solução, em pleno processo de consolidação, era a criação de cooperativas. Segundo o autor, naquele momento havia reservas em que a ação dos marreteiros atingia 90% da comercialização enquanto que, em alguns seringais como era o caso do seringal “Cachoeira”, hoje denominado “PAE Chico Mendes”, os marreteiros tinham seu campo de ação reduzido em função da presença da cooperativa dos seringueiros, o que na prática representava um ganho na renda dos associados. Transcorrida uma década, a situação, apesar de apresentar uma melhoria significativa em termos gerais, tais como a consolidação da Cooperativa de Xapuri (Caex) e a criação de uma nova cooperativa em Brasiléia (Copaeb), ainda é crítica apresentando muitos problemas. Segundo a avaliação do secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Sr. Dionísio Barbosa, a cooperativa foi criada para melhorar a situação econômica do seringueiro. O marreteiro ou o regatão, que também eram “aviados” visava o lucro e, portanto, não estavam preocupados se o seringueiro ia ter prejuízo ou não. Era esta a principal diferença entre a ação da cooperativa e a dos marreteiros. Na atualidade, o problema da cooperativa é que ela não consegue alcançar os 100% da população rural. Isto, segundo o Sr. Dionísio, é decorrência da falta de um esforço para ampliar o número de associados e de uma discussão política na base. O seringueiro se nega a pagar sua cota-parte na cooperativa pois, segundo ainda o sr. Dionísio“ o que passa na cabeça deles é que os dirigentes vão pegar aquele dinheiro e gastar de forma desorganizada. Acha que o dinheiro vai servir para alguém se beneficiar”. Este argumento do líder sindical parece razoável, principalmente se olharmos a história dos seringueiros, recheadas de casos em que estes foram enganados. O fato é que a cooperativa lida com muitas dificuldades para atingir um número amplo de associados. A cooperativa tem cerca de 300 associados sendo que deste total cerca de 60% são das reservas.


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Ainda segundo o entrevistado, a RESEX Chico Mendes, apresenta dois sérios problemas. O primeiro é a aquisição de novos hábitos e valores como decorrência da proximidade dos núcleos urbanos com a reserva. Os seringueiros estão ficando velhos e os filhos, que acompanhavam o pai e aprendiam o oficio ainda criança, agora, por influência das cidades, demonstram interesses por outras coisas e novos valores. Cita, como ilustração, seu próprio exemplo, que começou a cortar seringa ainda criança, quando isto era normal entre as famílias de seringueiros. Já seus filhos e os de outros seringueiros não estão interessados nem foram incentivados para a produção da borracha e procuram melhorar sua vida indo a busca de empregos na cidade. Outra ameaça às RESEX é o crescimento da pecuária no interior dos seringais; muitos seringueiros deixaram de produzir borracha para se dedicar à agricultura e à pecuária. Há cerca de 10 anos, os regatões e marreteiros deslocavam-se à área rural para comprar borracha e castanha, o que assegurava ao seringueiro não só a venda do produto como o seu próprio abastecimento. Hoje, segundo o Sr. Dionísio, e como sinal das mudanças, “o que se vê em qualquer seringal é um cara com um animal, com um laço na garupa do burro, comprando bezerro. Na hora que o bezerro nasce, ele já pode vender por duzentos reais. Então chega um momento em que você vai entrando para a pecuária”. O que o entrevistado está constatando de uma forma muito simples, é a força econômica da pecuária. Se com a venda de um bezerro, na porta da sua colocação, o seringueiro consegue mais do que um salário mínimo é possível então apreender a seriedade da questão por ele levantada, até porque poucos são os produtores que conseguem uma renda mensal em torno de um salário mínimo mensal.


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CAPÍTULO 6: A DINÂMICA ECONÔMICA DA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES

6.1 O Modelo Metodológico51 Neste item analisam-se os dados econômicos, das atividades produtivas da RESEX Chico Mendes, visando a entender a dinâmica econômica dos processos produtivos do conjunto das RESEX, sobretudo em termos de trajetória e perspectivas. A pretensão é, a partir do aprofundamento da análise em uma reserva especifica, no caso a Reserva Chico Mendes, tentar compreender os elementos determinantes e fundamentais dos processos produtivos da mesma, para então extrapolar, no que for possível para o conjunto das reservas. Para esta análise, utilizou-se como principal fonte o banco de dados provenientes da pesquisa de campo do Departamento de Economia da Universidade Federal do Acre, denominada de “Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural no Vale do Acre”52 (ASPF), cuja pesquisa foi realizada de maio de 1996 a abril de 1997, e se refere ao ano agrícola de 1996. O banco de dados é o resultado do desenvolvimento desse projeto de pesquisa, que foi elaborado por uma equipe de professores, visando a servir de base para as diversas pesquisas e estudos por parte dos alunos e docentes interessados nesta linha de pesquisa. A pesquisa constou da aplicação de questionários objetivando coletar dados sobre os sistemas de produção extrativistas, agroflorestais e a pequena produção agrícola de forma a possibilitar análises econômicas dos três sistemas de produção familiar no vale do Acre, hoje denominado de Alto e Baixo Acre, segundo a nova divisão político - administrativa. 51

Esta parte do trabalho, a exposição da metodologia, é toda baseada no projeto ASPF. A metodologia foi elaborada sob a coordenação do Prof. José Fernandes do Rêgo e pode ser melhor visualizada no documento Rêgo (1996). Doravante, para simplificar, ao fazer referencia à pesquisa usaremos a sigla ASPF. As informações podem ser acessadas no site www.ufac.br/aspf.index.htm 52


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Para o presente trabalho, a área escolhida foi a Reserva Extrativista Chico Mendes que possui uma área de 976.570 ha. Está localizada no Estado do Acre e abrange parte dos municípios de Xapuri, Brasiléia, Sena Madureira, Capixaba, Assis Brasil e Senador Guiomard. A pesquisa de campo foi realizada nos anos de 1996/97 e a amostra consta de 68 questionários, que representam 6,2% das 1.097 unidades então existentes na RESEX Chico Mendes. A amostra foi definida a partir de uma estratificação inicial, com base no volume de produção, acesso a mercados, uso de tecnologias e nível de associativismo. Após a definição dos três estratos - baixo, médio e alto desenvolvimento, foram efetuados agrupamentos por conglomeração, para então, através de sorteio, definirem-se os agrupamentos dentro dos estratos. Por fim, foram sorteados dentro de cada conglomerado 10% das unidades, o que representou ao final do processo uma amostra representativa da população53. A estrutura do modelo conceitual do projeto ASPF é centrada na idéia de sistema entendido como um conjunto de elementos articulados entre si através de processos relacionais de forma a se constituírem em um conjunto organizado com um objetivo específico. No caso considerado, o sistema de produção extrativista, trata-se de apreender os elementos fundamentais presentes na consolidação de um processo produtivo através do qual o sistema utiliza e combina diversos fatores de produção (elementos de entrada) para produzir bens e serviços (elementos de saída). A partir destas considerações a avaliação econômica, portanto, deve considerar o dimensionamento dos diversos componentes do processo produtivo, a forma de organização social da produção e uma avaliação ex-post dos resultados.

Nesta

perspectiva,

considera-se

uma

unidade

de

produção

exatamente a expressão do conjunto articulado do processo técnico material, a forma de organização da produção e a gestão desse processo. Assim o sistema de produção deve representar uma combinação coerente de linhas de exploração, a relação entre os diferentes fatores de produção e as linhas individuais de exploração (Barros & Estácio, 1972). 53

Estamos considerando a metodologia com os ajustes conceituais efetuados por Castelo (1999).


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Em outros termos, os valores das entradas, a combinação dos diversos fatores de produção utilizada no processo produtivo são representados pelos custos, enquanto o resultado final, os elementos de saída, devem ser mensurados pelas medidas que representam o desempenho econômico tais como, resultado bruto resultado liquido e índices de eficiência econômica. A análise econômica dessa forma constitui-se como um momento ex-post da produção, na medida em que é o resultado da diferença entre o dimensionamento das entradas e das saídas. Visto dessa maneira, apreender o desempenho econômico implica na determinação dos custos de produção e no dimensionamento do resultado econômico. A) AS ENTRADAS/CUSTOS E SAÍDAS/RESULTADOS DE UM SISTEMA DE PRODUÇÃO Os valores das entradas de bens e serviços econômicos de um sistema são os seus custos; os das saídas os seus resultados econômicos. As entradas compreendem os meios de produção, os meios de consumo, os serviços e a força de trabalho. Os meios de produção consistem em capitais fixos e capitais circulantes, comprados e produzidos na unidade de produção. Os bens de consumo

compreendem

capitais

circulantes

comprados

e

produzidos

internamente. A força de trabalho refere-se ao trabalho temporário e permanente, predominantemente familiar e, eventual e complementarmente, assalariado. Os serviços, em sentido amplo, são, além dos serviços pessoais, os aluguéis de capitais fixos, impostos, contribuições, gerência, etc. Os custos dos meios de produção, que se incluem na categoria de capitais fixos, foram determinados para as categorias de depreciação, conservação, juros sobre o capital empatado e, eventualmente, se existir, contrato de seguros. Os custos referentes aos meios de consumo e aos meios de produção que são capitais circulantes compreendem os insumos modernos e os diversos tipos de materiais com vida igual ou inferior a 1 (um) ano.


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Tanto para os meios de produção quanto para os meios de consumo e os serviços foram calculados os custos reais e os imputados. O critério geral para valorizar os custos imputados consistiu na sua equiparação aos custos de oportunidade do fator de produção considerado. Custo de oportunidade de um fator de produção é o rendimento que este poderia originar quando aplicado no seu melhor uso alternativo (Barros & Estácio,1972, p. 53). Normalmente o custo de oportunidade de um fator é o seu preço de mercado. O custo da força de trabalho familiar não foi estimado pelo seu custo de oportunidade54, mas pelo custo real, isto é, o custo de sua reprodução. O custo real da força de trabalho familiar é, portanto, igual ao valor monetário do autoconsumo mais o valor monetário dos bens de consumo adquiridos no mercado. Ocorre que, especialmente no contexto do sistema de produção extrativista, no Vale do Acre, nas Reservas Extrativistas e projetos de assentamento extrativistas, há, de um lado, uma significativa parcela de autoconsumo e, de outro, um superfaturamento dos bens de consumo na composição do custo da força de trabalho. De outra parte, o trabalho assalariado tem pouca significação no seringal. São justamente essas especificidades que justificam a adequação do emprego da categoria de custo real da força de trabalho familiar. Ademais, o emprego da força de trabalho familiar nas diferentes linhas de exploração foi admitido como trabalho temporário e, portanto, custo variável, tendo-se em vista que a quantidade empregada varia com o volume da produção. A força de trabalho permanente, sempre assalariada, se houver, poderá referir-se a uma linha de exploração (específica) ou ao conjunto da unidade produtiva (comum). A compreensão desse conceito remete à análise das saídas do sistema de produção. Estas compreendem os bens produzidos e vendidos e os bens produzidos e consumidos na unidade de produção familiar, que podem ser tanto bens de produção quanto bens de consumo (em geral alimentos). Ora, na análise

54

A rigor, dado a especificidade do lugar, não há custo de oportunidade. Isto explica a opção pelo cálculo da mão-de-obra como o custo de sua reprodução.


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econômica, os bens produzidos que se destinam ao autoconsumo são apropriados como custos nas entradas e como receitas nas saídas. Assim, não se considerou o autoconsumo no cálculo do custo real da força de trabalho familiar, já que os valores respectivos de entrada e saída se anulam. O custo real da força de trabalho familiar é igual, por conseqüência, ao valor monetário dos bens de consumo adquiridos no mercado. B) DETERMINAÇÃO DOS CUSTOS DE PRODUÇÃO O presente estudo investigará os custos executados, considerados como apropriação dos valores gastos no processo de produção depois que o produto já foi gerado. É uma determinação ex-post. De outra forma, os custos projetados ou planejados são os prognósticos de custos de um processo de produção que não gerou ainda o seu produto. Por se tratar de um conceito expectacional é uma determinação ex-ante. Custos totais de produção (CT) são todos os encargos ou sacrifícios econômicos suportados pelo produtor para criar o valor total do produto. Referidos a um sistema de produção de uma unidade de produção os custos totais compreendem a soma dos custos fixos (CF) e dos custos variáveis (CV). Os primeiros têm a sua magnitude independente do volume de produção, enquanto os segundos variam diretamente com o volume da produção. Os custos fixos podem ser de dois tipos: comuns e específicos. Os custos fixos comuns referem-se a fatores aplicáveis a várias linhas de exploração. Os custos fixos específicos são os relacionados apenas com uma linha de exploração. Os custos variáveis são, por definição, específicos. De modo geral, os custos de produção podem ser explícitos ou reais e implícitos ou imputados. Os primeiros são os que correspondem a pagamentos realmente efetuados a terceiros (monetários ou não-monetários). Os segundos são os que não exigem uma contrapartida de pagamento monetário ou nãomonetário a outrem (Barros & Estácio,1972, p. 51).


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As despesas efetivas (DE) são todos os valores efetivamente retirados do patrimônio e consumidos de fato no processo de produção. Compreendem os desembolsos monetários para pagar serviços (inclusive pagamento de salários) e/ou adquirir bens consumíveis de gasto imediato (capital circulante de aprovisionamento), o consumo em natureza de bens de gasto imediato, o valor imputado à mão-de-obra familiar, o valor imputado ao trabalho de administração exercido pelo próprio produtor e a depreciação dos capitais fixos. Os custos totais de produção (CTs) de um sistema de produção de uma unidade de produção familiar rural serão determinados pela fórmula:

CTs =

n i =1

(CV ) I +

n i =1

(CFe) i + CFc

i= linhas de exploração (1 = 1,2,...,n) CV = Custos Variáveis CFe =Custos Fixos Específicos CFc =Custos Fixos Comuns³ São considerados como custos variáveis a força de trabalho (tanto familiar quanto assalariada), insumos e materiais, aluguel de máquinas, e outras despesas eventuais ao longo do período produtivo. Consideram-se como custos fixos: depreciação, conservação oriunda de capital constante (benfeitorias, máquinas, equipamentos e ferramentas etc.) além de outros gastos permanentes para a UPF.

C) DETERMINAÇÃO DE MEDIDAS DE RESULTADO ECONÔMICO Nesta categoria são incluídos os índices que, dados os custos de produção, permitem medir o desempenho econômico do sistema de produção.


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O resultado bruto (RB) ou a renda bruta é o valor da produção destinada ao mercado, obtido pela fórmula: RB = Qv . pp , sendo: RB = renda bruta qv = quantidade do produto vendida pp = preço unitário ao produtor A renda bruta pode ser global e parcial. Determina-se para o conjunto da unidade de produção e para as linhas de exploração individuais. É um indicador de escala da unidade de produção C-1) OS RESULTADOS LÍQUIDOS a) - Renda líquida - é o valor excedente apropriado pela unidade de produção familiar, ou seja, a parte do valor do produto que fica com a unidade de produção familiar depois de serem repostos os valores dos meios de produção, dos meios de consumo e dos serviços (inclusive salários) prestados à produção. Neste sentido, ela não consiste em todo o acréscimo de valor que o produtor familiar faz aos meios de produção e de consumo, uma vez que a maior parte deste é apropriada por intermediários na comercialização dos produtos e na compra de insumos e bens de consumo. É calculada pela fórmula: RL = RB - DE , sendo: RL = renda líquida RB = renda bruta DE = despesas efetivas


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A renda líquida é o primeiro indicador de eficiência econômica e das possibilidades de reprodução da unidade de produção familiar. Se RL > 0 a unidade de produção familiar se reproduz sem afetar o seu patrimônio. Se RL < 0 a unidade de produção familiar só se reproduz com perda de patrimônio. Será calculada apenas para o conjunto da unidade de produção familiar. b) - Margem bruta familiar é o resultado líquido específico e próprio para indicar o valor monetário disponível para a subsistência da família, inclusive uma eventual elevação do nível de vida, se o montante for suficiente. A sua magnitude incorpora a parcela de valor do produto correspondente ao consumo familiar obtida por via do mercado. Em situações favoráveis, poderá ser suficiente para ressarcir custos fixos, especialmente a exigência mínima de reposição do patrimônio. Cumpridas estas funções, a disponibilidade restante pode ser usada como capital de giro. É calculada pela fórmula: MBF = RB - (CV - Cftf) sendo: RB = renda bruta CV = custos variáveis Cftf = soma do custo da força de trabalho familiar utilizada na unidade de produção c) - Nível de vida - é a totalidade do valor apropriado pelo produtor familiar, inclusive

valores

imputados,

deduzidas

as

obrigações

financeiras

com

empréstimos. NV = (MBF + AC + Cjicc) - AA Onde, AA = Amortizações anuais55 Cjicc = juros imputados ao capital circulante. É, portanto, o valor que determina o padrão de vida da família

55

A rigor os valores referentes a amortizações anuais são irrelevantes devido à baixa ocorrência de empréstimos no sistema.


133

C-2) MEDIDAS DE EFICIÊNCIA OU RELAÇÃO a) - Relação MBF/RB - é a relação mais apropriada para medir a eficiência econômica da produção familiar, pois mostra que proporção de valor a unidade de produção tornará disponível para a família por cada unidade de valor produzido. Em outros termos, que percentagem de renda bruta a unidade de produção é capaz de converter em margem bruta familiar. Uma relação superior a 50% é considerada favorável. Pode ser determinada para a unidade de produção e para as linhas de exploração. b) - Índice de capitalização - é a relação que indica a intensidade de capital. É obtida pela fórmula: IK = Kc/Vftt, sendo: IK = índice de capitalização Kc = capital constante Kc = (Ccf + Cim + Cmi) Ccf = custos de capitais fixos Vftt = valor total da força de trabalho empregada

6.2 Dados Gerais da RESEX Chico Mendes A figura 7 mostra o mapa da RESEX Chico Mendes e sua localização. Esta reserva é formada por 49 seringais56 de diferentes tamanhos e espalhados por 7 municípios do Acre, ocupando uma área de 970.570 ha. Os dados referentes à 56

Na realidade existem poucos seringais. Estes atualmente funcionam mais como referencia, como uma instituição social. È possível que os seringueiros ao se expressarem como “sou do seringal x”, inclusive com um certo orgulho, busquem através disso preservar sua identidade cultural.


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população da RESEX em diferentes anos mostram claramente que de 1994 a 1998 a reserva perdeu população, conforme se pode observar na figura 8 passando de 9.000 para 5.976. Essa intensa movimentação de população é explicada, em grande medida, pela queda crescente do preço da borracha. A pesquisa de campo, detectou que há uma ampla movimentação dos componentes da reserva, seja no interior da mesma, mudando de colocação para outra colocação, seja no deslocamento para áreas de assentamentos agrícolas do INCRA ou para a periferia de Rio Branco. Figura 7 – Mapa da RESEX Chico Mendes

Fonte:IBAMA/CNPT,1999


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Figura 8 - Evolução da população da Resex Chico Mendes1994/1998

9.000

6.400

1994

5.976

1995

1998

Fonte: ZEE/AC (2000, v.2, p. 103)

Os dados da pesquisa indicam que 62,3% estavam naquela unidade vinda de outras colocações da própria reserva, 33,8% vieram de cidades acreanas, 1,3% vinham do país vizinho a Bolívia e, por fim, cerca de 2,6% não prestaram informações. Uma possível explicação para esta alta rotatividade no interior da reserva, é que estes deslocamentos ocorrem pela busca constante de melhores condições de produção. Quanto aos deslocamentos para a cidade, apesar de não dispormos de dados precisos, é possível afirmar que a motivação é a mesma, no entanto, os que se deslocam fazem parte do segmento mais jovem da população, que busca novas oportunidades. Daí que os dados mostram um acentuado

decréscimo

populacional,

sem,

contudo,

expressar

mudanças

significativas no numero de famílias no interior da reserva o que significa que, em grande medida são apenas membros da família que se deslocam. As áreas totais dos diversos seringais, considerando as informações referentes ao ano de 1998, abrangem cerca de 1.104 colocações e 1.465 famílias, o que significa que praticamente a cada colocação corresponde uma família. São raros, mas existem casos em que mais de uma família ocupa uma colocação.


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Comparados com as informações referentes a 1991, os dados constantes da tabela 11 mostram uma pequena variação no total de unidades produtivas, que diminuiu de 1.444 para 1.104. Esta variação parece ser decorrência da crise da borracha, não expressando necessariamente uma tendência.

Tabela 11 - Dados Gerais da RESEX Chico Mendes -1991/1998 Descrição Total da área Total de unidades (colocações) Numero de famílias Numero de moradores Média de moradores p/ unidade Total de estradas Média das estradas por colocação

1991 970.570 1.444 1.838 12.017 8,3 6.498 4,5

1998 970.570 1.104 1.465 5.976 5,4 5.740 5,2

Fonte: CNS (1992), IBAMA/CNPT (1998)

A força de trabalho evidenciada na pesquisa é composta por 70% de indivíduos do sexo masculino. A maioria, cerca de 62,4% é composta de adultos, percebendo-se, assim, uma quantidade considerável de jovens já engajados nas atividades produtivas. Outro dado relevante, resultado da pesquisa diz respeito à forma de acesso a terra, anterior, portanto à definição na portaria do IBAMA que cria a RESEX e institui a “concessão de uso”. Segundo dados da pesquisa a forma de acesso a terra na sua forma majoritária ocorreu através de compra, cerca de 62,3%. Em segundo plano, não tão intensamente o acesso ocorreu na forma de posse, 19,5%. Através de concessão de uso 7,8%, por herança 5,2% e por fim o acesso por meio de troca ocorreu em 3,9% dos casos. A população de 1.465 famílias distribuídas em uma área de 970.570 ha, representa uma área média de 662,5 ha por família, o que poderia ser considerada uma área média alta. Contudo, se levarmos em conta a preservação vê-se que este é um pré-requisito fundamental. Quanto maior a área mais possibilidades das políticas de conservação apresentarem resultados positivos. Por outro lado, se considerarmos as especificidades da economia extrativa, observa-se que a colocação, como unidade produtiva requer grandes extensões


137

de áreas, em torno de 300 ha conforme referido anteriormente. Esta área com extensão superior a média das pequenas propriedades rurais acreanas, que giram em torno da 100 ha, expressam na verdade a lógica da produção extrativista. Na verdade, as grandes extensões representam uma garantia de preservação. Bem diferentes de outros processos produtivos em que a ampliação da produção implica em expansão e degradação de recursos naturais. Na imagem da figura 9, onde estão acentuados os limites da reserva, vê-se claramente que a área em volta da reserva encontra-se antropizada. A cor rosa indica a intensidade de desmatamento, com uma área expressiva o que evidencia que ao redor da reserva está altamente desmatada. Por outro lado, mostra também que o índice de desmatamento na reserva é baixo expressando de certa maneira que a RESEX está alcançando o seu objetivo preservacionista.

Figura 9 - Imagem da área desmatada ao redor da RESEX Chico Mendes - 1996

Fonte: IBAMA/CNPT


138

6.3 Indicadores Econômicos da RESEX Chico Mendes Ao se estudar os fatores que compõem a renda familiar dos extrativistas da reserva Chico Mendes, principalmente quando se compara os dados com anos anteriores, não só é possível apreender as mudanças relevantes que ocorrem no interior das reservas, mas sobretudo derivar possibilidades em termos de trajetória e tendências da produção. Convém, todavia, levar em conta para as estimativas de renda e custos de produção, as especificidades da economia da floresta. De início, há uma dificuldade natural em se estabelecer preços de mercado para produtos como caça, pesca, produtos extrativos pouco ou quase desconhecidos como açaí, patoá, pupunha, ervas medicinais e afins. De qualquer maneira, a pesquisa considera os preços conforme os produtos são realizados no mercado mesmo que, em muitas situações, o processo se reduza a uma situação de escambo. Para Costa Filho (1995), as unidades produtivas de um seringal - as colocações - quando de sua pesquisa, em 1991, produziam basicamente borracha e castanha, nesta ordem de importância. Estes dois produtos representavam o maior percentual na composição da renda, enquanto a produção agrícola e a criação de animais eram destinadas basicamente à subsistência. A tabela 12, com dados da produção de 1991, mostra que a renda média na unidade produtiva alcançava a cifra de 777,7 dólares57, enquanto os custos médios da borracha foram estimados em 329,37 dólares, sendo que deste total 92% era proveniente da força de trabalho e transporte, portanto, valores não desembolsáveis, já para o produto castanha estes itens implicavam em cerca de 88% do custo total calculado em 105,68 dólares. Esses valores transformados pelo valor do salário mínimo (SM) da época correspondiam a um rendimento

57

Convém ressaltar que à época (1991), em decorrência da política cambial, o real estava equivalente ao dólar.


139

médio mensal de 0,70 do SM e poderia atingir a cifra de 1,44 SM se a produção considerada fosse a máxima.58

Tabela 12 - Estimativa da Renda por Familia Média Bruta Anual dos Seringueiros da Reserva Chico Mendes – 1991 ATIVIDADES PRODUTIVAS

PROD. ANUAL

BORRACHA

MÉD. 600 Kg MAX. 1.300 Kg MED. 127 latas MAX. 680 latas

CASTANHA AGRICULTURA TOTAL

PREÇO MÉDIO (US$) RENDA ANUAL(US$) 0,68 MÉD. 408,00 MAX. 884,00 1,10 MÉD. 139,70 MAX. 748,00 MÉD. 230,00 MÉD. 777,70 MÁX. 1.632,00

Fonte: Costa Filho (1995)

Em geral a pesquisa de Costa Filho (1995) aponta acertadamente para uma melhoria na qualidade de vida dos seringueiros, principalmente se levarmos em conta as precárias condições de vida nos antigos seringais. Por outro lado, percebe-se claramente a intenção do autor em mostrar as potencialidades de crescimento

e

expansão

econômica,

sem

comprometer

a

concepção

conservacionista das reservas. Apesar da precariedade das informações provenientes do relatório final do CNS59, cujo objetivo visava à elaboração de um cadastro, são procedentes as conclusões do autor. Os dados deste cadastro, todavia, principalmente em função das metodologias de pesquisa distintas, não permitem, no entanto, comparações com os dados da pesquisa ASPF como seria desejável. Nem tampouco, analisar os componentes dos custos e sua importância nos diferentes processos de formação da renda no interior da reserva.

58

O autor calcula os valores médios e projeta os cálculos para uma situação em que a colocação atinge a produção máxima do produto considerado, de forma a mostrar possibilidades concretas, em termos de renda, para os seringueiros. 59 A tabela 12 elaborada por Costa Filho (1995) foi baseada nos dados do “Relatório Final” do CNS (1992).


140

Isto não impede de se afirmar, com base nos dados do relatório, que em 1991 o extrativismo, notadamente a borracha, era a principal atividade na composição da renda auferida pelos seringueiros. Segundo o relatório, em 1991 as três principais atividades para a formação da renda do seringueiro eram o extrativismo que contribuía com cerca de 62%, a agricultura60 com 29% e a criação de animais61. com 9% (CNS, 1992). A tabela 13 acentua claramente uma maior diversificação da produção ao expressar que cresceu o nível de participação na formação da renda das unidades produtivas das atividades agricultura e criação de animais Mostra que a atividade extrativista, que em 1991 participava com 62% na composição da renda, em 1997 havia decaído para 41%, enquanto a agricultura, que participava com 29%, evoluiu para 33%. A atividade que mais cresceu em importância na composição da renda, contudo, foi a criação de animais, que evoluiu de 9% para o expressivo montante de 26%.

Tabela 13 – Evolução percentual da participação das atividades produtivas na renda bruta total da RESEX “Chico Mendes” – 1991-1997 - Acre Atividade Extrativismo Agricultura Criação de animais Total

1991 62 29 9 100

1997 41 33 26 100

Fonte CNS (1992), Projeto ASPF Departamento de Economia - UFAC

Esta análise, em certa medida, é referendada pelas informações constantes da tabela 14, que mostra o percentual de unidades produtivas que se dedicavam à exploração de diversos produtos. Se é verdade que a importância do extrativismo, em termos de participação na renda, diminuiu, todavia os dados mostram que o binômio borracha-castanha continua expressivo como atividade produtiva. Cerca de 85% do total das unidades se dedicavam à extração do látex enquanto 63% exploravam a coleta de castanha. Os dados mostram, também, que os 60

O termo agricultura, genericamente, diz respeito à pequena produção de alimentos. Assim, os principais produtos deste item são o arroz, feijão, mandioca e, em alguns lugares, o milho. 61 Quando nos referimos a “criação de animais”, estamos considerando a criação de bovinos suínos e aves. Estes, de um modo geral, são criados em precárias condições e, na maioria das vezes, não se destina ao mercado.


141

seringueiros diversificaram a sua produção. Em 1996 já apresentavam um expressivo percentual na produção de alimentos e, principalmente, na criação de animais. Contudo, se diminuiu a importância do extrativismo em termos de produção e renda, isto parece ser uma decorrência da diminuição da extração do produto borracha, haja vista os dados apontarem para um crescimento da produção e da renda proveniente da exploração da castanha.

Tabela 14 - Quant. (%) de UPF's por produto explorado na RESEX Chico Mendes 1996/1997 PRODUTO

Quant. (%) de UPF's que exploram o produto

EXTRATIVISMO Borracha Castanha AGRICULTURA Arroz Feijão Farinha CRIAÇÕES Bovinos Suínos Aves

85 63 39 33 25 23 16 52

Fonte: Projeto ASPF/Depto Economia - UFAC

Após estas considerações convém analisar estas e outras informações para se conformar uma idéia mais geral a respeito do conjunto das atividades produtivas, o que deve ser feito a partir da avaliação da tabela 15, que contém os dados sobre renda por atividade e a tabela 16 que resume os dados sobre produção e renda média dos principais produtos da pauta de produção da reserva, referentes ao ano de 1996. O extrativismo ainda tem no binômio borracha – castanha, conforme ressaltado anteriormente, os principais itens na formação da renda. Os produtos, tais como mel de abelha, óleo de patoá e outros, ainda não tem participação expressiva, seja pela inexistência de mercado ou por outro elemento característico


142

do extrativismo, que é a incidência do produto por área. É muito comum, a renda proveniente do extrativismo depender da densidade de existência de determinado produto. Um exemplo ilustrativo desta situação é o caso da castanha. Trata-se de um produto com um mark-up alto vis a vis aos outros produtos. No entanto, este produto tem uma existência restrita em termos espaciais. Há uma forte concentração de castanheiras na região do Alto e Baixo Acre. Por outro lado, a renda proveniente deste produto no vale do Juruá é quase nula em virtude de se tratar de uma área com pequena incidência destas árvores.

Tabela 15 - Participação na Renda Bruta por produto na RESEX Chico Mendes1996/1997 Atividade RB Total % Total RESEX Extrativismo 47.459,25 41% Castanha 24.693,95 21% Borracha 22.417,80 19% Outros 347,50 1% Agricultura 38.305,26 33% Arroz consorciado 10.612,32 9% Feijão 9.977,29 9% Farinha de Mandioca 6.246,60 5% 10% 11.469,05 Outros Criações 30.253,64 26% Boi 14.853,00 13% Porco 8.082,64 7% Aves 6.423,44 6% Total RESEX 116.018,15 100% Obs.: 1. Considera-se como unidade de medida para os diversos produtos o padrão; 2. Valores em R$ Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

Outro dado importante que a tabela 15 evidencia é que, as dificuldades de mercado por que passa a borracha, parecem ter contribuído de forma decisiva para uma inversão de importância dos dois produtos básicos do extrativismo. A castanha, apesar de ser uma atividade restrita a um período curto e determinado do ano, apresenta uma participação na renda maior que a borracha. O extrativismo participa de forma majoritária na formação da renda com 41%, sendo


143

que deste total, a castanha é responsável por cerca de 21% e a borracha apenas 19%. Conforme a tabela 16, a produção média anual da castanha foi de 198 latas ou o equivalente a 2.178 kg, que a um preço médio de 2,89 perfaz uma renda média de 574,28 sendo que a renda máxima auferida com a castanha atingiu o expressivo valor de 2.312,00. A borracha participa com um pouco menos, cerca de 19%, sendo que a média anual por unidade produtiva foi de 633 kg o que, a um preço médio de 0,58, dá uma renda média de 367,50 e a sua renda máxima chegou a 1.740,00. A explicação para isto deve ser buscada na análise de outros dados, principalmente os custos e sua influência na definição da renda líquida. De qualquer forma, convém ressaltar a importância dos preços, como já referido anteriormente. A realidade atual, com o preço da borracha subsidiado, é diferente deste cenário exposto, como se verá adiante.

Tabela 16 - Produção, Renda Média e Máxima dos Principais Produtos da RESEX Chico Mendes – 1996/1997 Produto Produção média Preço médio (R$) RB média (R$) RB máxima (R$) Castanha 198 Lts 2,89 574,28 2.312,00 Borracha 633 kg 0,58 367,50 1.740,00 Arroz 1.052,81kg 0,48 505,00 1.234,00 Boi 3,57 Und. 245,00 873,70 2.450,00 Obs.: RB – Renda Bruta Fonte: projeto ASPF/Depto de Economia UFAC

A outra atividade importante no sistema de produção extrativista é a pequena produção de alimentos. Com efeito, a agricultura participa de forma expressiva com 33% na renda, como a segunda mais importante atividade para o conjunto da RESEX. Isto em parte, é explicado pelo papel que esta atividade desempenhou ao longo do tempo no sistema de produção. Trata-se de uma atividade voltada prioritariamente para a subsistência e que, como tal, servia de refúgio seguro quando da ocorrência, muito freqüente, das crises da borracha. Os produtos mais importantes dentro deste segmento produtivo são o arroz consorciado, feijão e farinha de mandioca. Se considerarmos o produto mais importante, no caso o arroz que obteve uma produção média de 1.052,81 kg a um


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preço médio de 0,48, obtêm-se uma renda média de R$ 505,00 e a renda máxima atinge R$1.234,00. Apesar de a parcela de produtos destinados ao mercado ainda não ser expressiva, esta atividade produtiva se apresenta como a mais diversificada em termos de produtos, o que evidencia que o mercado já influencia, ainda que modestamente, a definição da exploração de alguns produtos. A pecuária foi o setor que mais cresceu na reserva. Até os anos 90, tinha uma participação na renda quase que inexpressiva. Porém, conforme os dados do relatório CNS (1992) já em 1991 representava algo em torno de 9%, para chegar em 1996, segundo informações provenientes da pesquisa, em torno de 26%, o que ressalta que a hipótese de uma trajetória crescente da pecuária estava correta. A produção média do item boi, considerando uma média entre os vendidos por “cabeça” e a quilo, resultou em uma renda média de R$ 873,70 e a renda máxima de R$ 2.450,00. A criação de animais no interior da reserva ainda ocorre de uma forma muito precária. Como já referido anteriormente, esta atividade se encontra em pleno processo de crescimento, todavia, mesmo nas unidades que se dedicam á criação para a venda da produção no mercado, esta ocorre de forma desorganizada, com pouco uso de bens de capital. No caso especifico da criação de gado, as unidades de produção na maioria sequer dispõem de infra-estrutura mínima para a produção. Esta, quando existente, se limita a currais, cercas e o uso de alguns produtos. Os currais e cercas, não raro, são feitos de forma rudimentar com o aproveitamento de material da própria área. O pasto geralmente é feito em áreas abandonadas – afinal, a agricultura é itinerante -, para o plantio da grama, que é executado em muitas situações mesmo que o seringueiro ainda não disponha de gado. O alimento principal é a grama, sendo que o tipo de sal mais usado como alimentação é o grosso. Raramente a unidade dispõe de recursos para a aquisição de sal mineral, que é considerado muito caro. A aplicação de vacinas se resume, quando ocorre, às consideradas essenciais. Muitos, por falta de recursos, sequer aplicam estas consideradas essenciais.


145

Esta forma de criação, apesar da baixa produtividade, evidencia alguns elementos fundamentais na dinâmica econômica da reserva. A pecuária, apesar de conter uma série de problemas, tais como inadequação dos solos para a implantação de pastagem devido à alta precipitação pluviométrica, apresenta para o pequeno produtor extrativista – e para outros tantos –, alguns fatores que explicam a ampliação elevada pela qual passa esta atividade. Em primeiro lugar, representa uma poupança em razão de sua alta liquidez e ou pode se transformar em alimento se for necessário; tem um mercado razoavelmente organizado, o que facilita a compra e venda conforme o interesse, e por fim, comparado com a agricultura e o extrativismo e, principalmente da forma como é desenvolvida no interior da RESEX, sem grandes estruturas, sem grandes cuidados, não exige muito trabalho e nem requer força de trabalho adicional. Fica claro, portanto, uma distinção entre a pecuária desenvolvida no Estado com a pecuária desenvolvida no interior da reserva. Isto posto, uma primeira conclusão possível é sobre a total inviabilidade da pecuária extensiva, dado seu caráter predatório, no interior da reserva. Por outro lado, é possível e adequado uma política de incentivo à criação de gado em pequena escala, que não altere o ambiente e ajude na subsistência dos extrativistas. As atividades produtivas em seu conjunto, conforme a tabela 17, são responsáveis pela geração de uma renda bruta média de R$ 1.706,15, o que por sua vez, considerando o total de 1.104 unidades produtivas, implica em uma renda bruta para o conjunto da reserva de R$ 1.883.589,60 (Um milhão, oitocentos e oitenta e três mil e quinhentos e oitenta e nove reais e sessenta centavos).

Tabela 17 - Renda Total e por Atividade RESEX Chico Mendes - 1996/1997 Atividade RESEX Extrativismo Agricultura Criações

Renda Total (R$) 1.883.589,00 772.271,52 621.584,40 489.733,14

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

% 100 41 33 26


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Se levarmos em conta que, segundo informações do CNS (apud Castelo, 1999), o conjunto das atividades extrativistas no Acre, principalmente, castanha, borracha, óleo de copaíba e açaí, movimentam cerca de 5 milhões62, vê-se que a produção e renda no âmbito da reserva são expressivas, para o conjunto de atividades extrativistas da economia acreana. Essas mudanças já aludidas são confirmadas se considerarmos a produção da castanha e da borracha isoladamente. A tabela 18 mostra que a borracha que apresentava uma produção média anual de 624 kg em 1995 decresceu para 540 kg no ano de 1998. Por outro lado, mostrando uma performance totalmente diferente, a castanha que em 1995 tinha sua média em 785 kg, em 1998 atingiu a expressiva média de 1.292 kg. Essa variação da produção se expressa na quantidade de unidades que se dedicavam à produção de castanha cuja média aumentou de 55,3% para 61,2%. Este aumento da produção da castanha não significa, porém, que os seringueiros estejam optando pela coleta da castanha em detrimento da borracha, pelo simples fato de que a época de coleta da castanha, que ocorre nos meses de dezembro/janeiro e fevereiro, corresponde ao período de chuvas, coincidindo com o momento de descanso das seringueiras. A provável explicação para esse aumento da produção é a seguinte: na verdade a castanha não possui, no plano internacional, um mercado estruturado, participando de forma complementar no mercado de amêndoas, o que contribui para uma alta instabilidade, que se reflete numa alta variação do preço.

62

É claro que os dados do CNS, são uma estimativa não muito rigorosa, de forma que deve ser analisado com cautela. Todavia, mesmo que a informação não esteja rigorosamente correta, é possível que esteja bem próximo da realidade.


147

Tabela 18 - Evolução da produção de Borracha e Castanha na RESEX Chico Mendes - 1995/1998

Descrição Média de Produção de Borracha (kg) % de Domicílios produtivos Média de produção da castanha (kg*) % de domicílios produtivos

1995 624 69,9 785 55,30

1998 540 60,70 1.293,00 61,20

Obs.: *A unidade de medida usual é a lata, que pode ser estimada entre 10 kg e 12 kg dependendo do grau de umidade. Para esta tabela considerou-se cada lata igual a 12 kg para efeitos de comparação com outros dados. Fonte: IBAMA/CNPT (1998)

Em sentido contrário, a atuação das cooperativas trouxe maior segurança e estrutura de comercialização. Os seringueiros ficaram mais seguros; foi criada uma usina de beneficiamento na Bolívia o que serviu de incentivo pelo fato de garantir a compra da produção. O grande problema da castanha, segundo informações dos técnicos da área é que o processo de coleta e estocagem precisa melhorar para atender o padrão exigido pelo mercado. Acrescente-se a isto, que é um mercado cujo preço varia muito, principalmente pelo fato de a comercialização ser controlada por um numero restrito de exportadores. A explicação para esse incremento da produção de castanha, segundo os dados da pesquisa, portanto, devem ser buscados nos custos de produção desses produtos. A castanha é um dos produtos, conforme se verá mais adiante, que apresenta uma alta taxa de retorno positiva frente aos outros produtos da pauta de produção das unidades de produção da reserva, principalmente pelos fatores já referidos anteriormente. Por outro lado, o decréscimo da produção da borracha parece comprovar uma característica do sistema extrativista consolidado ao longo dos anos na região acreana. O nível de produção está intimamente relacionado com a variação dos preços, sendo que este, para o caso brasileiro, é mantido artificialmente mais elevado que a borracha importada, de forma a estimular a produção. Quando ocorre queda no preço da borracha há, conseqüentemente, uma queda da produção, porque os seringueiros desestimulados abandonam temporariamente o


148

extrativismo da borracha e, enquanto esperam preços melhores, dedicam-se a outras atividades como a pecuária de animais de pequeno porte, a caça e a pesca e, principalmente, à cultura de subsistência. A figura 10 mostra o declínio paulatino da produção da borracha no Acre que, só após 1999, começa a crescer, todavia, em médias insignificantes, se comparadas com os volumes anteriores. A produção, que vinha em declínio, em 1997 atingiu 3.186 toneladas sendo que em 1998 caiu para 2.330 toneladas, atingindo o seu mínimo em 1999, com somente 243 toneladas e, em 2000, subiu para 1.399 toneladas.


149 Figura 10 - Evolução da produção de Borracha - Acre - 1977/2000 16.000 14.000

Valores (t)

12.000 10.000 8.000 6.000 4.000

2000

1998

1996

1994

1992

1990

1988

1986

1981

1977

0

1979

2.000

Ev oluç ão da produç ão de Borrac ha (t)

Fonte: pesquisa UNICAMP/BID/CIRAD(2001)

Este aumento, ainda gradativo da produção, é resultado, em primeiro plano, da política de subsídios ao preço da borracha instituído pelos governos Federal e Estadual. No âmbito estadual, o subsídio foi criado em 1999 no valor de R$ 0,40 pela denominada lei n. 1277 de 13/01/1999, também conhecida por lei Chico Mendes, que visava a estimular a produção e elevou o preço do quilo da borracha para aproximadamente R$1,20. Em segundo plano, pela presença das cooperativas o que contribui em muito para o abastecimento dos seringueiros a preços de mercado. Apresentam-se, na tabela 19, a renda e os resultados obtidos na apuração dos custos de produção. Percebe-se que o extrativismo, cujos custos são os mais altos, participam com mais da metade, cerca de 57% dos custos totais, enquanto a agricultura participa com 29% e a criação de animais com 14%. Estes dados na verdade, são mais importantes quando comparados com outros indicadores. Assim, se considerarmos as informações anteriores, pode-se apreender uma característica fundamental da reserva. No conjunto os custos são bem superiores à renda bruta gerada, sobretudo, em razão da apuração do custo que representa


150

o uso da força de trabalho familiar. Estes custos, que geralmente são desconsiderados, quando levados em conta, evidenciam que parcela considerável dos extrativistas vive endividada e com dificuldades de repor parte dos instrumentos de trabalho. Em decorrência, quando se apura esse resultado podese afirmar que, no conjunto, os custos são superiores a renda bruta gerada, o que resulta ao fim do ano produtivo em uma renda líquida total negativa.

Tabela 19 - Composição da Renda e Custo por Atividade Reserva Chico Mendes – 1996/1997 Atividade EXTRATIVISMO AGRICULTURA CRIAÇÕES TOTAL

RB Total % da Renda Custo Total 47.459,25 41% 72.658,28 38.305,26 33% 36.529,56 30.253,64 26% 17.760,31 116.018,15 100% 126.948,15

% Total RESEX 57% 29% 14% 100%

Fonte: Projeto ASPF/Depto. Economia - UFAC

Dessa forma, o que se pode perceber ao verificar os dados da tabela 19, é que a reserva, após o período produtivo, é deficitária. Neste cenário, a atividade extrativista, apesar de gerar 41% da renda, no entanto, é responsável por mais da metade dos custos, constituindo-se assim, na atividade que mais contribui para a renda líquida negativa. A atividade agrícola, por seu turno, apresenta uma renda líquida um pouco maior que os custos, enquanto que a criação de animais é a atividade que mostra maiores retornos, gerando 26% a um custo equivalente a 14% do custo total. A composição dos custos de produção, se observados a partir dos seus componentes expostos na tabela 20, evidenciam alguns outros aspectos da economia da RESEX. Com efeito, o que se observa inicialmente é uma grande participação dos custos variáveis que correspondem a cerca de 63% dos custos totais. Por outro lado, os custos fixos representam apenas 37%. Estes dados vistos em conjunto, comprovam uma observação empírica, que é a expressiva participação da força de trabalho familiar em detrimento do uso de bens de capital. Isto em última instância, apenas evidencia uma característica do processo de trabalho originário dos seringais que é a ausência de progresso técnico. Em


151

decorrência, há um uso intensivo da força de trabalho familiar que representa metade do custo total.

Tabela 20 - Composição dos Custos Totais, Fixos e Variáveis na Reserva Chico Mendes – 1996/1997 TIPO DE CUSTO CT CV CFTF CIM Outros CF CFCR CDP Outros

VALOR (R$) 126.948,15 80.433,89 61.810,88 7.024,35 11.598,66 46.514,26 35.253,62 7.690,03 3.570,61

% 100 64 49 6 9 36 27 6 3

Obs.: CT - Custo Total; CV - Custo Variável; CF - Custo Fixo; CFTF - Custo da Força de Trabalho Familiar; CIM - Custo de Insumos e Materiais; CFCR - Custo Fixo Comum Rateado; CDP - Custo específico de Depreciação para linhas de exploração. Fonte: ASPF/Depto.de Economia - UFAC

Quanto aos custos fixos, estes por seu lado, também expressam uma forma peculiar do processo de trabalho na reserva. Trata-se do uso múltiplo do bem de capital, de forma que a apuração dos custos fixos implicou em estabelecer um rateio para captar a participação do capital que é comum a toda a unidade de produção e diferenciar dos capitais fixos que são comuns a apenas algumas linhas de exploração. Dessa forma, os custos fixos comuns rateados representam cerca de 37% dos custos totais. Se considerarmos a relação entre a renda gerada por produto e o custo unitário desse produto com o índice de eficiência econômica, temos então as seguintes possibilidades: a) Situação 1 - IEE > 1 = lucro b) Situação 2 - IEE < 1 = prejuízo c) Situação 3 - IEE = 1 = equilíbrio.


152

Uma análise dos quatro principais produtos do extrativismo, conforme tabela 21, mostra a seguinte situação: a castanha com um índice de eficiência econômica de 1,49 apresenta lucro, enquanto a borracha com IEE de 0,40 tem uma situação de defasagem. Para cada real gasto recebe apenas quarenta centavos. Não foi outra a intenção dos governos Federal e Estadual ao instituir o subsídio ao preço da borracha, senão a de cobrir, mesmo que em parte, essa diferença entre o preço no mercado e os custos unitários de produção. Tabela 21 - Custo Unitário, Preço Médio e Índice de Eficiência Econômica na RESEX Chico Mendes – 1996/1997 Produto

Custo Unitário (R$)

Preço Médio (R$)

IEE

Extrativismo Castanha Borracha Agricultura

1,94 1,44

2,89 0,58

1,49 0,40

Arroz consorciado Feijão Farinha de Mandioca Melancia Criações

0,50 0,58 1,11 0,25

0,48 0,86 0,87 2,00

0,97 1,48 0,78 8,15

202,30 11,50 2,26

245,00 45,00 4,45

1,21 3,91 1,97

Boi Porco Aves Obs.: IEE - Índice de Eficiência Econômica Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

A situação da agricultura é de um cenário nada animador. Dos quatro principais produtos só o feijão apresenta IEE positivo. Já o produto melancia apresenta uma extraordinária eficiência econômica, em torno de 8,15, todavia como outros produtos não tem relevância econômica na pauta de produção. Por fim, na atividade “criações de animais”, o porco, o boi e aves são os principais produtos e todos mostram um IEE positivo sendo que o porco tem o maior IEE , no caso 3,91, o IEE das Aves é de 1,97 e o boi de 1,21. Do exposto, é importante observar que, como as relações de troca no interior da reserva são intensas, mas, envolvem pouca moeda, os termos das trocas são trabalho, serviço e produtos, de forma que as mercadorias que são


153

realizadas no mercado externo à reserva, como é o caso da borracha e da castanha ganham maior relevância por viabilizar a circulação de dinheiro. Por outro lado, deve ser também ressaltado que, como a força de trabalho do ponto de vista do extrator não é contabilizada como custo, no sentido de que o mesmo não desembolsa dinheiro, alguns produtos cujo IEE é baixo, ou seja é menor que 1, nem sempre são percebidos como deficitários. De mais a mais, é necessário não descurar que a simples produção não implica realização do produto no mercado. Assim, um produto, como a melancia, por exemplo, que tem um alto IEE, pode ter esse índice afetado por uma produção expressiva por ocasião da safra. No caso, não basta ter uma produção expressiva, é necessário uma série de fatores para a realização comercial do produto no mercado, tais como: armazenamento, transporte, e mercado para o produto. Por fim, deve-se levar em conta que as condições de produção na reserva. A maioria dos produtos é explorada com um baixo índice de capital constante, o que significa que as comparações em termos de lucratividade devem levar em conta que a simples incorporação de pequenas inovações tecnológicas implicam em grandes mudanças na estrutura de custos. Esta situação, apesar de à primeira vista apresentar uma economia baseada em processos produtivos econômicos com estrutura de custos muito elevada, por outro lado aponta espaço amplo para a formulação de políticas públicas, principalmente as de caráter modernizante que impliquem em redução de custos nos processos produtivos. Como a questão fundamental é viabilizar uma estrutura produtiva capaz de ao tempo que conserva os recursos naturais seja capaz de gerar condições econômicas compatíveis com os padrões do meio rural acreano, na prática o que realmente importa é a renda auferida em termos monetários, que pode ser melhor apreendida a partir do indicador Margem Bruta Familiar (MBF). Este indicador mostra o valor monetário efetivamente apropriado e disponível para as despesas das diversas unidades produtivas familiares. Este resultado é calculado a partir da Renda Bruta deduzida os custos variáveis exclusive a força de trabalho familiar. É,


154

portanto, o indicador mais adequado para se apreender a realidade das rendas auferidas no interior das RESEX. Na tabela 2263, que mostra uma série de indicadores, tem-se a situação da reserva expressa através da MBF, cujo resultado médio de R$ 1.277,26 significa que o resultado da produção medido em termos monetário atinge uma quantia expressiva, principalmente se levarmos em conta que, na realidade dos antigos seringais, os seringueiros, a rigor, não tinham acesso a valores monetários efetivo, já que a apuração de sua renda restringia-se a um jogo contábil de débito e crédito, em que o dinheiro pouco circulava.

63

Na apresentação e análise dos dados, principalmente nos casos em que se apresentam “medidas de posição”, optou-se por apresentar em conjunto as médias e medianas, embora, sempre que possível a opção para análise seja a mediana por se tratar de uma medida que ocupa a posição central da série de dados. A média, como se sabe, é sensível aos valores extremos.


155

Tabela 22 - Composição da Renda Bruta (RB), Margem Bruta Familiar (MBF) e MBF/RB por atividade na RESEX “Chico Mendes” – 1996/1997 Atividade

Total

RB % Média Mediana

MBF Total

%

Média

Mediana

Extrativismo

47.459,25

41% 443,54

346,80

41.069,76

41%

383,83

260,93

Castanha

24.693,95

21% 574,28

520,20

22.683,14

23%

527,51

514,73

Borracha

22.417,80

19% 367,50

290,00

18.042,01

18%

295,77

224,17

344,61

1% 326,91

229,90

Outros

347,50

1%

Agricultura

38.305,26

33% 399,01

Arroz

13.009,92

11%

Arroz consorciado

10.612,32

9%

505,35

Arroz solteiro

2.397,60

2%

399,60

Mandioca

9.101,60

8%

Mandioca Solteira

6.578,60

6%

365,48

Mandioca Consorciada

2.523,00

2%

Feijão

9.977,29

9%

Outros

6.216,45

4%

286,50

Total

MBF/RB Média Mediana 0,66

0,87

0,92

0,52

0,96

0,80

0,76

0,83

0,53

0,85

31.382,91

31%

9.396,20

9%

489,60

7.184,03

7%

342,10

323,59

0,68

0,59

0,74

387,60

2.212,17

2%

368,70

345,15

0,92

0,91

0,95

7.722,19

8%

217,50

5.856,66

6%

325,37

182,86

0,89

0,61

0,87

504,60

435,00

1.865,53

2%

373,11

136,61

0,74

0,61

0,77

453,51

344,00

8.951,21

9%

406,87

276,81

0,90

0,81

0,89

5.313,31

4% 0,85

0,98

Criações

30.253,64

26% 328,84

179,00

27.426,42

27%

298,11

176,32

Boi

14.853,00

13% 873,71

651,00

12.473,58

12%

733,74

631,30

0,84

0,66

0,90

4,06

7.946,00

8%

5,84

3,57

0,98

0,90

0,88

Porco

8.082,64

7%

6,52

Aves

6.423,44

6%

149,38

111,25

6.129,84

6%

142,55

88,70

0,95

0,84

0,98

804,40

1%

96,00

96,00

790,55

1%

96,00

96,00

0,98

1,00

1,00

90,16

0%

90,16

90,16

86,45

0%

86,45

86,45

0,96

0,96

0,96

261,00

99.879,09

100%

338,57

220,55

0,68

0,91

Cabra/bode Carneiro/ovelha RESEX

116.018,15

100% 393,28

Fonte: Projeto ASPF/Departamento de Economia (UFAC)

Na mesma linha, o índice MBF/RB, que equivale ao percentual monetário expresso em cada unidade real, ao atingir na atividade extrativista o valor de 0,87 evidencia que, de cada 1 real apropriado pelo produtor em termos de renda,


156

apenas 87% é efetivamente valor monetário, enquanto que o restante, 13% da renda auferida, não se traduz como tal. Entre as outras atividades, a agricultura apresenta o menor índice de apropriação monetária, 0,85, enquanto a pecuária, com o índice de 0,98 mostra que é nesta atividade que o produtor apreende o maior percentual em termos monetário da renda auferida. Estes dados observados em conjunto assinalam que o extrativismo e a criações de animais são responsáveis pelo aporte de recursos monetários, enquanto o item mais importante para o autoconsumo é a agricultura. 6.4 A Distribuição da Renda na Reserva Chico Mendes: Os Três Estratos Uma das informações mais importantes quanto à realidade do ponto de vista econômico da reserva são os dados apresentados na Tabela 20, que mostra a existência de uma acentuada diferenciação na geração de renda das diversas unidades produtivas. Estas assimetrias possibilitam os equívocos que podem ocorrer em análises que pressupõem as reservas como um espaço econômico homogêneo. Contudo, a realidade é que a RESEX Chico Mendes possui uma estrutura produtiva altamente diversificada e, em decorrência, uma estrutura desigual de rendas e custos. Para melhor evidenciar essas diferenciações, dividimos as unidades produtivas em três estratos tendo como referência à renda líquida auferida, transformada em salário mínimo (SM) da época64. Assim, o estrato 1 está composto pelas unidades que apresentam renda líquida negativa; o estrato 2 é formado pelas unidades que auferem uma renda líquida positiva, mas abaixo de 1 salário mínimo; enquanto que o estrato 3, apresenta uma renda líquida entre 1 e 2 SM. Convém ressaltar que, no conjunto, não existe nenhuma unidade que apresente renda líquida acima de 2 SM. Dessa forma, a tabela 23, com os respectivos estratos, mostra os principais indicadores de desempenho econômico da reserva em estudo. 64

O salário mínimo da época,1996, era equivalente a R$ 120,00.


157

Como se pode observar, o estrato 1, cujas unidades apresentam renda líquida negativa65, é composto por cerca de 56% do total das unidades da reserva, enquanto no estrato 2 existem cerca de 38%, e a minoria, em torno de 6% apresenta renda líquida positiva entre 1 e 2 SM. No estrato 1, apesar da Renda Bruta mediana alcançar R$ 978,80, o que significa que do conjunto de Unidades produtivas desse estrato, 50% das unidades ganham acima desse valor. No entanto, este estrato apresenta o custo variável de R$ 1.223,86, mais que o dobro do custo fixo mediano de R$ 518,33 e um nível de desembolso de R$ 1.513,15 o que é determinante para o estrato apresentar uma renda líquida negativa mediana de R$ 547,61. O estrato 2 cuja renda líquida, ao contrario do estrato 1, é positiva, ainda assim apresenta o custo variável de R$ 878,04, mais que o dobro do custo fixo de R$ 409,07. A renda bruta de R$ 1.751,80, no entanto, possibilita uma renda líquida de R$ 608,83. Já o estrato 3, composto de apenas 6%das UPFs, com uma renda líquida de R$ 2.074, apresenta uma série de características, ausente nos outros estratos, que apontam para um conjunto de possibilidades no sentido da consolidação e viabilização da reserva. Neste estrato, o custo variável de R$ 855,56 é ligeiramente superior ao custo fixo de R$ 627,57, o que implica que neste estrato existe um equilíbrio entre o uso da mão - de -obra e os instrumentos de trabalho.

Tabela 23 - Indicadores de Desempenho Econômico da Reserva Chico Mendes – 1996/1997 Estratos Qde UPFs % RESEX Estrato 1 39 57% Estrato 2 25 37% Estrato 3 4 6% RESEX 68 100%

CF 518,33 409,07 627,57 468,96

CV 1.223,86 878,04 855,56 957,19

DE 1.513,15 1.372,22 1.498,91 1.427,16

RB RL 978,80 - 547,61 1.751,80 608,83 3.347,60 2.074,49 1.378,00 - 144,22

Obs.: 1. Estrato 1 – UPFs com RL negativa; Estrato 2 - UPFs com RL entre 0 e 1 SM; Estrato 3 - UPFs com RL entre 1 e 2 SM; CF - Custo Fixo; CV - Custo Variável; DE - Despesa Efetiva; RB - Renda Bruta; RL - Renda Líquida. 2. Valores medianos

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC 65 Esta situação de renda líquida negativa significa que os produtores, depois de deduzido de sua renda bruta a despesa efetiva, tiveram seu patrimônio reduzido. Por outro lado, significa também que esses produtores apresentam um nível elevado de autoconsumo.


158

A tabela 24 mostra a formação da renda bruta, a média e mediana por atividade produtiva no estrato 1. Pode-se verificar a importância do extrativismo, que representa cerca de 49% da renda bruta total. A agricultura é a segunda atividade em importância para esse estrato, participando com 27%, enquanto a criação de animais representa 24% no cômputo geral da renda para esse estrato. O que se pode afirmar, como característica geral, é a baixa diversificação produtiva em termos de atividade econômica. Em decorrência, o extrativismo ainda responde por mais da metade da renda bruta gerada e a borracha com 25% ainda é o principal produto. Em geral esse estrato, até por ter renda líquida negativa, apresenta custos de produção bem mais altos que a média geral. Conforme ressaltado anteriormente, a estrutura de custos é afetada pela intensidade do uso da força de trabalho familiar que, neste caso, e dada a sua importância, define o perfil desse estrato. A existência da renda líquida negativa nesse estrato impõe uma questão sobre os elementos que contribuem para a manutenção dos seringueiros em suas colocações. Dado que a produção para o autoconsumo nesse estrato, conforme se verá adiante, é superior a media geral da reserva, é possível afirmar, então, que é exatamente a existência desse componente que possibilita e contribui para a fixação dos seringueiros em suas colocações.


159

Tabela 24 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 1 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997 Atividade Extrativismo Castanha Borracha Outros Agricultura Feijão Arroz Arroz consorciado Arroz solteiro Mandioca Farinha consorciada Farinha solteira Outros Criações Bovinos Suínos Aves Total Estrato 1

% Estrato 1 RB Total 23.633,81 49% 11.451,97 23,84% 12.159,34 25,32% 22,50 0,05% 19.492,80 27% 4.824,60 10,05% 4.377,60 9,11% 3.552,00 7,40% 825,60 1,72% 2.114,10 4,40% 1.044,00 2,17% 1.070,10 2,23% 1.684,80 3,51% 11.392,08 24% 5.516,00 11,49% 3.107,39 6,47% 2.768,69 5,76% 48.026,99 100,00%

RB Média 381,19 497,91 328,63 11,25 288,91 482,46 364,80 355,20 412,80 192,19 348,00 133,76 140,40 258,91 612,89 258,95 120,38

RB Mediana 290,00 346,80 290,00 11,25 174,00 223,60 321,60 312,00 412,80 174,00 435,00 130,50 113,60 148,50 434,00 194,25 89,00

Obs.: RB - Renda Bruta Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

O estrato 2, cujos dados são mostrados na tabela 25, apresenta a agricultura como atividade principal, participando com 39% na formação da renda, sendo que o extrativismo, apesar de não ser a principal atividade, não deixa de ter um papel relevante participando com 37% da renda gerada. Na verdade, nesse estrato as três atividades se mostram de forma equilibrada, sendo que já é possível perceber uma incipiente diversificação da produção, que parece ser uma característica das unidades cujas rendas líquidas são maiores. .


160

Tabela 25 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 2 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997 Atividade Extrativismo Castanha Borracha Outros Agricultura Arroz Arroz consorciado Arroz solteiro Mandioca Farinha solteira Farinha consorciada Feijão Outros Criações Bovinos Suínos Aves Outros Total Estrato 2

RB total 20.262,94 11.941,48 7.996,46 325,00 21.378,30 7.637,76 6.065,76 1.572,00 6.525,00 5.046,00 1.479,00 4.636,69 2.578,85 12.804,76 6.692,00 3.175,25 2.525,35 412,16 54.446,00

% Estrato 2 37% 22% 15% 1% 39% 14% 11% 3% 12% 9% 3% 9% 5% 24% 12% 6% 5% 1% 100%

RB Média 519,56 663,42 399,82 325,00 509,01 587,52 673,97 393,00 725,00 720,86 739,50 463,67 257,89 355,69 1.115,33 288,66 157,83 137,39

RB Mediana 464,00 578,00 319,00 325,00 426,20 489,60 624,00 387,60 870,00 870,00 739,50 417,75 57,40 168,95 857,50 174,40 111,25 128,80

Obs.: RB - Renda Bruta Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

Os dados da tabela 26, referentes ao estrato 3, formado pelas unidades de produção mais bem sucedidas, parecem confirmar uma relação direta positiva entre a renda e a diversificação da produção. Por outro lado, mostra uma inversão de importância das atividades no que se relaciona à participação na formação da renda. As criações participam na formação da renda com expressivos 44%, a agricultura com 36% e o extrativismo, basicamente borracha e castanha, com 26%. Esta estrutura, que implica um nível mais elevado de capitalização, evidencia a importância do uso dos bens de capital, o que é ressaltado pelos baixos custos variáveis e um maior custo fixo.


161

Tabela 26 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 3 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997 Atividade Extrativismo Borracha Castanha Agricultura Melancia Arroz consorciado Milho Milho consorciado Milho solteiro Feijão Farinha de Mandioca Criações Boi Porco Aves Carneiro Total Estrato 3

RB Total % Estrato 3 3.562,50 26% 2.262,00 16,82% 1.300,50 9,67% 4.810,66 36% 1.400,00 10,41% 994,56 7,39% 884,80 6,58% 611,20 4,54% 273,60 2,03% 516,00 3,84% 130,50 0,97% 5.960,80 44% 2.645,00 19,67% 1.800,00 13,38% 1.129,40 8,40% 386,40 2,87% 13.449,16 100,00%

RB Média 593,75 565,50 650,25 436,21 1.400,00 497,28 294,93 305,60 273,60 258,00 130,50 541,89 1.322,50 450,00 282,35 386,40

RB Mediana 637,00 522,00 650,25 344,00 1.400,00 497,28 273,60 305,60 273,60 258,00 130,50 386,40 1.322,50 450,00 222,50 386,40

Obs.: RB - Renda Bruta Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

A princípio, esses dados verificados em conjunto com a renda bruta e os custos, conforme figura 11, confirmam uma característica das reservas: baixos rendimentos associados a altos custos. Considerando-se que os CV expressam a intensidade do uso da força de trabalho familiar e o CF mostra a intensidade do uso de bens de capital

66

, e a despesa efetiva (DE) a composição dos custos,

podemos inferir que, apesar do uso intensivo de mão-de-obra familiar ser uma característica geral do sistema, há uma diferenciação no interior da reserva em termos de intensidade de uso do fator trabalho e de bens de capital. São esses os principais fatores de diferenciação dos diversos níveis de renda. Assim, os estratos 1 e 2 apresentam um uso mais intensivo de mão de obra em detrimento

66

Considera-se bens de capital os instrumentos de trabalho tais como terçados, enxadas, boca de lobo, tigela de seringa, balde, forno, plantadeira manual, tacho, catitu, motor estacionário, além de animais de trabalho, construções com paiol, cercas, galinheiro, maquinas e equipamentos e ferramentas.


162

do uso de bens de capital, enquanto que o estrato 3, ao contrário, apresenta maior uso de capital constante e menos mão de obra. As assimetrias no interior da reserva podem ser melhor compreendidas quando se analisam os custos no interior dos estratos. Na figura 11, os dados ressaltam que os custos de produção são muitos altos, tanto para a reserva como um todo, quanto para os estratos, notadamente o estrato 1, onde os custos são particularmente altos. Esta situação, em grande medida, é reflexo da estrutura dos antigos seringais, em que a produção estava baseada em métodos produtivos extremamente simples com pouca ou nenhuma tecnologia. Em decorrência, as reservas herdaram esta estrutura fortemente marcada pela ausência de progresso técnico, o que é compensado pela intensidade do uso da força de trabalho familiar e um expressivo autoconsumo. Outro dado que parece confirmar estas inferências é o valor do custo variável que representa cerca de dois terços do custo total. Por outro lado, o custo fixo que mostra a intensidade do uso de bens de capital se apresenta bem inferior aos outros custos, indicando que na reserva, não apenas prevalece o uso da força de trabalho familiar, como existe um amplo espaço para a inserção de capital constante e inovações tecnológicas de forma a alterar a estrutura de custos e melhorar os índices de rentabilidade. A figura 11 mostra a participação dos custos variáveis e fixos na formação dos custos totais, principalmente, em seu movimento de inversão, em que os custos fixos são crescentes à medida que a renda bruta aumenta como é o caso do estrato 3.


163

Figura 11 - Composição do Custo Total de Produção entre Custos Fixos (CF) e Variáveis (CV) - RESEX Chico Mendes - 1996/1997. 68% 66% 64% 62% 60%

50% 63% 37%

45% 45%

66%

40%

40% 34%

35%

60%

30%

58%

25%

56%

20%

55%

54%

CF

15%

52%

10%

50%

5%

48%

CV

0% RESEX

Estrato 1 Estrato 2 Estrato 3

Fonte: Projeto ASPF/Depto Economia Após essas considerações, uma conclusão é que a falta ou o pouco uso de tecnologia é responsável em grande medida por uma elevada estrutura de custos. As Reservas Extrativistas não conseguiram ainda modernizar o processo de trabalho, notadamente o extrativismo da borracha, o que resulta em elevada participação da estrutura de custos, o que, por sua vez contribui decisivamente para uma renda líquida negativa para o conjunto da reserva. A tecnologia e a força de

trabalho

familiar

combinado

constituem

os

fatores

fundamentais

e

determinantes de uma forte diversificação de renda no interior da reserva. No estrato 3 que contém as unidades produtivas bem sucedidas, apesar de o custo variável continuar superior ao custo fixo, confirmando a intensidade do uso da força de trabalho familiar – de resto uma característica geral da reserva -, a diferença entre os dois custos é, contudo, pequena o que demonstra a importância da intensidade do uso de capital constante. Em resumo, à medida que a renda líquida cresce, os custos variáveis são menores vis a vis os custos fixos na composição da estrutura de custos totais.


164

A figura 12, resume o comportamento dos indicadores de desempenho econômico da reserva. Vê-se que a renda líquida é negativa para o conjunto da reserva e mais acentuada no estrato 1. A renda bruta é expressivamente mais elevada no estrato 3, enquanto que a despesa efetiva parece mais homogênea, sendo que os custos variáveis são maiores do que os custos fixos de uma maneira geral. Figura 12 - Indicadores de desempenho econômico da RESEX Chico Mendes - 1996/1997

Indicadores

RL RB

RESEX

DE

Classe 3 Classe 2

CV

Classe 1

CF (1.440,00)

0,00

1.440,00

2.880,00

4.320,00

Valores anuais (R$) Fonte: Projeto ASPF/Depto Economia - UFAC

A tabela 27 mostra outros dados da renda bruta auferida. No estrato 1, a renda bruta mediana de 978,80 reais, mostra que metade dos 57% (o conjunto de UPFs do estrato 1) ganha acima desse valor, enquanto no segundo estrato, a renda de corte (mediana) é de 1.751,80 e, por fim, no terceiro estrato a renda bruta mediana atinge o valor de 3.347,60. O que chama a atenção de imediato, é que a renda bruta é expressiva comparada aos dados de 1991. Na reserva, a renda bruta máxima é de 5.683,70 e se encontra no estrato 2, sendo que no estrato 1 a renda máxima é de 5.249,25 e no estrato 3, a menor das máximas, de 3.998,50. Em compensação, a das RB mínima, no valor de 2.755,46 se encontra exatamente no estrato 3, mostrando que esse estrato tem uma pequena diferença entre as rendas máximas e mínimas. Mais significativa, contudo, é a RB mediana


165

que no estrato 3, em torno de 3.347,60, mostra que 50% das unidades deste estrato auferem renda superior a este valor.

Tabela 27 - Composição da Renda Bruta por Estrato com Base na Renda Líquida Reserva Chico Mendes – 1996/1997 Estrato Estrato 1 Estrato 2 Estrato 3 RESEX

RB total 48.026,99 54.542,00 13.449,16 116.018,15

Renda Bruta - RB (R$) % RESEX RB Máxima RB Mínima 41% 5.249,25 22,04 47% 5.683,70 568,33 12% 3.998,50 2.755,46 100% 5.683,70 22,04

RB Média RB Mediana 1.231,46 978,80 2.181,68 1.751,80 3.362,29 3.347,60 1.706,15 1.378,00

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

Uma outra forma de se ter um quadro mais realístico é comparar a renda bruta da reserva e dos estratos com os dados do IBGE, constantes da tabela 28, que assinalam uma renda média para a região acreana de R$ 2.862. Na reserva, a renda média é de R$ 1.706,15, bem inferior, portanto, à renda média assinalada. Por outro lado, a renda bruta média de 3.362,29 do estrato 3, pode ser vista como uma perspectiva positiva para o conjunto da reserva. Por outro lado, sabe-se que o estrato 1 afeta em muito a média da reserva. Quando estes valores são analisados a partir dos três estratos, vê-se que mais da metade do conjunto das unidades produtivas que formam a reserva (estratos 2 e 3), cerca de 59%, apresentam uma renda bruta média considerável vis-a-vis a média do Vale do Acre, espaço onde se situa a reserva Chico Mendes. Esta informação aponta favoravelmente para o êxito da reserva e também para a necessidade de formação de política pública voltada para a elevação da renda principalmente para os produtores que pertencem ao estrato 1, de forma que a distribuição de renda da forma heterogênea tal qual ocorre atualmente seja atenuada conformando um quadro menos assimétrico levando ao objetivo maior que consiste na superação da contradição entre o crescimento econômico – expresso numa renda mais elevada -, e a conservação ambiental. Em realidade, a renda bruta média de mais da metade da reserva, girando em torno da média da realidade rural acreana, pode ser vista como um dado


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positivo, principalmente levando-se em conta que estas rendas são auferidas em condições de conservação do ecossistema florestal.

Tabela 28 - Renda Média por Estabelecimento e por Categorias Familiar - Acre – 1995/1996 Tipo de Renda Estado do Acre Familiar Maiores rendas Renda média Renda baixa Quase renda Patronal Vale do Acre Familiar Maiores rendas Renda média Renda baixa Quase renda Patronal

Total (R$) 2.862,00 2.451,00 15.663,00 3.837,00 1.773,00 522,00 9.435,00 2.082,00 2.111,00 11.783,00 3.628,00 1.754,00 744,00 2.954,00

Monetária (R$) 1.624,00 1.339,00 9.952,00 2.135,00 919,00 144,00 6.209,00 751,00 828,00 4.247,00 1.563,00 701,00 298,00 509,00

Não monetária (R$) 1.239,00 1.112,00 5.712,00 1.703,00 854,00 378,00 3.227,00 1.331,00 1.283,00 7.535,00 2.065,00 1.053,00 446,00 2.445,00

Fonte: Censo Agropecuário (1995/96), IBGE apud Pesquisa UNICAMP/BID/Cirad (2001)

Na figura 13 temos, então, um quadro visual da estrutura de renda, que mostra a renda máxima com pequena diferença de valores para a reserva e os estratos, enquanto a renda média é um pouco maior no estrato 3. Em geral, as diferenciações no âmbito da reserva ficam acentuadas através da renda mínima e média.

Valores anuais (R$)

Figura 13 - Renda Bruta (RB): Máxima, Mínima e Média RESEX Chico Mendes - 1996/1997 5.760,00 4.320,00

RB Máxima

2.880,00

RB Mínima

1.440,00 -

RB Média Estrato 1 Estrato 2 Estrato 3

Fonte: Projeto ASPF/Depto. Economia - UFAC

RESEX


167

Após estas considerações, resta ainda analisar os indicadores MBF, MBF/RB, autoconsumo e o nível de vida em cada estrato. Conforme tabela 29, no estrato 1, considerando todas as medidas referidas expressas por sua mediana, o valor monetário efetivamente apropriado pela unidade produtiva - A MBF - é de R$ 750,66, cujo montante pode ser considerado inexpressivo, o que é compensado por um elevado nível de autoconsumo, em torno de R$ 1.952,24. Esses valores confirmam análises anteriores em que se percebe esse estrato como o que apresenta o conjunto de produtores em piores condições. O nível de vida (NV), como a totalidade do valor apropriado efetivamente pelos produtores, inclusive o autoconsumo medido em valores monetários no montante de R$ 2.662,36, ressalta que este estrato, mesmo sendo o que apresenta os piores indicadores, ainda assim, vivem em condições dignas – apesar da falta de energia, saneamento básico, escola e outros fatores que, apesar de deficientes, são encontrados na periferia de Rio Branco. O estrato 2 apresenta bons indicadores. A MBF de R$ 1.594,63 e o autoconsumo de R$ 2.853,82 confirmam uma situação de um bom padrão de vida, principalmente se considerado em termos das condições do meio rural acreano, o que é confirmado pelo NV mediano que atinge o valor de R$ 4.806,84. Por fim, os dados do estrato 3 apontam para a perspectiva de uma situação de plena viabilidade da RESEX. A MBF de R$ 3.094,83, é superior ao autoconsumo de R$ 2.508,91, o que assinala que este conjunto de Unidades produtivas familiares estabelece relações mais amplas com o mercado. O Nível de vida (NV) de R$ 5.716,83 confirma a situação de bons indicadores deste estrato assinalando para um bom padrão de vida para os produtores deste estrato bem superior á média do meio rural acreano.


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Tabela 29 – Margem Bruta Familiar, Autoconsumo e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico Mendes – Acre- 1996/1997 Estratos

MBF Mediana MBF Máxima MBF Mínima

1

750,66

2

1.594,63

4.886,68

3.094,83 1.252,16

3 RESEX

4.445,85

(202,06)

AC Mediano

AC Máximo

AC Mínimo

NV Mediano

NV Máximo

NV Mínimo

1.952,24

5.983,93

754,78

2.662,36

10.265,58

933,41

533,07

2.853,82

5.182,61

1.003,73

4.808,84

9.405,51

2.128,94

3.775,23

2.658,45

2.508,91

2.824,19

2.066,49

5.716,83

5.893,62

5.005,19

4.886,68

-202,06

2.341,15

5.983,93

754,78

3.505,00

10.265,58

933,41

Obs.: MBF - Margem Bruta Familiar; AC - Autoconsumo; NV - Nível de Vida em termos monetários Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

6.5 Análise do Impacto do Subsídio nos Rendimentos das Famílias Ainda persiste, no meio de parcela considerável da sociedade acreana, a visão de que o extrativismo é uma atividade atrasada, cujo desempenho econômico é inferior às demais atividades produtivas do meio rural acreano. Esta visão, ainda que marcada pela ausência de rigor analítico, é corroborada por diversos autores amazônidas. Nos dois casos, a conclusão inevitável é pela inviabilidade desta atividade econômica. Contudo, a emergência da questão ambiental, ao privilegiar a conservação do ecossistema florestal, delineou um novo cenário e, principalmente, propiciou o aparecimento de novas abordagens para estes velhos problemas. Assim, não é despropositado o entendimento de que os seringueiros prestam serviços relevantes à conservação ambiental, ainda que o mercado desconheça a importância das suas ações. Esta nova visão, que aponta para a possibilidade de perceber na atividade extrativista a prestação de serviços ambientais, reduz sobremaneira as forças políticas que se opõem aos incentivos dedicados a esta atividade econômica. Em decorrência, o subsídio, incentivo que, de uma maneira geral, é visto como privilégio concedido a pequenos grupos econômicos e, portanto, encarado de uma maneira crítica pelo conjunto da sociedade, a partir desta nova perspectiva estabelecida pela importância da preservação da floresta, passou a


169

ser compreendido por um novo ângulo e mesmo justificado, dada à relevância social em questão. Ao propor o subsídio ao preço da borracha como proposta de incentivo ao incremento da produção, através da lei Chico Mendes, o governo estadual se deparou com um conjunto reduzido de oposição a esta proposta. Afora estas posições, de resto marcadas pelas questões locais, o subsídio como estratégia política no âmbito da conservação ambiental enseja novas questões. Uma delas diz respeito ao impacto e importância deste tipo de política no sentido de viabilização do extrativismo da borracha. Neste tópico, empreende-se uma avaliação, de cunho restritivo, posto que circunscrita ao aumento do preço da borracha, do impacto e mudanças decorrentes da implementação do subsídio. A operacionalização é bastante simples: as associações de produtores são responsáveis pelo gerenciamento e repasse do subsídio. Dessa forma, o seringueiro vende sua produção à associação que, por sua vez, acrescenta ao preço médio unitário de mercado, o valor de R$ 0,40 por quilo. A figura 14 mostra o impacto do subsídio na renda bruta e na renda líquida do conjunto de produtores da reserva Chico Mendes67. Apesar da projeção mostrar apenas os impactos decorrentes do aumento de R$0,40 no preço do quilo da borracha, supõe-se a ocorrência de outras mudanças decorrentes deste evento. Neste sentido, além de restrita a análise é conservadora por não considerar os efeitos amplos que certamente ocorrem na esteira deste incentivo. Assim, nesta mesma figura vê-se que a renda bruta mediana, que antes do subsídio era de R$1.378,00, com o incentivo atinge a quantia de R$1.707,50. O impacto na renda líquida, todavia, é muito mais visível na medida em que passa de uma situação deficitária de R$ -114,17 para um valor positivo de R$146,30.

67

Para se calcular os impactos do subsídio de R$ 0,40 por quilo na renda bruta e liquida do produtor, acrescentou-se este valor – 0,40 -, ao preço médio vigente na ocasião que era de R$0,58.


170

Figura 14 – Comparação do impacto do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes – 1996/1997

2.000

1.707,50

1.750 1.500

1.378,00

1.250

RB s/ subsídio

1.000

RB c/ subsídio

750

RL s/ subsídio RL c/ subsídio

500 168,56

250 0 -250

-144,22

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

Estes resultados, quando vistos a partir dos estratos, conforme tabela 30, assumem contornos muito mais precisos. O primeiro estrato, que era composto de 57% dos produtores, diminui para 41%, significando que, com a elevação da renda líquida, alguns produtores passaram do estrato 1 para o estrato imediatamente superior. Apesar de o primeiro estrato apresentar uma renda líquida mediana negativa, cerca de R$ -494,00, o conjunto de produtores com renda líquida positiva aumentou de 41% para 59%, considerando a soma dos percentuais dos estratos 2 e 3.


171

Tabela 30 – Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes – Acre-1996/1997 Estratos 1 2 3 RESEX

Resultados Sem Subsídio Resultados Com Subsídio Qde UPF % RESEX RB RL Qde UPF % RESEX RB RL 39 57% 978,80 -547,61 28 41% 824,01 -494,00 25 37% 1.751,80 608,83 34 50% 1.850,16 507,87 4 6% 3.347,60 2.074,49 6 9% 3.683,60 2.184,70 68 100% 1.378,00 -144,22 68 100% 1.707,50 168,56

Obs.: 1. Estrato 1 - UPFs com RL negativa; Estrato 2 - UPFs com RL entre 0 e 1 SM; Estrato 3 - UPFs com RL entre 1 e 2 SM. 2. RB - Renda Bruta; RL - Renda Líquida; UPF - Unidade de Produção Familiar

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

Os dados da tabela 31, que mostra os resultados econômicos do subsídio na margem bruta familiar (MBF), o MBF/RB e o nível de vida (NV), em cada estrato, não diferem, em geral, dos resultados assinalados anteriormente. A exceção ocorre no estrato 1, que assinala uma mudança na MBF, que decresce de R$ 750,66 para R$ 520,86. A hipótese para este evento é que, como a produção neste estrato é marcada pelos custos de produção – mais especificamente os custos da força de trabalho familiar -, a projeção do aumento do preço da borracha implica em elevação no mesmo percentual em todos os outros indicadores, inclusive a força de trabalho familiar. No estrato 2, a MBF passa de R$ 1.659,93 para R$ 1.671,54. O MBF/RL, antes 0,90 cai para 0,89, enquanto que o nível de vida (NV) passa de 4.808,84 para 4.251,33. Já no estrato 3, a MBF passa de 3.069,63 para 3.441,56; a relação de apropriação monetária de 0,93 para 0,94 e, por fim, o NV passa de 5.716,83 para 6.099,11. Todos estes indicadores também evoluem positivamente para o conjunto da RESEX. Assim, a MBF de 1.252,16 passa para 1.509,36; a relação MBF/RL de 0,85 para 0,87 e o NV de 3.505,00 para 3.777,80.


172 Tabela 31 - Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Margem Bruta, MBF/RB e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico Mendes – Acre-1996/1997 Estratos 1 2 3 RESEX

Resultados sem Subsídio Resultados com Subsídio MBF MBF/RB NV MBF MBF/RB NV 750,66 0,81 2.662,36 520,86 0,84 2.543,58 1.659,93 0,90 4.808,84 1.671,54 0,89 4.251,33 3.069,63 0,93 5.716,83 3.441,56 0,94 6.099,11 1.252,16 0,85 3.505,00 1.509,36 0,87 3.777,80

Obs.: 1. Estrato 1 - UPFs com RL negativa; Estrato 2 - UPFs com RL entre 0 e 1 SM; Estrato 3 - UPFs com RL entre 1 e 2 SM. 2. MBF - Margem Bruta Familiar; RB - Renda Bruta; NV - Nível de Vida.

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

Em suma, o impacto do subsídio, visto de uma forma geral, implica uma melhoria dos índices da reserva. Apesar do impacto positivo, os dados apontam também para a necessidade de modificar alguns itens dos custos de produção, no caso os custos da exploração do produto borracha. Ao se perceber a existência deste espaço de ampliação da eficiência econômica através da diminuição dos custos e também da elevação da margem de lucro, de certa forma enfatiza-se a perspectiva positiva que representará a implantação de inovações tecnológicas, principalmente as Ilhas de Alta Produtividade.

∗∗∗

De uma forma ampla, após esta análise a respeito dos componentes e da estrutura econômica da reserva, pode-se afirmar, então, que as reservas apresentam uma diversidade ampla de níveis de renda cuja base reside, de forma considerável, na composição dos custos de produção. Em decorrência, na perspectiva conceitual do desenvolvimento sustentável, parte considerável da reserva, notadamente os componentes do estrato 1 que, em conjunto, perfazem quase a metade das unidades produtivas, ainda se encontra em pleno processo


173

de viabilização. Este conjunto de produtores, apesar de não degradar o meio ambiente, apresenta indicadores sociais e econômicos em um nível que os torna vulneráveis à lógica das forças de mercado. Dito de outra maneira, são suscetíveis aos retornos econômicos que apresentam a pecuária e a extração da madeira68. Estas duas atividades produtivas, pelos níveis de retorno econômico que apresentam frente à sub-avaliação dos bens e serviços ambientais, podem se constituir trajetórias inadequadas, do ponto de vista dos princípios da sustentabilidade. No outro grupo, estratos 1 e 2, pode-se afirmar que o extrativismo da borracha e da castanha, gradativamente cedeu espaço à agricultura e à pequena pecuária na composição de suas rendas o que expressa uma trajetória, ainda que incipiente, em direção à diversificação da produção. O importante, neste movimento de melhora do nível de renda, é que ocorreu sem implicar em maiores taxas de desmatamento. Neste segmento a tecnologia desempenha um papel crucial por implicar uma considerável redução dos custos de produção. De forma resumida, os dados parecem ressaltar a importância de dois elementos: o primeiro é que os custos de produção, que são expressivos em toda a reserva, são bem mais altos no caso do estrato 1 do que no restante das unidades; e o segundo fator é a importância da produção destinada ao autoconsumo. Parcela substancial das unidades produtivas, principalmente as unidades do estrato 1, consomem grande parte do que produzem – parcela substancial não vai para o mercado, é consumida na própria unidade -, de forma que a economia da reserva apresenta uma baixa monetarização, associada a uma economia ainda incipiente em termos de presença no mercado. A não percepção desta diversidade permite uma série de afirmações e inferências a respeito da reserva que não condizem com a realidade ou, em última instância, são condizentes com realidades parciais. A reserva, como já referido anteriormente, apresenta uma formação de renda bastante diferenciada. Em decorrência, apresenta segmentos com bom nível de renda e outros com padrões

68

A extração de madeira no âmbito da reserva é proibida, porém existem casos de contrabando e venda de forma isolada.


174

de vida próximos da pobreza absoluta. Desta maneira, a discussão quanto à viabilidade da reserva deve superar a discussão mercadológica, no sentido restrito de elevação da renda, para perceber a proposta das reservas como uma obra em construção. Na verdade, isto não implica negar o relevante papel que o nível de renda desempenha na consolidação desta proposta. Ao contrário, relevar este aspecto constitui sério erro estratégico na formulação das políticas públicas referentes às reservas tornando-se necessário enfatizar que a situação analisada apresenta um amplo espaço à formulação das mesmas. Na prática, o reconhecimento da existência desse espaço aludido se traduz em experiências pontuais tal como a implantação do subsídio estadual - lei Chico Mendes – cujos expressivos resultados apontam na direção da importância do extrativismo da borracha como atividade fundamental articuladora da existência das reservas. Uma projeção conservadora sobre o impacto do subsídio, mostra que a viabilização da borracha implica mudanças no interior da reserva: o retorno do seringueiro à atividade extrativista, o incentivo à fixação do mesmo em sua colocação, a elevação da renda e, por fim, a elevação da produção nas atividades de produção de alimentos e criação de animais, reforça a importância de políticas que, mesmo de caráter pontual, conseguem dinamizar os elementos constitutivos da reserva como proposta ambientalmente correta. Nesta mesma linha de raciocínio, a implantação das “ilhas de alta produtividade”, visando à introdução de tecnologias de forma a elevar a renda das unidades produtivas sem degradar o meio ambiente, constitui uma das formas possíveis de viabilizar a proposta RESEX. Este projeto, já em fase avançada de estudos e experiência, é capaz de mudar substancialmente a vida dos extrativistas, não apenas pela perspectiva de elevação da renda, mas sobretudo pelo resultado amplo que a introdução destas novas técnicas é capaz de trazer para a modificação do processo de trabalho da atividade extrativista da borracha.


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CAPÍTULO 7: TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS 7.1 Introdução

Este capítulo tem o objetivo de conformar o quadro das questões mais amplas que envolvem as RESEX, na perspectiva das possibilidades e envolvimentos que estes elementos possuem na trajetória de consolidação da proposta analisada. Trata-se da exposição de um processo em pleno andamento, portanto difícil de se estabelecer indicações de caráter conclusivo. Não é o caso de discutir o papel desses eventos na viabilização da RESEX, em que pese que tais eventos podem certamente influir nos seus destinos. Parece mais adequado assinalar a importância dos mesmos em termos de possibilidades no fortalecimento da proposta. Sendo assim, a análise baseia-se, em grande medida, na composição em termos de forças políticas e viabilidade das propostas em discussão. É claro que algumas dessas propostas repercutem mais ou menos intensamente na composição da renda dos extrativistas, enquanto outras podem ter seu papel mais restrito a arena política. No primeiro caso é emblemático o papel das IAPs (Ilhas de Alta Produtividade), cuja base, ao ser definida como uma inovação tecnológica, incide direta e indiretamente na elevação da renda, além de outros benefícios que concorrem para a melhoria de vida das populações extrativistas. Já o caso do manejo sustentado, em que pese a elevação da renda decorrente da implantação da produção de madeira em condições sustentáveis, é a mais polêmica das propostas, sendo que o discenso decorrente deste tom resulta em um embate cujo resultado, em termos de implementação, envolve um horizonte de tempo mais amplo. Por fim, a proposta dos sistemas agroflorestais, dado o seu caráter embrionário no âmbito das reservas, parece exigir cautela e estudos visando a sua implementação. Já no segundo caso, o “protocolo de Kyoto” e o pagamento dos “serviços ambientais”, parecem mais circunscritos à arena política, isto em decorrência do caráter inovador e da falta de consenso por parte dos diversos agentes envolvidos


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na questão ambiental. De todo modo, não se pode ignorar este espaço legítimo de oportunidades de fortalecimento das reservas. 7.2 O Manejo Florestal

Por ocasião do seminário sobre “As potencialidades do extrativismo” realizado em Rio Branco, no início de julho de 2001, em seus pronunciamentos o Governador do Estado do Acre, Jorge Viana e a senadora Marina Silva chamaram a atenção para o problema da baixa renda dos seringueiros decorrente do extrativismo e que era chegada a hora de se tentar novas experiências entre elas a de se introduzir o manejo florestal comunitário nas RESEX . Esse evento, a partir desses pronunciamentos parece apontar para uma nova postura do governo estadual quanto à atividade extrativa da madeira. O governo que até então, apesar de incentivar algumas experiências de manejo florestal, como o projeto desenvolvido pela FUNTAC no Antimary e a experiência no PAE Porto Dias, assumia posição contraria as atividades madeireiras, encarando-as como predatórias e fora de uma proposta de desenvolvimento sustentável. Esta questão da extração de madeiras era vista no CNS com muita cautela e reservas. É o que se pode depreender da entrevista concedida pelo presidente na qual afirma o seguinte: “este assunto ainda é muito polêmico. Agora, eu particularmente - não é a opinião do Conselho -, sou favorável desde que seja com planejamento da extração de madeiras, porque é uma riqueza que se tem na floresta. Não dá para tirar de forma desordenada, mas se fizer levantamento florestal, com planejamento da retirada, com tração animal, aí sim ela é uma fonte de renda também. Agora, se não fizer de forma ordenada, vão tirar de qualquer forma”. O secretário do Conselho, José Maria Aquino, também concorda com os argumentos, contudo chama atenção para um aspecto fundamental. Assinala que o CNS como representante de uma classe que são os seringueiros tem a obrigação de lutar pela manutenção da floresta em pé, porque é dela que o seringueiro sobrevive. Segundo suas palavras, “para nós o importante é o homem,


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a floresta em pé é para a sobrevivência do homem que vive da natureza. No caso da madeira, se sua retirada causar impacto ambiental, se for explorada como foi até hoje de forma predatória, então somos contra e vamos ser sempre. Agora, se for tirada de forma que não prejudique o meio ambiente, que não acabe com a floresta e que o seringueiro tenha lucro com isto, então nós vamos defender porque melhora a vida deles”. O que fica claro, na opinião das lideranças, é que não existe ainda uma posição do Conselho enquanto representantes do conjunto dos seringueiros. Até porque esta discussão ainda não foi fomentada nos diversos núcleos de discussão que fazem parte da organização do conselho e das reservas. Outra dedução, dado o tom polêmico da questão, é que não haverá consenso, pelo menos no curto prazo, em torno do tema. É o que se pode perceber do depoimento do Sr. Raimundo Ferreira de Andrade, liderança da área do Antimary: “eu sou contra e lá no Antimary todos são contra. Por incrível que pareça só teve dois que aceitou a proposta dele69. Aí eu falei p’ra ele que poderia até aceitar depois que eu visse o projeto do Porto Dias. Mas, pelas informações que eu tenho, que lá é um destruço. Inclusive o rapaz teve aqui conversando com nois e disse que tá se retirando de lá com raiva porque é uma bagunça, um estrago, é uma coisa horrível. Tem invasão de colono, tem até invasão de fazendeiro. Lá no Limoeiro o estrago está lá p’ra quem quiser ver. Depois que eles marcam o seringueiro não pode fazer mais roçar estrada, não pode tirar seringa, cortar um pau ...não pode fazer nada. Alí só com trinta anos , depois de retirar a madeira que tá em possibilidade de ser tirada é que vai ter produção de novo naquela área alí. Então na área de reserva extrativista que é p’ra preservar. Já nois somos enfezados com uma invasão que tem lá pro lado de Sena Madureira na mesma reserva, então porque não fazem essa retirada, essa pesquisa deles em área de colônia? Por que em área que tem seringa nois não vamos aceitar”.

O manejo florestal sustentado é definido por Viana (1991, p. 2) “como o aproveitamento econômico e a conservação dos recursos das florestas naturais visando a perpetuação da cobertura florestal, a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento Sócio-econômico”. Em linhas gerais, para o manejo da retirada de madeiras, primeiro faz-se um levantamento botânico que corresponde a um inventário florestal para identificar as espécies que existem naquele local. Uma vez feito o inventário, faz-se a seleção das espécies definindo as que serão 69

O Sr. Raimundo se refere ao Eng. florestal Estênio Melo da ONG “Andiroba”, que levou a proposta de manejo florestal para a comunidade do Antimary. Após as discussões e a negativa da


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retiradas. Depois se parte para o planejamento das estradas, treinamento da comunidade para

derrubar as árvores de forma que ela ao cair cause baixo

impacto ambiental. E por fim, elabora-se o plano de manejo a ser apresentado ao IBAMA que cuidará da fiscalização. A retirada da madeira envolve pelo menos cinco fatores: a intensidade da extração, que corresponde ao volume em metros cúbicos por hectare a ser retirado; o ciclo de extração, que é o intervalo de tempo entre uma e outra extração; a forma de extração, mecanizada ou a tração animal; o período de extração, que é o tempo a ser considerado, e o mercado (Viana, 1991, p. 3). O ordenamento desses fatores, em termos de definição de magnitude de valores, corresponde ao plano de manejo. Para Viana (1991), o manejo da floresta é justificável pela existência de tecnologias apropriadas. Faz, no entanto, ressalvas no sentido de que o manejo na América Latina deve ter um caráter experimental, em virtude da possibilidade de incorporação de novas informações. Ao propor o manejo nas RESEX como forma de melhorar os sistemas de produção e a renda dos extrativistas, ressalta a importância das informações básicas que podem ser adquiridas através de programas de pesquisas e a participação e treinamento das comunidades envolvidas. No entanto, ressalta que é necessário rever a abordagem tecnicista, argumentando que é necessária uma profunda mudança, tanto das atitudes dos técnicos quanto das Universidades que os formam. Estas idéias de Viana estão sendo colocadas em prática em um projeto de manejo florestal no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Chico Mendes, em Xapuri, que recentemente conseguiu o selo verde. Trata-se do primeiro projeto de manejo florestal comunitário do Brasil a conseguir a certificação pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal, na sigla em inglês) (Angelo, 2002). O argumento de Viana na defesa deste projeto que, afinal, desenvolve uma atividade que os seringueiros ao longo do tempo combateram com vigor, que é a

comunidade foi feito um convite ao Sr. Raimundo para visitar uma experiência de manejo em fase de execução no PAE Porto Dias, na tentativa de faze-lo mudar de idéia.


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extração de madeira, é que os seringueiros, como toda comunidade de pequenos produtores da Amazônia, desmatam para plantar roças que depois são transformadas em pasto, principalmente em função da atratividade econômica da Pecuária. O manejo inverte esta lógica de valorização, em que o mercado, ao não expressar os valores de bens e serviços ambientais, permite que as atividades tradicionais de uso dos produtos florestais obtenham retornos econômicos inferiores à atividade pecuária. Ao analisar a experiência de manejo no PAE Chico Mendes, afirma que a receita do total da produção, que é formada basicamente de castanha, borracha, madeira e de outros produtos, é bem inferior à receita obtida com a produção de madeira de forma manejada. Por fim, acredita que a certificação resultará em elevação da receita (Viana, 2002). Segundo ainda Viana, “o resultado dessa experiência é expressivo: dos nove seringueiros que iniciaram a produção de madeira, cinco já deixaram de desmatar florestas para implantar roças e pastagens no primeiro ano de colheita florestal. Os seringueiros são extremamente inteligentes (sic): ao serem apresentados a uma alternativa concreta para evitar o desmatamento, tomaram o caminho óbvio. Esse exemplo pode ser referência para milhares de outras comunidades na Amazônia” (Viana, 2002). Contra o perigo que representa a possibilidade de se auferir receita em uma atividade que, fora do processo de produção manejada, é predatória do meio ambiente, argumenta que esta é a melhor forma de se manter a floresta em pé. A floresta não pode mais ser vista como algo intocável, nem como um grande almoxarifado capaz de atender continuamente às demandas. É necessário regular a intensidade, a freqüência e a forma de colheita. É esta idéia que constitui o núcleo do conceito de “jardinagem florestal, que significa cuidar da floresta utilizando o saber tradicional aliado aos conhecimentos da ciência e tecnologia convencionais (Viana, 2002)”. A partir de seus dados é possível estabelecer uma previsão de renda, tabela 32, simulando um cenário cujos dados são os seguintes: considera-se uma colocação média de 300 ha, supõe se a possibilidade de manejo em uma área de


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1 ha que corresponde ao que é permitido pelo IBAMA a ser explorado de mata bruta por ano por colocação, supõe-se também um baixo ciclo de extração, no caso 20 metros cúbico ou o equivalente a 4-5 árvores, a um preço estimado de R$ 800,00 reais o m3, que é o preço médio conseguido com a madeira certificada. Nesta simulação a renda bruta anual alcançaria o valor de 16.000 reais.

Tabela 32 - Simulação de Renda Anual Proveniente do Manejo Florestal (R$) Tamanho médio da colocação (ha)

300

Área a ser explorada (ha)

1

Produção estimada (m3)

20

3

Preço médio do m (em R$) Renda total (ha) (em R$)

800 16.000

Os dados gerais foram extraídos de Viana, (1991) e o preço médio do m3conforme dados do IBAMA

No caso da estimativa de renda para a RESEX Chico Mendes não se pode relevar os custos de produção, que são muitos altos, como foi mostrado no capítulo anterior. Estes custos, em virtude do caráter incipiente das experiências envolvendo o manejo, ainda não foram devidamente apurados. Dessa forma, a projeção deve ser encarada com muita cautela, sem contudo descartar a análise desse tipo de discussão em torno da importância que esta atividade pode vir a desenvolver junto às populações rurais do Acre. Segundo informações prestadas pelos moradores do projeto Porto Dias, local onde foi desenvolvida uma experiência deste tipo, os custos podem vir a ser reduzidos se houver negociação prévia com os madeireiros compradores. Na experiência realizada naquele PAE o custo foi baixo porque a árvore abatida era entregue no ramal, sendo que o proprietário da serraria cedia o trator e o guincho para arrastar a árvore até o ramal onde era embarcada no caminhão que efetuava o transporte até a serraria. Segundo informações prestadas pelo engenheiro florestal que coordenava o projeto pelo CTA Estênio Cordeiro de Melo, o segredo do trabalho está na participação da comunidade. Se ela trabalhar de forma organizada, com apoio


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institucional, os resultados são excelentes. A renda do produtor aumenta e a floresta continua de pé. Esta é uma forma de valorização, principalmente para os projetos agrícolas senão eles transformam a floresta em milho e mandioca, conclui Estênio Melo. O fato é que de forma crescente vai aumentando os argumentos e apoios à atividade madeireira. Apesar deste apoio cada vez maior, foi detectado na pesquisa que na reserva ainda é muito grande a resistência à retirada de madeiras. Este quadro poderá ser revertido mas envolverá um certo tempo para o processo de discussão e persuasão das vantagens e dos baixos impactos ambientais que esta atividade pode ser executada. Por outro lado, ainda restam alguns eminentes cientistas como é o caso do Prof. Paulo Kageyama, que vêem esta atividade com restrições. Diz ele: “a princípio sou contra. Sou favorável em condições muito excepcionais, porque acho que os métodos de exploração e manejo da floresta tropical existente até hoje são bastante predatórios, e justamente por isso não está interessando muito ao CNS. A exploração tradicional com certeza sou contra justamente porque a reserva perde seu grande trunfo, o charme que é a preservação da biodiversidade”. Esta importância crescente da discussão a respeito da atividade madeireira tem sua justificativa, principalmente em função do crescente apoio que a atividade tem conseguido, em grande medida respaldada em estudos científicos, como é o caso da recente pesquisa efetuada pelo IMAZON (Scheneider, 2000) em conjunto com o Banco Mundial, em que os autores afirmam categoricamente que as atividades pecuária e agrícolas não são adequadas para cerca de 87% das terras amazônicas em virtude da altas taxas de precipitação pluviométrica. O estudo assinala que o uso da terra em condições normais, ou seja sob o sabor das forças de mercado tenderiam a ser utilizadas pela pecuária e a exploração predatória da madeira. Em ambos casos a floresta corre sérios riscos. Propõe então que a política de cunho desenvolvimentista deve ser fortemente ancorada no manejo florestal. (Scheneider, 2000). De qualquer maneira, há que se considerar nestes estudos diferentes visões a respeito da questão ambiental, além de considerar, para o caso da RESEX Chico Mendes as dificuldades imensas que o conjunto de


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moradores tem para desenvolver atividades consideradas simples, sobretudo dado o nível de dificuldades que a atividade de extração da madeira exige.

Quadro 1 - Argumentos referentes à viabilidade do manejo florestal ARGUMENTOS A FAVOR A atividade é rentável Causa baixo impacto ambiental

ARGUMENTOS CONTRARIOS A extração exige investimentos e infraestrutura Exige estudos e pesquisas

Aumenta a renda dos extrativistas

O ciclo é longo

Fortalece a economia da floresta

Exige conhecimentos inacessíveis ao seringueiro O processo é irreversível Os custos são altos A pecuária e a agricultura degradam O lucro é concentrado para os o solo madeireiros Exige tecnologia e fiscalização.

7.3 Sistemas Agroflorestais

Uma das alternativas de ampliação de renda bastante discutidas pelos diversos setores que tratam da questão das reservas são os denominados sistemas agroflorestais, principalmente depois da experiência exitosa do projeto Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado). Este projeto localizado às margens da BR-364, na localidade Nova Califórnia, no estado de Rondônia. De acordo com Carvalho (2000, p. 152) este projeto nasceu “sob o signo da sustentabilidade econômica e ecológica, voltada para o mercado, sem que cada unidade familiar perdesse sua dimensão básica de supridora das necessidades essenciais de sobrevivência das famílias que formam a comunidade que constitui Nova Califórnia”. Segundo a avaliação de Carvalho (2000, p. 198) o projeto RECA desenvolve uma agricultura que respeita as leis ecológicas, neste sentido, pode ser considerado como uma forma alternativa de uso da terra. Apesar

de


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reconhecer uma série de vantagens dos SAFs, como é o caso do RECA, no entanto Carvalho é cauteloso quando se trata de pensar em alternativas de desenvolvimento agrícola para o conjunto da Amazônia. Apresenta dois argumentos: os sistemas ainda não foram suficientemente estudados e por outro lado, são poucos os modelos com comprovação de viabilidade econômica. De qualquer forma, quando a proposta é apresentada como alternativa para as RESEX, os argumentos giram em torno de duas idéias centrais: A sustentabilidade do uso da terra e a elevação da renda dos extrativistas. Argumenta-se que os sistemas agroflorestais reduzem a pressão para os desmatamentos, o uso da terra ocorre em condições sustentáveis, não degrada o solo e há uma diversificação e integração da produção. Uma visão crítica a respeito da forma como está sendo discutidos os SAFs em toda a Amazônia é do Assessor do CNS, Mário Jorge da Silva Fadell, que argumenta que o sistema agroflorestal está sendo discutido de uma forma errônea segundo seu ponto de vista, porque visa a implantar culturas perenes de diversas famílias para alcançar determinados mercados. E o mercado para um produto tem limites, de forma que pode ocorrer o mesmo caso da castanha que tem imensa quantidade de áreas plantadas e produzindo e não tem como vender o produto. O SAF é importante porque diversifica a base produtiva do seringueiro e aproveita melhor o seu tempo. Segundo Costa Filho (1995), a CAEX e a Fundação Ford, firmaram convênio para desenvolver um projeto de pesquisa a partir da idéias dos SAFs, envolvendo o potencial produtivo de 15 produtos. Deste estudo resultou uma proposta que pode ser representada através de um pequeno modelo de simulação envolvendo preços e quantidades de quatro produtos ao longo de 10 anos. Ao verificar na atualidade os preços, após longo período de tempo da projeção, vê-se que os mesmos que estavam expressos em dólares podem ser convertidos para o real. O importante na simulação é apreender as diversas possibilidades de geração de renda no âmbito da RESEX. Esta simulação, apresentada na tabela 33, mostra que a implantação do SAF envolvendo 4 produtos pode representar um


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ganho substancial a ser incorporada à renda dos extrativistas. Já no segundo ano a renda pode alcançar R$ 1.166 reais e gradativamente ir se elevando ao longo do tempo até atingir a quantia de R$ 2.341 no décimo ano. O estudo, no entanto, peca ao não apresentar a estrutura dos custos de produção, o que não permite o cálculo dos ganhos líquidos decorrentes da implantação do referido SAF.

Tabela 33 - Projeção da Renda Média Anual em R$ decorrente da Implantação de um SAF na RESEX Chico Mendes Produtos do SAF Borracha Castanha Castanha de Caju Palmito de Pupunha Total

R$/kg Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Ano 6 Ano 7 Ano 8 Ano 9 Ano 10 1,35 201 404 605 807 0,45 102 203 243 284 3,17 1.166 1.166 1.166 1.166 1.166 1.166 1.166 1.166 1.166 0,07 84 84 84 84 84 84 84 84 1.166 1.250 1.250 1.250 1.250 1.553 1.857 2.098 2.341

Obs.: Estimativa Ecotec e Costa Filho, adaptação minha Fonte: Lafler, J. Planaforo (1989) Apud Costa Filho (1995)

Uma outra alternativa a considerar, fruto do desenvolvimento de um projeto envolvendo cerca de 70 produtores da Reserva Chico Mendes na área de Xapuri, é o plantio de um só produto, no caso a pupunha visando a extração de palmito. A SEFE e as associações tratam de negociar o produto no mercado estabelecendo contato com a BONAL empresa do ramo, além de outras providências como o licenciamento no IBAMA. A empresa que comprou a produção propôs inicialmente o preço de R$ 1,40 o quilo, mas aceitou o preço de 2 reais, desde que os filhos dos produtores freqüentem a escola. O Sr. Euvaldo, um desses produtores, após financiamento do Banco iniciou a plantação de 14.000 pés de pupunha em 4 hectares. O primeiro corte foi feito em 2000, após dois anos após o plantio. Desses 14 mil houve um aproveitamento de 80% , alcançando o preço de 2 reais por quilo (2 a 3 hastes), sendo que o retorno do investimento é esperado para o 2º corte devido à alta produtividade da plantação de pupunha. O Sr. Euvaldo explica que o trabalho maior é no início, quando da ocasião da broca do mato, depois vem a derrubada e a queimada. Depois vem a preparação das mudas e só após a sua germinação, que depende da qualidade da semente então é efetuado o plantio. A produtividade é alta em


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função de sua alta regeneração e produção de filhos, que chega a produzir cerca de 3-4 brotos por pé70. De acordo com o relato do produtor tem-se uma idéia geral do que ocorre nas reservas. O produtor vivia da extração da borracha, todavia, com a queda nos preços da borracha procurou outra alternativa. Quando surgiu a oportunidade do financiamento, parte do dinheiro foi investido na produção de mudas e parte economizada com o uso da força de trabalho familiar foi investida na pecuária. Foi o investimento de parte do dinheiro na pecuária que permitiu ao produtor ir vivendo enquanto o seu investimento na pupunha não apresenta retorno. Ressalta que a pecuária apresenta a vantagem de possibilitar o acesso a recursos de maneira rápida. Assim no caso de ficar inadimplente ou o caso de doença na família a saída é a venda de gado, além disso produz queijo, leite e se pode consumir eventualmente a carne. Parte do dinheiro usado no investimento da pupunha já é decorrente do retorno da pecuária, sendo que o produtor já está investindo também em piscicultura. Em resumo, o Sr. Euvaldo tem 4 ha de pupunha , 20 ha para a pecuária, 3 ha para o plantio de frutas (banana, cana, cupuaçú e graviola) e 2 ha para um roçado para a plantação de subsistência, sendo que o resto de sua área de cerca de 300 ha ainda é mata bruta. Este parece ser um caso paradigmático dos processos que estão ocorrendo nas reservas. O crescimento da agricultura familiar e da pecuária, sendo que esta última atividade desempenha papel fundamental como alternativa de renda. Por fim, os produtores desenvolvem novas experiências com produtos florestais cuja atividade apresenta boas perspectivas de rendimentos.

70

Deve-se atentar que muitos problemas, tais como transporte e armazenagem foram superados pela forma de negociação envolvendo o produtor e a empresa compradora.


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7.4 Ilhas de Alta Produtividade

As denominadas “Ilhas de Alta Produtividade” (IAPs), são uma inovação tecnológica, ainda em fase de experimentação, que resultará em um incremento de produtividade para a atividade extrativista da borracha. Ao longo do tempo o extrativismo da borracha na Amazônia, conviveu com uma praga que atacava as folhas e impedia o desenvolvimento natural das árvores chamada de “mal das folhas”. Isto de certa maneira foi decisivo para que o seringal em termos físicos se estruturasse dessa maneira. Amplo, com árvores dispersas, longas distâncias e, sobretudo, contribuiu decisivamente impedindo a trajetória tecnológica natural que seria a produção do seringal de cultivo. A floresta por si mesma funciona como um protetor natural para a disseminação da praga, na medida em que a dispersão natural e a cobertura vegetal não permitem a propagação do mal, mas condenaram o extrativismo da borracha a baixos índices de produtividade vis a vis os seringais de cultivo asiáticos e mais recentemente, os seringais do sul do país. A partir desta simples constatação e da necessidade de desenvolver a borracha de cultivo para ampliar a produtividade foi que o CNS firmou convênio com a USP/ESALQ para o desenvolvimento de pesquisa visando à resolução do problema. Dessa forma, foi criado o projeto denominado de “Ilhas de Alta Produtividade” coordenado pelo prof. Paulo Kageyama. Segundo o prof. Kageyama a proposta das “Ilhas” partiu da observação de que os seringueiros viviam um impasse econômico, já que o extrativismo vem tendo cada vez mais problemas principalmente pelo sucesso da cultura intensiva da seringa, o que torna evidente a falta de competitividade do extrativismo. Isto, ressalta o prof. Kageyama, é o que a teoria mostra e o Homma e outros enfatizam com razão. A saída que o prof. Kageyama vislumbrou, sem perder de vista o mais importante que é a conservação da floresta, partiu da seguinte observação: primeiro constatou a pouca presença de seringueiros em extensas áreas. Em uma colocação média de 400 ha, ocorre de 400 a 500 árvores, o que dá uma média de


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1 arvore por hectare. É uma densidade muito baixa e isto faz com que o extrativismo realmente seja de baixa produtividade por área. A proposta das ilhas surgiu então com o objetivo de aumentar a densidade de árvores sem perder a estrutura da floresta. Nas suas palavras: “a gente concentra então um número muito alto de árvores, cerca de 200 em um hectare, usando uma tecnologia bastante avançada – variedades melhoradas, adubação, fertilização mineral, tratos culturais -, só que em pequenas áreas, que denominamos de “Ilhas de Alta Produtividade”. O segredo é que as pequenas áreas não permitem que a doença, nem a praga se propague porque são protegidas pela floresta que funciona como um “tampão” às ilhas”. Essa proposta, continua o professor, tem um embasamento científico e isso é verificável. Por outro lado, é uma das formas das RESEX aumentar a produtividade sem perder de vista seu conteúdo preservacionista. Quanto aos custos, o pesquisador alega que estes são menores do que uma cultura qualquer, só que o extrativista terá uma colocação com 20 ha manejados intensivamente e estes estarão separados em ilhas. O seringueiro, em seu processo de trabalho, terá que percorrer pequenas distancias de uma ilha para outra, o que é irrelevante, principalmente se considerarmos que os seringueiros são acostumados a percorrerem grandes distancias no interior da mata. Além da produtividade a proposta apresenta um aspecto fundamental que é ressaltar a importância da incorporação da tecnologia ao processo produtivo do extrativismo. Esta é uma das muitas alternativas propostas, que afirma o conteúdo preservacionista, mostrando as possibilidades de consolidação das RESEX na direção que Sachs aponta de crescer sustentavelmente. A tabela 34 elaborada por Batista (2000), com os mesmos dados provenientes da pesquisa de campo do ASPF, mostra os resultados econômicos de uma IAP em comparação com os dados do extrativismo tradicional. As informações são referentes à colocação Boa Vista, onde já existem 5 ilhas implantadas. Assim, os dados não só permitem uma comparação do resultado econômico das “ilhas” com o extrativismo tradicional, como permite uma apreensão do impacto na renda decorrente da implantação dessa inovação


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tecnológica. Conforme a tabela 31, enquanto no sistema tradicional a renda bruta apurada foi de R$ 66,67 – incluído no preço da borracha o subsídio -, nas 5 ilhas a renda bruta duplica atingindo o valor de R$ 132,44. A renda líquida que é negativa de R$ -16,93 passa para R$ 75,60. A margem bruta familiar, indicador que mostra a parcela da renda que é efetivamente embolsada pelo produtor, evolui de R$ 62,08 para expressivos R$130,67. Por fim, a implantação das ilhas impactam de forma positiva na eficiência econômica do processo de produção. Se no extrativismo tradicional o IEE da borracha é de 0,78, o que significa que a exploração é economicamente ineficiente, com as ilhas este índice passa para 2,21. Na situação anterior o índice menor que 1 apontava para um quadro de prejuízo. Para cada real gasto o produtor recebia apenas 0,78 do valor despendido. Já com as ilhas, o índice de 2,21 representa um quadro de lucro expressivo. Para cada real gasto, o produtor ganha mais que o dobro. Esta melhoria se expande para as próprias condições de trabalho do seringueiro. Se antes a mão - de - obra - familiar média anual era de 257,25 homem /dia, com as IAPs este resultado diminui para 240, o que, em última instância, representa não só diminuição da força de trabalho, mas, uma significativa melhora nas condições de trabalho, notadamente, na diminuição da extensão da área a ser percorrida no processo de corte e coleta.

Tabela 34 - Comparação do sistema extrativista tradicional da borracha e as IAP's (colocação Boa Vista) Indicadores Renda Bruta (RB) Renda Líquida (RL) Margem Bruta Familiar (MBF) Índice de Eficiência Econômica (IEE) Mão-de-obra

Unidade Extrat. Tradicional 66,67 R$/ano -16,93 R$/ano 62,08 R$/ano 0,78 und. 257,25 H/D

Obs.: IAP - Ilha de Alta Produtividade; H/D - Homens/dia Fonte: Batista (2000)

1 IAP 29,49 15,12 26,13 2,21 48,00

5 IAPs 132,44 75,60 130,67 2,21 240,00


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7.5 Serviços Ambientais

Uma outra questão, situada no contexto da discussão provocada pelo protocolo de Kyoto, é a referente à preservação dos estoques de carbono. O que ocorre é que, como já enfatizado, o protocolo tem suas preocupações centradas na emissão dos gases de efeito estufa. Da forma como é tratada, ao estipular meta a serem atingidas pelos países emissores, a questão em termos de responsabilidades quanto ao problema fica reduzida ao âmbito desses países. Fearnside (1997, p. 42) acertadamente faz um alerta: “Todos os países vão sofrer os impactos do aquecimento global. O problema é tão grande que todos precisam colaborar para resolvê-lo. E o problema precisa ser resolvido, não existe a opção de não se fazer nada”. No que se refere ao Brasil ou mais especificadamente à Amazônia, considerando o fato de que a floresta constitui-se num amplo reservatório de carbono, fica evidente seu papel estratégico nesta questão, principalmente no esforço de evitar o desmatamento, o que em última instância significa a manutenção do estoque de carbono. Ocorre que não há crédito para projetos de manutenção do estoque, o que implica em termos concretos, uma perda de oportunidade de fortalecer as políticas ambientalmente corretas. De acordo com Fearnside, se fossem atribuídos créditos, em forma de anuidades, para a manutenção dos estoques de carbono em risco o que englobaria todas as florestas tropicais, “Isto aumentaria em muito o crédito referente à floresta amazônica, dando a oportunidade de que sejam criadas as estruturas institucionais necessárias para tornar o fornecimento de serviços ambientais uma base para o desenvolvimento sustentável para a população rural na região” (p. 42). Este conjunto de considerações, particularmente, a visão de não atribuir valores aos bens e serviços ambientais, parece ter sua explicação na forma como a economia convencional considera o meio ambiente. Para esta corrente econômica a natureza é uma supridora de insumos e receptora de dejetos da produção. Esta dupla função tem seus limites ampliados em decorrência das


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inovações tecnológicas. Por outro lado, ao considerar a possibilidade de substituição perfeita entre os fatores de produção, excluem por completo as restrições ambientais, de forma que estas são superáveis ao longo do tempo. O fundamental é que ao assim proceder, a economia convencional remete as restrições ambientais, consideradas externalidades, ao âmbito do mercado. Este como instância que é regulada pelos preços dos fatores, que expressa o grau de escassez relativa dos produtos e serviços, não possui mecanismos de valoração capazes de atribuir valores corretos aos produtos e aos serviços florestais. Fica claro, portanto, a incapacidade do mercado de avaliar corretamente os valores de uso da floresta bem como o serviço ambiental prestado pelos extrativistas seja como mantenedor dos estoques de carbono, seja como mantenedor dos recursos florestais. Contudo, vários estudos apontam para a necessidade de se pagar pelos serviços ambientais como forma de gerar receitas e remunerar aqueles que protegem a floresta e seus recursos como é o caso dos seringueiros na Amazônia. Um dos caminhos possíveis para o pagamento dos serviços ambientais, é a atribuição de subsídios às atividades consideradas sustentáveis. Esta alternativa, entre outras, representa uma forma prática de resolver um problema complexo que é a conversão dos serviços ambientais da floresta em fluxo de renda (Fearnside, 1997). Dessa forma, os extrativistas e outros povos poderiam ter uma compensação pelos serviços de manutenção da biodiversidade, armazenamento de carbono e ciclagem da água, cujo valor, segundo Fearnside (2000), é bem superior á renda decorrente do uso da terra com as atividades tradicionais, como a agricultura e a pecuária. 7.6 O Protocolo de Kyoto

Diversos estudos, na área ambiental, têm alertado para variações climáticas decorrentes da emissão em larga escala de dióxido de carbono e a


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concentração destes na atmosfera, ocasionados sobretudo pela queima de energias fósseis e, ainda, pelas queimadas nas florestas. Esta preocupação geral acabou por se constituir no eixo central do protocolo de Kyoto que estabelece, dentre outras providências, que os países desenvolvidos (pertencentes ao anexo 1) principais emissores dos gases de efeito estufa, deveriam reduzir, a partir de 2008 até 2012, as emissões em 5% em relação ao ano base de 1990. O protocolo, assim, procura estabelecer um monitoramento permanente com revisão, troca de informações e, sobretudo, com mecanismos efetivos de controle das emissões. Recentemente71, os jornais noticiaram que os EUA desistiram de assinar o protocolo de Kyoto. A decisão, representava um retrocesso nas negociações que visavam definir medidas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. A decisão, por outro lado, suscitava uma questão: porque a dificuldade de se tomar medidas efetivas visando a resolução de um problema tão sério? O argumento do presidente George W. Bush, para a retirada da assinatura dos EUA do protocolo era que o mesmo contrariava os interesses da economia americana, pois o corte na emissão de gases provenientes da queima de energia fóssil implicaria uma remodelação do padrão industrial americano, portanto, exigiria uma quantia relevante para a adequação e certamente traria implicações em termos de competitividade e mercados. Não está explicitado no jornal, mas este tipo de argumento só se estabelece em função de controvérsias cientificas. Em verdade, subjacente aos argumentos prevalece a concepção de não se fazer nada enquanto houver incertezas cientificas. Foi exatamente baseado em riscos provenientes de casos como o exposto que recentemente foi incorporado ao Direito Internacional o “princípio da precaução”. Para Godard (1997, p. 119) é entendido que o princípio “pode exigir ações que limitem as emissões de certas substâncias potencialmente perigosas,

71

Ver a este respeito, por exemplo, Folha de São Paulo de 29.03.01, sob o titulo “Bush desiste de protocolo de kyoto” .


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sem esperar que uma relação de causalidade seja estabelecida de maneira formal sobre bases cientificas” Como mostra Godard (1997), o princípio da precaução possui uma dupla ligação com a noção de desenvolvimento sustentável. A primeira, é que ambos conceitos emergem da tomada de consciência da irreversibilidade de diversos processos, notadamente os que envolvem o uso de recursos naturais, antecipando medidas apropriadas a fontes potenciais de danos, sem esperar que os mesmos ocorram, ou que certezas cientificas esclareçam os papeis definindo o causador e o efeito do dano ambiental. A outra ligação, é derivada da amplitude crescente das complexidades e a presença no seu interior da incerteza. Tal como adotar o princípio de desenvolvimento sustentável, adotar o princípio da precaução implica compromissos de cunho solidário com as gerações futuras, ao evitar a tomada de decisões que podem ser irreversíveis sob um cenário de incertezas. Por outro lado assumir a regra da precaução absoluta aponta na direção de uma paralisia intolerável pelo conjunto da sociedade o que implicaria em transformar o conceito em um instrumento inviável. A problemática das mudanças climáticas, numa perspectiva do conceito do princípio da precaução, pode ser visto da seguinte maneira: não é necessário demonstrar cientificamente ou esperar que ocorram catástrofes para que se adotem medidas para redução dos gases de efeito estufa. A existência do protocolo de Kyoto já é por se próprio uma demonstração inequívoca de que os países industrializados em diferentes níveis já incorporaram esta noção. Mostra também, a partir do exemplo americano, as dificuldades das tomadas de decisões envolvendo o meio ambiente quando implica em mudanças profundas no cerne do padrão de desenvolvimento capitalista. Como bem assinala Altvater (1995), não há como enfrentar os desafios ambientais sem mudanças no padrão de produção e consumo predominantes desde o pós-guerra. Para o caso amazônico, não resta dúvidas quanto à pertinência do conceito. Não é necessário esperar obter certezas científicas quanto ao papel que a floresta exerce no ciclo do carbono. Neste sentido, é possível adotar desde logo, não só o princípio da precaução, mas amplamente a noção de sustentabilidade


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como princípio básico e norteador e ter em vista a manutenção da floresta como condição ex ante, para se pensar o desenvolvimento regional numa perspectiva global. A Amazônia, neste processo, tem papel relevante, na medida em que, influencia o clima global através da emissão e retenção de gases e da evapotranspiração. Segundo dados recentes, este fenômeno na Amazônia é tão relevante que chega a ser responsável por cerca de 50% das chuvas que a floresta recebe, sendo que o restante é originário das águas do oceano Atlântico. O fundamental, contudo, é que existe um quadro de imensas incertezas, do ponto de vista científico, para estabelecer o exato papel que a floresta amazônica desempenha nas mudanças climáticas. As queimadas, por exemplo, suscitam controvérsias pela dificuldade de se determinar precisamente a quantidade de liberação de carbono para a atmosfera quando da ocorrência de queima de sua biomassa. Para se ter uma idéia, segundo Koskela (2000) se houvesse uma interrupção em todo o desmatamento, a emissão de CO2 seria reduzida pelo menos em 20%. De qualquer maneira, em que pese a grande quantidade de dúvidas e controvérsias, é possível afirmar que as florestas tropicais afetam o clima local e globalmente, pelo menos de 4 maneiras: i)

– pela absorção de energia solar;

ii)

– pela modificação de movimento dos ventos;

iii)

- partilhando energia e água ;

iv)

- pela troca de CO2 na fotossíntese (Koskela, 2000)

O fundamental do exposto é que a Amazônia, mesmo num ambiente de incertezas, desempenha papel estratégico na questão ambiental e, por conseqüência, no protocolo de Kyoto. Estas considerações implicam espaço para o governo, seja federal ou estadual, desenvolver projetos na linha do desenvolvimento sustentável, consolidando, portanto, um leque de possibilidades em termos de conservação e gerenciamento sustentável das florestas visando, sobretudo, a redução da emissão de gases.


194

O principal mecanismo que pode ser acionado pelos governos é o chamado “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL), que visa a atender projetos que têm por objetivo a redução da emissão de gases por países não incluídos no anexo 1 (países em desenvolvimento) e, desta forma, ajudar os países emissores a cumprir suas metas (Moreira e Schwartzman, 2000). A inclusão do MDL no protocolo, em essência, abre a perspectiva de que os países desenvolvidos financiem projetos na linha de sustentabilidade e transformem os resultados em quotas a serem abatidas da sua meta. A posição do governo brasileiro é de que as florestas não devem ser consideradas para efeito de certificação do MDL. Esta visão do governo brasileiro é resultado da idéia de que as florestas já existentes não contribuem para a mitigação dos efeitos da liberação dos gases e argumentam que a conservação da floresta não traria nenhuma compensação para o carbono emitido (MUNIZ, S/D). Isto evidencia o quanto a questão amazônica é relevada, seja por argumentos cuja base são cálculos econômicos de custos e benefícios, seja por desconhecimento do papel que o ecossistema florestal desempenha nos processos macroecológicos como os ciclos do carbono e hidrológicos que afetam o clima global. A repercussão desta visão no âmbito da Amazônia não encontra ressonância,

na

medida

em

que

não

se

vislumbra

perspectivas

desenvolvimentistas, pelo menos a curto e médio prazo, no padrão industrial prevalecente no Brasil. Assim, o aproveitamento do MDL representa uma alternativa estratégica de oportunidade de fortalecer projetos e ações de cunho sustentável. O Brasil deveria repensar seus conceitos a respeito da Amazônia, e poderia aproveitar a manutenção do estoque de carbono, através da conservação da floresta amazônica, como concepção básica de uma política desenvolvimentista e transforma-la em fator estratégico de barganha a nível internacional.


195

CONCLUSÕES

A importância das RESEX pode ser melhor apreendida a partir da constatação do crescente interesse que os problemas ambientais têm despertado em todo o mundo. A ocorrência de danos ambientais, muitas vezes em escala planetária, bem como a perspectiva real de mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, colocaram a preservação da floresta amazônica como ponto relevante na questão ambiental global. A Amazônia passou, então, a fazer parte do conjunto das preocupações ambientais internacionais, o que de certo modo se amplia na medida em que pesquisas e estudos revelam a importância do ecossistema florestal amazônico para o planeta. Este quadro foi determinante na luta dos seringueiros para viabilizar as Reservas Extrativistas. Estas, inicialmente criadas no contexto da luta pela terra, incorporaram a questão ambiental, vindo a se constituir em alternativa ao processo de devastação pelo qual passava a Amazônia no final dos anos setenta. Como decorrência disto, as lideranças do CNS e diversos setores da sociedade a consideraram uma espécie de reforma agrária ecológica, na medida em contemplavam a resolução da questão fundiária e, ao mesmo tempo, preservavam a floresta Amazônica. A inserção da luta dos seringueiros em torno da posse da terra e de melhores condições de vida, no movimento mais geral dos ambientalistas internacionais constituiu-se, sem dúvidas, no elemento novo na questão ambiental amazônica. A atuação dos extrativistas da Amazônia e a pressão do Movimento Verde resultaram na mobilização de amplos setores da sociedade, contribuindo para legitimar as RESEX como proposta viável no âmbito da sustentabilidade. Há que se considerar, ainda, o grande impacto produzido na Amazônia, resultante da forte mobilização interna e da canalização das apreensões ambientais da comunidade ambientalista internacional, que implicou o redirecionamento da política ambiental


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brasileira e, sobretudo, na redefinição da política de ocupação do espaço amazônico. Para o conjunto dos extrativistas, porém, a criação das RESEX ainda não implicou mudanças significativas. Mesmo com a garantia da terra que, além de proporcionar a segurança natural possibilita o acesso a financiamentos, ainda é considerável o número de unidades produtivas excluídas dos benefícios decorrentes da criação da RESEX. Persiste o problema que é representado pelos diferenciais de renda no interior da reserva. Em alguns locais de difícil acesso algumas famílias ainda vivem apenas do extrativismo da borracha. Para elas, o estabelecimento da RESEX, ainda que garantindo a posse da terra, não representou grandes mudanças, de forma que as antigas relações existentes nos seringais são repostas em forma de pobreza e miséria. Assim, a garantia da terra, o não pagamento de taxas e a não-obrigatoriedade de compra e venda exclusiva no barracão, parecem não ter incidido substancialmente sobre as vidas dos seringueiros, o que nos permite afirmar não ser suficiente, para a solução de seus problemas. De qualquer maneira, este estudo evidencia a pertinência e acerto da política ambiental representada pela existência das RESEX. Sem dúvida, no plano real, trata-se da melhor e mais adequada proposta de conservação da floresta amazônica. Contribuiu em muito para o êxito da proposta a ampla mobilização do conjunto de moradores da reserva. A adoção de um mix de políticas ambientais, envolvendo políticas de comando e controle e uso de instrumentos econômicos, na medida em que é resultado de um processo de discussão no interior das RESEX, legitima e assegura a efetivação das medidas. Em decorrência os controles e a fiscalização, em geral dispendiosos, tornam-se viáveis por conta do envolvimento dos moradores. Após esta exposição cabe retornar-se à questão levantada no início deste trabalho, a saber, a noção bastante difundida de que as RESEX conformariam um modelo de desenvolvimento sustentável ideal para a Amazônia. Considera-se um equívoco esta dimensão atribuída às reservas devido a implicações que pouco


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contribuem para a compreensão desta proposta, cujo núcleo conceitual está fundado na concepção de sustentabilidade. Ao longo deste trabalho tentou-se demonstrar que este equívoco resultou, a princípio, numa dificuldade de aceitação dessa proposta por muitos considerada fruto de uma elaboração externa à região. Isto, em parte, tem sua explicação no forte apoio que as reservas receberam do movimento ambientalista internacional. Por outro lado, deve ser ressaltada a existência de um forte descrédito no extrativismo por parte considerável do conjunto da população acreana, descrença esta compreensível se for levado em consideração suas experiências com o velho seringalismo, baseado na centralização e domínio das relações comerciais pelo barracão. Estas atitudes, frente às reservas, são decorrentes de uma confusão entre a proposta das RESEX e a atividade extrativista da borracha. Além disso, parecem desconsiderar que, por mais de um século, uma população pobre, não - indígena, viveu na e da floresta, e que recentemente é ela que, ano após ano, impede os desmatamentos na região. Como se isto não fosse suficiente, coube a esta mesma população elaborar, de forma organizada, uma proposta inovadora e alternativa visando à melhoria de condição de suas vidas, proposta esta que tem como elementos nucleares à preservação e a valorização dos produtos da floresta. Isto na verdade mostra uma tendência a ignorar a amplitude da proposta, descolando-a da questão ambiental. Como resultado cria-se um campo artificial de debate em que filigranas e equívocos conceituais ganham relevo, obscurecendo a questão vital que é a definição conceitual das reservas e sua viabilidade num momento

em

que

o

desafio

ambiental

aponta

para

novo

cenário

desenvolvimentista. Frente a este contexto, tratou-se então de delimitar o espaço conceitual das reservas sem perder de vista seu núcleo fundamental, que é a noção de sustentabilidade e a forma e uso da terra, a fim de escapar desse quadro já referido de desvios conceituais. Ao longo do presente estudo demonstrou-se que as RESEX representam uma proposta ambiental de uso adequado das terras amazônicas. A hipótese de


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que o controle da ocupação e a garantia do acesso a terra constitui-se em condição necessária, mas não suficiente, para o uso sustentável dos recursos do ecossistema florestal, mostrou-se viável a partir da análise do desempenho econômico da reserva Chico Mendes. Isto mostra o papel estratégico que as reservas desempenham, na medida em estas se consolidaram como uma experiência alternativa á criação de reservas preservacionistas. Dessa forma, é razoável supor que, ao se constituírem como um novo paradigma de regulação ambiental, a importância das reservas extrativistas transcende os estreitos limites de uma experiência de regulação de caráter local, para se pôr, amplamente, como uma estratégia de conservação de florestas tropicais. Nesta mesma linha de raciocínio, a existência de estoque considerável de terras não regularizadas na Amazônia e, portanto, sujeitas a uso não sustentável, assinalam para a urgência de implementação de políticas que estabeleçam limites à especulação com as terras, ao crescimento da pecuária e a outras formas de uso da terra que impliquem elevação das taxas de desflorestamento da cobertura vegetal amazônica. Por outro lado, demonstrou-se também que a questão ambiental, ao transcender os limites do mercado, aponta para um novo papel a ser desempenhado pelas reservas. Isto não implica negar o mercado como instância de realização das mercadorias. Ao contrário, ao se estabelecer a relevância da agregação de valor como resultado do desenvolvimento das forças produtivas no interior das RESEX, está-se exatamente definindo um novo contexto em que se reconhece a importância em agregar valor aos produtos mas, também, a incapacidade do mercado de valorar bens ambientais. Reconhecer a importância das RESEX como parte essencial e estratégica de uma inexistente, porém necessária, política global de desenvolvimento sustentável para a região, como um todo, e em particular para o estado do Acre, é muito diferente de pensar a RESEX como política capaz de produzir, por si só, os mecanismos de geração de renda e emprego capazes de desencadear o desenvolvimento da região. Reconhecer a incapacidade de as RESEX alavancarem o desenvolvimento da região não implica desautorizá-la como


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proposta do ponto de vista ambiental nem, tampouco, desconsiderar seu mérito inovador. Neste sentido, a RESEX deve ser vista como uma solução que, pelo seu conteúdo ecológico e sócio-cultural, deve ser viabilizada. O problema a ser pensado, portanto, passa a ser de outra ordem e poderia consubstanciar-se na seguinte

questão:

dada

a

relevância

das

RESEX

e

de

seu

caráter

preservacionista, estaria a sociedade disposta a pagar pelos serviços ambientais prestados pelos extrativistas ? A essa questão que, para ser respondida, exige o uso de instrumentação de valoração, partimos do suposto que a resposta é afirmativa, mesmo que não seja consensual. Assim sendo, e se isto corresponde à verdade, os dilemas que se apresentam são de outra natureza. O primeiro deles diz respeito à própria ocupação humana. Na avaliação do governo através do IBAMA, a proposta das RESEX é encarada como positiva e mesmo audaciosa porque, “até então, todas as iniciativas de conservação do ambiente por meio de unidades de conservação excluíam a presença humana. Com este modelo, que prevê a co-gestão destas áreas protegidas entre governo e sociedade, as populações locais deixaram de ser vistas como ameaça para se tornarem aliadas do processo de conservação ambiental” (IBAMA, 1999, p. 7). Outro aspecto a ser ressaltado e considerado o mais importante é a conservação ambiental. O IBAMA investe nas áreas de reservas cerca de 10% do total investido no conjunto de suas atividades normais, ou seja, quase nada se levarmos em conta a tarefa gigantesca que é fiscalizar área tão grande. Isto só é possível porque existem fiscais colaboradores das comunidades, com treinamento sobre a legislação ambiental de forma que os mesmos desempenham o papel do IBAMA nas reservas. O trabalho é voluntário e não – remunerado, com exceção das operações especiais montadas pelo IBAMA. O resultado deste trabalho conjunto é um índice de desmatamento dentro da reserva cada vez menor, fruto do nível de consciência ecológica dos moradores. A autorização do IBAMA, no que se refere a este item, é que os moradores das reservas podem desmatar até dois ha de floresta por ano, sendo 1 ha de mata bruta e 1 ha de capoeira. Essa liberalidade concedida pelo IBAMA, na prática é utilizada por pouquíssimos


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seringueiros. Estes em sua maioria utilizam cerca de 0,5 ou 0,75 ha para a formação de seu roçado. Neste particular, não há dúvida de que as RESEX são uma prova inconteste de que é possível compatibilizar controle ambiental com a presença do homem. São cerca de 1.500 famílias que em condições normais poderiam desmatar até 3.000 ha por ano, contudo através de estimativas recentes não atingem 500 ha/ano sendo que a maioria desse desmatamento ocorre em terras de capoeira. Se a melhor maneira de preservar é ocupando com a presença humana através de processos produtivos extrativistas, isto resolve a questão da sustentabilidade na sua dimensão ecológica. Resta então, analisar dois novos dilemas derivados do extrativismo. Já se fez referência à força econômica da pecuária e ao perigo da extração predatória da madeira. Em outros termos, são necessárias políticas compensatórias, tipo subsídio, para tornar a atividade extrativista competitiva de forma que as RESEX cumpram bem sua função conservacionista. Por outro lado, o problema das assimetrias sociais, tão bem colocadas por Browder (1992), em grande medida, está ainda por ser resolvida. É de notar que a maioria dos projetos que visam à consolidação das RESEX não atentam para uma questão da maior importância: a de que a reserva, fruto de um processo histórico peculiar, representou uma ruptura com o velho seringal em suas diversas dimensões. O novo modelo, portanto, não pode incorrer no erro de repor os elementos constituidores do velho seringalismo. A nova economia, ao se estruturar deve representar uma negação ao antigo processo de trabalho do seringal e da agricultura tradicional, sob pena de reproduzir a situação de miséria e fome.


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213

ANEXO 1 – MAPAS Mapa 1 - Localização do Acre na Região Norte/Brasil

Fonte: ZEE (1999, Vol. 1, p. 10)


214

Mapa 2 - DivisĂŁo PolĂ­tico Adminitrativo do Estado do Acre a partir de 1998

Fonte: ZEE (1999, Vol. 1, p. 11)


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ANEXO 2: GLOSSÁRIO Aviamento: Sistema de crédito que pôs toda a economia da borracha em

funcionamento. As casas aviadoras abasteciam os seringalistas e estes abasteciam os seringueiros vendendo seus produtos e comprando a borracha. Barracão: Sede do seringal, local onde se concentravam todas as atividades de

controle de compra e venda da borracha e abastecimento dos seringueiros. Casas aviadoras: Estabelecimentos comerciais encarregadas de financiar as

expedições e abastecer os seringais através de suas frotas e comprar a toda a produção dos seringais. Colocação: Local onde vive o seringueiro e corresponde à área onde o mesmo

desenvolve suas atividades extrativistas. Colônias: Pequenas propriedades que variam de 2 a 100 ha, em que são exploradas as pequenas produções agrícolas e pecuárias, em geral situadas ao redor dos centros urbanos. A maioria era proveniente de antigos seringais comprados pelos governos estaduais e loteados. Couro vegetal: Um dos produtos derivados da seringa assemelhados a um couro

normal, todavia impermeabilizado pelo látex. Drogas do sertão: Denominação dada ao período na Amazônia de coleta e

extração vegetal de especiarias tais como; o cacau, a salsaparrilha, o cravo, a canela e outras. Empate: Denominação ao ato organizado por grupos de seringueiros de impedir

os desmatamentos.


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Estradas: Caminhos abertos na selva para a extração do látex das seringueiras.

Este trajeto era feito em função da incidência de seringueiras, de sua proximidade e produtividade. Folha fumada: Esta técnica transforma o látex em borracha eliminando várias

etapas do antigo processo. O resultado final vai direto para as indústrias de borracha, sem ser necessário passar pela usina. Madeira: O mesmo que seringueira. Ex: Quando se diz que uma estrada tem

muitas madeiras, significa que ela é rica em seringueiras. Mal das folhas: Praga que ataca as folhas das seringueiras, tornando-as

improdutivas. Foi um fator determinante para o fiasco dos programas de plantio racional. Marreteiro: Comerciante que comprava e vendia borracha e tratava de aviar os

seringueiros. Esta figura apareceu e se fortaleceu a partir da crise da borracha. Péla: Bola de borracha resultado do antigo processo de defumação. Placa Bruta Defumada: Técnica moderna de transformação do látex em seu

produto final prescindindo da defumação e outras etapas como o corte da péla na usina. Regatão: O mesmo que marreteiro, sendo que o regatão estabelecia sua relação

comercial de compra de borracha e castanha e venda de produtos gerais através do rio, para tanto dispunha de embarcações de médio e grande calado como lanchas e batelões. Pelo fato do regatão negociar direto com os donos do seringal ou com seringueiros arrendatários, isto dava um ar de legalidade que não existia com o marreteiro.


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Seringa: O mesmo que o lĂĄtex. Refere-se ao produto da seringueira. Seringueiro: O trabalhador que explora as atividades extrativistas. Seringalista: O patrĂŁo, dono do seringal.


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ANEXO 3: RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

• Judson Valentim: PhD em Agronomia, ex-presidente da EMBRAPA/AC. • Elson Martins: Jornalista, fundador com Silvio Martinello do Jornal “O

Varadouro”, ex -correspondente do jornal “O Estado de São Paulo” e atualmente assessor do Governo do Amapá. • José Maria Barbosa de Aquino: Ex- seringueiro, dirigente do CNS. • Paulo Kageyama: Geneticicta Florestal, pesquisador da ESALQ/USP. • Juarez Leitão dos Santos: Presidente do CNS • Dionísio Barbosa: Secretário do sindicato dos trabalhadores de Xapuri • Mário Jorge da Silva Fadell: Economista, à época assessor da CAEX • Carlos Vicente :secretário executivo da SEFE • Zenóbio da Gama e Silva: Doutor em economia florestal, Técnico da

FUNTAC • Aldenor Fernandes de Souza: Superintendente regional do INCRA

Josemar Caminha: Coordenador do CNTP/IBAMA no Acre • Sr. Elias: Seringueiro do “Porto Rico” localizado em Xapuri • Sr. Euvaldo: Ex-seringueiro, atualmente produtor de palmito • Sr. Sebastião Mendes: Seringueiro do “Cachoeira” • Sr. Duda: Seringueiro do “Cachoeira” • Luiz Vasconcelos da Silva: Secretário regional do vale do Acre/CNS • Estênio Cordeiro de Melo : Engenheiro Florestal da ONG “Andiroba” • Raimundo Ferreira de Andrade, Seringueiro da área do humaitá.


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ANEXO 4: UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL∗ ∗ A) UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL ESTAÇÕES ECOLÓGICAS: São áreas representativas de ecossistemas brasileiros destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas à ecológica. Consideram-se também outras áreas voltadas à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista. RESERVAS BIOLÓGICAS: São áreas destinadas à proteção integral da biota e demais atributos naturais nelas existentes sem interferência humana direta. PARQUE NACIONAL: Tem como objetivo a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica. Este item contempla os parques estaduais e municipais. MOMUMENTO NATURAL:Tem como objetivo preservar sítios naturais raros ou de grande beleza cênica. REFÚGIO DE VIDA SILVESTRE:São áreas com o objetivo de proteger ambientes naturais de forma a assegurar a existência e reprodução das espécies. B) UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL(APA): São criadas com o objetivo de assegurar o bem estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ambientais da área. ÁREAS DE RELEVANTE INTERESSE ECOLÓGICO: Tem por finalidade manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local através de regulação do seu uso. FLORESTAS NACIONAIS (FLONAS): Áreas de conservação ambiental destinadas a funcionar como laboratório natural para desenvolvimento de técnicas plantio e de reflorestamento. RESERVA EXTRATIVISTA: Área utilizada por populações extrativistas, visa assegurar os meios de vida dessas populações e o uso sustentável dos recursos naturais. RESERVA DE FAUNA: Área natural adequada para estudos sobre o manejo e uso sustentável dos recursos faunísticos. RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: O mesmo que reservas extrativistas. RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL: Área privada, tem o objetivo de conservar a diversidade biológica. C) ESPAÇOS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS ÁREAS NATURAIS TOMBADAS (ANTs): O tombamento visa proteger o patrimônio natural, implicando em restrições de uso para garantir a proteção e manutenção das características das áreas. RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLANTICA (RBMA): Esta área foi escolhida pela UNESCO em 1970, a área deveria ser representativa dos diferentes Biomas e das áreas não zonais. RESERVAS ESTADUAIS (REs): Categoria transitória de manejo, cujos recursos naturais devem ser conhecidos e preservados para uso futuro. SÍTIOS DO PATRIMONIO MUNDIAL (SPMN): São bens inestimáveis e insubstituíveis não apenas para uma nação mas para toda humanidade.

∗ Os tópicos A e B, Conforme a Lei Federal nº 9985/00 que criou o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza.


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ANEXO 5: TABELAS

Tabela 35 - Composição da Renda Bruta, Produção e Preços Médios por atividade na RESEX Chico Mendes - 1996/1997 Atividade

RB Total

% Total RB RB Mediana Prod. Média Preço Médio RESEX Média Extrativismo 47.459,25 41% 443,54 346,80 Castanha 24.693,95 574,28 520,20 198,71 2,89 21% Borracha 22.417,80 19% 367,50 290,00 633,63 0,58 Mel de Abelha 344,50 172,25 172,25 26,50 6,50 0% Óleo de Patoá 3,00 3,00 3,00 1,50 2,00 0% Agricultura 38.305,26 33% 399,01 286,50 Arroz consorciado 10.612,32 505,35 489,60 1.052,81 0,48 9% Feijão 9.977,29 453,51 344,00 527,34 0,86 9% Farinha de Mandioca 6.246,60 390,41 217,50 448,75 0,87 5% Melancia 2.900,00 966,67 1.000,00 483,33 2,00 2% Farinha consorciada 2.523,00 504,60 435,00 580,00 0,87 2% Arroz solteiro 2.397,60 399,60 387,60 832,50 0,48 2% Milho consorciado 1.098,90 137,36 96,00 858,52 0,16 1% Tabaco 910,00 910,00 910,00 130,00 7,00 1% Mandioca 332,00 166,00 166,00 415,00 0,40 0% Rapadura 285,00 285,00 285,00 300,00 0,95 0% Milho 273,60 273,60 273,60 1.710,00 0,16 0% Banana 263,00 263,00 263,00 100,00 2,63 0% Abacate 186,00 186,00 186,00 600,00 0,31 0% Limão 120,00 120,00 120,00 2.000,00 0,06 0% Coloral 110,20 36,73 34,80 6,33 5,80 0% Pepino 49,00 24,50 24,50 49,00 0,50 0% Café 12,75 12,75 12,75 15,00 0,85 0% Maxixe 8,00 8,00 8,00 8,00 1,00 0% Criações 30.253,64 26% 328,84 179,00 Boi 14.853,00 873,71 651,00 3,57 245,00 13% Porco 8.082,64 299,36 225,00 6,65 45,00 7% Aves 6.423,44 149,38 111,25 33,57 4,45 6% Carneiro 804,40 1% 201,10 161,00 15,61 12,88 Cabra/bode 90,16 90,16 90,16 7,00 12,88 0% Total RESEX 116.018,15 100% Obs.: 1. Considera-se como unidade de medida para os diversos produtos o padrão; 2. Valores em R$ Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC


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Tabela 36 - Composição do custo, produção total e índice de desempenho econômico – RESEX Chico Mendes- 1996/1997 Produto CT Produção Total Custo Unitário Preço Médio Extrativismo Castanha 16.577,35 8.544,62 1,94 2,89 Borracha 55.786,12 38.651,38 1,44 0,58 Mel de Abelha 44,55 53,00 0,84 6,50 Óleo de Patoá 250,26 1,50 166,84 2,00 Agricultura Arroz consorciado 10.944,06 22.109,00 0,50 0,48 Feijão 6.747,20 11.601,50 0,58 0,86 Farinha de Mandioca 8.004,75 7.180,00 1,11 0,87 Melancia 356,00 1.450,00 0,25 2,00 Farinha consorciada 3.680,80 2.900,00 1,27 0,87 Arroz solteiro 1.921,99 4.995,00 0,38 0,48 Milho consorciado 1.796,91 6.868,13 0,26 0,16 Tabaco 358,53 130,00 2,76 7,00 Mandioca 1.556,33 830,00 1,88 0,40 Rapadura 37,42 300,00 0,12 0,95 Milho 124,80 1.710,00 0,07 0,16 Banana 93,83 100,00 0,94 2,63 Abacate 27,58 600,00 0,05 0,31 Limão 6,43 2.000,00 0,00 0,06 Coloral 88,29 19,00 4,65 5,80 Pepino 441,54 98,00 4,51 0,50 Maxixe 343,10 8,00 42,89 1,00 Criações Boi 12.264,39 60,62 202,30 245,00 Porco 2.066,02 179,61 11,50 45,00 Aves 3.257,17 1.443,47 2,26 4,45 Carneiro 16,07 62,45 0,26 12,88 Cabra/bode 54,81 7,00 7,83 12,88 Fonte: Projeto ASPF/Depto. de Economia - UFAC

IEE 1,49 0,40 7,73 0,01 0,97 1,48 0,78 8,15 0,69 1,25 0,61 2,54 0,21 7,62 2,19 2,80 6,74 18,66 1,25 0,11 0,02 1,21 3,91 1,97 50,06 1,64


222 Tabela 37 Produção média, preço médio, RB média máxima e mínima – RESEX Chico Mendes – 1996/1997 Atividade/Produto Produção Média Preço Médio RB Média RB Máxima RB Mínima Extrativismo 443,54 2.312,00 3,00 Castanha 198,71 2,89 574,28 2.312,00 11,56 Borracha 633,63 0,58 367,50 1.740,00 22,04 Mel de Abelha 26,50 6,50 172,25 325,00 19,50 Óleo de Patoá 1,50 2,00 3,00 3,00 3,00 Agricultura 399,01 1.740,00 8,00 Arroz consorciado 1.052,81 0,48 505,35 1.234,56 12,00 Feijão 527,34 0,86 453,51 1.523,06 43,00 Farinha de Mandioca 448,75 0,87 390,41 1.740,00 17,40 Melancia 483,33 2,00 966,67 1.400,00 500,00 Farinha consorciada 580,00 0,87 504,60 1.305,00 174,00 Arroz solteiro 832,50 0,48 399,60 518,40 307,20 Milho consorciado 858,52 0,16 137,36 547,20 32,00 Tabaco 130,00 7,00 910,00 910,00 910,00 Mandioca 415,00 0,40 166,00 320,00 12,00 Rapadura 300,00 0,95 285,00 285,00 285,00 Milho 1.710,00 0,16 273,60 273,60 273,60 Banana 100,00 2,63 263,00 263,00 263,00 Abacate 600,00 0,31 186,00 186,00 186,00 Limão 2.000,00 0,06 120,00 120,00 120,00 Coloral 6,33 5,80 36,73 58,00 17,40 Pepino 49,00 0,50 24,50 25,00 24,00 Café 15,00 0,85 12,75 12,75 12,75 Maxixe 8,00 1,00 8,00 8,00 8,00 Criações 328,84 2.450,00 4,45 Boi 3,57 245,00 873,71 2.450,00 217,00 Porco 6,65 45,00 299,36 855,00 32,70 Aves 33,57 4,45 149,38 667,50 4,45 Carneiro 15,61 12,88 201,10 386,40 96,00 Cabra/bode 7,00 12,88 90,16 90,16 90,16 Fonte: Projeto ASPF/Depto. de Economia - UFAC


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Tabela 38 - Composição da renda total, máxima, mínima, média e mediana – RESEX Chico Mendes – 1996/1997

Atividade RB Total % Total RESEX RB Máxima RB Mínima RB Média RB Mediana Extrativismo 47.459,25 41% 2.312,00 3,00 443,54 346,80 Castanha 24.693,95 2.312,00 11,56 574,28 520,20 21% Borracha 22.417,80 1.740,00 22,04 367,50 290,00 19% Mel de Abelha 344,50 325,00 19,50 172,25 172,25 0% Óleo de Patoá 3,00 3,00 3,00 3,00 3,00 0% Agricultura 38.305,26 33% 1.740,00 8,00 399,01 286,50 Arroz consorciado 10.612,32 1.234,56 12,00 505,35 489,60 9% Feijão 9.977,29 1.523,06 43,00 453,51 344,00 9% Farinha de Mandioca 6.246,60 1.740,00 17,40 390,41 217,50 5% Melancia 2.900,00 1.400,00 500,00 966,67 1.000,00 2% Farinha consorciada 2.523,00 1.305,00 174,00 504,60 435,00 2% Arroz solteiro 2.397,60 518,40 307,20 399,60 387,60 2% Milho consorciado 1.098,90 547,20 32,00 137,36 96,00 1% Tabaco 910,00 910,00 910,00 910,00 910,00 1% Mandioca 332,00 320,00 12,00 166,00 166,00 0% Rapadura 285,00 285,00 285,00 285,00 285,00 0% Milho 273,60 273,60 273,60 273,60 273,60 0% Banana 263,00 263,00 263,00 263,00 263,00 0% Abacate 186,00 186,00 186,00 186,00 186,00 0% Limão 120,00 120,00 120,00 120,00 120,00 0% Coloral 110,20 58,00 17,40 36,73 34,80 0% Pepino 49,00 25,00 24,00 24,50 24,50 0% Café 12,75 12,75 12,75 12,75 12,75 0% Maxixe 8,00 8,00 8,00 8,00 8,00 0% Criações 30.253,64 26% 2.450,00 4,45 328,84 179,00 Boi 14.853,00 2.450,00 217,00 873,71 651,00 13% Porco 8.082,64 855,00 32,70 299,36 225,00 7% Aves 6.423,44 667,50 4,45 149,38 111,25 6% Carneiro 804,40 386,40 96,00 201,10 161,00 1% Cabra/bode 90,16 90,16 90,16 90,16 90,16 0% Total RESEX 116.018,15 100% Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC


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