CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES ATINGIDAS PELO PROJETO MINAS-RIO: São Sebastião do Bom Sucesso (Sapo)

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CARTA ABERTA DAS

COMUNIDADES ATINGIDAS PELO PROJETO MINAS-RIO:

São Sebastião do Bom Sucesso (Sapo), Beco, Turco e Cabeceira do Turco

Conceição do Mato Dentro, 18 de fevereiro de 2025

Àqueles que tiveram o privilégio de vivenciar as belezas de São Sebastião do Bom Sucesso, o nosso querido distrito do "Sapo”.

Prezados leitores,

Dirigimo-nos a vocês com um sentimento profundo de indignação e resistência. Falamos em nome de comunidades que, outrora marcadas pela harmonia e pelo respeito mútuo, hoje enfrentam o desmonte de suas histórias, a violação de seus direitos e a imposição de um futuro incerto. O distrito de São Sebastião do Bom Sucesso e suas comunidades vizinhas, pacatos recantos cercados por montanhas exuberantes, foram, por gerações, o lar de agricultores humildes que tiravam da terra o sustento para suas famílias. Aqui, a vida pulsava e o sentimento de pertencimento era uma marca inegociável das identidades locais.

A chegada da mineração, no entanto, reconfigurou esse cenário de maneira avassaladora. Com a Anglo American e o Projeto Minas-Rio, vieram promessas de desenvolvimento e progresso. Muitos de nós acreditaram nessas palavras e abriram as portas à mineradora, na esperança de que os impactos fossem minimizados e nossos direitos respeitados. Porém, a realidade que nos foi imposta transformou radicalmente as nossas vidas: os ruídos ensurdecedores, a poeira densa no ar, os constantes tremores provocados pelas detonações e os odores nocivos da barragem de rejeitos tornaram-se parte do nosso cotidiano.

Toda a comunidade pagou o preço desse suposto progresso: a tranquilidade de outrora foi substituída por um presente de incertezas e medo, que desestabilizaram nossas famílias e vêm apagando, pouco a pouco, a identidade comunitária que nos unia. Em 2017, o Programa de Negociação Opcional (PNO) foi criado como uma alternativa para as famílias que não desejavam conviver com esses e outros impactos

Assim, o que parecia uma solução transformou-se em mais um instrumento de opressão: criado para ser um espaço de diálogo entre as comunidades e a empresa, o Comitê de Convivência nunca chegou a garantir, na prática, a participação efetiva das comunidades atingidas ou a transparência da mineradora. Para agravar a

situação, em 2019, o mandato de seus representantes não foi renovado, tornando essa instância uma estrutura ilegítima. Esse fato comprometeu ainda mais a credibilidade do PNO e reforçou a desconfiança das famílias atingidas.

Com imposição do PNO, muitas famílias se viram obrigadas a partir, sem alternativas justas ou dignas de moradia O que era uma promessa de realocação voluntária e justa, mostrou-se um instrumento de desvalorização de nossas propriedades, uma vez que os valores estabelecidos para a aquisição dos imóveis e terrenos pela mineradora permaneceram congelados durante todos esses anos, sem reajustes inflacionários ajustados à realidade local.

Assim, as famílias realocadas foram submetidas a condições degradantes e obrigadas a viver em áreas sem infraestrutura adequada, saneamento básico e, principalmente, desconectadas de suas raízes culturais e comunitárias. A transparência prometida pela mineradora jamais se concretizou, fato que se torna mais evidente a cada nova tentativa de negociação, sempre marcada pelo descaso e pela falta de diálogo.

A exclusão das comunidades atingidas dos espaços de decisão que as afetaram diretamente, viola direitos fundamentais e ignora princípios básicos, como Justiça e Responsabilidade Social. Deste modo, a Anglo American, com a conivência do poder público, tem violado o direito à moradia digna, garantido pelo artigo 6º da Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT, que assegura a participação ativa das comunidades atingidas em todas as etapas do empreendimento.

Tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho, são exemplos dolorosos dos efeitos devastadores da negligência no setor da mineração. Hoje, o nosso território vive com o temor de seguir o mesmo caminho, caso medidas urgentes não sejam adotadas. Reafirmamos nossos direitos à moradia, ao meio ambiente equilibrado e à reparação integral, garantidos pela Constituição Federal de 1988 e por convenções internacionais. A falta de transparência e a exclusão das pessoas atingidas, fazem parte das condutas inaceitáveis, praticadas pela mineradora e pelos agentes de fiscalização Diante do exposto, exigimos as seguintes ações urgentes:

1. Participação real da comunidade nas decisões – Criação de um comitê espaço de decisão legítimo, composto por representantes dos moradores, com poder real de decisão na elaboração de um Plano de Negociação eficiente, garantindo que ele seja justo, transparente e respeite as necessidades das comunidades.

2. Direito a uma negociação justa e atualizada – Elaboração de uma proposta de negociação que estabeleça valores ajustados à realidade do mercado imobiliário, permitindo que as famílias em processo de negociação pelo PNO tenham a opção de aderir a uma alternativa mais justa e alinhada às suas expectativas.

3. Transparência e acesso irrestrito à informação – Divulgação clara e acessível de todos os impactos advindos da mineração e dos processos de negociação.

4. Reparação integral dos danos socioambientais causados – A mineradora e os órgãos responsáveis deverão garantir a reparação ambiental, social, cultural e econômica das comunidades atingidas, assegurando moradia digna e qualidade de vida.

5. Fiscalização rigorosa e punição dos responsáveis – Basta de impunidade e omissão! Nós exigimos que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), o Ministério Público (MPMG) e a Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro, cumpram o papel de fiscalização e garantam justiça às comunidades atingidas

Nossa luta vai muito além da terra, lutamos pelo direito de existir e viver com dignidade. Nós, moradores das comunidades atingidas, resistimos e continuaremos resistindo até que a justiça seja feita. Esta carta não é apenas um apelo – é um manifesto de nossa resistência.

Juntos, convocamos a sociedade civil, o Ministério Público (MPMG), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e todas as instâncias competentes, a se unirem a nós na luta pela criação de uma instância legítima e verdadeiramente representativa, que garanta a participação efetiva das pessoas atingidas na construção de um Plano de Negociação que seja justo, eficaz e capaz de atender às necessidades das comunidades

Já é hora de garantir a realocação de nossas famílias com respeito e dignidade, assegurando que a reconstrução de nossas vidas ocorra em condições iguais ou superiores às que desfrutávamos antes.

Não aceitaremos o silêncio como resposta, nem a perpetuação da injustiça como norma. A impunidade e o descaso devem cessar, e a justiça para as comunidades atingidas precisa ser urgentemente restabelecida. Seguiremos

unidos, firmes e resistentes na defesa de nossos territórios, nossas vidas e nosso futuro.

Assinam esta Carta os moradores do distrito de São Sebastião do Bom Sucesso (Sapo) e das comunidades que o compõe: Beco, Turco e Cabeceira do Turco.

18 de fevereiro de 2025

São Sebastião do Bom Sucesso, Minas Gerais, Brasil

MORADORES DAS COMUNIDADES ATINGIDAS PELO PROJETO MINAS-RIO SÃO SEBASTIÃO DO BOM SUCESSO (SAPO), BECO, TURCO E CABECEIRA DO TURCO

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