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Campinas, 4 a 10 de abril de 2016 - ANO XXX - Nº 651 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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Efeito amargo 3

Pesquisa revela que a adição de sucralose em alimentos quentes, líquidos ou sólidos, faz com que o adoçante libere compostos potencialmente tóxicos e cancerígenos. Coordenada pelo professor Rodrigo Ramos Catharino, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), a investigação foi publicada no periódico on-line Scientific Reports, do grupo Nature.

Cientistas dissecam anatomia do zika vírus Larvas de mosca aceleram cicatrização Variações climáticas e epidemias em metrópoles

TELESCÓPIO

5

Modelo matemático para riscos de transgênicos

8

Avaliação para crianças com deficiência visual

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2

Facetas desconhecidas de Joaquim Manuel de Macedo

4 Privatização ronda a educação pública


2 Campinas, 4 a 10 de abril de 2016

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: Camilla Hinde/Divulgação

Anatomia do zika vírus Pesquisadores dos Estados Unidos apresentam, na edição mais recente da revista Science, uma análise da estrutura do zika vírus, observada na escala de angstroms, ou décimos de nanômetro. O estudo mostra que o zika é bastante semelhante a outros flavavírus – nome dado à família que inclui os vírus da dengue e da febre amarela, entre outros, além do próprio zika – exceto por um conjunto de dez aminoácidos localizado em sua carapaça, numa área possivelmente envolvida na ligação entre o vírus e a célula hospedeira. As observações descritas no periódico foram feitas com o uso de criomicroscopia eletrônica, técnica em que o microscópio eletrônico é aplicado a amostras mantidas em temperaturas extremamente baixas, sem necessidade do uso de contrastes ou fixadores.

Vida mínima Em sua penúltima edição de março, a revista Science traz artigo em que pesquisadores dos Estados Unidos descrevem a construção de um “genoma mínimo” de 473 genes, contendo apenas o essencial para sustentar uma forma de vida extremamente simples. A equipe responsável foi a mesma que, em 2010, havia anunciado a criação de “vida sintética”, com a construção de um genoma de bactéria em laboratório, e que depois foi implantado numa célula. O novo trabalho teve como base a mesma bactéria usada em 2010, a Mycoplasma mycoides. Por um processo de tentativa e erro, os autores “refinaram” o DNA do organismo até chegar ao menor genoma viável, classificado com o código JCVI-syn3.0. “JCVI-syn3.0 retém praticamente todos os genes envolvidos na síntese e no processamento de macromoléculas”, escrevem os pesquisadores. “Inesperadamente, ele também contém 149 genes com função biológica desconhecida”.

A escolha do passarinho Quando um pássaro adulto leva comida para os filhotes no ninho, ele precisa decidir quem terá prioridade para receber a refeição. Diversos estudos mostram que essa decisão atende ou a sinais de necessidade (são alimentados, preferencialmente, os filhotes que fazem mais algazarra, que pedem mais) ou de qualidade (a preferência é dada aos filhotes maiores e mais fortes). A questão sobre como os pais decidem entre um critério ou outro é analisada em artigo publicado no periódico Nature Communications. Os autores, de instituições da Inglaterra e da Holanda, realizaram uma revisão da literatura e concluíram que, em mais de uma centena de espécies estudadas, os pais tendem a dar preferência aos filhotes mais necessitados quando o ambiente ao redor é favorável, e aos mais fortes quando o ambiente é incerto ou hostil. “No geral, esses resultados mostram como variações ecológicas podem levar a diferentes sistemas de sinalização, que são estáveis em diferentes espécies”.

No ninho, filhotes de chapim-real (Parus major) pedem comida aos pais

vas transgênicas aparecem no periódico de livre acesso online BMC Biology. O uso de larvas de L. sericata como parte do processo de limpeza de certas feridas, com a remoção dos tecidos mortos, já é aprovado pelo FDA, o órgão de controle de medicamentos dos Estados Unidos. Os criadores da versão transgênica esperam que o tratamento possa, a partir de agora, tornar a recuperação dos pacientes mais rápida. Os animais modificados foram criados por uma equipe da Universidade Estadual da Carolina do Norte (EUA).

Dia e noite em superplaneta

Avanços na construção do genoma do gorila (Gorilla gorilla gorilla) são descritos na revista Science. O primeiro sequenciamento do genoma dessa espécie foi publicado em 2012, mas trazia diversas lacunas, além de incertezas na localização de certas sequências específicas dentro da estrutura maior. Os autores do novo trabalho, vinculados a instituições dos Estados Unidos, afirmam ter resolvido 96% das dúvidas em relação à posição correta de sequências curtas dentro do genoma, e fechado 94% das lacunas existentes.

Pesquisadores americanos e europeus apresentam, na revista Nature, a descrição do contraste entre dia e noite na temperatura da atmosfera de uma “Super Terra”, categoria que inclui mundos com até dez massas terrestres. O planeta estudado foi 55 Cancri e, que orbita sua estrela a uma distância de menos de 2% da que separa a Terra do Sol. A estrela, 55 Cancri A, é semelhante ao Sol. Os autores do artigo na Nature determinaram que a temperatura no lado noturno do planeta, que tem menos de duas vezes o raio da Terra, é de 1.107º C, e a do lado diurno, 2.427º C. O estudo detectou ainda um ponto de temperatura extrema afastado do equador, o que sugere a presença de mecanismos de transporte de energia no planeta, como ventos fortes ou fluxos de lava.

Larvas cicatrizantes

Navegação atrofiada

Larvas de uma espécie de mosca (Lucilia sericata) foram geneticamente modificadas para secretar um fator de crescimento humano em feridas, acelerando a cicatrização. A descrição e caracterização das lar-

O uso crescente de sistemas de navegação por satélite está atrofiando a capacidade humana de coordenar visão e memória para determinar localizações no espaço, diz artigo de opinião publicado na revista Nature.

Genoma do gorila

O autor do artigo, Roger McKinlay, foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da moderna tecnologia de navegação por satélites, mas hoje adverte para os riscos da crescente dependência dessa tecnologia, principalmente por parte do grande público. Ele cita simulações mostrando que motoristas que seguem cegamente instruções de GPS têm menos noção de onde estão do que os que seguem mapas, e argumenta que, além de tornar os sistemas automáticos de navegação mais precisos e confiáveis, os governos deveriam investir no ensino de perícias de navegação, como leitura de mapas e orientação pelas estrelas. “O uso de calculadoras e computadores não eliminou a necessidade de entender os números”, compara.

Epidemias em metrópoles Diferenças de densidade populacional e de condições ambientais entre áreas de uma mesma metrópole afetam a forma como epidemias se espalham pela mancha urbana em resposta a variações climáticas, diz estudo publicado no periódico PNAS. O artigo, de autoria de pesquisadores dos Estados Unidos e Bangladesh, analisou mais de 20 anos de dados sobre a disseminação do rotavírus na metrópole bengali de Dhaka, levando em conta a sazonalidade das chuvas de monção. “Demonstramos que a consideração de diferentes partes da cidade, centro e periferia, é fundamental para revelar importantes diferenças nas epidemias sazonais e nos efeitos da monção”, escrevem os autores. “Doenças infecciosas que não são tipicamente tidas como sensíveis ao clima podem passar a sê-lo, em áreas sob as condições demográficas e ambientais dos grandes centros urbanos do mundo em desenvolvimento”.

Gravidade mínima Um dispositivo portátil minúsculo, capaz de detectar variações mínimas na aceleração gravitacional local, como as causadas pela presença de um túnel subterrâneo, é descrito na revista Nature. Esse gravímetro de apenas 25 miligramas e 15 milímetros quadrados foi desenvolvido, com tecnologia derivada dos acelerômetros presentes nos telefones celulares, por pesquisadores da Universidade de Glasgow.

Fungos e bactérias na cozinha Micro-organismos sempre tiveram um papel fundamental na preparação de alimentos humanos, do fermento do pão à levedura da cerveja, passando pelas bactérias do queijo. Artigo de opinião na edição mais recente do periódico Nature Microbiology aponta uma nova fronteira para o uso culinário dessas minúsculas formas de vida. “Uma nova apreciação de velhas técnicas e uma reinterpretação de seus usos está transformando a relação humano/micro-organismo/substrato numa nova ferramenta da cozinha, tão essencial quanto a faca e a frigideira”, escreve a autora, a pesquisadora Arielle Johnson, que trabalha no restaurante dinamarquês noma. Ela lembra que, tradicionalmente, a produção de sabor acontece na fazenda, e que a função do cozinheiro é preservar, acentuar ou misturar esses sabores. Já a contaminação dos alimentos por microorganismos na cozinha costuma ser vista como uma forma de degradação. “Fermentar para gerar sabor não é uma área de interesse tradicional para cozinheiros”, escreve. “Mas acrescentar transformações microbianas ao repertório da cozinha pode gerar uma nova dimensão de controle sobre os sabores e abrir novos caminhos para expressar o potencial dos ingredientes”. A autora diz que essa tendência, que segundo ela vem crescendo na última década, representa uma evolução da “gastronomia molecular” dos anos 90, e abre novos caminhos de colaboração criativa entre ciência e culinária.

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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


3 Campinas, 4 a 10 de abril de 2016

Resultados demonstraram que, quando aquecido, adoçante torna-se quimicamente instável, liberando compostos tóxicos SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

m artigo científico publicado por pesquisadores da Unicamp num periódico online pertencente ao grupo Nature alerta para os riscos do uso do adoçante sucralose, especificamente, em alimentos e sobremesas quentes, como chás, cafés, bolos e tortas. Os principais resultados do estudo indicam que, quando aquecido, o adoçante torna-se quimicamente instável, liberando compostos potencialmente tóxicos e cumulativos ao organismo humano. Derivado da sacarose, o nosso açúcar de mesa, a sucralose é o adoçante mais consumido no mundo e liberado irrestritamente pelos principais órgãos de segurança alimentar, incluindo o Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, o Joint Expert Committee on Food Additivies (JECFA), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Brasil. No estudo que gerou a publicação no periódico online de acesso livre Scientific Reports (http://www.nature.com/articles/srep09598), o professor Rodrigo Ramos Catharino, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp, e os pesquisadores Diogo Noin de Oliveira e Maico de Menezes demonstraram que, quando aquecida, a sucralose torna-se quimicamente instável, liberando hidrocarbonetos policíclicos aromáticos clorados (HPACs), compostos tóxicos, cumulativos no organismo humano e potencialmente cancerígenos. “Com a queima das moléculas da sucralose há a formação de HPACs, uma família de compostos que têm muita facilidade para se tornarem tóxicos e mutagênicos. Isso acontece na sucralose por conta de um rearranjo das moléculas, quando elas são aquecidas. Outro fator preocupante é que esta substância liberada pelo aquecimento da sucralose é extremamente cumulativa no nosso organismo”, explica o professor Rodrigo Ramos Catharino, que coordena o Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp e atua junto ao curso de Farmácia da FCF. O docente da Unicamp assegura que o estudo é o primeiro, em nível mundial, a relatar o comportamento térmico da sucralose, abrangendo uma vasta gama de abordagens analíticas, como análises térmicas, espectroscopia no infravermelho e espectrometria de massas. Os HPACs estão associados ao aumento da incidência de diversos tipos de canceres no homem. A exposição humana aos HPACs se dá principalmente através da contaminação ambiental por meio da fumaça gerada a partir da queima de combustíveis fósseis.

Amostra de sucralose depois de aquecida: novos dados na área de toxicologia de alimentos

Pesquisa alerta para adição de sucralose em alimentos quentes Fotos: Antonio Scarpinetti

O professor Rodrigo Ramos Catharino, coordenador das pesquisas: “A substância liberada pelo aquecimento da sucralose é extremamente cumulativa no nosso organismo”

“Os resultados da nossa pesquisa apontam dados novos na área de toxicologia de alimentos, indicando que a exposição crônica de seres humanos ao adoçante, caso, por exemplo, de diabéticos e de quem faz dietas especiais, pode causar efeitos nocivos à saúde. O uso deste edulcorante artificial merece, portanto, muita atenção dos consumidores, além do desenvolvimento de outras pesquisas por parte de órgãos de regulamentação”, indica. O estudo da Unicamp, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), não determinou a quantidade liberada e o impacto direto da queima da sucralose no organismo humano. Foram utilizadas duas marcas do adoçante, adquiridas no comércio de Campinas e região. Devido a questões legais e éticas, os nomes dos fabricantes não foram revelados na pesquisa. As amostras foram submetidas a aquecimento em banho-maria, em temperaturas suaves para avaliar um amplo espectro de compostos perigosos formado na degradação do produto. “Nós observamos uma liberação de HPACs a uma temperatura próxima a 98

graus célsius, um pouco abaixo da temperatura de ebulição da água. É uma temperatura muito próxima de um chá quente ou de um café”, revela o pesquisador Diogo Noin de Oliveira, que conduz doutorado na área sob a orientação de Catharino. O seu colega Maico de Menezes, que assina o artigo, também é orientado de Catharino em pesquisa de mestrado em andamento. Ainda de acordo com o doutorando da FCM, a sucralose é produzida sinteticamente a partir da sacarose, o açúcar de mesa obtido, no Brasil, por meio da cana-de-açúcar. A principal diferença química entre este edulcorante e o açúcar comum é a existência de átomos de cloro presentes na sucralose. Tais átomos são capazes de aumentar o poder de doçura do adoçante, que chega a ser 400 vezes maior do que o da sacarose. “O açúcar comum possui átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio (C12H22O11). Na sucralose (C12H19Cl3O8) alguns átomos de oxigênio foram substituídos pelo cloro. Dentre outras características, isso confere a ela um poder de dulçor maior. Observamos, porém, que estes átomos de cloro aumentam não só o poder adoçante

dela, mas a reatividade. Quimicamente ela se transforma em algo que vai reagir mais facilmente. Isso, portanto, explica essa instabilidade da sucralose em temperaturas mais quentes”, conta Diogo de Oliveira. Neste ponto, Rodrigo Catharino esclarece que a sucralose não decomposta é isenta de riscos ao nosso organismo. “Se não aquecer a sucralose não tem problema nenhum, ela é completamente inofensiva”, confirma. Ainda conforme Catharino, a reação verificada com o aquecimento da sucralose é muito similar ao que acontece com a queima da carne do churrasco. Neste último caso ocorre a liberação de HPAs, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, semelhantes aos HPACs, diferindo apenas pela presença do cloro. “No churrasco, em produtos defumados e até no fumo é possível encontrar HPAs. A queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás de carvão, é uma das principais fontes de emissão destes compostos. Tantos os HPAs como os HPACs são bastante nocivos. No caso específico do churrasco, que já é bem conhecido, a formação dos HPAs ocorre quando a gordura da carne respinga no carvão por conta do calor. Com a fumaça, estes compostos aderem à carne trazendo riscos à saúde”, exemplifica.

RÓTULO Conforme os pesquisadores da Unicamp, muitos fabricantes informam, no rótulo do adoçante, que a sucralose é estável ao aquecimento, indicando e sugerindo, inclusive, receitas com alimentos quentes, como chás, bolos, tortas, entre outros. “Não foi isso que o estudo demonstrou”, rebate Rodrigo Catharino. Ele situa que nos últimos anos outras pesquisas vêm chamando a atenção da comunidade científica sobre a segurança alimentar da sucralose e de suas aplicações industriais. Para Catharino, embora seja o adoçante artificial mais utilizado em alimentos e produtos farmacêuticos, muitas perguntas ainda precisam ser respondidas quanto ao potencial da sucralose em degradar e formar subprodutos clorados em temperaturas quentes. “A sucralose é o adoçante artificial mais utilizado tanto para fins industriais e uso pessoal. Embora inicialmente considerado seguro para uso, a literatura recente aumentou a conscientização sobre o potencial de que a sua estrutura tem de gerar compostos tóxicos quando expostos a temperaturas altas. Importantes contribuições têm ampliado significativamente o conhecimento sobre as condições precisas em que estas moléculas indesejáveis surgem. Este é o caso da nossa pesquisa”, contextualiza.

Publicação de Oliveira, D.N., de Menezes, M. & Catharino, R.R. Thermal degradation of sucralose: a combination of analytical methods to determine stability and chlorinated byproducts. Sci. Rep. 5, 9598; DOI:10.1038/ srep09598 (2015). Os pesquisadores Diogo Noin de Oliveira (à esq.) e Maico de Menezes: comprovando a liberação de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos clorados


4 Campinas, 4 a 10 de abril de 2016

Relatório revela privatização da educação pública no país CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

compra de serviços educacionais ofertados pelo setor privado por prefeituras, como a formação ou treinamento de professores e apostilas, vem crescendo no Brasil: em alguns casos, grupos empresariais chegam a, para todos efeitos práticos, assumir a orientação da política de educação do município, criando situações que violam aspectos importantes do direito à educação, como a adaptabilidade e a acessibilidade. É o que diz estudo coordenado pela ONG Ação Educativa e desenvolvido com a participação do Grupo de Estudo e Pesquisas em Políticas Educacionais (GREPPE) da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, USP e Unesp, e realizado com apoio da Open Society Foundations e da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação. O relatório publicado sobre o assunto, intitulado “Sistemas de Ensino Privados na Educação Pública Brasileira: Consequências da Mercantilização para o Direito à Educação”, aponta que “a municipalização abrupta e mal planejada do ensino fundamental nas últimas duas décadas (...) explicitou a precariedade de muitas das administrações locais, gerando um promissor mercado para assessorias privadas nos campos pedagógico e de gestão”. O texto prossegue notando que essa situação estimula uma “proliferação da lógica privada na educação pública e a incidência dos atores empresariais na gestão da política educacional”, o que se dá “em detrimento dos mecanismos de participação democrática e do fortalecimento de atores comprometidos com a estruturação de sistemas públicos de educação”. O trabalho pode ser obtido, online, no site do Observatório da Educação, projeto da ONG Ação Educacional. Esse mesmo site traz também um mapa dos municípios onde se sabe que foram adotados sistemas privados de ensino na rede pública municipal: http://www.observatoriodaeducacao. org.br/mapas .

EXPANSÃO A pesquisadora Theresa Adrião, da Faculdade de Educação, conta que grandes grupos educacionais privados, que já ofereciam conteúdo para cursinhos pré-vestibular e escolas de ensino médio, passaram a ver nos municípios – responsáveis pela educação infantil e fundamental – um novo mercado. “Esses grupos encontraram mesmo um novo ‘filão’ para o seu mercado. Num determinado momento, expandiram seus sistemas, seus formatos de ensino padronizado, porque voltado para a preparação para vestibulares competitivos, para escolas privadas ‘franquiadas’”, disse. “Essa mesma lógica agora foi expandida para a rede pública”. “Através da adoção dos sistemas privados padronizados enfatiza-se o planejamento centralizado dos aspectos pedagógicos, que são assim terceirizados para agentes privados de fora da rede de ensino local”, aponta, por sua vez, o relatório. O trabalho chama ainda atenção para o fato de que é difícil levantar dados concretos sobre quantos municípios, exatamente, adotam esses sistemas, e quais são os sistemas usados em cada cidade. “É preciso ressaltar a dificuldade de acesso a informações sobre a adoção de sistemas privados de ensino pelos municípios brasileiros, uma vez que não existem dados consolidados pelas instâncias de governo em nível federal, e o país é dividido em 5.570 municipalidades”, explica o texto. “Tal configuração impossibilitaria, nos limites deste trabalho, uma checagem município a município. Ao mesmo tempo, os Tribunais de Contas de Estados e Municípios que, por analisar contratos dos entes federados com prestadores de

Estudo aponta que é cada vez maior a atuação de sistemas privados no ensino fundamental nos municípios brasileiros serviços privados, poderiam ter dados mais abrangentes, em sua maioria não estão preparados para organizar e disponibilizar estas informações ao público”. “Tivemos uma dificuldade muito grande, a despeito da Lei de Acesso à Informação (LAI), de obter informações, apesar de serem recursos públicos”, acrescentou Theresa. “As empresas, quando contatadas, não respondem, e as prefeituras, também não. A não ser aquelas com que já tínhamos algum tipo de contato no Estado de São Paulo. Tínhamos, numa pesquisa anterior feita em 2010, 345 municípios, que optaram por esse tipo de política, [o Estado de São Paulo conta com 645 municípios]. Ou seja, mais de 50% dos municípios paulistas já adotavam sistemas privados há seis anos”. “O que se sabe hoje é que o avanço da lógica privada sobre o setor público afeta o direito humano à educação, tendendo a produzir, na maior parte dos casos, aumento das desigualdades educacionais, com maior prejuízo para as populações em situação de maior vulnerabilidade”, disse Gustavo Paiva, da ONG Ação Educativa e coautor do trabalho. “Neste contexto, o estudo se propôs a analisar quais são os impactos da adoção de sistemas privados de ensino para a realização do direito humano à educação. A conclusão é de que estes sistemas tendem a reduzir a disponibilidade de recursos, reduzir a capacidade do poder público de planejar e gerir seus sistemas educativos e reduzir a autonomia de professores, além de não haver garantia de melhoria na qualidade e o devido controle social”.

RECURSOS Theresa lembra que o governo federal já mantém um Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que oferece material gratuito para as redes municipais de ensino, o que faz com que parte dos gastos das prefeituras em material didático privado possa ser encarado como desperdício. “E a gente tem um mercado que é disputado por grandes grupos, mas também por inúmeros outros pequenos grupos que veem nas redes públicas esse “filão’”, disse ela. “Ocorre que o recurso público destina-

do para a aquisição desse material, e acho que esse é um dos principais alertas desta pesquisa, é o mesmo que seria destinado para pagamento de professor, ou mesmo para construção de escolas. São gastos que concorrem entre si e, num período de escassez de recursos como o que estamos vendo hoje, isso é seríssimo”. A pesquisadora relata que as prefeituras contatadas oferecem alguns argumentos, “com base na realidade objetiva”, para adotar dos sistemas privados. “As nossas escolas não oferecem a educação que seria necessária para os seus estudantes, têm muitos problemas, então há uma preocupação legítima, por parte dos gestores, em ofertar um ensino de qualidade para essas pessoas”, reconhece. “Entretanto, para muitos gestores, a ideia de qualidade é aquela vendida por essas empresas, é uma qualidade que se baseia fundamentalmente numa padronização curricular”, afirma. “Então, a questão da padronização como condição para melhoria do ensino é a justificativa de alguns dos gestores”. Há casos, no entanto, em que a adoção desses sistemas é uma decisão política do prefeito e independe da posição de secretários ou gestores da área.

SERVIÇOS As empresas, explica a pesquisadora, oferecem pacotes de serviços cuja composição varia com o interesse e a capacidade de pagamento das prefeituras. “Vão desde o material instrucional, as apostilas, que são padronizadas para todos, ignorando uma questão que para qualquer educador é fundamental, que é considerar objetivamente o grupo com o qual ele trabalha”, disse. “Depois, oferece-se formação ou qualificação para o uso desse material, e ao mesmo tempo um call-center para atender à escola, caso haja dúvida em como usar o material. O que entra no lugar da formação que deveria ser oferecida pelos gestores”. “Também se vendem modelos de avaliação: avaliação das escolas, dos estudantes – sistemas de avaliação da própria empresa, para além dos testes de avaliação a que as escolas já são submetidas”, acrescentou Theresa. “E há cestas de serviços que in-

cluem um tipo de supervisor na escola: vai um representante da empresa na escola ver se o professor está adotando o material segundo a orientação da empresa”. “Verificamos que esse tipo de compra de serviço acaba incorrendo num problema grave que é substituição da política educativa dos municípios pela política educacional da empresa”, disse.

CUSTO E QUALIDADE A adoção desses sistemas pode representar uma queda de custos para as prefeituras, mas Theresa define o resultado como um “barateamento no mau sentido”. “Com isso, os governos na verdade não precisam investir na formação e na profissionalização de um corpo técnico para acompanhamento dessas escolas”, disse. “No lugar de ter uma equipe de supervisores ou um núcleo de formadores na estrutura da secretaria, você compra isso e cada prefeito que muda, muda eventualmente o programa, muda a empresa”, aponta. “Já indagamos a alguns profissionais: tudo bem, a prefeitura não teria recurso para investir num corpo técnico, então por que não contatam as universidades públicas que, enfim, poderiam cumprir essa função?” Uma resposta possível, segundo a pesquisadora, é que “há uma sedução por parte dos grupos empresariais”. “Eles vão às prefeituras, oferecem muito fortemente esses produtos e serviços para os prefeitos e secretários e acabam envolvendo, muitas vezes, os gestores”. Quanto à promessa de qualidade, argumento de venda oferecido pelas empresas com base no renome dos cursinhos pré-vestibular em que algumas se baseiam, ela nem sempre é cumprida, e é de difícil mensuração. “Uma das pesquisas anteriores que fizemos, lá no começo dos anos 2000, viu quais os municípios que essas empresas apresentavam como ponta de lança em suas ações de propaganda, municípios então bem colocados em rankings e indicadores nacionais de educação. Eram municípios com alto IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). Portanto, já tinham condições, do ponto de vista educacional, de apresentar melhor qualidade que a média. Ou seja, tem um viés de seleção aí”. Foto: Antoninho Perri

A professora Theresa Adrião, da Faculdade de Educação, participou da pesquisa: “O avanço da lógica privada sobre o setor público afeta o direito humano à educação, tendendo a produzir, na maior parte dos casos, aumento das desigualdades educacionais”


5 Campinas, 4 a 10 de abril de 2016

Pesquisa usa modelo matemático para analisar interação entre variedades originais e geneticamente modificadas

Transgênicos podem oferecer riscos para

a biodiversidade

Foto: Antoninho Perri

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

s

organismos geneticamente modificados (OGMs) podem promover a redução da biodiversidade, uma vez inseridos no meio ambiente. A hipótese é sustentada na tese de doutoramento do matemático Rinaldo Vieira da Silva Júnior, defendida no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da Unicamp, sob a orientação da professora Solange da Fonseca Rutz. A partir de um primeiro cenário, de interação apenas entre as variantes transgênica e original, um modelo matemático foi desenvolvido especificamente para sustentar o estudo. Ao aplicar a ferramenta, o autor concluiu que, sendo competidoras puras, mesmo no caso de coexistência estável entre as variantes, haveria decréscimo de produção mais severo para a variante natural. Rinaldo Júnior explica que o seu trabalho, que é um estudo teórico, e não um modelo baseado em dados, levou em consideração alguns pressupostos. Primeiro, que os organismos transgênicos e convencionais sejam da mesma espécie. Segundo, que as plantações das duas culturas ocupem áreas contíguas. Terceiro, que o mecanismo de dispersão de sementes (como o vento, por exemplo) tenha velocidade e direção uniformes. Quarto, que a competição entre os indivíduos não provoque a eliminação dos organismos mais frágeis, embora isso seja não somente possível, mas provável. Ele lembra que os organismos são competidores puros e que indivíduos de uma mesma espécie concorrem pelos mesmos recursos. “Devemos acrescentar que estas simplificações compõem um primeiro estudo, e modelos mais complexos poderão ser desenvolvidos no futuro. A partir de modelos analíticos desenvolvidos para a Mata Atlântica, já se planeja o estudo do impacto de transgênicos no meio ambiente de forma geral”, adianta. De acordo com o matemático, o método que deu sustentação à pesquisa é denominado Trofodinâmica Analítica. “Quando este método, aplicado de forma bem sucedida a diversas áreas da biologia, considera também ruído e mecanismos de difusão, geramos então sistemas de Equações Diferenciais Parciais [EDP’s]”, diz. Dito de modo simplificado, as EDP’s permitem que a matemática construa representações dos modelos encontrados na natureza. São considerados, nesse caso, diferentes variáveis, entre elas espaço, tempo e ambiente. “Em outras palavras, a matemática simplifica a realidade, para poder investigá-la”, observa Rinaldo Júnior. “Apesar dessa simplificação, trata-se de um poderoso instrumento, que permite estudar o comportamento de sistemas complexos fora do equilíbrio”, acrescenta. O matemático revela que um dos possíveis próximos passos do estudo seria buscar a parceria de especialistas das áreas da agronomia para investigar o comportamento do modelo matemático a partir de um cenário real. “No caso de parâmetros muito variáveis, dependendo da direção e da intensidade do vento e da localização das plantações, outro modelo, que admita que a mistura dos organismos geneticamente modificados com os naturais pode se dar de maneiras diversas, deverá ser elaborado a partir do estudo já feito. Mas os dados de campo poderão já ser considerados no atual modelo, tomando-se médias e produzindo assim as constantes consideradas no estudo,” infere. Além disso, conforme o pesquisador, outros mecanismos de dispersão, que possam promover a difusão das sementes geneticamente modificadas fora do âmbito local, deverão ser considerados no estudo em relação ao meio ambiente geral. No momento, Rinaldo Júnior ocupa uma cadeira de professor na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Lá, ele dá seguimento às investigações, agora fazendo o que os especialistas classificam como “perturbação das equações”. Por meio

Plantação de soja: primeiras sementes transgênicas da cultura entraram ilegalmente no país na década de 1990 Foto: Divulgação

desse método, os matemáticos procuram encontrar respostas aproximadas para problemas cuja solução exata ainda é desconhecida. Rinaldo Júnior acredita no desenvolvimento de modelos dinâmicos nesta linha de pesquisa, que ainda é inicial, poderá ajudar os produtores a planejar seus cultivos. A tese de doutorado do matemático contou com a colaboração do professor Peter Louis Antonelli, pesquisador emérito da Universidade de Alberta (Canadá) e criador do método da trofodinâmica analítica, e com coorientação do professor Pedro José Catuogno, integrante do grupo de pesquisa de sistemas dinâmicos estocásticos do IMECC.

HISTÓRICO

O cultivo de organismos geneticamente modificados no Brasil foi marcado por muita polêmica. As primeiras sementes de soja transgênica entraram ilegalmente no país na década de 1990, contrabandeadas da Argentina. Elas foram plantadas por produtores gaúchos. O governo federal impediu inicialmente a colheita, mas depois voltou atrás, por meio de uma Medida Provisória. A autorização para o plantio de OGMs em território nacional veio somente em 2005, com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei de Biossegurança. Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor de grãos transgênicos no mundo [principalmente soja, milho e algodão], ficando atrás somente dos Estados Unidos. De acordo com o relatório de 2015 do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Biotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês), que trabalha com dados consolidados de 2014, o país cultivou 42,2 milhões de hectares no ano considerado, contra 40,3 milhões no período anterior. Ainda segundo o levantamento do ISAAA, Brasil e Argentina, na América Latina; Índia e a China, na Ásia; e África do Sul, na África, que respondem por 41% da população mundial, cultivaram 47% das variedades transgênicas do planeta. Embora os defensores dos transgênicos considerem esses organismos como a solução para a ampliação da produção de alimentos e a superação da fome em nível global, os ambientalistas afirmam que os OGMs têm promovido o aumento do uso de agrotóxicos e comprometido de forma significativa a biodiversidade e a saúde da população nos países onde são produzidos.

De acordo com Rinaldo Silva Júnior, autor da tese, a ferramenta matemática é “um poderoso instrumento, que permite estudar o comportamento de sistemas complexos fora do equilíbrio”

Publicação Tese: “Análise matemática do impacto ambiental de plantações transgênicas” Autor: Rinaldo Vieira da Silva Júnior Orientadora: Solange da Fonseca Rutz Unidade: Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC)


6 Campinas, 4 a

Na ponta do dedo, o Sistema de Bibliotecas da Unicamp torna acessível um dos maiores acervos de dados eletrônicos da América Latina PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

Unicamp disponibiliza à comunidade acadêmica uma das maiores e melhores coleções de fontes eletrônicas de pesquisa entre as universidades da América Latina. São bases de dados de produção técnica científica, periódicos eletrônicos, e-books, bases de patentes, teses, dissertações e protocolos de pesquisa, entre outros conteúdos. O investimento é significativo: para 2016 o orçamento previsto para aquisição e manutenção destas bases e demais fontes é de 17 milhões de reais. O impacto do acesso pelos usuários se dá na qualidade das pesquisas produzidas pela instituição. “As bases de dados contêm o que há de mais atualizado no mundo nas diversas áreas do conhecimento”, ressalta o coordenador-geral da Unicamp, professor Alvaro Penteado Crósta. Desenvolvidas pelas grandes editoras, entidades e associações acadêmico-científicas do mundo, e disponibilizadas no site do Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU), as bases de dados são como bibliotecas virtuais temáticas ou multidisciplinares. Nelas, um médico que esteja diante de um caso incomum, poderá buscar a conduta que já foi usada com sucesso e relatada em um artigo disponível na ClinicalKey, por exemplo, que é uma base de dados temática que congrega e-books, periódicos, descrições de medicamentos, imagens e procedimentos médicos da chamada “medicina baseada em evidências”. Um engenheiro poderá buscar normas técnicas na BSOL (British Standarts Online), ou, ainda, na área de inovação, uma consulta à Orbit ofertaria informações contidas em patentes e desenhos industriais. Hoje a Unicamp assina 78 bases de dados e, por meio do Portal Capes, tem acesso a mais 137, totalizando 215 diferentes fontes de pesquisa. As bases de dados ainda são o grande destaque. Apesar de muito usadas em determinadas áreas, como a medicina, por exemplo, o potencial de conhecimento que pode chegar aos pesquisadores da Unicamp ainda está longe de ser totalmente aproveitado. “As bases de dados não existiam há alguns anos, ou seja, são relativamente novas. De fato, as pessoas ainda não estão usando todo o potencial dessas bases e queremos que o façam. O acesso a elas representa um investimento considerável feito pela Universidade e, portanto, devemos estimular ao máximo o seu uso em benefício da formação de pessoas e da geração de conhecimento novo, obtendo assim um grande retorno institucional”, reflete Crósta. O acesso a todo o conteúdo eletrônico das 28 bibliotecas que constituem o SBU pode ser feito de qualquer computador com IP da Universidade ou fora dela, via Rede Particular Virtual (Virtual Private Network – VPN). Com a alta do dólar, as universidades paulistas se empenharam em uma grande negociação conjunta, articulada no âmbito do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), para conseguir melhores preços com as editoras. Segundo Regiane Alcântara Bracchi, coordenadora do SBU, “a Universidade tem feito um grande esforço institucional para garantir que pesquisadores e alunos tenham acesso às melhores e maiores fontes de informação técnico-científicas existentes no mundo porque ela sabe que, garantindo acesso à informação de ponta, seus pesquisadores terão maiores condições de produzir pesquisas e conhecimentos de excelência”.

NOVA BIBLIOTECA O investimento em bases de dados e outros conteúdos eletrônicos é parte de uma estratégia que leva em conta uma grande mudança nas bibliotecas, ocorrida com o avanço da tecnologia. A biblioteca de hoje não é mais como a de antigamente com suas prateleiras e balcões, um local de silêncio absoluto e concentração. “Nosso acervo era aquele que estava ali no espaço físico da biblioteca. Hoje, com o fenômeno da ‘explosão informacional’ e com o avanço das tecnologias, as pessoas não precisam mais estar necessariamente presentes nas bibliotecas para terem acesso aos conteúdos”, salienta Regiane. Esta mudança não diminui em nada o valor do espaço da biblioteca ou mesmo de seus profissionais, acrescenta a coordenadora. “O objeto do nosso trabalho é a informação, independentemente de seu suporte. Hoje em dia o que nós queremos é que o pesquisador, de sua mesa, do seu lugar de trabalho, possa acessar a informação necessária à sua pesquisa. Isso agiliza o trabalho de pesquisa e, consequentemente, o processo de produção de novos conhecimentos”, ressalta. O desafio da biblioteca é selecionar o que é importante, organizar as informações e cuidar para que ela seja utilizada da melhor maneira possível. “É parte do nosso trabalho também, identificar quais são os conteúdos e as fontes de pesquisa mais relevantes para a Universidade. Consideramos os cursos que temos, os programas de graduação e pós-graduação e as linhas de pesquisa. Um órgão colegiado com representantes de todas as áreas define os conteúdos mais relevantes”, observa. Para fazer a informação chegar até o pesquisador, a divulgação começa com o calouro, o estudante que acabou de chegar à Unicamp. “Estamos há dois anos em uma parceria do Sistema de Bibliotecas com o Programa Campus Tranquilo – Universidade Viva, fazendo uma atividade muito intensa na recepção de novos alunos, que consiste em orientá-los na busca das informações dentro da Universidade. Trata-se de uma atividade qualificada dos profissionais da biblioteca e algo que o aluno vai levar para a vida toda, que é a metodologia de pesquisa em bases de dados”, pontua Alvaro Crósta. Para o trabalho com o conteúdo digital, vislumbrando o uso cada vez mais intenso dessas fontes de informação, o SBU investe em programas de treinamento tanto dos profissionais da biblioteca, quanto na capacitação dos usuários. “Nosso objetivo é que os funcionários do Sistema estejam sempre atualizados e possam oferecer auxílio qualificado na busca de informações”, afirma Regiane. A revitalização do espaço físico da Biblioteca Central César Lattes, como um ponto de referência e convívio dentro da Universidade também está contemplada no Programa Campus Tranquilo – Universidade Viva. “As novas bibliotecas são espaços de produção de conhecimento compartilhado, de convívio e de debate de ideias. Temos nos empenhado em uma grande revitalização da Biblioteca Central, que prevê a instalação de contêiners e tendas no entorno do prédio, locais para a realização de atividades artísticas e culturais”, informa a coordenadora. Ainda de acordo com ela, hoje o estudante de graduação continua sendo um grande frequentador das bibliotecas, já que ele passa grande parte do seu tempo dentro da Universidade e precisa de espaços adequados para estudar e realizar suas pesquisas.

ALÉM DAS BASES Além das “bibliotecas virtuais”, que são as bases de dados temáticas ou multidisciplinares, também está disponível no site do SBU uma gama de e-books e periódicos eletrônicos, teses e dissertações e a produção científica e intelectual da Universidade depositada no chamado “Repositório Institucional”. Regiane salienta que a Unicamp deixou de adquirir versões impressas de todos os periódicos que são ofertados em versão digital. “A Unicamp migrou a coleção de periódicos do impresso para o eletrônico, que é multiusuário e bem mais eficiente”. O número de e-books de acesso perpétuo chega a 100 mil. Para facilitar o acesso a todo esse universo de informações, o SBU tem em sua página um “metabuscador”, que percorre todo o conteúdo eletrônico disponível na Unicamp. Com essa ferramenta o usuário pode realizar suas pesquisas por meio de uma única interface. “Essa ferramenta facilita muito a busca e acesso às informações, já que o pesquisador não precisa acessar diferentes interfaces para fazer suas buscas”, complementa Regiane.

Funcionár e conteúd na Diret Inform inves

Foto: Antoninho Perri

O coordenador-geral da Unicamp, professor Alvaro Penteado Crósta. “As bases de dados contêm o que há de mais atualizado no mundo nas diversas áreas do conhecimento”

Foto: Antonio Scarpinetti

Regiane Alcântara Bracchi, coordenadora do SBU: “Nos queremos que o pesquisador, de sua mesa, do seu lugar de trabalho, possa acessar a informação necessária à sua pesquisa”


7 10 de abril de 2016

mundo da pesquisa Foto: Antonio Scarpinetti

Biblioteca digital reúne dados sobre o zika vírus

ria cataloga livros físicos dos digitais e eletrônicos toria de Tratamento da mação, na Biblioteca Central: stimento de R$ 17 milhões

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Algumas das bases disponíveis WEB OF SCIENCE Base multidisciplinar que indexa somente os periódicos mais citados em suas respectivas áreas. É também um índice de citações, informando, para cada artigo, os documentos por ele citados e os documentos que o citaram.

SCOPUS Contém resumos, referências e índices da literatura científica, técnica e médica (STM), com cobertura desde 1960, e conteúdo de 27 milhões de artigos relevantes para a pesquisa científica.

EBRARY Acesso a livros eletrônicos de importantes editoras internacionais, entre as quais, Academic Press, Cambridge University Press, Elsevier, Mit Press, Springer Publishing, Taylor & Francis, Yale University Press.

IEEE Da área das engenharias, contêm periódicos, normas técnicas, anais de congressos e conferências publicados pelo Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE) e pela Institution of Engineering and Technology (IET), Inglaterra.

COMPENDEX Indexa conteúdos na área de engenharia técnica e científica. Contêm citações bibliográficas e resumos de periódicos e anais de congressos

CLINICALKEY Ferramenta clínica que disponibiliza informação atualizada para todas as especialidades médicas e cirúrgicas. Contêm e-books, periódicos, descrições de medicamentos, imagens e vídeos de procedimentos médicos.

CURRENT PROTOCOLS WILEY Reúne protocolos aplicados em laboratório na área de biologia, abrangendo técnicas e procedimentos laboratoriais.

ORBIT.COM Sistema de busca e análise de informações contidas em patentes e desenhos industriais. Sua cobertura abrange mais de 96 países para patentes e 14 países para desenhos industriais

SCIFINDER É a versão online do Chemical Abstracts destinada a pesquisas na área de Química e afins. Agrega informações de mais de 61 autoridades de patentes.

EARTHDOC Informações sobre Geociências apresentadas em eventos e revistas online da área. Contém mais de 35 mil papers e artigos indexados das revistas Geophysical Prospecting, First Break, Near Surface Geophysics, Journal of the Balkan Geophysical Society, Petroleum Geoscience, Journal of Environmental & Engineering Geophysics.

O Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU) está lançando a “Biblioteca Digital Zika” (BDZ), plataforma aberta que disponibiliza publicações do mundo todo relacionadas às doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypt. O foco principal, que originou o desenvolvimento da plataforma, é o zika vírus. Mas também estão lá informações sobre os estudos da chikungunya e da dengue. A biblioteca digital foi criada, a princípio, com o objetivo de atender aos pesquisadores da Rede Zika Unicamp, uma ideia inicial da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP). O desenvolvimento teve a participação das bibliotecas do Instituto de Química (IQ), Instituto de Biologia (IB) e da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Já são 200 artigos disponíveis sobre o tema na BDZ. O conteúdo, segundo a coordenadora da SBU Regiane Alcântara Bracchi, foi estruturado de acordo com os grupos de trabalho da Rede Zika Unicamp: caracterização molecular e biológica, mecanismos de imunopatogenicidade, novas metodologias de diagnóstico, estratégias de bloqueio da transmissão e controle do mosquito e epidemiologia, imunologia e repercussões clínicas. Os coordenadores de cada grupo validaram palavras-chave para a busca por publicações. A pró-reitora de Pesquisa, professora Gláucia Maria Pastore, disse que a importância da BDZ é enorme, “pois permite que as pessoas possam acessar as mais recentes publicações sobre o tema e assuntos tangentes a ele”. Ela acrescenta que “de forma muito rápida, os pesquisadores têm acesso a uma série de informações, sem que eles necessitem buscar de forma individual e todos que compõem a rede Zika podem ter disponíveis informações de todos os aspectos deste grande e complexo estudo”. “O diferencial dessa biblioteca digital é que ela reúne todas as publicações em uma única plataforma, então o pesquisador não vai precisar entrar em todas as bases de dados para pesquisar sobre o tema”, afirma o diretor de gestão de recursos da SBU Márcio Souza Martins. A busca por palavras-chave validadas por pesquisadores da área também torna a biblioteca bastante específica e técnica.

Márcio, Regiane, a diretora da tecnologia da informação, Daniela Feijó Simões, o diretor de tratamento da informação, Oscar Eliel, e a bibliotecária Michele Lebre de Marco, com as respectivas equipes dos departamentos, compõem o grupo que desenvolveu em tempo recorde de duas semanas a Biblioteca Digital Zika. “A BDZ é uma plataforma digital de informações que abrange todos os aspectos científicos relacionados ao assunto. Por se tratar de um vírus pouco conhecido e com alto potencial de propagação, existe atualmente uma grande proliferação de iniciativas de pesquisas do vírus Zika, em todo o mundo. Isto resulta numa igual proliferação de artigos científicos, livros, relatórios e notícias, divulgadas em vários tipos de mídia. A BDZ tem por objetivo coletar e disponibilizar essa vasta gama de informações em um único sítio eletrônico, resultando em grande economia de tempo aos pesquisadores que necessitam dessas informações para dar suporte às suas pesquisas”, afirma o coordenador geral da Unicamp, professor Alvaro Penteado Crósta. Regiane salienta que a equipe da SBU procurou as informações mais relevantes nas fontes de pesquisa, entre elas as principais bases de dados de produção científica existentes no mundo na área de saúde. A plataforma também funciona como um portal, à medida que apresenta dados sobre fontes de financiamento, análises da produção científica, vídeos e notícias sobre o assunto. Embora a plataforma seja aberta, ou seja, pode ser acessada por qualquer pessoa pela internet, alguns conteúdos que são de bases de dados com assinatura Unicamp, podem ser restritos aos computadores com IP Universidade. “Nesse caso, como nós mantemos um chat com um bibliotecário, podemos estudar a disponibilização para o interessado”, ressalta Regiane. Desde o dia 14 de março, quando a BDZ foi colocada no ar, importantes instituições já acessaram seus conteúdos. Foram mais de mil acessos neste período, destacando que ainda não havia sido feita a divulgação da Biblioteca. (Patrícia Lauretti) Foto: Antoninho Perri

HISTORICAL ABSTRACTS Base de dados com registros bibliográficos da história mundial. Cobre a literatura sobre história e ciências sociais, com ênfase nas publicações em língua inglesa.

JSTOR Reúne publicações em texto completo que cobre diversas áreas do conhecimento. Indexa periódicos e e-books. Temas: Arqueologia, Estudos Asiáticos, Estudos Oriente Médio, Estudos Africanos, Sociologia, História da Ciência e Tecnologia, Geografia, Estudos Clássicos, História, Ciências Políticas, Educação, Cinema, Estudos sobre Feminismo, Música, Religião, Linguagem e Literatura, Filosofia, Educação, Arte, História da Arte, Bibliografias, Biologia, Paleontologia, Ciências da Saúde, Zoologia, Botânica, Ecologia, Economia etc.

ARTSTOR Banco de imagens (fotografias, pinturas, desenhos, gravuras) sobre vários assuntos.

A pró-reitora de Pesquisa, professora Gláucia Maria Pastore: “A BDZ permite que as pessoas possam acessar as mais recentes publicações sobre o tema e assuntos tangentes a ele”


8 Campinas, 4 a 10 de abril de 2016

Uma avaliação funcional para crianças com deficiência visual Linha de pesquisa da FCM contribui para melhorar a qualidade de vida das pessoas com DV Fotos: Antonio Scarpinetti

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu a “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde” (CIF), que tem como objetivo descrever aspectos relacionados às atividades e à participação do indivíduo na sociedade, por meio de uma linguagem unificada e padronizada e uma estrutura que descreva a saúde e os estados relacionados a ela. A utilização desta classificação ainda é complexa tanto no âmbito acadêmico como profissional. O mesmo ocorre na área da deficiência visual (DV), em que poucos são os estudos publicados correlacionando a utilização da CIF com essa população, principalmente quando de crianças. Ainda em relação ao desempenho funcional é empregado o “Inventário de Avaliação Pediátrica da Incapacidade” (PEDI, sigla derivada do inglês Pediatric Avaluation of Disability Inventory), instrumento que contempla a avalição global infantil, enfocado nos propósitos do CIF. O instrumento tem o objetivo de informar o desempenho funcional de crianças na faixa etária entre 6 meses e 7 anos e meio de idade. O emprego adequado destes dois instrumentos pode ser importante quando se sabe que a ausência parcial ou total da visão pode acarretar dificuldades no desempenho de muitas atividades básicas do cotidiano, interferindo nos aspectos relacionados à qualidade de vida de crianças e de seus familiares. Crianças com DV estão muitas vezes sujeitas a situações de atraso global do desenvolvimento. Torna-se, então, importante pensar de maneira abrangente e funcional a avaliação da criança com DV de forma a contemplar comportamentos corporais, cognitivos, sensoriais, comunicativos, afetivos, que influem nos aspectos relacionados ao desenvolvimento, à aprendizagem, ao desempenho e à participação social. Essas questões delinearam o estudo desenvolvido pela terapeuta ocupacional Paula Vieira Alves que teve como objetivo propor uma estratégia de avaliação funcional para crianças com DV por meio do PEDI e do Protocolo de Avaliação Funcional, por ela desenvolvido, de modo a classificá-las de acordo com a CIF-CJ, versão para crianças e jovens. Participaram da pesquisa exploratória cinco crianças com diagnóstico de baixa visão ou cegueira, atendidas pela Laramara – Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual. Para estabelecer uma correlação de dados entre itens do PEDI e componentes da CIF-CJ a pesquisadora desenvolveu o trabalho em três etapas: 1) análise dos dados de prontuário; 2) aplicação do PEDI através de entrevista com o responsável pela criança; e 3) aplicação do Protocolo de Avaliação Funcional das Percepções Sensórias de Crianças com Deficiência Visual, elaborado por ela com base nos componentes da CIF-CJ. A pesquisa foi desenvolvida com orientação da terapeuta ocupacional Rita de Cássia Ietto Montilha, professora do curso de graduação em fonoaudiologia oferecido pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, chefe do Departamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação (DDHR) e que atua no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (Cepre), vinculado à mesma unidade, onde se dedica à reabilitação de pessoas com deficiência visual e promove a formação e capacitação de profissionais para essa área. Para auxiliar nas questões e discussões relativas à baixa visão, ela convidou uma especialista da área, a oftalmologista Maria Aparecida Onuki Haddad, da USP, que participou como coorientadora do estudo. A linha de pesquisa mantida pela docente visa contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas com DV de forma a que consigam maior nível de inclusão social na família, na escola, no trabalho, no lazer. Para isso, ela considera em seu trabalho a necessidade de desenvolver métodos mais adequados ao desenvolvimento da pessoa com

A professora Rita de Cássia Ietto Montilha, orientadora da dissertação: “Processo procura viabilizar a superação das dificuldades”

DV, dentro de uma visão global delas. Além de desenvolver conhecimentos que lhe possibilitem comparar os resultados obtidos com os de outras realidades do Brasil e do mundo. Diante dessas perspectivas, diz ela, “o trabalho da Paula permite uma avaliação das crianças situadas no segmento estudado e, a partir da caracterização do estado em que se encontram, sugerir o estabelecimento de um processo de atendimento que procure viabilizar a superação das dificuldades que manifestam, decorrentes da inserção social em que se encontram”. O mestrado foi realizado junto ao programa de Saúde Interdisciplinaridade e Reabilitação, vinculado ao DDHR, mantido pela FCM. Paula considera que “a metodologia proposta apresenta aplicabilidade acessível e de fácil reprodução que pode ser usufruída por multiprofissionais, como terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos e das demais áreas que atendam ou se deparam com os problemas decorrentes da deficiência visual infantil. A avaliação que propomos mostra-se simples, barata e viável. Pode ser aplicada por qualquer profissional que tenha familiaridade com esta área de atuação”. Para as pesquisadoras, a sua aplicação pode ser concretizada com a divulgação do estudo através de artigos, de cursos de capacitação e especialização, de disciplinas de graduação e pós-graduação, de modo que os resultados decorrentes do emprego do protocolo proposto possam ser usufruídos pelas comunidades. Paralelamente elas entendem que o trabalho possa contribuir para desmistificar as dificuldades atribuídas ao uso da CIF, que começa a ser introduzido no Brasil.

EXPLICAÇÕES NECESSÁRIAS

Com base nas características da deficiência visual e a diversidade de comportamentos visuais de pessoas com baixa visão ou cegueira, a autora considerou que uma avaliação das funções relacionadas à visão e às percepções sensoriais seria de grande relevância para o estudo. Ao analisar itens referentes às funções corporais da CIF-CJ e ainda com base em sua experiência e de suas orientadoras, a autora elegeu, para a idade de 4 a 7 anos e meio, como componentes relevantes as percepções visuais, táteis, proprioceptivas, auditivas, bem como noções de corpo e deslocamento. Além disso, acrescentou a utilização de equipamentos de tecnologia assistiva que corroboram o melhor

Paula Vieira Alves, autora do estudo: “A metodologia proposta apresenta aplicabilidade acessível e de fácil reprodução”

desempenho global de crianças com deficiência visual, como óculos e bengalas. Para garantir uma boa analise funcional a avaliação foi elaborada com auxílio dos conhecimentos clínicos da oftalmologia. A pesquisa exploratória adotada pela autora tem como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema estudado de forma a torná-lo mais explícito ou a possibilitar a construção de hipóteses. Para a definição de cada um dos componentes de sua proposta de metodologia de avaliação ela considerou nas crianças estudadas: orientação em relação a si própria; orientação em relação ao espaço; percepção visual; percepção tátil; percepção da visão espacial; imagem do corpo; sensibilidade à luz; visão de cores; visão de contraste; detecção do som; discriminação do som; função tátil; reconhecimento de imagens simples; reconhecimento de detalhes em imagem complexa; produtos e tecnologia para uso pessoal – óculos; produtos e tecnologia para mobilidade e transporte pessoal – bengala. A avaliação dos pacientes com DV envolve inicialmente o parecer de um oftalmologista que determina que eventuais recursos óticos ou instrumentos eles devam usar. Depois ocorre a avaliação funcional, que pode ser realizada por profissionais que atuem na área da deficiência visual, como terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, pedagogos, entre outros. Essa avaliação deve se ater tanto a questões visuais como sensoriais do indivíduo. Paula explica: “A avaliação visual clínica permite determinar em que grau ele enxerga e qual a sua acuidade visual. Mas deve ser complementada também por uma avaliação sensorial que envolve, por exemplo, a capacidade de discriminar sons, de distinguir texturas ou objetos diferentes, de forma a se dimensionar como ele utiliza esses outros canais de forma funcional, considerada a deficiência ou ausência da visão. Mesmo porque crianças com diagnósticos visuais iguais e acuidades visuais similares podem apresentar funcionalidades visuais diferentes, dependendo da maneira como utilizam a visão e dos estímulos que recebem do meio em que vivem”. Em decorrência, a pesquisadora se preocupou em localizar o que a criança com DV consegue desempenhar e o que não faz em decorrência de sua deficiência ou do meio em que está inserida. Isso a levou a utilizar, como parâmetro, algumas avaliações já padronizadas na área da infância para a faixa etária selecionada para estudo. Para tanto utilizou o PEDI, instrumento já validado no

Brasil, que tem alguns itens relacionados à infância, para determinar o que a criança consegue ou não fazer em sua faixa etária, e traçar um perfil do grau de desenvolvimento em que ela se encontra em relação ao padrão esperado. A determinação dos parâmetros selecionados é feita através de algumas atividades básicas previamente escolhidas, o que, confessa a autora, lhe tomou um bom tempo do trabalho, pois para o desenvolvimento do protocolo era preciso identificar o que se pretendia avaliar e os meios de como fazê-lo. Ela enfatiza: “Em nossa atividade como terapeutas ocupacionais precisamos intervir onde a criança está com dificuldade, pois é o seu desempenho que pretendemos melhorar. E nisso deve esta centrada a reabilitação. Precisamos então definir os elementos que vamos utilizar para provocar os estímulos necessários”. Em vista disso, ela entende que o trabalho possa contribuir para orientar profissionais e politicas públicas e levar a própria sociedade a observar o portador de DV com maior discernimento colocando em evidência suas potencialidades e qualidades e amenizando suas deficiências. Paula esclarece, ainda, que aplicou o PEDI cruzando-o com os componentes da CIF, utilizou o protocolo de avaliação funcional que desenvolveu e fez uma análise dessa metodologia de avaliação pensando na sua possibilidade de utilização por outros profissionais. Não descuidou de que os materiais utilizados fossem fáceis de serem encontrados. Preocupou-se também com que os resultados obtidos realmente forneçam parâmetros dentro da classificação estabelecida pela OMS.

Publicação Dissertação: “Proposta de avaliação funcional para crianças com deficiência visual com base na Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde versão para crianças e jovens (CIF-CJ)” Autora: Paula Vieira Alves Orientadora: Rita de Cássia Ietto Montilha Coorientadora: Maria Aparecida Onuki Haddad Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


9 Campinas, 4 a 10 de abril de 2016

A viagem ficcional de

Joaquim Manuel de Macedo Pesquisa de historiadora destaca facetas desconhecidas do autor de ‘A Moreninha’ Fotos: Reprodução

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

ese de doutorado analisando o livro A carteira do meu Tio contraria a visão difundida pela história literária de que Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) era um escritor menor, cuja produção se limitava a romances melodramáticos como A moreninha, que o tornou conhecido. A historiadora Carollina Carvalho Ramos de Lima, orientada pelo professor Jefferson Cano, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), apresenta a faceta satírica de Macedo, que recorre à literatura de viagem e a uma linguagem ácida para apontar os vícios da classe política brasileira. A autora da tese propõe, ainda, a reinterpretação de um período importante para a construção do Estado imperial, quando se implantou o Ministério da Conciliação, com a missão de apaziguar as divergências entre liberais e conservadores. Carollina de Lima lembra que A carteira do meu Tio é um livro de viagem ficcional, com cunho de sátira política, publicado de forma seriada no jornal carioca A Marmota, em 1855. “Meu interesse por literatura de viagem vem do mestrado e fiquei apegada a esse texto sobre um jovem que pretende ser político e é obrigado pelo tio mantenedor a viajar pelo país para conhecer a realidade brasileira, como uma etapa na sua formação para a vida pública. O sobrinho é o narrador extremamente debochado, que faz uma série de críticas ao sistema político do segundo reinado.” Dividindo o trabalho em três capítulos, a pesquisadora começa perguntando por que Macedo, já famoso pelos romances de amores impossíveis, optou por fazer este tipo de literatura. “Quando me deparei com A carteira, vi que não era o Macedo que li no colégio, e sim um autor ácido, que constrói um personagem sarcástico, amoral e que adota como mestres os políticos que seguem a ‘cartilha do eu’ e sequer se preocupam com um discurso ideológico como pano de fundo. O sobrinho viajante me remete a Brás Cubas, de Machado de Assis, que muito provavelmente teve em Macedo uma referência.” Carollina abordou a recepção no país aos textos produzidos por viajantes estrangeiros e como esta literatura consolidou um público regular, aproveitando-se também da bagagem trazida do mestrado, quando levantou a produção até a década de 1830 e a sua importância para a criação de uma imagem de Brasil. “Entendo que no período de Macedo há um momento de inflexão da literatura de viagem, pois os críticos dos anos 40 e 50 já se mostram bem avessos aos textos de estrangeiros, por conta de erros grosseiros sobre a realidade brasileira; há certa defesa dos autores nacionais.” Ainda no primeiro capítulo da tese, a historiadora especula sobre os autores que Macedo teria lido e as pessoas para quem escrevia, bem como a relevância de seus textos para a formação do leitor enquanto um tipo de literatura que permite divertir instruindo. “Eu utilizo o conceito da teoria literária de ‘horizonte de expectativas’, de Robert Jauss, em função de obras que estavam em debate na época do escritor e promoviam este casamento entre literatura de viagem e sátira política, como Viagens de Gulliver [de Jonathan Swift], Cartas Persas [Montesquieu] e Cartas Chilenas [Tomás Antônio Gonzaga], e que certamente serviram de referencial para ele.” Carollina de Lima faz no segundo capítulo uma análise comparativa entre A Carteira do meu tio e as crônicas do Jornal

Joaquim Manuel de Macedo, autor de ‘A carteira do meu Tio’: apontando os vícios da classe política brasileira

No A Marmota, um aspecto que intrigou a pesquisadora foi que, embora houvesse um espaço reservado para romances (o rodapé), A Carteira ganhava destaque na parte superior da página, por tratar de um tema relevante para a nação. “Creio que o editor do jornal, Paula Brito, fazia distinção entre esta série e o romance, até porque estava editando Vicentina (do mesmo Macedo) no rodapé. Minha conclusão é de que A Carteira, por ser um texto ficcional, mais ameno e divertido, atraía um público jovem e não necessariamente imbuído das discussões políticas, mas que ficaria inconformado com a desfaçatez do sobrinho e dos políticos brasileiros em geral.” A autora da tese define Macedo como um homem de letras típico do seu tempo, que além de literato, jornalista, médico e professor, foi um político atuante, a exemplo de José de Alencar e outros contemporâneos. “Ele assumiu na Assembleia Provincial no ano anterior ao da publicação d’A Carteira, sendo que suas falas registradas nas atas da casa, da Câmara e do Senado me ajudaram bastante na interpretação do livro. Foi um liberal convicto, que não mudou de partido, como fizeram pessoas muito próximas a ele – é possível reconhecer no livro críticas a Torres Homem, seu parceiro na edição de A Nação e que migrou para os conservadores em 55.”

POLÍTICA DE CONCILIAÇÃO

Anúncio de jornal da época: produção de Macedo era intensa e diversificada

do Commercio, procurando demonstrar que Joaquim Manuel de Macedo conhecia os gostos literários de seus leitores, formatando seus textos pensando em quem os leria. “É um escritor que produziu muito. Ao mesmo tempo em que o livro era publicado em série no A Marmota, ele estava escrevendo crônicas no jornal sobre os mesmos temas, mas em linguagens diferentes, visando um leitor mais politizado, que acompanhava as discussões veiculadas durante a semana, como as críticas à Política de Conciliação e a defesa das reformas eleitoral e judiciária.” Foto: Antoninho Perri

No terceiro capítulo, Carollina de Lima trata de três temas que julga fundamentais na obra: a Política de Conciliação implementada em 1853, a inaplicabilidade da Constituição de 1824 e o caráter corrompido dos políticos. “Há todo um debate historiográfico em torno do chamado Ministério da Conciliação, que tinha à frente o Marquês de Paraná. Autores como Sérgio Buarque de Holanda e Roderick Barman veem uma demonstração de poder do imperador, adotando o discurso de que liberais e conservadores deveriam colocar as diferenças partidárias de lado em prol de uma política apaziguadora; outros, como José Murilo de Carvalho, veem uma manobra dos conservadores para implantar seu projeto de Estado.” A pesquisadora afirma que a maior crítica de Macedo à Política de Conciliação era por facilitar a troca partidária, sem necessidade de maiores justificativas, o que considerava péssimo para um sistema representativo, onde deveriam existir uma oposição e o debate. “Concluí que a Conciliação mostrava, sim, uma interferência do imperador para a discussão das reformas judiciária e eleitoral, mas que não foi determinante, pois a primeira reforma não foi aprovada e a segunda não passou da maneira que o monarca esperava. Entendo ainda que, embora a política interessasse aos conservadores, não era visando um projeto de Estado, mas para resolver problemas internos de um partido à beira do racha em 52 – o próprio Macedo, editando A Nação, anunciava como iminente o surgimento do Partido Parlamentar, originado deste racha.” Mesmo os liberais como Macedo, segundo Carollina, ainda que não concordassem com a Conciliação, viam nela a possibilidade de conquistar mais cadeiras nas assembleias e fazer passar os dois projetos que modernizariam a estrutura política do Brasil. “A reforma judiciária previa a incompatibilidade de magistrados concorrerem a cargos eleitorais e a reforma eleitoral estabelecia eleições por distritos, permitindo a ascensão de candidatos locais e anônimos, quando a esfera política era sempre ocupada pelas mesmas pessoas devido às relações de apadrinhamento. O personagem d’A Carteira apresenta-se apenas como o sobrinho do tio e declara que no Brasil não é preciso ter nome, bastando ter um padrinho.” A inaplicabilidade da Constituição de 1824 também é avaliada pela historiadora, que recorda a passagem do livro em que o tio anuncia ao sobrinho que terá uma companheira de viagem, a “Defunta” (a Carta), para que compare o que diz a lei e o que vê na prática. Finalmente, a respeito do caráter corrompido dos políticos, Carollina de Lima conta que, ao ler o livro de Joaquim Manuel de Macedo pela primeira vez, teve a sensação de estar diante de um conteúdo bastante atual. “É inevitável que o leitor contemporâneo constate que pouca coisa mudou no sistema político brasileiro, onde persistem as relações de apadrinhamento dentro da esfera pública; a política do ‘eu’ ao invés da política de Estado; a troca partidária, tão comum e nem um pouco ideológica e sempre pragmática. Em minha opinião, A Carteira do meu Tio deveria entrar para a lista de livros obrigatórios dos vestibulares, por ajudar o jovem a pensar a política.”

Publicação

Carollina Carvalho Ramos de Lima, autora da tese: “Concluí que a Conciliação mostrava, sim, uma interferência do imperador para a discussão das reformas judiciária e eleitoral”

Tese: “A carteira do meu tio, de Joaquim Manuel de Macedo: literatura de viagem e sátira política em tempos de Conciliação” Autora: Carollina Carvalho Ramos de Lima Orientador: Jefferson Cano Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)


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Painel da semana 

Painel da semana  Ciência & Arte no Inverno - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp receberá, de 4 a 15 de abril, por meio de formulário eletrônico, projetos de docentes e pesquisadores interessados em participar da 2ª edição do Programa Ciência & Arte no Inverno (Cafin 2016). O Programa, que se realizará entre 6 a 22 de julho, visa proporcionar aos estudantes do Ensino Fundamental de Escolas da Rede Municipal de Campinas, a realização de atividades nos laboratórios da Unicamp, sob a supervisão de professores/ pesquisadores da Universidade. De acordo com as normas do Programa, os docentes e pesquisadores da Universidade devem submeter um único projeto ao Fundo de Apoio ao Ensino e à Pesquisa (Faepex), exclusivamente no formato de oficinas (atividades em grupo). O Ciência & Arte no Inverno foi implantado no ano passado, em parceria com a Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Campinas. Na Unicamp está sob a responsabilidade da PRP. Para mais informações acesse o link https://www.prp.unicamp.br/ sites/default/files/chamada_cafin-2016_2.pdf, telefone para 193521-2973 ou entre em contato pelo e-mail cienciasnoinverno@ reitoria.unicamp.br.  Geoparque: identidade geográfica, cultural e preservação ambiental - Fórum ocorre no dia 4 de abril, no Centro de Convenções da Unicamp. O evento é organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), pela Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) e pelo Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Programação inscrições e outras informações, na página eletrônica: http://www.gr.unicamp.br/penses/forum-geoparques/  Zheng He - quando os navios-dragão chegaram - O Instituto Confúcio Unicamp organiza no dia 4 de abril, às 20 horas, no Auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), a apresentação da pela teatral Zheng He - quando os navios-dragão chegaram. A peça conta a história de Zheng He, um explorador chinês que conta uma história (ou uma anedota) de cada país por onde passou. O evento é gratuito e aberto ao público em geral. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-4716 ou e-mail confucio@unicamp.br

Teses da semana 

 Palestra com a Editora Thieme Medical Publishers -

O Espaço da Escrita e o Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU) organizam palestra com a Editora Thieme Medical Publishers sobre publicações científicas. Será no dia 5 de abril, às 14 horas, no Auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BCCL). Na ocasião, o professor Markus Heinemann, editor-chefe do periódico The Thoracic and Cardiovascular Surgeon Journal da Thieme Medical Publishers, relatará suas experiências na área e mostrará como fazer para evitar erros e conseguir publicar artigos de maneira eficaz em importantes periódicos do mundo. O evento tem como público-alvo docentes, pesquisadores de carreira e alunos de Pós-graduação da Unicamp. Mais detalhes pelo e-mail escrita@reitoria.unicamp  Balanço das políticas sociais no Brasil - No dia 6 de abril de 2016, às 9 horas, no Centro de Convenções, acontece a mesa-redonda “Balanço das Políticas Sociais no Brasil: é possível dar continuidade a esse processo? O evento tem como público-alvo professores , pesquisadores, alunos, funcionários e interessados no assunto. No encontro, especialistas irão debater sobre a transição demográfica, suas tendências e principais efeitos previsíveis entre 2010 e 2050; estrutura e movimento do mercado de trabalho e a questão previdenciária, financiamento e reforma. Além disso, serão discutidos o agravamento dos problemas centrais do crescimento urbano; problemas habitacionais; mobilidade e transporte coletivo. A entrada é franca e as inscrições podem ser feitas pelo site Unicamp Ano 50 (http://www.50anos.unicamp.br/eventos/55/ balanco-das-politicas-sociais-no-brasil-i-e-possivel-dar-continuidade-a-esse-processo?) ou no dia do evento.  A abelha, a flor e o campo elétrico - No dia 6 de abril, às 14 horas, no Auditório do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW), o biólogo sensorial Daniel Robert, fala sobre “A abelha, a flor e o campo elétrico”. Com 22 anos de experiência em biomecânica e ecologia sensorial de sistemas auditivos de escala reduzida, Robert é professor de Bionanociência na Escola de Ciências Biológicas na Unigversidade de Bristol, Reino Unido.  Projetos para o PIBIC-EM - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp acaba de divulgar Edital para a submissão de projetos ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Ensino Médio (PIBIC-EM/CNPq), quota 2016-2017. Docentes e pesquisadores têm o período de 18 de março a 8 de abril para o

Eventos futuros 

envio. Os recursos de quatro mil reais são concedidos por meio do Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão (Faepex). Mais informações no site http://www.prp.unicamp.br/pibic-em  Colóquios Unicamp Ano 50 - Em comemoração aos 50 anos da Universidade, entre os dias 12 de março e 1 de outubro, o Centro de Convenções da Unicamp recebe a série Colóquios Unicamp Ano 50 - de professor para professor. A série traz palestras, a serem realizadas aos sábados e proferidas por docentes da Unicamp, que discutirão temas da atualidade com professores do Ensino Fundamental e Médio. O próximo encontro acontece no dia 9 de abril, das 8h30 às 13 horas. O tema a ser abordado será “Políticas públicas e segurança alimentar” com o professor Walter Belik, do Departamento de Política e História Econômica do Instituto de Economia (IE). A entrada é franca para participação e as inscrições podem ser feitas pelo site http://www.50anos.unicamp.br/congressista ou no dia do evento. O Centro de Convenções fica à rua Elis Regina, 131 – Cidade Universitária “Zeferino Vaz” · Campinas · SP · 13083854. Mais informações: no site www.50anos.unicamp.br/eventos

Teses da semana  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo: “Aplicação do auxílio multicritério à decisão ao projeto de travessia entre Santos e Guarujá” (mestrado). Candidato: Fábio Rossetti Delospital. Orientadora: professora Maria Lucia Galves. Dia 4 de abril de 2016, às 10 horas, na FEC.  Engenharia Elétrica e de Computação: “Implementação eficiente de algoritmo de compensação de não-linearidades em ASIC para comunicações ópticas de altas velocidades” (mestrado). Candidato: Stenio Magalhães Ranzini. Orientador: professor Gustavo Fraidenraich. Dia 4 de abril de 2016, às 10h30, na FEEC.  Engenharia de Alimentos: “Obtenção de emulsões multicamadas de óleo de Chia (salvia hispânica l.) estabilizadas por concentrado proteico de soro de leite/pectina microencapsuladas

Destaque do Portal 

em spray dryer” (mestrado). Candidata: Carla Noello. Orientadora: professora Miriam Dupas Hubinger. Dia 4 de abril de 2016, às 9 horas, na sala 1 da Extensão da FEA. “Determinação da composição e propriedades funcionais de queijos por imagem hiperespectral de infravermelho próximo” (mestrado). Candidata: Caroline Bilhar Karaziack. Orientadora: professora Walkiria Hanada Viotto. Dia 4 de abril de 2016, às 10 horas, na sala 2 da Extensão da FEA. “Efeito do processamento a alta pressão isostática em feijão comum tipo carioca (phaseolus vulgaris L.)” (mestrado). Candidato: Ricardo Henrique Belmiro. Orientador: professor Marcelo Cristianini. Dia 7 de abril de 2016, às 14 horas, no anfiteatro do DTA da FEA.  Linguagem: “Perigos e prazeres: Discursos sobre a prostituição na literatura oitocentista do Rio de Janeiro” (mestrado). Candidata: Karine de Medeiros Ribeiro. Orientadora: professora Claudia Regina Castellanos Pfeiffer. Dia 6 de abril de 2016, às 9 horas, na ala de videoconferência do IEL. “Jogo nas regras, jogo sobre as regras: real língua e jogo na obra de Michel Pêcheux” (mestrado). Candidato: Thales de Medeiros Ribeiro. Orientador: professor Lauro José Siqueira Baldini. Dia 7 de abril de 2016, às 8 horas, no anfiteatro do IEL. “Trajetórias transmídia de leitura literária na escola”(mestrado). Candidato: Bruno Cuter Albanese. Orientador: professor Petrilson Alan Pinheiro da Silva. Dia 8 de abril de 2016, às 9h30, no anfiteatro do IEL.  Matemática, Estatística e Computação Científica: “Modelos matemáticos em câncer abordando fase inicial e tratamento de tumor avascular” (doutorado). Candidato: Artur César Fassoni. Orientador: professor Hyun Mo Yang. Dia 8 de abril de 2016, às 10 horas, na sala 226 do Imecc.  Química: “Termodinâmica mesoscópica do contínuo para sistemas químicos” (doutorado). Candidato: Caio César Ferreira Florindo. Orientador: professor Adalberto Bono Maurizio Sacchi Bassi. Dia 4 de abril de 2016, às 9 horas, no miniauditório do IQ. “Intensidades características do grupo carbonila: partições atômicas, QTAIM/CCFDF e QTAIM/CCTCP” (doutorado). Candidato: Wagner Eduardo Richter. Orientador: professor Roy Edward Bruns. Dia 1 de abril de 2016, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

Destaque do Portal

Unicamp pede que MEC mantenha regras do Pibid Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da Unicamp enviou ao ministro da Educação, Aloizio Mercadante, uma moção pelo cumprimento do que está disposto nos dois últimos editais do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e a revogação da ordem de cancelamento das bolsas de mais de 24 meses concedidas a alunos de licenciatura. “Quando este problema chegou ao nosso conhecimento, nos articulamos junto ao Fórum de Graduação do Cruesp [Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas] para que Unicamp, USP e Unesp se manifestassem sobre a importância do Pibid para as três instituições, em ofícios endereçados diretamente ao ministro. Não pedimos nada de excepcional, se não a manutenção dos editais com prazo de vigência de 2013 a 2018”, afirmou o professor Luís Alberto Magna, pró-reitor de Graduação. A Unicamp começou a participar do Pibid no edital de 2009, seguindo a meta original de melhorar a formação dos professores que atuarão na rede de educação básica. Atualmente, grupos de diferentes áreas do conhecimento participam de 16 subprojetos envolvendo os 23 cursos de licenciatura oferecidos pela Universidade. A estrutura traz um coordenador institucional, dois coordenadores de gestão de processos educacionais, 20 coordenadores de área (docentes da Universidade), 32 supervisores (professores da educação básica), 179 bolsistas de iniciação à docência, 28 escolas públicas e 6.093 alunos atendidos (dados parciais de 2015). Até março deste ano, 436 bolsistas participaram do Pibid/Unicamp, que se desenvolve no âmbito da Comissão Permanente de Formação de Professores (CPFP), órgão subordinado à Comissão Central de Graduação (CCG) e, consequentemente, à PRG. Um blog traz um histórico do programa: https://pibidhistoriaunicamp.wordpress.com/ Guilherme do Val Toledo Prado, professor da Faculdade de Educação (FE) e coordenador institucional do programa, explica que os coordenadores de área são professores dos diferentes cursos de licenciatura que atuam diretamente com os licenciandos e as escolas, enquanto os supervisores das escolas trabalham com os bolsistas no desenvolvimento dos projetos que contemplam os alunos.

“Há um acompanhamento constante das atividades através de reuniões nas escolas e na Universidade. Nosso projeto foi constituído para 240 bolsistas, mas desde 2014 tivemos uma redução grande no quadro, porque fomos impedidos de repor as vagas de muitos que saíram.” Segundo a professora Elaine Prodócimo, coordenadora de gestão, os cortes orçamentários feitos pelo governo federal devido à crise econômica atingiram a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e, consequentemente, o Pibid. “Houve um movimento muito grande das instituições de ensino superior para que o programa não se extinguisse ou perdesse a sua proposta original, que é de melhoria da formação dos futuros docentes. Neste processo de redução de custos, a Capes impediu que os bolsistas formados, que no nosso caso são automaticamente afastados, fossem substituídos por outros – não foi por falta de demanda.” Guilherme Prado acrescenta que a ação incisiva da Capes de cortar os bolsistas de projetos com mais de 24 meses de duração, anunciada pela Diretoria de Educação Básica (DEB), foi o que gerou um movimento nacional a partir do Fórum dos Coordenadores Institucionais do Pibid (Forbipid). “Com esta mobilização, que teve apoio tanto no âmbito das universidades (federais, estaduais e comunitárias) como de entidades como a Associação de Pesquisa em Educação, vieram audiências públicas na Câmara e no Senado, e negociações com o MEC e a Capes. Felizmente, conseguimos suspender a ação, com a manutenção de bolsas que seriam cortadas. Agora, estamos na expectativa da abertura do sistema para que possamos fazer a inserção de novos alunos.”

EQUÍVOCO

O coordenador institucional do Pibid/ Unicamp ressalta que o programa veio potencializar ações de formação visando o trabalho na escola pública, mas que agora o governo tenta, de certa maneira, mudar o foco para a melhoria da qualidade da escola. “Melhorar o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado para medir fluxo escolar e médias de desempenho] implica trabalho de muito longo prazo, que este programa tinha a perspectiva de construir, pois foi pensado

para quatro anos. Tanto que se tornou uma política pública, estando vinculado à LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e às metas do Plano Nacional de Educação até 2024. É preciso deixar esse ponto claro, porque a comunidade, muitas vezes, associa o Pibid à melhoria da qualidade da escola; a proposição é de melhorar a formação e, com este aprimoramento, gerar uma nova qualidade a partir da entrada desses sujeitos no campo de trabalho.” O pró-reitor Luís Magna faz uma comparação do Pibid com o programa iniciação científica, uma tradição na Unicamp desde a criação da instituição, havendo no âmbito do CNPq o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic). “O Pibic visa permitir que os alunos das diferentes ciências sejam iniciados nas práticas correspondentes à sua formação profissional. O Pibid visa o mesmo, a iniciação à docência. Vemos o programa como um laboratório de licenciatura, em que os alunos têm a mesma oportunidade ímpar oferecida aos bacharéis das ciências tradicionais.” Ainda sobre esta tentativa por parte do governo de mudança de concepção do Pibid, Elaine Prodócimo lembra que o edital em vigor já tem dois anos e estão previstos mais dois anos, na perspectiva original de formação docente. “Outra ação proposta pela Capes, juntamente com a de retirada de alunos com mais de 24 meses de bolsa, era a suspensão deste edital e abertura de um novo, transformando o ponto central, a melhoria da formação de professores, em melhoria do Ideb da escola. Isso também motivou um movimento dos coordenadores das instituições de ensino junto ao MEC e à Capes, que recuaram da ideia, mantendo o edital anterior.”

IMERSÃO

A professora Eliana Ayoub, também coordenadora de gestão, afirma que o corte de bolsas que começou em meados do ano passado causou forte impacto no programa, que teve 3.000 inscritos quando da sua criação em 2008 e hoje alcança mais de 90 mil bolsistas em universidades federais, estaduais, municipais, comunitárias e inclusive privadas. “O Pibid tem como marca importante o tripé formado pelo coordenador na universidade, o supervisor na escola e o bolsista, numa articulação que promove uma aproxi-

mação muito grande da instituição de ensino superior com a unidade de educação básica. Os bolsistas são escolhidos por meio de editais, com muito critério, contando com todo o apoio institucional através de outros órgãos da Pró-Reitoria de Graduação.” Outro aspecto importante, na opinião de Eliana Ayoub, é o tripé ensino, pesquisa e extensão, o que já viabilizou a publicação de quatro livros da coleção “Formação Docente em Diálogo”, sendo que mais dois volumes estão no prelo. As publicações, acrescenta a professora, permitem uma relação ainda mais afinada entre universidade e escola, além de trazer novos elementos para aprimorar a formação docente na Unicamp. “São seis livros com diferentes artigos produzidos pelos atores do Pibid e por orientandos de pós-graduação. É bom esclarecer que não vamos à escola para aplicar metodologias nossas. Usamos muito a palavra ‘com’, na perspectiva de um trabalho feito com a escola. E é inevitável um paralelo com o estágio supervisionado dos cursos de licenciatura, com a diferença de que no Pibid esta permanência nas escolas é mais longa e construída de forma partilhada.” Nesse ponto, Elaine Prodócimo acrescenta que há um processo de imersão do bolsista na escola, diferentemente do que ocorre no estágio supervisionado. “Os depoimentos dos alunos mostram que eles não são vistos como estagiários, ou seja, como alguém que vai até a escola, observa e volta, não fazendo parte dela. Já os bolsistas ID são recebidos de maneira diferente e se sentem parte daquele contexto, conhecendo a estrutura e os bastidores da escola, incorporando-se ao cotidiano por mais variadas que sejam suas práticas junto às crianças, e refletindo sobre a prática docente.” Guilherme Prado explica, finalmente, que todos os subprojetos são pensados e construídos com base no diálogo entre estudantes, coordenadores da universidade e supervisores das escolas. “As atividades são propostas em função das demandas da escola e do que os bolsistas têm condições de proporcionar neste tempo de formação, cada um dentro da sua especificidade (música, química, letras, ciências sociais), mas com participação aberta a alunos de outras áreas. É um trabalho entre áreas, característica que o Pibid da Unicamp sempre quis fomentar.” (Luiz Sugimoto)


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Uma comunidade de mães empoderadas PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

m novo tipo de mãe está surgindo no consultório dos pediatras de todo o país. Ela não aceita tudo o que o médico diz ou determina. Argumenta, retruca, refuta e só faz o que considera correto em cada caso. Ouvir de um pediatra que o bebê só deve ser amamentado a cada três horas, por exemplo, já é motivo para muitas mães trocarem de médico. Elas leram as recomendações da Organização Mundial da Saúde de que o aleitamento materno deve ser em livre demanda. Elas trocaram experiências em comunidades virtuais e, nesses espaços, leram diversos artigos sobre o tema, muitos dos quais contrariando a opinião do pediatra. Uma dessas comunidades está no Facebook há sete anos e já recebeu pelo menos um milhão de visitas. O grupo, denominado “Apoio Materno Solidário”, acabou congregando outros tantos com debates sobre temas que preocupam as mães. Como administradora do grupo, a pedagoga Simone Tenório de Carvalho percebeu a mudança no jeito com que as mulheres se relacionavam com o pediatra dos filhos e decidiu, a partir daí, desenvolver seu mestrado.

Publicação Dissertação: “Percepção das mães de uma comunidade virtual acerca do empoderamento materno nas consultas pediátricas” Autora: Simone Tenório de Carvalho Orientador: José Martins Filho Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Simone chegou à Unicamp depois de contatar o pediatra e professor aposentado José Martins Filho, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), autor do livro A criança terceirizada, que passou a ser seu orientador. A pesquisa ouviu 200 mães por meio de questionários. Quarenta mulheres aceitaram conversar com Simone online, contando suas experiências. As entrevistas foram inseridas em uma base de dados criada pelo professor Fernando Lefèvre, titular aposentado da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), autor de uma teoria chamada “Discurso do sujeito coletivo” na qual se baseia seu mestrado. “Por meio de um programa de computador, eu inseri as informações das entrevistas e fiz a conexão dos duzentos discursos como se fosse uma só mãe falando. É interessante notar como todos os discursos desembocam em um mesmo lugar”. Este lugar, como se refere a autora, é o das “mulheres empoderadas”. O termo vem ganhando cada vez mais força nas redes sociais entre os indivíduos que defendem mais autonomia e respeito às decisões da mulher. Neste caso, trata-se do que Simone considera “empoderamento materno”, ou “autopoder materno”.

COMUNIDADE A comunidade que Simone administra é composta de cinco grupos que discutem amamentação, introdução alimentar, volta ao trabalho, maternidade e empoderamento materno. “A razão principal que leva as mães a buscarem a comunidade, em linhas gerais, é a vivência de alguma dificuldade no pós-parto, em especial com o momento da amamentação”, descreve a autora. Entre as 200 mães que responderam aos questionários, a maioria estava na faixa etária de 31 a 40 anos, foi qualificada como de alta classe média ou com nível de graduação e pós-graduação. “Em relação à ocupação profissional, os grupos mais representativos são docentes, psicólogas, bancárias, jorna-

Foto: Antonio Scarpinetti

A pedagoga Simone Tenório de Carvalho: comunidade discute amamentação, introdução alimentar, volta ao trabalho, maternidade e empoderamento materno

listas, advogadas e estudantes. O número de mulheres casadas e com apenas um filho também prevaleceu e a duração do aleitamento materno na última gestação girou entre 12 a 24 meses”. As mães ouvidas buscavam, em sua maioria, atendimento no sistema privado, cuidavam sozinhas dos filhos ou dividiam as tarefas com familiares, sendo que uma pequena parcela optou por berçários e creches. Muitas não informaram o tempo exato de licença maternidade; “ou porque abandonaram seus empregos para cuidarem dos seus bebês, ou porque desde a primeira gestação ainda estão em casa em período integral e não retornaram ao mercado de trabalho”.

O PEDIATRA DOS FILHOS Em relação ao atendimento do pediatra, Simone verificou as categorias: dúvidas iniciais, orientação e apoio à amamentação; escuta sensível do pediatra no pós-parto; uso de linguagem de fácil compreensão e conhecimento prévio sobre as orientações pedi-

átricas. Mais de 80% das mães declararam possuir conhecimento prévio sobre suas dúvidas, e 170 mães responderam que não acataram as orientações do pediatra. “O pediatra só é ouvido e seguido, neste contexto, quando reconhece a capacidade de autogerenciamento da mãe, está atualizado quanto à sua própria especialização e desenvolve uma interação com essa mãe”, observa a pesquisadora. A partir dos resultados da pesquisa, Simone considera importante que a discussão seja levada aos residentes de pediatria. “Quanto mais evidente o empoderamento materno, maior é a necessidade de um atendimento baseado na escuta sensível das percepções e saberes adquiridos pela mãe”. Segundo Simone a avaliação negativa do atendimento médico leva algumas mães inclusive a desistir do acompanhamento do pediatra. “Há mães que somente procuram o posto de saúde quando é necessário, para medicar a criança. O pediatra não faz acompanhamento da criança”.

A ilustradora que expia seus demônios PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

ma paixão por animais desprotegidos e uma dissertação de mestrado. No meio das duas coisas, o desenho. A ilustradora Tatiane Colevati criou para a sua dissertação uma série de tirinhas que tinham, como primeiro objetivo, denunciar situações de maus tratos, principalmente de cães e gatos. Todo o processo de criação, desde as primeiras ideias, esboços e pesquisas, até os resultados finais com a publicação no Facebook e mesmo depois, a repercussão do trabalho artístico, tudo foi esmiuçado na dissertação “O processo criativo em quadrinhos humorísticos: um estudo de caso do desenvolvimento da série ‘Hellpets’”, apresentada ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Tatiane foi buscar seus personagens na mitologia: são demônios e seres fantásticos que se reúnem no inferno para comentar os feitos dos seres humanos e outros assuntos. Começou exclusivamente com a questão do abandono e maus tratos aos animais, depois a ilustradora decidiu mudar e passou a tematizar também a política, costumes, a criticada mídia, etc. Do humor ela migrou para os temas “mais sérios” porque considerou que não tinha mais fôlego para buscar piadas que envolvessem algo tão triste como o sofrimento dos animais. A artista pesquisadora faz o desenho à mão, direto no computador, utilizando um software com ferramentas específicas. A série começou em 2011 com os principais personagens: o demônio com cabeça de bode, “Baphomet”, uma espécie de juiz responsável por manter contratos com políticos, celebridades e advogados e desenhistas de história em quadrinhos (trabalha por comissão); “Caronte”, um fantasma que é o responsável por conduzir as almas ao seu destino no inferno; “Lúcifer”, que é o namorado de “Lilith”, criadora de demônios que são tentações terrenas, (como o chocolate, por exemplo); e “A velha louca dos gatos”, que representa nas tirinhas os acumuladores de animais. “São demônios ‘fofinhos’ e não são os responsáveis pelas maldades, eles apenas punem ou fazem brincadeiras com os seres humanos”, conta Tatiane. Embora tenha também criado um blog para divulgar as tirinhas, foi nas redes sociais que a autora encontrou o melhor mecanis-

Foto:Divulgação/ Reprodução

Tirinha da ilustradora Tatiane Colevati (destaque): seres fantásticos

mo de divulgação. A página do Hellpets no Facebook, que continua disponível, chegou a ter 3 mil seguidores. “Não só pelas tirinhas que faço, mas pelas web comics que acompanho, sabemos que o Facebook é a melhor ferramenta”. A base teórica da pesquisa realizada por Tatiane é a chamada “crítica genética” que compreende o estudo do processo de criação pelas marcas deixadas pelos autores/ artistas ao longo da produção de uma determinada obra. A pesquisadora salienta que precisou se distanciar da própria criação, para poder enxergá-la com os olhos do público e da crítica. “Analisar o processo de criação aumenta a compreensão e o entendimento da obra. Dessa forma consegui resgatar marcas da minha infância, explícitas na minha obra”.

Publicação Dissertação: “O processo criativo em quadrinhos humorísticos: Um estudo de caso do desenvolvimento da série ‘Hellpets’” Autora: Tatiane Colevati dos Santos Orientador: Hermes Renato Hildebrand Unidade: Instituto de Artes (IA)


12 Campinas, 4 a 10 de abril de 2016 Foto: Reprodução

 Chaplin na famosa cena de ‘Em Busca do Ouro’, na qual utiliza dois garfos e dois pães para simular uma dança: artista exercia o total domínio sobre suas produções

Chaplin a serviço de Chaplin 

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

m 1925, ainda na época do cinema mudo, o ator e diretor britânico Charles Chaplin lançou o filme The Gold Rush (Em Busca do Ouro, no título em português), com o qual gostaria de ficar conhecido, segundo uma de suas biografias. Decorridos 17 anos, Chaplin relançou a produção com adaptações. A principal novidade foi a inclusão do som. Além de trilha sonora composta especificamente por ele para a nova versão, o intérprete de Carlitos inseriu também diálogos e narração, todos apresentados na sua voz. As versões de Em Busca do Ouro são discutidas na dissertação de mestrado do linguista aplicado Diogo Rossi Ambiel Facini, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, sob a orientação da professora Maria Rita Salzano Moraes. De acordo com o autor do trabalho, Em Busca do Ouro não foi o único filme que Chaplin relançou com adaptações, mas talvez tenha sido o que mais sofreu intervenções por parte dele. “Chaplin não promoveu alterações profundas no roteiro ou no enredo. As mudanças foram sutis, mas significativas em muitos aspectos”, afirma Diogo Facini. A inclusão de recursos sonoros, considera, deu outra dimensão à obra. Isso pode ser constatado, diz, nos diálogos dos personagens e também na narração, todas feitas pelo próprio Chaplin. O ator e diretor empresta sua voz à obra, de modo a chamar a atenção do público para os aspectos que ele, Chaplin, considera mais relevantes. “Ao modular, por exemplo, a entonação dos diálogos ou ironizar um dos personagens, ele tenta exercer um maior controle sobre a interpretação que o público pode fazer do filme”, entende o autor da dissertação. Outra inserção importante é a trilha sonora, composta pelo próprio ator e diretor. No período do cinema mudo, observa Diogo Facini, existia a trilha sonora, mas ela era executada ao vivo e mais como acompanhamento, espécie de pano de fundo para o desenrolar da trama. No caso da segunda versão de Em Busca do Ouro, Chaplin se preocupou em relacionar as músicas ao enredo. Além dessas alterações, o diretor interviu, também sutilmente, na montagem do longa-metragem. Ele suprimiu algumas passagens, como a cena final do beijo entre Carlitos e a mocinha da história, interpretada pela atriz Georgia Hale. Há controvérsias sobre as motivações de Chaplin para ter feito esse corte. “Existe uma versão segundo a qual Chaplin mantinha um relacionamento amoroso com a protagonista durante as gravações do filme original, mas não na época do relançamento, daí a supressão da cena”, explica o linguista aplicado. Outra explicação é que Chaplin queria dar um tom mais moralista à obra, adaptando-a ao contexto da época. Na década de 1940, destaca Diogo Facini, o ator e diretor já não era unanimidade entre o público, especialmente o norte-americano. Ele enfrentava sérios problemas políticos, que mais tarde levaram à sua expulsão dos Estados Unidos.

“Penso que é possível considerar essas duas versões, mas é difícil apontar qual delas é a mais correta. Possivelmente, ambas influenciaram Chaplin, em maior ou menor grau, a cortar a cena do beijo”, infere o pesquisador. Para Diogo Facini, a maior intenção de Chaplin com o relançamento de Em Busca do Ouro foi conferir relevância tanto à obra quanto ao personagem Carlitos. “Quando a primeira versão foi lançada, os filmes só podiam ser vistos no cinema. Assim, quando saíam de cartaz, corriam o risco de cair no esquecimento. Não era como hoje, em que uma produção pode ser assistida a qualquer momento no telefone celular ou no notebook. A segunda versão serviu, portanto, para apresentar o filme à nova geração e reapresentá-lo aos que já o haviam assistido”, avalia o linguista aplicado. Na segunda versão do longa-metragem, prossegue o autor da dissertação, é possível perceber que as intervenções promovidas por Chaplin também têm o propósito de dar maior destaque a Carlitos. “As alterações reduzem a importância dos demais personagens e evidenciam a figura do vagabundo. Este é um aspecto interessante, que eu discuto na

dissertação. Eu procurei analisar Chaplin para além do personagem Carlitos. Entretanto, é possível perceber que Carlitos, mesmo já não fazendo o mesmo sucesso de anos anteriores, continua sendo uma referência tanto para o público quanto para o seu criador”. Essa hipótese pode ser explicada, conforme Diogo Facini, pelo fato de Chaplin ter colocado suas funções como ator, diretor, roteirista, adaptador e compositor a serviço do personagem. “Chaplin tinha domínio completo sobre a sua obra, dado que também era produtor e distribuidor dos próprios filmes. Aliás, esta é, a meu ver, a principal razão que fez com que ele se mantivesse como uma referência na indústria cinematográfica por tanto tempo. Muitos artistas da sua época, inclusive o comediante Buster Keaton, considerado o seu principal rival, não alcançaram essa independência e tiveram que se submeter ao controle artístico exercido pelos estúdios de Hollywood”, pontua. Na dissertação, o linguista aplicado também discute a função desempenhada por Chaplin como tradutor. Tradução, nesse caso, é tratada sob o conceito da intersemiótica, que considera não a transposição Foto: Antoninho Perri

de um idioma para outro, mas sim de uma linguagem para outra. No caso, Chaplin fez a tradução da linguagem visual para a verbal entre as versões de Em Busca do Ouro. Esse processo também serviu ao objetivo do artista de reforçar a as mensagens que pretendia transmitir com o filme. Um exemplo prático dessa intervenção, aponta Diogo Facini, pode ser visto numa das primeiras cenas do longa-metragem. Na versão original, Carlitos começa a descer a montanha, mas para repentinamente. O vagabundo pensa por alguns instantes e decide cumprir o restante do percurso escorregando. Na segunda versão, Chaplin acrescenta uma pequena frase, um jogo de palavras, para descrever a ação. “Na minha interpretação, Chaplin utiliza o recurso para ir além da construção do significado. Ele traz o efeito do humor contido na imagem para a construção verbal, reforçando assim a narrativa”, avalia Diogo Facini. O autor da dissertação de mestrado observa que, quando apresentada sem o suporte verbal, a imagem é mais aberta a intepretações. Quando a voz é adicionada, por meio de diálogos e narração, a interpretação é, em boa medida, direcionada. “No meu trabalho, não faço juízo de valor sobre se isso é bom ou ruim. Particularmente, considero o cinema como uma arte com dupla narrativa, uma representada pela imagem e outra, pelo som”. Retornando à participação de Chaplin como narrador na readaptação de Em Busca do Ouro, Diogo Facini compreende que a decisão contribui para tornar a obra um pouco mais distanciada do público. A voz de Chaplin, segundo o especialista, não representa a fala de nenhum dos personagens, nem mesmo a do protagonista Carlitos. “A voz é do Chaplin diretor, o que, de certa forma, é a voz do próprio filme. Isso atenua a sensação de ilusão normalmente proporcionada pelo cinema, ou seja, a sensação de que estamos vendo algo real. Dessa forma, o filme acaba se mostrando como filme. Isso é interessante porque distancia a obra do contexto em que ela foi produzida e a aproxima de filmes feitos posteriormente, nas décadas de 50 e 60. Nesse sentido, considero a segunda versão de Em Busca do Ouro bastante moderna”, assinala o linguista aplicado, que contou com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão de fomento do Ministério da Educação.

Publicação

Segundo o linguista aplicado Diogo Facini, autor da dissertação, alterações promovidas por Chaplin na segunda versão do filme tinham como propósitos destacar o personagem Carlitos e dar maior relevância ao longa-metragem

Dissertação: “Charles Chaplin tradutor/adaptador: diálogos de um criador no filme ‘Em Busca do Ouro’” Autor: Diogo Rossi Ambiel Facini Orientadora: Maria Rita Salzano Moraes Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Financiamento: Capes


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