Uma convivência possível

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Ano 7 • nº 1043 Setembro/2013

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Uma convivência possível Ao apresentar sua visão do semiárido, Roberto Malvezzi já alertava para um sintoma que atravessa a forma como encaramos os sertões. Segundo ele, o povo brasileiro tradicionalmente compartilhou uma imagem do Semiárido distorcida. No senso comum construiu-se a idéia do sertão como região árida, seca e não semiárida como de fato é. As construções simbólicas de massa sempre mostraram o semiárido como uma terra “infeliz”, que sofria todos os anos com uma seca muito forte, avassaladora. As imagens de migrantes, de crianças raquíticas, do solo estorricado, dos açudes secos, dos retirantes nas estradas, dos animais mortos, da migração da Asa Branca –imagens presentes na música de Luís Gonzaga, na pintura de Portinari, na literatura de Graciliano Ramos e na poesia de João Cabral de Mello Neto – de acordo com Malvezzi, formaram um ponto de vista, “ao mesmo tempo, real e ideológico, que muitas vezes serve para que se atribua à natureza problemas políticos, sociais e culturais, historicamente construídos”. Foi nesse contexto simbólico, quando parecia impossível, que o povo sertanejo aprendeu a resistir. A força do semiárido brotou no meio de idéias de fato deformadas, que propunham um combate ao “clima árido” e a fuga para os grandes centros como única alternativa. Extamente nesse cenário ideológico que nasceu um novo entendimento: com experiências exitosas de armazenamento de recursos hídricos e uso racional dos recursos naturais, muita gente percebeu que era possível viver bem no sertão. Era possível conviver com o Semiárido e tentar transformar uma região, antes abandonada, num palco de novas oportunidades. No povoado de Recanto, município de Barro Alto – Bahia, a tecnologia do Tanque de Pedra, que aproveita lajedos naturais para estocar a água das enxurradas, por exemplo, chegou como uma garantia de mudança para as famílias beneficiárias do P1+2. Essa experiência renovou a esperança da população local que, agora, levando em consideração as potencialidades e fragilidades do Semiárido, são agentes transformadores da sua própria realidade. Aproveitando o saber local, o uso da tecnologia por 15 famílias representou uma alternativa de desenvolvimento, uma vez que promoveu a melhoria da qualidade de vida e a cidadania dos agricultores envolvidos. Hoje, a tecnologia apresenta o potencial de viabilizar uma forma mais sustentável de desenvolvimento para a região, incentivando iniciativas apropriadas para o aumento da produção, conservação ambiental e distribuição de renda para todos – fatos que conformam uma perspectiva onde o ser humano e o ambiente natural são elementos de um todo integrado. Construindo a história As alternativas como os tanques de pedra e outras tecnologias sociais de captação de água da chuva criaram muito mais do que uma roça mais vistosa para aqueles sertanejos. Elas construíram a possibilidade de um futuro sustentável para o Semiárido e para toda uma comunidade.


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