Revista Palavra Projeto 2015

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a professora. E quando esse vínculo é estabelecido, as vivências tornam-se cada vez mais marcantes. E também é essa professora quem resgata as brincadeiras que são características da infância, que parecem adormecer a cada adolescente que emerge, que ficam guardadas na expressão “No meu tempo...”. Aquelas brincadeiras de rua se deslocaram para dentro das escolas, para as sacadas dos apartamentos, para o chão do quarto, para o corredor do prédio; mas só sumirão da infância das nossas crianças se permitirmos. Quem já pulou elástico com seu filho? Ou jogou botão? Bolinha de gude? Na nossa escola temos um projeto de estudo sobre a infância de antigamente, em que crianças de 3 anos pesquisam com seus familiares brinquedos e brincadeiras que eram realizados na infância deles. Esse material é trazido para a escola, experimentado e compartilhado entre os alunos da turma. As infâncias de avós, pais, padrinhos, acabam transbordando de suas memórias, e chegam à escola repletas de significados. Alguns desses familiares visitam a escola para brincar, e acabam descobrindo que “No meu tempo...” pode ser agora, junto com as crianças. Além desse projeto, em nosso cotidiano, temos um olhar bastante provocador em relação às diferentes experiências, trazendo para os alunos brincadeiras de areia com água, criações livres com caixas, explorações com materiais de sucata, inúmeras possibilidades de representação; propostas pautadas na ação das crianças com os objetos e entre

elas mesmas, cerne da nossa concepção de educação.

intenção de descoberta do nosso olhar.”

“Para se aprender matemática, química ou gramática é necessário realizar experimentos e analisar textos. Para aprender a viver em grupo é necessário ter experiências de vida em comum.” (Piaget, 1967)

E complementa falando da importância de aprendermos a ler o outro, a compartilhar vivências, a construir de maneira cooperativa. Então, a infância é tempo de calma e de correria, é tempo de parar para ver uma formiga se deslocando, é tempo de acertar o passo para correr, é tempo de ensinar e aprender, é tempo de guardar recordações.

Além de o adulto ser responsável em significar muitas coisas do cotidiano para as crianças, é importante que permita que elas possam construir sua própria infância, respeitando o seu tempo, as suas descobertas, o seu mundo. Nesse aspecto, o professor age como um organizador do ambiente, trazendo materiais e atividades que auxiliem essas descobertas. Certos de que queremos, como adultos, acertar a qualquer preço, saibamos que todas as experiências fazem parte dessa construção de mundo: um joelho ralado, um brinquedo não ganho e um tombo da bicicleta são extremamente importantes. Permitir que as crianças vivam essas situações é proporcionar que construam suas próprias aprendizagens e que sejam narradoras de suas histórias. Mia Couto (2011), ao nos propor pensar sobre a construção da leitura para além das letras, diz algo que se encaixa muito bem nesta reflexão: “Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da

O ato de aprender a conviver, construindo vínculos, é conteúdo da infância, mas também fazem parte das aprendizagens as construções lógico-matemáticas, as representações gráficas (ilustrações, desenhos, letras), as explorações artísticas, o jogo simbólico, a percepção corporal, a construção de repertórios musicais etc. Garantir essas aprendizagens é permitir que as crianças adquiram estrutura para constituírem-se como sujeitos. “A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Quase tudo se adquire nesse tempo em que aprendemos o próprio sentimento do Tempo.” (Mia Couto, 2011) Olhos fechados... Sorriso no rosto... Memória ativada... Amigos. Familiares. Brincadeiras. Escola. O que dirão nossas crianças de hoje, quando se encontrarem adultos, e falarem sobre “No meu tempo...”?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: COUTO, Mia. E se Obama fosse africano? São Paulo: Companhia das letras, 2011. PIAGET, Jean. O Juízo Moral na Criança. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

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