An贸nimo
Chama, semente de Poesia 15 poemas de amor
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Chama, semente de Poesia 15 poemas de amor inĂŠditos De uma apaixonada para o seu amante
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Explicação
A presente colectânea de poemas, que tudo faz crer original, encontra-se num volume de pequeno formato, com capa encadernada, de um género que antigamente, digamos em meados do século XX, se encontrava à venda, em branco, nas melhores papelarias. As folhas são debruadas a oiro e estão todas preenchidas com uma escrita a esferográfica. A caligrafia é redonda, voluntariosa mas contida, a indiciar mão feminina. Este volume foi por mim encontrado, com o título acima e sem autoria assumida, no espólio do escritor e diplomata António de Cértima (Oiã, Oliveira do Bairro, 1894-Caramulo, 1983). Ora Cértima foi, reconhecidamente, um homem galante e dado a aventuras amorosas. É o que fica agora mais documentado. Decerto não por acaso, Cértima casou-se por fim em Agosto de 1948, já mudado de Sevilha para Lisboa (tendo abandonado então a vida diplomática), e já com mais de cinquenta anos de idade. Reproduzimos aqui, na íntegra, o seu conteúdo introduzindo poucas e ligeiríssimas emendas ortográficas. Estes poemas provém sem dúvida de uma mulher então a viver um amor ardente que procurou exprimir sublimando-o em arte. Os seus versos falam de um romance que conheceu a plenitude feliz e mesmo o arrebatamento carnal dos sentidos nos primeiros encontros e que depois esmoreceu e se esgotou, numa espécie de desencontro dos dois amantes. A autoria anónima terá sido desejada. Quem escreveu estas páginas dirigia-se a um leitor concreto, o seu confidente, e com esse pouco se bastava. Era a epifania de um coração, de início incendiado, que por fim se amortalha em desengano e desilusão. Serão poemas que pouco ou quase nada adiantarão ao género. Valem, porém, uma leitura. Falam de uma mulher incógnita, vibrante e sensual, que proporcionou a Cértima um outro caso romântico decerto tão especial que o escritor-poeta lhe conservou o testemunho. Mas a divulgação deste inédito tem esta outra implicação. Lembra os livros do próprio Cértima que permanecem inéditos nas minhas mãos de fiel depositário do seu espólio escolhido e significativo. Apregoados desde 1983, quando organizei em Oliveira do Bairro as comemorações o centenário do seu nascimento, vê-se que não interessam a ninguém… Arsénio Mota
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A ti, que em astros desenhei nos céus A ti, que em núvens desenhei nos ares A ti, que em ondas desenhei nos mares
Do “Campo de Flores” J. D. [João de Deus]
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O meu livro
Ando a compor-te um livro de Poesia Onde acrescento quase em cada dia Uma chama da enorme fogueira em brasa Que me serve de ninho, é minha casa
Nos dedos tenho sementes de boninas Que espalho e o vento leva pelas campinas De tanta folha branca que as espera E onde florescem uma só Primavera
É um milagre este dom de Fantasia Talvez mesmo, não venha a ser Poesia Chama-lhe tu o que vejas melhor!
Se escrevo, é quando a chama se incendeia Crepita em mim a cada nova ideia Repara, vês – Agora é já maior!
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As nossas Lágrimas
Nossas lágrimas, de sina doentia Não damos pela maior Felicidade Os outros só vêem nela Vaidade Um pretexto de estar triste, uma Mania
Mas tu e eu sabemos bem, são oiro Em pequeninas arcas de cristal Vem comigo aparar este Tesoiro São lindas; não nos podem trazer mal
Não apertes assim! Pega-lhes com jeito Pois nasceram há pouco no nosso peito São frágeis, estão ainda adormecidas
Olha que se por acaso as quebrares São raras, e eu não sei onde ir buscar Conforto para as nossas duas Vidas!
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Sobre os teus passos!
Eu queria conhecer a Terra Inteira Por onde tens andado peregrino Eu queria conhecer gente estrangeira Com quem te tens cruzado em teu caminho
Eu queria ser a eslava, que é aquela Que não podes esquecer em tua vida Ser a pedra ancestral duma janela Balaustrada de amor para ti querida
Correr atrás dos sulcos dos teus Passos Jamais voltando a encontrar teus braços Estradas sem fim doutra Jerusalém
E mesmo em cada erro e vã miragem Julgar reconhecer a tua Imagem Dizer: Já “Por aqui passou meu Bem”.
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Tua crença
Tu também me disseste creres em Deus E eu vi que havia então nos olhos teus, Fixos num ponto da Imensidade Uma crença transparente de Verdade
Tuas mãos delineando um gesto vago Como num corpo carícias de afago Pareciam virar folhas duma Bíblia Na tarde de penumbra e de Lascívia
De nácar tuas mãos, e o teu olhar Onde há sempre um brilho estranho invulgar Encheram-se de amor e de magia
E a minha alma, uma ovelha tresmalhada Mansamente ao aprisco foi levada Pelos mais singelos dons de Teologia
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Sei de ti!...
Sei de ti como de Deus no Infinito Como de génios nas Fragas do Oceano Como se dum Aquiles, dum soberano Que fosse em meus dias um erudito
Sei de ti como de visionário Emir Vindo das terras áridas do Oriente Sei de ti menos que sabe a outra gente Mas já beijei teus lábios a sorrir
Sei de ti milhões de histórias pueris Que eu invento só para te aureolar E te esculpir ainda mais Perfeito
Sei de ti a glória e fama que se diz Ninguém me conta mas eu oiço-as soar No campanário de oiro do meu peito!
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Num livro
Meus cabelos de raios loiros, bravos Caídos pelos ombros deixarei Prendendo-os só na nuca com dois cravos Vermelhos como aqueles que te dei
Meus braços esguios de moça Lusitana Em arcos sinuosos erguerei Bailando Malaguenhas de Triana Franjados por um lenço que tracei
Minha boca de dentes a alvejar Mais de rubro, insinuante avivarei Como uma sardinheira florida
E em cenário de Pátio Mudégar Guapa e Graciosa ilustrarei Num livro a sobre-capa Colorida!
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A Vida
Queres que te conte o que penso da Vida E eu sei dizer-te apenas – Para a abraçares Porque ela é a Bailarina Desprendida Q’anda inconstante a voltejar pelos Ares
Veste-se de renda e tules cor de Espuma Tudo nela são graças deslumbrantes Mas seguem-na de perto, atrás, na bruma Sombras negras de unhas mirabolantes
Está tão perto de ti, estende-te a mão É um convite para a dança, uma menção Segura-a bem nos braços defendida
Se ainda este compasso não conheces Não desanimes, mesmo que Tropeces Estreita então, com mais força, a ti, a Vida!
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Expressão!
Mais forte, dizias tu, minha Expressão Será, se a for colher no Coração E na verdade eu oiço-o palpitar É galho novo de árvore a rebentar
Desponta por entre troncos, indeciso Este verde germen do Paraíso E tu queres que eu o vá fazer murchar Quando a minha mão lhe lançar?
Eu antes quero vê-lo assim viçoso Crescer, estender os braços Poderoso Em complicada rede de Prisão
Lembra-te bem: os velhos troncos morrem E as suas cinzas fracas já não podem Servir de apoio a um triste coração!
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A morte
Sinto que a morte já em minha vida Cruzou espadas em luta encarniçada Almejando a beleza desmaiada Que se entrega a uma Cruz em dor erguida
A morte, fada infeliz, também foi linda Com seu manto todo de sonhos lavrado E quem sabe se não teria amado Ou se por ser cruel, não ama ainda
A golpes frios de ferro e de Tormento Triste, desconsolada e interdita Fustiga o ar e o mundo em Vendavais
Mistura-se em seu uivo outro lamento O da minha alma enferma e aflita Esperança morta de vida e madrigais
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A minha voz
Um dia a tua alma sequiosa Tolhida duma dor imensa, atroz Há-de entrar numa Catedral grandiosa E sentir-se suspensa em minha voz
É quando eu já estiver envelhecida Rugas fundas sulcarem o meu rosto Sob a mortalha a alma adormecida Meus lábios ressequidos já sem gosto
Mas minha voz é fonte de água pura Parece querer abrandar a secura Que é uma greda no teu Ser a Estalar
E ao debruçares-te na fonte divina Meus lábios ressequidos, minha Sina Ainda, uma vez mais, hás-de beijar
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Eu
Eu sou aquela Ninfa encantada No cimo da montanha de meus ais Atrai-te a minha túnica rasgada Presa em silvas, desfeita em Vendavais
O meu ar agreste de Isolada O meu olhar perdido que te atrai É o meu ramo d’urze branca perfumada Que se desfolha e no meu seio cai
É a minha vida toda de amargura O meu destino d’incompreendida No qual vês beleza e formosura
É por fim a minha alma Caprichosa De todos e de si mesma Esquecida À qual chamas de Sábia e Valiosa!
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Mistério
Sinto a envolver-nos um mistério Se ficas de repente muito sério E inclinas a cabeça em jeito teu Como ao de leve beijada por Morfeu
Não dormes! Pois eu sei, Velas talvez E a paixão que em ti sonha é desta vez Sob um luar mais forte, mais cinzento Branca nuvem arrastada pelo vento
Segue longe, tão alto, toca os céus Está agora a passar aos pés de Deus Num jesto submisso, único, etéreo
Vai chover; foi uma gota o que eu senti É a Arte – que Deus manda sobre ti Envolta em doce manto de Mistério
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De olhos fechados!
Se fecho os olhos vejo um outro mundo Onde tu estás presente a cada instante O calor dos teus braços já distante Torna-se então recente e mais profundo
Tuas feições, sem nitidez, nubladas Aclaram-se num sorriso inebriante Vem, dizes-me tu, vem Confiante Unir as nossas asas nas mãos dadas
Se a morte fosse assim, que bom seria E mesmo na vida, quem não daria Os olhos seus por estes bens sonhados
Ser cega, ai quem me dera toda a Vida! Para te ver só a ti, ó visão querida Que guardo dentro dos olhos fechados!
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Quem pega na minha mão?
Quem pega na minha mão pra q’ao escrever Eu possa desabafar, possa dizer Quanto me dói e me consome o fel Q’anda a minar meu sangue, minha pele
Não posso ser só eu, tenho a Crteza Anda aqui um condão da Natureza Que tem pena da minha imensa Cruz E me perfuma as mãos de Amor e luz
Minhas veias são rios de Pessimismo Onde vem encapelar-se o Egoísmo A maldade do mundo, o seu desdém
Quem haverá de bom, quem pode haver Pra me pegar na mão, sem eu saber Dizer como sofro. Quem? Mas quem?
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Tua lembrança
Sonho que nos separam querido amigo Por saberem que sinto só por ti E que muito de tudo o que escrevi Te dedico por só tu estares comigo
Aos outros, crê, não dói esta agonia De te perder e me perder por certo Meu coração em chagas todo aberto Deixa fugir lentamente a Poesia
Ao menos junta a mim tua Lembrança Deixa ficar como uma luz, um guia Desse orbe imortal, para ti feito
Tesouro precioso, e tua herança Facho que não se apaga num só dia E é o rasto do teu génio no meu Peito!
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Índice
2 Explicação 3 Epígrafe 4 O meu livro 5 As nossas lágrimas 6 Sobre os teus passos!... 7 Tua crença!... 8 Sei de Ti! 9 Num livro 10 A Vida 11 Expressão 12 A morte 13 A minha voz 14 Eu 15 Mistério 16 De olhos fechados! 17 Quem pega na minha mão? 18 Tua lembrança
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