Tac to andré moreira de lima

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Santo Amaro, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Design com linha de formação Específica em Design Industrial

Orientadora: Drª Myrna de Arruda Nascimento

André Moreira de Lima

tac • to livro para crianças de todos os olhares

São Paulo, 2016

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Contato: and.moreiralima@gmail.com

Lima, André Moreira tac•to: livro para crianças de todos os olhares / André Moreira.—São Paulo, 2016.

Dissertação (Trabalho de Conclusão de Curso—Área de Concentração: Design e Arquitetura) - Centro Universitário Senac.

Orientadora: Drª Myrna de Arruda Nascimento 1.Desenho Industrial 2.Materialidade 3.Inclusão 4.Livro 5.Sensorialidade 6.Deficiência Visual 7.Experimentação

Avaliador(a)(s)

Data

Agradecimentos Primeiramente à minha família, principalmente meus pais e avô, que sempre investiram nos meus estudos e nos meus sonhos, me ajudando de toda a forma a chegar onde estou. À professora Myrna Nascimento, minha orientadora, por acreditar na minha capacidade e no meu tema de pesquisa. Obrigado pelas conversas prévias em 2015, pelo contato com diversas referências, pelo acompanhamento durante esses quatro anos e por aceitar me orientar novamente, com a mesma excelência de projetos anteriores. Com certeza nossa empatia só cresceu nesse tempo, assim como o meu gosto pela pesquisa e meu apreço pelo seu repertório.

Ao professor Gabriel Pedrosa, que me viabilizou a entrada no Padre Chico e me ajudou tanto com as conversas sobre o tema. Obrigado por compartilhar seu conhecimento e sua experiência no

assunto. Toda a atenção e paciência que teve comigo é comparável à minha admiração pelo professor que é. À professora Marcella Ocke, por ter aceitado ser minha parecerista e colaborar para a melhora do projeto, além, é claro, de arrumar sempre um tempo para conversar quando invadia os seus atendimentos em que um dos orientandos faltava. Sua bagagem com projetos do âmbito lúdico foi essencial para o aperfeiçoamento do trabalho.

Ao Padre Chico e, principalmente, à Rosalini, por ter me recebido e feito o possível para que o estudo de caso pudesse ser realizado na instituição.

À Biblioteca Louis Braille, do Centro Cultural São Paulo, e seus funcionários, por terem me acolhido para os testes e para as aulas de leitura Braille.

Ao fantástico Jair Barbosa, meu professor de Braille, tanto por realizar os testes como por ter criado as condições necessárias para que eu pudesse participar das aulas. Com certeza alguém com quem temos muito a aprender, não só com relação à leitura Braille, mas também com relação à vida como ela é. À Gasparina Martins e à Maria Elisa Poli, queridas funcionárias da biblioteca que, junto com

Jair, aceitaram realizar os testes e contribuírem imensamente com o desenvolvimento do trabalho.

Ao também funcionário da biblioteca, Cássio Polegatto, segundo responsável pela

minha inserção formal nas aulas de leitura Braille e pela viabilização dos testes. À Laura Teixeira, que foi tão acessível e atenciosa para que eu pudesse ter acesso ao acervo de Bruno Munari em seu ateliê. Obrigado pela atenção e pela tese de mestrado, que foi de grande importância para começar a seleção de referências. À nova amiga, Elizabeth Romani, que me norteou tanto com relação à pesquisa de livros direcionados para os cegos, principalmente com seu doutorado sobre o assunto.

Obrigado pelas conversas, pela atenção, por me mostrar o acervo pessoal e pelo chá com biscoitos.

Às queridas Maroca Sampaio e Liana Yuri, do ateliê Libélula, por me receberem para a oficina e pela troca de experiências sobre a produção de livros infantis. Vocês não imaginam o quanto as nossas conversas me ajudaram, muito obrigado.

Ao excelente professor Robinson Salata, coordenador do curso de Design Industrial do Centro Universitário Senac, pela paciência e por sempre atender com prontidão a todas as necessidades dos alunos. Grande parte dos projetos não seria realizado sem a sua ajuda.

A um dos melhores professores que poderiam passar por nossas vidas, professor Giorgio Giorgi Jr, por ser um profissional exemplar com a humildade e atenção de um amigo. Obrigado por todas as vezes que me ouviu quando estava em dúvidas sobre as possíveis pós-graduações e sobre minha vontade de seguir a carreira acadêmica. Me espelho muito no seu trabalho e na sua pessoa.

Aos professores Adriano de Luca e Cyntia Malaguti por, mesmo não sendo meus orientadores, me ajudarem tanto com detalhes e especificações técnicas que fizeram toda a diferença na concepção do trabalho. Todo o meu respeito pelo conhecimento que possuem.

Aos queridos técnicos da oficina. Lourenço, por ter papel tão fundamental na produção do protótipo com seu conhecimento exímio sobre técnicas de marcenaria. Lucas, por todo o apoio e conversas filosóficas que motivaram muitas das minhas escolhas, bem como a prática do desapego. Félix, por mostrar que oficina não é bagunça e que para a cola de contato funcionar não é a quantidade que conta. Jonathan, por sempre estar disponível à noite e aos sábados, horários que ninguém imagina que alguém se propõe a usar a oficina. Agradecimento especial a cada um de vocês. À minha grande amiga, Samantha Bader, futura psicóloga que adorou brincar com meu livro. Passamos ótimas madrugadas brincando de “escolha uma textura para definir seu dia hoje” ou “escolha quatro placas para retratar suas emoções agora”. Nunca vou me esquecer de como foi inusitada a situação que me fez perceber como as placas pretas e brancas poderiam ser associadas com “ritmo”.

A todos meus amigos, da faculdade ou de fora dela, que me ajudaram e suportaram meu stress, meus surtos e minhas constantes vontades de chorar. Não teria chegado até aqui sem acompanhamento médico se não fosse pelo apoio de cada um de vocês Dessa vez, o agradecimento não foi só aos professores, mas—devido à correria e falta de tempo para fazer mais caricaturas—a homenagem gráfica abaixo será só deles.

Muito obrigado a todos, e alguns que não citei por falta de espaço mas que com certeza moram no meu coração e sabem que estão encaixados em algum lugar dessa lista.

Resumo A proposta principal é a produção de um objeto que sirva não para contar histórias, mas para que as crianças—independente de serem cegas ou videntes—possam montar suas próprias e, assim, possibilitar a troca de repertórios entre ambos os públicos. A ideia não é um produto direcionado para o deficiente visual, mas quebrar o limite imposto pelo requisito da visão na cultura contemporânea.

Palavras-chave: defi ciência visual, crianças, livro, inclusão.

Abstract The main purpose is to produce an object that serves not to tell stories, but to allow children— regardless if they are blind or not—to build their own and, this way, enable the repertoire exchange between both of them. The focus is not a product directed to the blind ones, but to brake the limit imposed by the requirement of vision in the contemporary culture.

Keywords: visual impairment, children, book, inclusion.

SUMÁRIO

A

B

13

INTRODUÇÃO

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01. LIVRO SEM PALAVRAS

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1.1 Bruno Munari e o livro não-verbal

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1.2 Outros exploradores da materialidade do livro

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1.3 Objetos para contar histórias

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01. O ENXERGAR DE QUEM NÃO VÊ

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1.1 A situação das crianças com deficiência visual

83

1.2 Livros direcionados para o público cego

95 C

01. DESENVOLVIMENTO

97

1.1 Páginas de um livro sem folhas

107

1.2 Das páginas e suas molduras

117

1.3 Teste com leitores e a caixa do livro

125

1.4 Identidade

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02. CONSIDERAÇÕES FINAIS

142

LISTA DE IMAGENS

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REFERÊNCIAS

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Introdução

A realização do projeto para o Trabalho de Conclusão de Curso sustenta-se na ideia do “livro” (não necessariamente em seus formatos tradicionais) como um mecanismo de inclusão entre crianças com imparidades visuais—cegueira ou baixa visão—e as que se encontram fora dessa condição. A acessibilidade, em termos de educação e convivência, garante o desenvolvimento dos indivíduos que estão dentro do quadro da deficiência—neste volume mais especificamente a deficiência visual—geralmente segregados da sociedade, seja pela falta de conhecimento quando se trata de lidar com esse tipo de especificidade ou simplesmente a crença equivocada e nem sempre intencional de que essas pessoas devem ter produtos exclusivos a elas—o que parece uma assistência acaba se tornando, como citado, uma segregação.

A inclusão, no contexto do trabalho, fundamenta-se na exploração feita no limite entre os dois tipos de percepção do mundo: a que parte da visão como primeira informação sensorial e a que não possui esse recurso e se apropria de outros sentidos para a interpretação ambiental. Dessa forma, o repertório (visual, tátil, auditivo ou qualquer que seja) será respeitado e compartilhado para que novas leituras sejam realizadas acerca do mesmo ponto.

Faz-se, assim, a análise da produção de Bruno Munari e outros autores que criam li-

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vros aproveitando sua materialidade como principal meio para a transmissão de informação. A partir disso, poderá se contextualizar a questão da cegueira no Brasil e observar os livros que são direcionados ao público que possui tal deficiência.

Analisado o cenário dos livros não-verbais, juntamente com a contextualização da criança que possui deficiência visual, procedemos com o primeiro passo de uma proposta que trabalha a hipótese da inclusão. Quando comparamos os livros da primeira parte deste trabalho com os oferecidos para os cegos abordados na segunda, notamos que têm muito em comum quando se trata da exploração de seu material como principal elemento para a comunicação e, a partir disso, geramos a seguinte indagação: será que algum—ou alguns—dos livros aqui exemplificados, direcionados aos cegos, não parece convidativo ao vidente, e vice versa? Quais as propriedades dessas produções que podem ser compreendidas por ambos os perfis, respeitando suas possibilidades e limitações?

Flagrar os pontos que interessam a ambos os públicos é sobre o que diz respeito essa proposta, para que, uma vez identificados, sirvam de ponte para uma possível interação entre as crianças cegas e videntes. Uso aqui o termo “criança”, mas devemos expandir nosso olhar sobre os livros e compreender que não faz sentido estipular uma idade para sua manipulação: esse tipo de produto vai além da faixa etária e, caso a obra seja interessante e prazerosa, muitos jovens, adultos e até idosos vão se sujeitar a lê-los e revê-los.

Como ponto de partida, não limitarei um termo ou denominação para esse objeto além de “livro não-verbal”. Dizer que o foco será um livro-objeto, livro interativo ou livro de artista não faz sentido, uma vez que esse equívoco acabaria amarrando a proposta do produto a um conceito pré-concebido. O termo “livro” dá a entender que o objeto apresentará uma história fechada, o que viso desconstruir nessa primeira ideia que apresento: o objeto deverá ser manipulável e mutável o suficiente para que os seus leitores possam de fato “montar” sua própria narrativa, porém com os cuidados necessários para que esse conceito de abertura—no sentido de possibilidades de mudança—não confunda a interpretação destes. Dito isso, o segundo “rótulo”—se é que é possível utilizar esse termo nesse contexto analítico—que darei ao produto será de uma obra capaz de convidar seus in-

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terpretadores a construir personagens, cenários ou simplesmente elementos através de materiais sem nenhum comprometimento figurativo e sem a intenção de ser mais do que um mero mediador entre seu manipulador e a imaginação deste—ou seja, sem uma representação fechada e pré-concebida—traduzindo as ideias para um suporte de reconhecimento tátil. Deve ser, portanto, apenas um pequeno dispositivo para contar histórias.

A primeira etapa para o desenvolvimento desse projeto no segundo semestre de 2016 foi depurar as análises de todo o material que foi levantado, já visando um objeto desejado sob o ponto de vista da escala de manipulação, facilidade de transporte, possibilidades de uma criança de idade menos avançada utilizá-lo, entre outros aspectos. As aulas de Braille—iniciadas em Junho—contribuíram para a vivência no mundo da leitura direcionada para esse público e para o recolhimento do máximo de informações possíveis sobre o assunto, aproveitando também a possibilidade de conseguir voluntários do espaço—

Biblioteca Louis Braille—para os testes e devolutivas que foram necessários para a produção.

Após esse momento, a ideia foi experimentar de forma despretensiosa e empírica materiais e soluções de interação com suportes diversos para gerar hipóteses de um produto final. Essas hipóteses foram apuradas pelos voluntários mencionados no setor anterior para que pudessem fazer a avaliação das propostas e, por serem adultos e possuírem um repertório linguístico mais avançado, verbalizarem mais facilmente os acertos e equívocos que foram propostos para, então, serem oferecidos às crianças—com ou sem deficiência visual—para que pudesse ser observada a manipulação e o uso desse produto.

Por fim, temos, a partir dos resultados obtidos e correções necessárias, a edição final do volume e finalização do protótipo.

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01.

LIVRO SEM PALAVRAS

.1

Bruno Munari e o livro não-verbal

O trabalho traz, como principal referência, os conceitos e propostas de Bruno Munari quanto à materialidade do livro e sua devida importância no desempenho da transmissão de informação para os seus leitores. As experimentações - que resultaram em seus livros ilegíveis e pré-livros - demonstram sua crítica ao apego e valorização da escrita (linguagem verbal), chamando atenção ao fato do livro ser também um objeto capaz de passar informação através de sua materialidade, além de simplesmente um suporte para o texto escrito.

Segundo Munari (1981, pg 210), “Normalmente, quando se pensa em livros o que vem à cabeça são textos, [...] impressos sobre as páginas. Pouco interesse se tem pelo papel, pela encadernação, pela cor da tinta, por todos os elementos com que se realiza o livro como objeto”. Essa afirmação demonstra a ausência de iniciativas que promovem a exploração dos materiais utilizados na execução física de um livro, direcionando-o a tornar-se apenas um pretexto para a divulgação do texto impresso. Iniciou, então, seus estudos sobre o assunto em 1950—com o primeiro livro-ilegível branco e preto—e desenvolveu obras com o objetivo de observar se seria possível um livro transmitir algum tipo de informação, excluindo o texto e trabalhando apenas com seus atributos físicos.¹ Em alguns casos, o formato de códice² foi mantido— como é o caso dos já citados livros ilegíveis e os pré-livros. Em algumas publicações, como “Nella Notte Buia” (editado por 21

Muggiani em 1952. “Na Noite Escura”, em sua tradução publicada no Brasil pela extinta Cosac Naify em 2007) e “Il merlo ha perso il becco” o formato de códice ainda é empregado, explorando as questões da materialidade do livro, porém nestes dois casos, apoiado por linguagem verbal - ainda que muito pouco. Em “Piu e meno” (1970), Munari explora as páginas soltas, em folhas transparentes de acetato, contendo uma figura, ou opacas, com um tipo específico de recorte—de forma simplificada e em uma só cor em cada “página”—que, sobreposta a outras figuras de outras páginas, formaria uma cena que seria criada por seu usuário, ficando a critério deste o que aconteceria na história.

Percebe-se uma certa relutância por parte dos contemporâneos de Munari em aceitar a ideia de um livro que não apresente um caráter impositivo, ou seja, no âmbito da história fechada. “Nella Notte Buia”, citado no parágrafo anterior, teve várias edições e publicações ao redor do mundo. No entanto, na época em que foi proposto por Munari, foi recu-

sado por diversos editores que utilizavam o argumento de que “não possuía texto”3. Essa observação é importante e cabível à nossa análise sobre o grau de importância sugerido acerca da linguagem verbal, invalidando a qualidade do trabalho que é realizado em cima da materialidade do livro e da construção de repertório que isso poderia gerar para o leitor infantil.

1.

Entende-se aqui como atributos físicos o material de suas páginas, podendo ser variações de tipos de papel, bem como suportes de outra ordem: no caso das experiências de Munari, foram utilizados madeira, linha, pelúcia, tecido, plástico, dentre outros. Também foram exploradas as possibilidades envolvendo as cores e as composições possíveis a partir da junção ou separação destas, relacionadas à forma com a qual estariam associadas.

2.

“Códice” refere-se à configuração tradicional do livro, sendo quadrilátero e composto em páginas sobrepostas. Nesse caso, salvo os exemplares onde o material tradicional (papel) tenha sido substituído. Segundo Laura Teixeira, em sua tese de mestrado “Livro-Ativo: A materialidade do objeto como fundamento para o projeto do livro infantil em forma de códice”, para a FAUUSP, em 2010, “entende-se que um livro tenha a forma de códice se suas páginas forem retangulares, de papel e encadernadas”.

3.

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MUNARI, “Das coisas Nascem Coisas”. Martins Fontes (2002), p. 219. Grifo do autor.

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|Figura 1| Os 12 exemplares dos PrĂŠ-Livros, de

Bruno Munari na embalagem prĂłpria Acervo Pessoal

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|Figuras 2 a 4|

Exemplares dos PrĂŠ-Livros, de Bruno Munari Acervo Pessoal

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Mesmo com obras tendo sido recusadas na época, é possível identificar apreciadores de seu trabalho—que reconheciam a importância da linguagem não verbal utilizada em seus livros ilegíveis. Munari utiliza fotos de um livro ilegível feito por ele, de forma muito experimental, para estudar as composições e possibilidades que tal ideia poderia sugerir para seu leitor. Após explicar sobre o desempenho do livro, o designer italiano relata-nos que o livro em questão foi publicado por um editor holandês. “Não temos nas nossas edições problemas de quantidade, mas de qualidade. Queremos publicar seu livro”.4 A edição teve uma tiragem de cerca de dois mil exemplares, feita em 1995, por esse editor que Munari revela ser “Steendrukkerij de Jong & Co., de Amsterdam.”

Dentre as obras de Munari, selecionarei como maior referência os pré-livros (figura 1) decorrentes dos estudos dos livros ilegíveis. O principal escopo do projeto é um livro direcionado ao público infantil em idades menos avançadas (em média 3 a 6 anos), onde cada

livro possui uma materialidade e uma possibilidade de manuseio diferente, cada qual com sua “atração” diferente para que a criança possa tocar, ouvir, assoprar, construir e reconstruir formas, dentre outras experiências sensoriais.

É preciso, desde cedo, habituar o indivíduo a pensar, imaginar, fantasiar, ser criativo. Eis porque esses livrinhos não são mais do que estímulos visuais, táteis, sonoros, térmicos, materiais. Devem dar a impressão de que os livros são objetos assim, com muitas surpresas dentro. A cultura é feita de surpresas, isto é, daquilo que antes não se sabia, e é preciso estarmos prontos a recebê-las, em vez de rejeitá-las, com medo de que o castelo que construímos desabe." (p. 225, 226)

O principal motivo da escolha dessas obras como primeira referência do projeto é o peso desse tipo de experiência na compreensão de mundo para uma criança que possua deficiência visual. A partir do momento em que consegue colocar o tato em ação (desencadeando também, a partir disso, o envolvimento de outros sentidos), de forma

4.

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Grifo do autor. P. 217.

com que isso seja o suficiente para compreender uma “história”5 (relembrando que Munari não utiliza histórias fechadas, o termo “compreender” pode ser substituído por “criar” ou “montar”), a independência e a individualidade da criança é assegurada e, assim, sendo mantida livre da forma como a cultura e a imagem visual se apoderam da transmissão de mensagem no contexto do mundo contemporâneo.

O tato é provavelmente o mais primitivo dos sentidos: bem no início da escala de evolução, pequenas criaturas cegas serviam-se dele para andar pelo mundo. E a primeira, a mais elementar e, talvez, a mais predominante experiência do ser humano que nem chegou a nascer ainda é a experiência táctil, segundo tudo indica.” (DAVIS, Flora. 1979, p. 136)

A observação de Davis apoia a ideia de que o tato é um dos sentidos mais elementares e necessários do ser humano, e, por isso, pode-se deduzir que há um grande potencial

a ser explorado quando se diz respeito à interação entre o que se vê e o que se toca.

Nas próximas páginas, analisaremos o livro ilegível MN1, já citado anteriormente, de Munari, afim de entender a questão da composição e distribuição de formatos e cores para contar algo sem a utilização da linguagem verbal, apropriando-se da manipulação—e da imaginação—do leitor como ferramenta para a ocorrência da história.

|Figuras 5 a 9| Páginas do livro MN1, de Munari Acervo Pessoal

5.

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“História” encontra-se entre aspas, pois foge do modelo convencional de história, da fábula fechada e pré ditada, apenas repassada, sem qualquer possibilidade de alterações em seu percurso. Aqui entende-se a história como mutável, aberta e completamente a dispor da vontade do seu interpretador, não existindo—pensamento também defendido por Munari—o erro ao se manusear o livro. Os pré-livros possuíam seus títulos na frente e no verso, anulando a imposição de como o livro deveria ser manuseado ou lido, cabendo exclusivamente à criança determinar como ele começaria e como terminaria.

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A capa, de cor cinza (provavelmente a cor crua do papel utilizado), já demonstra certa interação com o interior do livro, tendo o barbante que é utilizado para segurar as páginas na pequena lombada e sendo recortada de tal forma que ficam evidentes as cores amarelo e magenta que se encontram dentro do livro—nos dando a impressão de que serão as próximas cores a aparecerem.

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No entanto, ao abrir o livro, nos deparamos com a cor vermelha recortada exatamente no mesmo formato da capa, também deixando evidente as—possíveis—próximas cores.

O amarelo é, de fato, uma das cores que chegam após o vermelho, porém a expectativa é quebrada quando percebemos, além do magenta, mais duas outras cores: azul e branco.

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Mais uma página e percebemos uma forma verde aparentemente igual à amarela, mas quando a passamos, temos novamente a expectativa quebrada: existe uma mínima diferença entre as duas, que garante que o amarelo ainda permaneça na nossa vista. Passa -se a página azul, a página branca e só então surge o magenta, junto com o laranja que já dava um tímido sinal por trás do branco na página anterior. Nesse ponto, todas as cores 30

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que compõem o livro já surgiram.

Agora o laranja mostra-se por inteiro, sendo seguido por uma página da mesma cor.

Nos atentamos ao fato de que aquela página que parecia tão grande era apenas uma parte do todo, e que todo o tamanho que víamos da forma derivava da página seguinte. Elas são separadas por um fio vermelho que marca a metade do livro: a partir daqui, todas as cores que vimos antes aparecerão novamente, dessa vez na ordem contrária—como um espelho.

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É interessante notar o jogo que é necessário realizar com as mãos para manusear as páginas: a cada folha é preciso reposicionar as mãos de forma com que as páginas visualizadas possam ser seguradas sem que se fechem. O leitor, sem querer (ou querendo), entra em um movimento junto às folhas e acompanha o ritmo da mudança—calibrando e sintonizando-se com o volume. Chegando ao fim do livro, notamos que—assim como no início—o limite é marcado pela página vermelha do mesmo formato da página cinza, está última responsável pelo papel de capa e contracapa do livro, escondendo os tons vibrantes e saturados existentes dentro de si. É coerente analisar que traçar uma linha do tempo para a produção de Munari de forma linear e uniforme talvez seja um equívoco. Fica muito evidente durante a análise de seus trabalhos que, enquanto fazia suas experimentações do livro ilegível—que seria o eixo principal dessa linha do tempo—, vários outros trabalhos derivados dessas produções eram lançados no mercado—sendo as ramificações do eixo.

Ao produzir os livros ilegíveis de 1950 até a metade da década de 1980—esses sem muito valor comercial e mais direcionados a experimentação de forma despretensiosa—, paralelamente surgiam no mercado Nella Notte Buia (1952), Nella Nebbia di Milano (1968), Piu e Meno (1970) e os Prelibri (1980), além de uma série de outros livros que se sustentam nesse discurso da exploração da materialidade. Obviamente essas obras precisavam, por estarem inseridas no mercado, de algum tipo de informação verbal que pudesse fazer o leitor reconhecer nesses livros o conceito tradicional desse tipo de objeto, desacostumando-o do texto aos poucos. Forty expressa em seu livro “Objetos de Desejo” (2013) essa linha de raciocínio em que os fabricantes precisam acostumar a população a uma inovação de forma que pareça menos impactante. No livro, ele cita o exemplo do rádio: “Quando as transmissões começaram, na década de 1920, os receptores eram uma montagem grosseira de resistores, fios e válvulas. Os fabricantes logo perceberam que se quisessem vender rádios para que as pessoas os pusessem na sala precisariam de uma abordagem mais sofisticada do design.” (p.20) Dessa forma, disfarçaram-no de mobília antiga, inseriram-no em poltronas e colocaram-no dentro de um estojo. Tudo isso para familiarizar os indivíduos, aos poucos, a essa nova tecnologia que estava surgindo. Como foi citado no início deste capítulo, Nella Notte Buia teve dificuldades para ser produzido por conta da ausência de texto, comprovando o pensamento de Forty. Excluo desse discurso os Prelibri, que dentro dessas referências é a que apresentava uma proposta didática de desenvolvimento sensorial das crianças. |Figuras 10 a 13| Páginas de “Na Noite Escura”, de Bruno Munari Acervo Pessoal

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Nella Notte Buia e Nella Nebbia di Milano têm uma conversa muito grande com a experimentação do papel proposta pelos livros ilegíveis e trabalhando a questão do contraste.

“Uma boa maneira para conhecer os materiais e principalmente para identificar melhor suas qualidades específicas é propor um livro de máximo contraste, por exemplo, algo muito liso (um pedaço de seda, um cartão de papel platinado, uma folha fina de plástico...) e algo muito àspero (lixa grossa, esponja de cozinha)” (Munari apud SESC, 2009). Enquanto no primeiro exemplo a ligação com os livros-ilegíveis seja mais implícita, no segundo é muito evidente a utilização de conceitos dessas experiências: inicialmente, mantém-se a linguagem muito similar à da névoa presente no primeiro livro—dessa vez de forma mais desorganizada e bruta para transmitir o caos da cidade—, mas quando chegamos ao circo podemos perceber diversas páginas coloridas e recortadas de forma com que, no passar das páginas, o recorte que antes tinha uma função passa a ter outra que converse com a página anterior.

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|Figuras 14 a 17|

Páginas de “Nella Nebbia di Milano”, de Bruno Munari Acervo Pessoal

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Embora aqui esteja enquadrado numa situação de livro, Munari e Belgrano consideram Piu e Meno um jogo. Este foi proposto como um dos “instrumentos-jogos” do chamado Projeto Escola—coordenado por Belgrano para a Danese7, que continha uma série de jogos didáticos afim de colaborar para o desenvolvimento cognitivo de seus jogadores. Inicialmente, Piu e Meno fazia parte de um conjunto de exercícios com o título de “Jogos Visuais”.

Algo aprendido através do jogo fixa-se muito melhor na memória pelo fato de que toda a personalidade foi envolvida. Ao passo que toda a memória ou algo aprendido através do trabalho que não é prazeroso é mais frágil porque não tem um “revestimento” feito pela sensorialidade geral do indivíduo. O trabalho envolve apenas uma parte da personalidade enquanto o jogo a envolve globalmente, todos os sentidos estão empenhados” (Munari apud SESC, p.29)

Nas seguintes páginas demonstrarei, através de fotografias, algumas possibilidades existentes com o jogo de Munari e Belgrano.

|Figuras 18 a 29| Piu e Meno, de Munari e Belgrano Acervo Pessoal

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Outros exploradores da materialidade do livro

Tendo estudado e analisado a principal referência, é válida uma busca por outros autores ou projetistas que se empenharam em aproveitar a materialidade oferecida pelo livro como elemento imprescindível para a comunicação e, dessa forma, utilizando a linguagem não-verbal como agente transmissor das mensagens sugeridas nas obras.

A partir desse exemplo da formação de símbolos através da sobreposição, temos também como um exemplo contemporâneo o designer japonês Katsumi Komagata ³.

Seu trabalho tem muita influência do conceito de livro proposto por Munari, uma vez que a história não precisa, necessariamente, da base na escrita verbal: sua leitura é fundamentada na materialidade e tridimensionalidade que se consegue a partir do passar das páginas.

Seu trabalho que mais tem a ver com a linguagem utilizada por Munari é “Ca y est je vais naître” (1995), que relata o nascimento através do ponto de vista do bebê. Sua semelhança com “Nella Notte Buia“ e “Nella Nebbia di Milano” é evidenciada pelo uso dos papéis— opacos ou semitransparentes—sobrepostos e vazados afim de ligar uma página a outra, realizando, dessa forma, a conexão entre diferentes pontos no decurso da história. Do mesmo ano, “Du bleu au bleu” (2011) também trabalha a sobreposição dentro do contexto citado, utilizando em sua produção diferentes gramaturas de papel com diferentes variações da cor azul. O mesmo aconteceu com “A Cloud” (2007), mas com variações de branco e recortes no centro da página.

1.

Mais tarde discutiremos sobre o trabalho de Komagata voltado para as crianças com deficiência visual.

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| 32 | |Figura 30| Ca y est je vais naître Disponíveis em: http://goo.gl/gmLRHg; https://goo.gl/l5hDRp Acessado em: 27/05/2016 |Figura 31| Du bleu au bleu

Disponível em: http://goo.gl/cJnDrP Acessado em: 27/05/2016

|Figura 32| A Cloud

Disponível em: http://goo.gl/qkKN00 Acessado em: 27/05/2016

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Komagata possui—conforme observado—um trabalho expressivo no meio infantil, tendo publicado, em 1992, uma série denominada “Little Eyes”, que introduzia as crianças ao contato com o livro. Cada livro da série era separado de acordo com a faixa etária e explorava o estímulo sensorial gradativamente, desde bebês até idades mais avançadas.

Nesse tipo de experimentação, Komagata se preocupa com a disposição do livro no espaço tridimensional.

Um de seus trabalhos mais recentes e que mais se destacam tem a ver com o universo do pop-up—que parte da mesma preocupação em trazer para o tridimensional algo, até então, bidimensional. “Little Tree” (2008) é sobre uma pequena árvore que nasceu na neve e ninguém reparou, até começar a crescer e se tornar notória. As árvores presentes no livro se apresentam tridimensionalmente com o abrir das páginas do livro, tendo sua posição perpendicular ao plano do papel centralizada e direcionando para si, dessa forma, a atenção necessária para observar a mudança de seu tamanho, de sua forma e de sua cor.

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| 35 | |Figura 33| First Look, primeiro livro da série “Little Eyes” Disponível em: http://goo.gl/VAPzrv Acessado em: 27/05/2016

|Figura 34| Meet Colors, segundo livro da série

“Little Eyes” Disponível em: http://goo.gl/ovOsHH Acessado em: 27/05/2016

|Figura 35| Little Tree

Disponível em: http://goo.gl/qPUiES Acessado em: 27/05/2016

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Ao explorar o universo dos livros sem palavras, passamos a ter uma percepção mais desenvolvida no sentido de compreender como o material pode nos transmitir informações. Até então estudamos casos onde o material, a textura, o formato e a cor têm imensa importância no âmbito da exploração sensorial, mas também é necessária a devida atenção a um tipo de informação muito cabível e pertinente à discussão deste volume: o som. É corriqueiro—ainda mais no cenário tecnológico contemporâneo—a utilização de recursos eletrônicos em livros afim de reproduzir efeitos sonoros, mas poucos se preocupam com a participação do material físico do livro, produzindo barulhos de forma analógica. Keith Godard—diretor do StudioWorks, estúdio nova-iorquino responsável por produções gráficas de diversas instâncias—é autor do livro Sounds: Noisy paper book (1972). O livro tem como principal enfoque a experiência sonora a partir do contato entre a mão e o papel ou o próprio roçar das páginas ao manuseá-lo, permitindo diversos tipos de ruídos decorrentes do manuseio do objeto que se apropria de diferentes gramaturas, texturas, ranhuras e até mesmo velcros para a produção de diversos tipos de sons.

Quando analisamos tais referências, podemos obter um novo olhar acerca do livro, de suas funções e de suas propriedades. Saímos, então, do campo superficial que considera como “livro” a informação verbal impressa em papel, sem nenhum tipo de critério sobre sua função, seu material e até mesmo sobre a relação entre seus componentes. Ao considerarmos o livro como um objeto em si, damos a ele a função de comunicador capaz de propagar o sentido e a informação não-verbal—sem comprometimento com o texto como principal elemento de sua composição para que realize essa tarefa.

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|Figura 36| Manuseio das páginas do livro “Sounds” Acervo Pessoal

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.3

Objetos para contar histórias

Para Gui Bonsiepe, “A maneira como dados e informações são apresentados tem um papel importante. O design pode facilitar sua recepção e interpretação, permitindo uma ação mais eficiente”.¹ Isso significa que a forma como uma informação é transmitida tem influência do meio pela qual está sendo passada. É cabível, dessa maneira, uma avaliação acerca do suporte pelo qual a mensagem será enviada para seu receptor.

No subcapítulo anterior, observamos como o livro não-verbal é capaz de servir de canal para uma mensagem, informação, poema ou história. Esse espaço será reservado para a discussão de como um objeto se apropria de elementos gráficos, tridimensionais ou interativos para auxiliar a transmissão de sua mensagem. Dentro do contexto da interatividade que pode ser proposta pelo livro, estudaremos alguns casos que envolvam essa apropriação da materialidade como agente convidativo para os “leitores”, dessa vez não de um livro propriamente dito, mas de um objeto que tem algo para contar. É importante se atentar ao fato de que não necessariamente o livro tem a premissa 1.

BONSIEPE, Gui (2011), p. 84.

2.

O projeto Kaleidograph apresenta diversos temas. Crystal (composto por recortes mais retos) e Flora (recortes mais orgânicos), que é o modelo utilizado para este estudo, são os tradicionais. Atualmente existem outras linhas: Contrast, OpArt e Snowflake, todas essas disponíveis no site oficial da marca do produto: http:// kaleidographtoy.com

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de seguir seus formatos padrões, sequer se autodeclarar como um livro em si. Alguns projetos acabam se tornando, por si só, um contador de histórias capazes de fornecer ferramentas bastantes para a interpretação de alguma narrativa e—colado a isso—a possibilidade de se modificá-la e rearranjá-la livremente. Esse é o caso do “Kaleidograph” (2011)², de Norman Brosterman e Scott Bultman. Trata-se de, como o nome sugere, uma tradução do caleidoscópio tradicional em formatos bidimensionais estampados em papel que, quando sobrepostos, formam mandalas e composições diversas. A possibilidade de combinações é aumentada quando, em cada face, a forma ganha uma cor diferente, possibilitando mais experimentações e testes acerca da montagem e, assim, permitindo ao máximo a exploração—assunto que será expressivo na proposta do meu trabalho final, como será retomado no capítulo C01. O exemplo dado ainda aproveita o papel como material principal para sua produção, tendo como base as peças—elementos que, a primeiro momento, são bidimensionais. Seguem, de alguma forma, a proposta de Munari em seus recortes e sobreposições, como em “Piu e Meno”, e se apropriam da construção tridimensional de forma mutável e aberta.

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|Figura 37| Kaleidograph Flora, de Norman Brosterman e Scott Bultman Acervo pessoal

|Figura 38| Todas as lâminas do Kaleidograph, de ambos os lados (positivo e negativo) com suas devidas variações de cores Acervo pessoal

|Figura 39| As três lâminas de fundo, depois cobertas por diferentes composições (positivo e negativo) Acervo pessoal

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|Figuras 40 a 43| Diversas experimentações com as sobreposições das lâminas, explorando recortes e cores Acervo pessoal

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|Figuras 44 e 45| Observação: Composição a partir da sobreposição das lâminas Acervo pessoal

|Figura 46|

Observação: Camadas sobrepostas, vista lateral Acervo pessoal

|Figura 47|

Pôster contendo as diversas combinações possíveis das peças.

Acervo pessoal

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Kaleidograph ainda se mostra muito tímido quanto à fuga do bidimensional, visto que só possui volume através da compensação de placas que carregam a mensagem estampada. É coerente, nesse ponto do trabalho, analisar algumas obras que comecem a fazer sentido ocupando o espaço físico, se tornando significativos enquanto tridimensionais.

Dentro da poesia concreta, temos como uma possível referência os “Poemóbiles”³, de Augusto de Campos e Júlio Plaza (1974), dentro dos exemplos de experiências desse tipo no Brasil. Recentemente apresentados em exposição no CCSP (2016), esse conjunto de obras são poemas concretos organizados dentro de um livro (em seu formato de códice) que, com a ação do interpretador ao abrir—ou fechar—as páginas, o poema é finalizado com a construção tridimensional do texto (como pop-ups), reorganizando os tipos e, em alguns casos, revelando palavras ou frases antes escondidas4. Essa linguagem também é muito presente nos “Livros-poema” de Ferreira Gullar (1959). Gullar cita: “o passar das páginas seria um ato de construção do poema cuja forma final nasceria dessa ação do leitor,

pela acumulação gradativa das palavras” (Amaral apud Gullar, 1977 IN: Teixeira, 2010).

Cito também a obra de Lygia Pape, “O livro da Criação”, (1959/1960). Segundo as observações da ilustradora Laura Teixeira (2010), esse trabalho possui muitas características em comum com os livros ilegíveis de Munari, uma vez que possuem elementos nãoverbais para contar uma narrativa. “[o Livro da Criação] era a concepção de uma artista plástica que, em páginas de grande formato e usando cartolina e papel japonês colorido, criava metáforas visuais da aurora, da noite, etc.” (Gullar apud Teixeira, 2007) Ainda no contexto dessa última observação, Teixeira completa: É interessante observar que os neoconcretos apresentam afinidades com o percurso de Munari, já que além de ter igualmente participação na história da arte concreta e considerar o livro enquanto objeto como parte estrutural na formação de sua narrativa, caminhou cada vez mais em direção a experiências sensoriais, propondo a participação ativa do espectador. O Livro da Criação, por exemplo, apesar de conter uma narrativa verbal, muito tem a ver com os Livros ilegíveis.” (p. 82) 3.

(2010).

Os Poemóbiles, assim como os exemplos desta página, são também citados na tese de Laura Teixeira

4.

Há também a possibilidade de ocorrer o contrário e, dessa forma, esconder palavras antes expostas.

60

Na realidade existe uma diferença muito pontual entre o Livro da Criação de Pape e os Livros Ilegíveis de Munari: enquanto um se apresenta com páginas soltas, cada uma com seu papel muito bem estipulado no segmento da narrativa—como representações visuais físicas de cada acontecimento narrado—o outro se preocupa com a correlação entre estas, se preocupando com a conversa que se estabelece entre uma página e a seguinte, e não com a estipulação de uma ocorrência para cada uma. Em síntese, Pape se preocupa com a representação que cada página fará de um determinado momento da história fechada e pré-definida por ela, enquanto Munari se preocupa com o relacionar das páginas para que, dessa forma, sua intervenção seja mínima na hora da interpretação: esta deve ficar por conta do leitor, que pode compreender como quiser o desenrolar da narrativa dos Livros Ilegíveis, sem nenhum roteiro pré-estipulado. Ocorre um contraponto de interessante observação, nesse caso: O Livro da Criação possui suas páginas independentes, porém está amarrado à linearidade sugerida na hora da interpretação, sendo de caráter contemplativo. Já Munari, que embora mantenha os Livros Ilegíveis presos a uma encadernação tradicional do formato de códice, deixa o leitor à vontade para imaginar o enredo que desejar a partir do passar de suas páginas através da margem que dá à manipulação de sua obra.

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|Figuras 48 e 49| Páginas de Poemóbiles, de Augusto de Campos e Júlio Plaza.

Disponíveis em: http://goo.gl/gsqV3C ; http://goo.gl/LdaGQ8 Acessado em: 10/04/16

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|Figura 50| Livro-poema, de Ferreira Gullar

DisponĂ­vel em: http://goo.gl/GlW2in Acessado em: 10/04/16

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No início era tudo água.

Depois as águas foram baixando, baixando, baixando, e baixaram.

O homem começou a marcar o tempo.

O homem descobriu o fogo.

O homem era nômade e caçador.

Na floresta.

O homem era gregário e semeou a terra.

E a terra floresceu.

O homem inventou a roda.

O homem descobriu que o sol era o centro do sistema planetário.

Que a terra era redonda e girava sobre seu próprio eixo.

O homem construiu sobre a água: palafita.

Submarino: o vazado é o cheio sob a água.

A quilha navegando no tempo.

Luz – luz plena.

Tradução verbal de O Livro da Criação, de Lygia Pape Disponível em: http://goo.gl/HM1mdo Acessado em: 08/04/16 64

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|Figura 51|

Sequência de páginas do Livro da Criação, de Lygia Pape.

Disponível em: http://goo.gl/9oqIz3 Acessado em: 08/04/16

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Continuaremos na discussão acerca de Munari por mais alguns instantes para citar um exemplo de objeto concebido de forma bidimensional que pode ser transformado tridimensionalmente no espaço físico: “Acona Biconbi”, tendo sua primeira edição pela Danese em 1961 e é distribuído a partir de 2007 pela Corraini. Trata-se de uma série de discos vermelhos, brancos, verdes e azuis com um triângulo vincado dentro do perímetro de cada um e com um círculo—concêntrico à circunferência do disco—recortado e vazado. Quando dobramos as linhas vincadas do triângulo, temos um formato que pode ser associado a outros discos que sofreram a mesma interferência, juntando-os de alguma forma (como através de grampos ou cola) para gerarem algum objeto ou escultura com essa estrutura modular.

Pensando, então, no papel como algo que pode ser estruturado de forma a se colocar no espaço físico e se apresentar como um objeto em si—além de um suporte—, poderemos evocar projetos como “Il Gioco Dele Favole” (1965) de Enzo Mari. São diversas cartelas de papel com imagens de animais impressas, o que nos faria associá-lo ao formato de transmissão de informação bidimensional até esse ponto. A razão pelo qual classifico-o aqui é a possibilidade de, através de cortes lineares em lugares estratégicos das cartelas, organizá-las de forma perpendicular à superfície de apoio e cruzando-as umas com as outras, possibilitando a apresentação dos animais “em pé” e o cruzamento de personagens de diferentes cartelas, intercalando as possíveis histórias e possibilitando os leitores a criarem fábulas e narrativas.

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Katsumi Komagata, em 2015, publicou “Ichigu”: uma série de cartelas de papel sanfonadas com elementos vazados recortados em sua área, com uma face pintada de preto e a outra de branco. Esses objetos de papel, ao serem posicionados verticalmente, se tornam algo parecido com pequenos biombos que garantem a propagação da luz através dos recortes, trabalhando a relação luz e sombra.

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| 54 | |Figura 52| Acona Biconbi, de Munari Disponível em: http://goo.gl/PoyWep Acessado em: 08/06/16

|Figura 53|

“Il Gioco Dele Favole”, de Enzo Mari Disponível em: http://goo.gl/6XIwlD Acessado em: 02/06/16

|Figura 54| “Ichigu”, de Komagata Disponível em: http://goo.gl/xcn34T Acessado em: 02/06/16

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Komagata e Mari também se preocuparam com a exploração de outro material para a exploração sensorial no contexto tridimensional: a madeira. Embora esteja mais próximo do contexto do jogo e do brinquedo, menciono “16 Animali”, de Mari (1957), como uma experimentação bem-vinda para o estudo da possibilidade de tornar três dimensões o que antes era apresentado em duas. O jogo consiste em, como diz o nome, 16 animais recortados em madeira—até então podem ser vistos como bonecos—com formas muito simples e claras, não muito realistas. A graça do jogo é a possibilidade de juntar todos esses animais em um quadro, juntando-os como se fossem peças de um quebra-cabeça e tentando descobrir quais são as possíveis disposições para que isso aconteça. Em “Block’ N Block” (2005) de Komagata, nos é apresentado um grupo de paralelepípedos de madeira que possuem, em cada face, alguns formatos geométricos impressos e coloridos de diferentes cores, possibilitando a montagem de rostos ou de cenários com o empilhamento desses blocos.

Tendo em vista os exemplos apontados neste capítulo, é possível concluir que o conceito de livro pode caminhar para outras formas de produção e—alinhado à sua materialidade—tornar-se interessante sob o ponto de vista da manipulação e quebrar a proposta tradicional que mantém a linearidade da narrativa, possibilitando a investigação de possibilidades acerca da informação contida neste pelo próprio leitor.

|Figura 55|

“16 Animali”, de Enzo Mari Disponível em: http://goo.gl/QoqMct Acessado em: 02/06/16

|Figura 56| “Block’ N Block”, de Komagata Disponível em: http://goo.gl/07C4fs Acessado em: 02/06/16

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01.

O ENXERGAR DE QUEM NÃO VÊ

.1

A situação das crianças com deficiência visual

Para estabelecermos o que pode ser considerado como “deficiência visual”, necessitamos recorrer ao decreto nº 3.298, de 20 de fevereiro de 1999. Primeiramente, ao que se refere às Disposições Gerais (Capítulo I—Art. 3º)¹:

I - DEFICIÊNCIA – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II - DEFICIÊNCIA PERMANENTE – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III - INCAPACIDADE – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipa-

mentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

1.

Informações disponíveis em: http://goo.gl/AxJf2g. Acessado em: 20/05/16

75

No artigo 4º, item III, podemos ver a descrição do que é considerado uma pessoa “portadora”² de deficiência visual perante a lei: III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou

menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) Tendo esses referenciais em vista—e de acordo com os resultados obtidos no Censo 2000—, é possível considerar que 24,5 milhões de brasileiros apresentam algum tipo de incapacidade, sendo 48,1% a porcentagem de pessoas com deficiência visual no total de

casos declarados. Outra informação que consta no senso é de que entre “16,5 milhões de pessoas com deficiência visual, 159.824 são incapazes de enxergar.” No Brasil, segundo dados divulgados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (2012), o número de pessoas com diagnóstico de cegueira chegou a 1,15 milhão em 2011, sendo 33 mil crianças. A OMS calcula que 19 milhões de crianças³ apresentem imparidades visuais.

Nesse contexto, cabe observar qual a situação desses indivíduos em formação quando se trata de sua colocação na sociedade e como esta está preparada—ou não—para receber alguém nessas condições. Para isso, é importante entender a deficiência visual, desde suas causas às recomendações acerca do assunto.

A deficiência visual se dá por diversas causas, dentre as quais são mais frequentes

2.

O termo “portador de deficiência” é problemático, já que a deficiência não é “portada”, ela faz parte do indivíduo.

3.

A OMS estimou, em 2013, esse dado considerando menores de 15 anos de idade.

4.

Essas são as causas identificadas como mais frequentes no capítulo reservado para a deficiência visual do livro “Esclarecendo as Deficiências: aspectos teóricos e práticos para contribuir com uma sociedade inclusiva” de Frizanco e Honora, 2008.

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retinopatia da prematuridade, catarata congênita, glaucoma congênito, albinismo, retinose pigmentar e atrofia no nervo óptico4. Segundo Frizanco e Honora (2008): Nos países mais desenvolvidos, a deficiência visual é causada por diabetes, degenerações musculares, tumores, traumatismos.

Nos países menos desenvolvidos (por exemplo, o Brasil), a deficiência visual é causada por toxoplasmose, rubéola congênita (contraída durante a gravidez), catarata, tracoma, retinites, infecções, tumores, diabetes, traumatismos provocados por acidentes domésticos, acidentes de trânsito, entre outros.” (p. 127)

Pode-se deduzir, a partir dessa observação, que, no Brasil, existe o grande risco da contração da deficiência visual, o que—teoricamente—tornaria mais expressivo o número de casos de cegueira do que, por exemplo, nos grandes polos econômicos mundiais. Faz-se frequente, no decurso do tempo, a preocupação de como lidar com essa situação da melhor forma possível e, por isso, estudos acerca do assunto se mostram mais abundantes.

A primeira dúvida que geralmente surge quando deparamo-nos com alguém que apresente algum grau de deficiência visual é, principalmente, o tratamento que devemos dar a ela—começando pelo termo com o qual devemos nos referir sem que haja tom pejorativo ou discriminatório até a forma que devemos nos apropriar para ajudá-la sem interferir na sua autonomia. No artigo “Qual o termo certo?” (2014), de Fabiane Esperança Rocha, são citados quais termos podem ser empregados ao se referir a uma pessoa cega, bem como observações sobre termos equivocados que são erroneamente utilizados.5 Em texto aprovado pela Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidades das Pessoas com Deficiência (2006)6, utilizou-se a terminologia considerada apropriada por Rocha e Castro, “pessoa com deficiência”, estando de acordo com o fato pontuado pela Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de São Paulo, que considera “deficiente” um termo inapropriado—uma vez que tem conotação negativa e dá

5.

As informações dadas por Rocha tiveram como referência o livro “Ir e Vir. Acessibilidade: compromisso de cada um”, de Dr. Jary de Castro (2013) 6.

Disponível em: http://goo.gl/tPmHGW. Acessado em: 22/05/2016.

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a impressão de que o indivíduo não possui capacidade ou adequação na sociedade.

Existe dentro da área da educação um crescente olhar para a inclusão de crianças que possuem deficiência visual. Uma das medidas mais expressivas tomadas para facilitar

a ponte entre os cegos e o conhecimento é o Braille 7: sistema de leitura inventado por Louis Braille, em 1825. Antes do Braille era comum o uso de caracteres comuns do alfabeto representados em alto relevo, o que reservava ao cego apenas a capacidade da leitura.

Louis Braille se interessou em pensar outra forma de leitura e de escrita quando tomou conhecimento do sistema inventado por Charles Barbier—um oficial do exército francês— denominado sonografia.8 Braille adaptou a escrita noturna de Barbier em um código de pontos em alto-relevo dispostos em um retângulo de três pontos de altura por dois de largura e para cada composição, dependendo da quantidade e da organização desses pontos na malha—chamada sela—, atribui-se um caractere. Dessa forma, a linguagem verbal es-

crita pode ser compreendida por aqueles que possuem graus maiores de deficiência visual, que impeçam a compreensão do código impresso mesmo ampliado e contrastado.9 O sistema Braille foi trazido ao Brasil por José Alvares de Azevedo—um jovem cego que aprendeu o código na França—e, em 1854 foi adotado pelo então Imperial Instituto de Meninos Cegos, hoje o Instituto Benjamin Constant. Para que as crianças possam escrever, é comum o uso tanto da máquina Perkins Braille—que começou a ser produzida no Brasil em 1999 (Frizanco, Honora, 2008)— quanto a impressora Braille ou, o mais tradicional, a reglete e punção. Com a reglete e punção o modo de escrita pode variar: no sistema negativo, por exemplo, escreve-se da direita para a esquerda, já que o relevo acontece no verso

7.

Aqui usaremos Braille em maiúsculo e preservando os dois “l”s para que seja preservado o nome de seu inventor no sistema.

8.

Sistema de comunicação utilizado pela artilharia francesa, também conhecido como escrita noturna ou Serre. Seu formato consistia em pontos de relevo distribuídos em um retângulo com seis pontos de altura por dois de largura. Fonte: APADEV. 9.

Dependendo do grau da visão, é possível apresentar um texto—mesmo que não seja em braile—para o indivíduo de forma com que ele compreenda, desde que atenda às necessidades para sua melhor compreensão: contraste, tamanho ampliado da letra, fonte de luz adequada, dentre outros.

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da folha, e os caracteres devem ser escritos de forma espelhada—ou seja, se para escrever a letra “a” é necessário o relevo no ponto 1 da sela, com o negativo o “a” deve ser marcado no ponto 4 para que, ao virar a folha, esteja com o alto relevo no ponto correto.

O Instituto Benjamin Constant (IBC), em seu artigo “Desenvolvimento Tátil e suas Implicações na Educação de Crianças Cegas”10, comenta a importância do desenvolvimento sensorial através da modalidade tátil e registra qual é a procedência para o desenvolvimento da modalidade tátil. Para isso, lista uma sequência para compreender as etapas dessa evolução11: I - Consciência de qualidade tátil: Refere-se ao começo da percepção de diferentes texturas, pesos, temperaturas, superfícies vibráteis e consistências. Processo de reconhecimento da existência de objetos no ambiente.

II - Reconhecimento da estrutura e da relação das partes com o todo: Determinação de formas e traços característicos de um objeto para sua discriminação.

III - Compreensão de representações gráficas: Evolução para o reconhecimento da representação bidimensional de objetos tridimensionais. Familiarização de componentes geométricos representados em duas dimensões de forma tátil.

IV - Utilização de simbologia: Sistema de associação de símbolos

(braile).

10.

Disponível em: http://www.ibc.gov.br/?itemid=101. Acessado em 27/05/2016.

11.

“Todas as fases contêm níveis variados de aquisição de habilidades relativas ao desenvolvimento”, segundo Griffin e Gerber.

12.

“Perceptual factors in braille word recognition”. American Foundation for the Blind.

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Dentro desse estudo, é evidente a dificuldade crescente de percepção das crianças sobre a figura a cada etapa. Citados nesse texto, Nolan & Kederis (1969)12 relatam os limites da compreensão do Braille dependendo de como os pontos são dispostos no espaço e da forma com a qual as palavras se apresentam.

Essa constatação nos leva a buscar livros que explorem outras qualidades da materialidade para flagrar hipóteses de produção de uma proposta que supere os fatores limitantes do Braille tradicionalmente aplicado.

|Figura 57|

Caracteres minúsculos do alfabeto no sistema Braille Disponível em: http://goo.gl/ASq2P6 Acessado em: 02/06/16

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|Figura 58| Máquina Braille com instruções básicas de seu funcionamento

Disponível em: http://goo.gl/TRLDFQ

|Figura 59| Reglete e punção negativos Disponível em: https://goo.gl/sH8dqk Acessado em: 02/06/16

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.2

Livros direcionados para o público cego

Tendo em vista o que foi abordado até então no trabalho, tentaremos não nos ater a livros direcionados para crianças cegas que tenham a mensagem verbal como principal comunicador. Existem muitas obras que foram escritas em tinta e transcritas¹ em Braille. Porém não existe, nesse tipo de projeto, a preocupação em se direcionar ao público que possui deficiência visual—trata-se apenas de uma adaptação para que este possa acessar a informação disponível para os videntes. Não colocaremos a legitimidade dessa abordagem em questão, pois é preciso que a população tenha acesso ao máximo de informação possível e que, para isso, superem-se alguns limites impostos—como o da visão no caso da cegueira. O motivo do afunilamento de referências é que, para o desenvolvimento do projeto proposto por este volume, deveremos estudar e nos focar em produções que tenham, de fato, sido pensadas para explorar a experiência sensorial no âmbito da superação² da falta de um dos sentidos.

1.

Não será cometido o equívoco frequente da utilização do termo “tradução”, já que o Braille se trata de um código, e não de um idioma.

2.

“Superação” refere-se à oferta de um produto que não dependa da visão, no caso, como única forma de compreensão deste, mas que englobe outra hipótese de entendimento através dos outros sentidos.

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O primeiro exemplo é “Ali ou Léo?” (2002) de Sophie Curtil. Baseado em um conto das “Mil e Uma Noites” , o contexto da narrativa é a investigação sobre quem roubou a mochila: Ali ou Léo? Essa obra ainda utiliza recursos verbais para a história, mas ainda assim é considerável para a investigação proposta por se apropriar de um recurso peculiar: para demonstrar o que há dentro da mochila de cada um dos protagonistas, Curtil utiliza relevos— feitos no papel “Velin d’Arches”, tendo 100% de algodão em sua composição—criados a partir de objetos de fácil reconhecimento como botões, barbantes e palitos para a associação com o possível conteúdo da mochila. No final do livro, esses objetos—que serviram de molde—estão disponíveis para manuseio do leitor. Ao colocar essa experiência tátil em pauta, Curtil possibilita a compreensão do livro por cegos, videntes e crianças com baixa visão.

O primeiro exemplo é “Ali ou Léo?” (2002) de Sophie Curtil. Baseado em um conto das

“Mil e Uma Noites” , o contexto da narrativa é a investigação sobre quem roubou a mochila: Ali ou Léo? Essa obra ainda utiliza recursos verbais para a história, mas ainda assim é considerável para a investigação proposta por se apropriar de um recurso peculiar: para demonstrar o que há dentro da mochila de cada um dos protagonistas, Curtil utiliza relevos— feitos no papel “Velin d’Arches”, tendo 100% de algodão em sua composição—criados a partir de objetos de fácil reconhecimento como botões, barbantes e palitos para a associação com o possível conteúdo da mochila. No final do livro, esses objetos—que serviram de molde—estão disponíveis para manuseio do leitor. Ao colocar essa experiência tátil em pauta, Curtil possibilita a compreensão do livro por cegos, videntes e crianças com baixa

visão.

|Figuras 60 a 62| Páginas de “Ali ou Léo?”

Disponível em: http://goo.gl/ASq2P6 Acessado em: 02/06/16

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A exploração do relevo no papel³, provavelmente fundamentada no conceito do Braille4, é muito utilizada na produção de livros infantis que visam a transmissão de imagens para os indivíduos com deficiência visual. Warja Lavater produziu sua versão de “Le Petit Chaperón Rouge” (2009)5 em um formato de livro onde suas páginas fossem sanfonadas, permitindo com que se projetassem tridimensionalmente. Os personagens eram representados por círculos de diferentes materiais—e cores6—para serem facilmente reconhecidos através do toque. O cenário ganha relevos elipsoides para indicar a presença das árvores e da mata densa da floresta.

Embora seja uma história que dependa um pouco da contextualização verbal para ser compreendida, o livro não possui textos. Visto que é um conto clássico, a autora conta com a mediação do adulto—ou seja lá de quem estiver lendo com a criança—para situá-la dentro dos acontecimentos ao longo da narrativa.

Existem alguns pequenos equívocos quanto à representação gráfica, principalmente à partir do momento em que o lobo chega à casa da vovó. Há uma certa confusão com relação à configuração da casa, que em uma página se mostra do mesmo material e cor da floresta—relevo no papel branco—e na seguinte assume outro formato e cor. Também é confuso—e provavelmente indagado pelas crianças—a organização das formas quando o lobo come a vovó e a chapeuzinho: o lobo é representado como o círculo maior, com a vovó—como círculo mediano—e a Chapeuzinho—como círculo menor—dentro dele. O problema é que todos os círculos são concêntricos, dando a entender que a vovó comeu a Chapeuzinho dentro da barriga do lobo.

3.

Não necessariamente no papel em si, mas no material que serve de suporte para a página do livro.

4.

Essa afirmação é apenas uma hipótese por parte das observações do pesquisador, não tendo até o presente momento fontes que nos comprovem tal especulação.

5.

Esse livro foi desenvolvido, a primeiro momento, apenas representando os personagens por círculos coloridos, inclusive a floresta. Depois Lavater repensou o material para promover a inclusão de crianças cegas.

6. É importante não descartar o peso que a informação visual carrega, mesmo se tratando de um produto direcionado às crianças com deficiência visual. Isso porque dependendo do grau da deficiência, a criança pode reconhecer cores por ter um resquício de visão. Também é importante pontuar que esse conteúdo visual tem extrema importância no projeto aqui desenvolvido, uma vez que vamos trabalhar a inclusão de cegos com videntes.

7.

Primárias segundo o senso comum: azul (na realidade ciano), amarelo e vermelho. No território das cores opacas, que é o caso do volume impresso, o primário seria a cor magenta no lugar do vermelho, que seria considerado secundária, entrando assim no padrão adotado pelo sistema CMYK.

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Mesmo com pequenos ajustes que poderiam ser feitos, o livro traz uma possibilidade interessante de estímulo sensorial a partir do uso do tato como o principal meio entre a criança e o ambiente. Fazer com que cada elemento da história assuma uma forma e uma textura diferente torna convidativo à criança—ou ao leitor, que pode não ser de idade infantil—o reconhecimento desses estímulos físicos, tornando-se um instrumento de desenvolvimento da mobilidade tátil.

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|Figuras 63 a 68| Páginas de “Le Petit Chaperón Rouge” Disponível em: http://goo.gl/odPkcW Acessado em: 02/06/16

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Quando pensamos na possibilidade da exploração do tato, indagamo-nos quais as alternativas além da apropriação de texturas e relevos. Se pensarmos que esse tipo de informação se dá a partir da diferenciação—ou seja, entendemos que o relevo é presente

porque temos o plano mais baixo como comparação—, podemos pensar se a figura rebaixada ou até mesmo vazada não pode ser o próprio elemento em foco, e não o plano de fundo. Esse processo gera um tipo de experiência tátil significativa e compreensível pelas crianças com deficiência visual, uma vez que podem entender também como figura o que antes era dispensável ou banalizado de alguma maneira.

Uma obra que traz à tona essa discussão é “Rien a Voir”, de Sybille Frei (2008). Diferente dos outros exemplos, esse livro tem uma proposta mais educativa, visando o ensino dos numerais romanos para que as crianças aprendam a contar. É questionável, uma vez que— com o sistema Braille em vigor—talvez as crianças pouco entrem em contato com esse tipo

de algarismo para realizar qualquer tipo de numeração, mas prestaremos atenção à proposta de trabalhar figuras geométricas estampadas—no sentido de recorte—para a percepção tátil através do vazio. As cores, predominantemente preto e branco, são importantes para a compreensão de crianças cuja visão apenas reconheça grandes níveis de contraste.

Existe um texto como apoio para quem está lendo, mas o leitor não depende dele para a compreensão das informações não-verbais. Como na maioria dos livros para cegos, o texto está disponível em tinta e em Braille.

|Figuras 69 a 72| Páginas de “Rien à Voir”

Disponível em: goo.gl/fbnarO Acessado em: 02/06/16

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“Plis et Plans”, assinado por Komagata (2011), já aborda outro tipo de manipulação do livro. Como na maioria de seus trabalhos, o designer explora as propriedades do manuseio do papel. Nesse caso, o figurativo é evitado—mais ou menos como nos primeiros volumes de “Little Eyes”—prezando por formas elementares: quadrado, círculo e triângulo. Assim sendo, a obra em questão alinha-se às propostas de Munari e tornando a interpretação da narrativa—nesse caso abstrata—aberta à imaginação ou às evocações de repertório do leitor.

O ensaio sobre papel fica por conta de dobras que podem ser manipuladas escondendo, revelando ou variando formas e cores, de forma com que a transformação e a linearidade sugerida sejam completamente passíveis de mudanças quanto à atribuição dada a elas. Quando temos um quadro branco em um fundo azul e o primeiro vira um retângulo que emoldure todo o segundo, sem nenhuma descrição verbal, interpretações diversas podem surgir dependendo do repertório e de experiências a priori do manipulador dessa história. Nesse contexto, a criança pode participar da narrativa, sendo a ação desta o grande agente que impulsiona o clímax dessa experiência: sem o leitor, os acontecimentos são impossíveis.

Embora seja um projeto muito convidativo e bem resolvido esteticamente, é preciso ter um olhar crítico quando este se propõe a ser oferecido, principalmente, para um público que não vê. A diferença entre a textura do papel branco e as cores é presente, porém de forma não muito expressiva. Uma pessoa que ainda não possuísse a compreensão através do recurso tátil muito bem desenvolvida não seria capaz de compreender a diferença entre as propriedades de um papel e as de outro. O papel branco é um elemento vazado, e as cores aparecem por detrás desse, o que geraria uma percepção mais pontuada para poder compreender que algo mudou—no caso, a cor—, mas ainda seria mais interessante trabalhar com a sinestesia para que o leitor compreendesse as diferenças entre uma cor e outra. Além do mais, o papel é muito fino, e essa mudança de nível não fica tão clara ao tato. O fator da espessura do papel também implica numa vida útil mais curta para os mecanismos de dobra presentes no livro, que poderiam rasgar devido ao desgaste no decurso de seu uso.

|Figuras 73 a 78| Exemplos de manipulação em “Plis et Plans” Acervo pessoal

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01.

DESENVOLVIMENTO

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Páginas de um livro sem folhas

O trabalho teve, no início, uma perspectiva um tanto quanto abstrata em relação ao produto final, dentro da questão da materialidade e da própria organização formal. Como ainda não havia o prévio conhecimento sobre o repertório da percepção de pessoas cegas sobre diferentes materiais e as associações possíveis, o primeiro passo foi o teste com esses indivíduos, mostrando-lhes uma seleção de materiais e composições feitas com estes afim de compreender que tipo de caminho deveria ser trilhado para a escolha do que seriam os responsáveis por carregar a informação necessária para a construção da história pelos leitores.

Para isso, aproveitou-se o contato com os funcionários da Biblioteca Louis Braille – do

Centro Cultural São Paulo – para designá-los como participantes da entrevista.¹ A apresentação do material selecionado para os funcionários da biblioteca foi organizada em 3 grupos de 5 placas de mdf. Cada placa possuía uma – ou mais, dependendo do

1.

A escolha foi feita tanto pela dificuldade em entrar em contato com as crianças que possuem deficiência visual a tempo, quanto pela facilidade de obter uma devolutiva mais concreta dos adultos – que possuem maior facilidade em verbalizar os pontos positivos e negativos observados decorrentes do contato com o material apresentado a eles

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grupo – textura que carregava uma informação diferente.² Cada placa possuía um número para que, dessa forma, facilitasse o registro das observações feitas para sua placa correspondente. Para cada funcionário, foi dado um grupo—que passaria pela avaliação deste— e, após a manipulação, haveria o revezamento desses grupos entre os entrevistados.

O primeiro grupo de peças foi composto por um único material em cada uma, tendo a textura própria destes: uma lixa, um papel aveludado, um pedaço de papelão revestido por cortiça, um pedaço de aço laminado—essas duas anteriores sendo as únicas que não apresentavam o mdf como suporte—e um recorte de pelúcia.

O segundo grupo foi composto por texturas que foram construídas a partir da intervenção na formalidade ou na organização espacial das peças: palha, velcro—cada placa com um dos lados deste—, cavilhas de madeira e o próprio mdf texturizado na lixadeira.

O terceiro grupo, por sua vez, com algumas alterações ou especificidades que criam algum tipo de interação—como sons e mudanças de texturas—afim de avaliar a percepção tátil do indivíduo cego. Neste grupo existe papel aveludado e durex intercalados, neoprene—lado direito e avesso, seccionados na diagonal—, tecido composto de elastano e algodão—também apresentando lados direito e avesso, porém com a seção horizontal e com textura ondulada no direito—, elásticos de cabelo tracionados e malha de polietileno.

A entrevista—com mais detalhamentos sobre seu resultado presentes no anexo deste volume—teve como devolutiva uma resposta positiva com relação a esse tipo de exploração. Os entrevistados—todos com cegueira total—consideraram adequadas tanto a seleção dos materiais como a exploração sensorial proposta. A mudança do material (ou da disposição deste) é perceptível pelos funcionários da biblioteca e considerada importante para a narrativa.

Alguns funcionários observaram pertinentemente um ponto que levantou algumas questões sobre o desempenho do livro: a placa feita de cortiça e a de aço laminado eram mais leves e, não por isso, possuíam características que proporcionam a deterioração e o desgaste ao longo do tempo. Não consideraram, portanto, como um problema que deve2.

Logicamente, essa foi apenas uma dedução. Como ainda não haviam sido avaliadas pelo público não vidente, houve a necessidade de partir de um ponto de vista intuitivo – baseado no próprio repertório, visual ou não, do pesquisador – para que pudesse haver essa primeira seleção.

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|Figuras 79 a 81| Amostras de texturas Acervo pessoal

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ria ser resolvido, mas um aspecto a ser levado em consideração dependendo da proposta dessas páginas.

Também foi sugerido rever a orientação da leitura, já que, mesmo apresentando as placas na horizontal—posição que oferece melhor compreensão tátil por demonstrar área maior de exploração através das mãos—, foi percebida uma certa tendência a entendê-las e manipulá-las na vertical. Isso gerou uma pista para começar a pensar em um suporte que

indique, de forma mais clara, a horizontalidade da leitura na placa individual.

|Figuras 82 a 85| Primeiro teste realizado com os funcionários da Biblioteca Louis Braille, do Centro Cultural São Paulo Acervo pessoal

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Para dar procedência ao processo de investigação sobre como desenvolver esse tipo de suporte—e quais tipos de textura nele deveriam entrar—, decidi entrar em contato com um ateliê chamado “Libélula”. A proposta deste é a promoção de oficinas para leitura e criação de livros para—e com—crianças, possibilitando a experimentação e a exploração de diversos materiais e técnicas com o intuito de criar e contar histórias.

O motivo da procura por esse lugar—que já havia sido mencionado anteriormente durante minhas conversas com outros pesquisadores do tema para o levantamento de referências—foi, principalmente, a oficina aberta de Pré-Livros, anunciada pela página virtual do ateliê. Tinha como proposta a exploração de materiais para a construção do livro, sem se ater, necessariamente, ao âmbito verbal. Dessa forma—visando que poderia ser o primeiro impulso para a criação do produto aqui proposto—contatei as idealizadoras do projeto e aconteceu a inscrição para tal oficina.

Seriam dois encontros e lá estava disponível um acervo de materiais diversos para a exploração proposta recortados em pequena escala para que o livro pudesse ser facilmente manipulado pelas crianças—proposta presente no trabalho de Munari que serviu de inspiração para a realização dessa oficina. A escolha dos materiais para serem selecionados— junto às amostras já relatadas—teve como premissa a acessibilidade³. Todas as amostras foram dimensionadas com, no máximo, 125 x 50 mm. Dessa forma, a facilidade da manipulação por crianças seria mantida como nos Pré-Livros de Munari—estes medindo 100 x 100 mm cada.

Os materiais escolhidos foram: uma corda de sisal desenrolada—deixando as fibras individualizadas—, uma malha de lã, uma pluma comumente utilizada em fantasias, um recorte de malha de algodão revestida de polietileno—encontrada geralmente como jogo americano em lojas de artigos domésticos—, feltro com linha de algodão transpassada, recorte de veludo, papel cartão ondulado, papel cartão perfurado, papel cartão com interferências de fita adesiva preta e etiqueta—da mesma cor— redonda, couro sintético imi3.

A acessibilidade aqui se refere tanto ao acesso das crianças com deficiência quanto à questão econômica. Escolher materiais que não inflacionassem o custo da produção foi uma preocupação do projeto.

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|Figura 86| Entrada do ateliê “Libélula” Acervo pessoal

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| 89 | tando pele de peixe, lixa de massa 60, recorte de plástico bolha em papel cartão com efeito metalizado, recorte de grama sintética em papel kraft de maior gramatura, cordão de tecido composto por algodão e elastano com nós encaixados em papel cartão perfurado e, tardiamente, uma malha de sisal. Nas amostras anteriores, os materiais foram dispostos, em sua maioria, de forma muito homogênea e regular. Para dar mais margem ao caráter narrativo, dessa vez as amostras foram confeccionadas pensando na utilização de mais de um material dividindo o mesmo espaço e gerando informações dentro de outras.

Ao longo da produção, alguns materiais foram adicionados ou abandonados. O detalhamento sobre esse fator poderá ser encontrado na descrição do produto final.

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|Figuras 87 a 90| Experimentações sensoriais realizadas no ateliê Acervo pessoal

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Das páginas e suas molduras

Depois das especulações sobre as texturas e componentes visuais e táteis que deveriam fazer parte da pré-seleção, chegou a hora de estabelecer como seria seu formato definitivo. Em conversas com a orientadora, consideramos que vários objetos soltos no espaço não seriam convidativos e nem uma boa forma de oferecer esse tipo de produção para quem não enxerga e, eventualmente, tivesse dificuldades com o reconhecimento espacial.

Alguém que já tem essa noção bem resolvida não teria grandes problemas, mas seria prudente pensar em algum suporte que permitisse um primeiro limitador—que servisse também de apoio—para quem está começando a compreender o ambiente e precisasse de uma definição de espaço estabelecida, pelo menos até que começasse a explorar a cons-

trução das páginas de forma mais solta.

A partir dessa discussão, criou-se a hipótese de construir um quadro onde essas informações visuais e táteis estariam colocadas e presas, até que fosse da vontade do leitor mudá-las de lugar. Inicialmente foram pensadas duas maneiras de fixação: uma apropriandose do velcro—esta foi logo descartada, pois seria necessária determinada força para puxar as placas e isso geraria um desgaste no velcro, comprometendo sua durabilidade—e a outra tirando proveito da junção prática do ímã. Essa segunda ideia consistia na aplicação de

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|Figuras 91 a 96| Produção dos primeiros protótipos Acervo pessoal

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ímãs de neodímio—numa escala reduzida para que não fosse perigoso para as crianças manuseá-los—na lateral das placas contendo as informações das texturas e na lateral interna do quadro, aproveitando a atração magnética gerada pelo encontro de pólos diferentes para que acontecesse a fixação entre os dois elementos do produto.

Como nos dois primeiros modelos, feitos em mdf, o dimensionamento era menor (100x100mm), foi necessário realizar o teste com os ímãs em um modelo maior e com um material que já deveria ser o escolhido para compor o protótipo final.¹ Assim, logo pensouse na utilização da caixeta para a produção do quadro e das placas que serviriam de suporte para as texturas.

Essa escolha deu-se pelo caráter neutro da madeira—que possui cor pálida e sem informações táteis expressivas em sua superfície—e, principalmente, pela sua leveza, já que os elementos seriam fixados uns aos outros e isso geraria também uma adição de peso.

Uma vez que todas as placas estivessem dentro de uma caixa—que deverá comportar o produto dentro—, a carga deve ser suportável para que uma criança possa levá-la para onde for utilizar o livro, ou para onde for guardá-lo.

O próximo modelo, portanto, foi feito em caixeta, com o tamanho de 200x200mm.

Cada peça componente do quadro foi cortada com um ângulo de 45º nas partes que se encontrariam para a união e, por recomendação dos técnicos capacitados, possuíam um vinco onde entraria—de forma muito justa—uma peça menor da mesma madeira para criar maior resistência nos pontos de ligação, que estariam logicamente mais frágeis e propensos a ceder por conta de tensões no manuseio.

A parte central do quadro, responsável pela união das outras duas, foi perfurada em quatro pontos—já estipulando que o quadro comportaria até quatro placas informativas— para que os ímãs fossem posicionados. O disco de ímã possui 5x3mm, e foram fixados com cola epóxi—o único tipo de cola que não comprometeria ou criaria corrosões nos ímãs. Nas placas informativas, o ímã foi apenas encaixado em um furo mais justo—medida repensada após vários testes onde o ímã, mesmo estando justo na perfuração, saía da placa e tam1.

O mdf em si já é um material extremamente frágil, e a perfuração da lateral - ainda mais numa escala reduzida, como era o caso do primeiro modelo - para o encaixe dos ímãs seria o suficiente para rachá-lo

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bém foi fixado com cola epóxi. Sendo assim, a ligação entre o quadro e a placa foi efetivada a partir da atração entre o ímã do primeiro e o da segunda.

Essa medida, embora funcionasse, criou um certo desconforto por conta de testes prévios a este trabalho, onde foi constatado que o ímã de neodímio, depois de muitos atritos diretos, possui a tendência de quebrar. Para evitar tal acontecimento, houve a substituição do ímã, no quadro, por uma tira de aço. Realizando o teste necessário, constatei que a fixação do ímã das placas na tira de aço era igualmente eficiente e, a partir dessa observação, ocorreu a substituição.

Já que os ímãs seriam retirados do quadro, optei aproveitar a oportunidade para também repensar o dimensionamento. O quadro de 200x200mm aparentava dificultar o manuseio, e isso acarretou na dedução de que seria mais desconfortável ainda para uma criança com a mão menor. Houve a produção de outros dois quadros² de 150x150mm, uma mudança não tão expressiva em termos quantitativos, mas que representou um manuseio mais confortável.

A escolha de produzir mais um quadro se deve à possibilidade pretendida de haver mais de uma criança brincando. Apenas um quadro talvez limitasse o número de leitores, o que entraria em conflito com a principal ideia, que é a interação e troca de repertórios.

2.

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|Figuras 97 a 100| Testes para a substituição dos ímãs pela chapa de aço Acervo pessoal

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As placas também foram redimensionadas e passaram a ter seu formato final com 25x125mm, para que coubessem no espaço oferecido pelo quadro. As amostras feitas em papel no ateliê foram transferidas para a madeira, com todo o devido cuidado necessário para não serem danificadas.

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|Figuras 101 e 102| Transferência das experimentações em papel para a madeira Acervo pessoal

|Figuras 103 e 104| Diferença entre placas homogêneas antigas e as novas adicionadas Acervo pessoal

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|Figuras 105 a 109| Segunda etapas de testes na Biblioteca Louis Braille Acervo pessoal

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Definido o formato do livro, pôde-se fazer o retorno para a Biblioteca Louis Braille para receber, novamente, a devolutiva dos funcionários sobre o objeto e as suas possibilidades.³ A maior preocupação expressada pelas funcionárias foi a possibilidade das placas caírem do quadro acidentalmente e, assim, gerar algum dano às peças. No entanto, ao testar, o risco disso acontecer foi considerado mínimo - apenas caíam quando balançava-se intencionalmente e com certa força - e não comprometeu a proposta da facilidade do manuseio.

Os novos elementos, agora menos uniformes e com mais possibilidades de exploração tátil, agradaram bastante e tiveram uma boa compreensão. Salvo alguns itens, cuja interpretação foi contagiada - provavelmente - pelo repertório dos indivíduos que atingiram a idade adulta. Um exemplo é a leitura da pluma como “fios de algodão”, mas isso não deve ser encarado como um equívoco de compreensão: é apenas uma forma mais abstrata e menos óbvia do que o senso comum entende sobre o mesmo material.

No geral, a segunda devolutiva feita na “Biblioteca Louis Braille” foi oportuna - assim como a primeira - e confirmou que o caminho seguido era pertinente. Tendo esse resultado, o próximo passo foi levar o protótipo para o “Instituto Padre Chico” e observar como as crianças apropriam-se desse livro, aproveitando para identificar fragilidades e possíveis correções até a entrega do volume escrito.

3.

Dessa vez contamos apenas com duas funcionárias dentre os três que nos assistiram na primeira visita, porém o resultado foi igualmente satisfatório.

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.3

Teste com leitores e a caixa do livro

O teste realizado no “Instituto Padre Chico” foi viabilizado pela visita anual que os alunos do segundo semestre do curso de Design Industrial fazem à instituição—com o intuito de produzir brinquedos para as crianças—, promovida pelo(s) docente(s) da disciplina.

Foi permitida a participação nas visitas e, assim, colocar o protótipo para ser manipulado e explorado pelos alunos.

Foram escolhidos, como turma que seria submetida a realizar os testes com a produção os alunos do segundo semestre e com a minha, os alunos do sétimo ano—crianças com, em média, 12 anos. Embora já fossem mais crescidos, retomo aqui o que foi colocado no início deste volume: o livro não deve, nesse caso, se ater a uma faixa etária, e sim ser

igualmente atrativo para qualquer idade—que deve aproveitar seu repertório para manifestá-lo através dos recursos oferecidos por essa produção e, dessa forma, existir a troca de interpretações e sentidos tida como o ponto de partida do projeto.

Como o trabalho também tem como escopo a interação de diferentes condições, foi propícia a forma como se organizou a sala para receber os brinquedos e avalia-los. Foram separados em duplas, onde um possuía baixa visão—ou qualquer grau de visão—e o outro cegueira total. Essa organização foi muito oportuna para contemplar o que o meu projeto visa, e teve resultados favoráveis quanto ao que foi abordado em seu desenvolvimento.

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Realizei o teste com duas duplas: Diogo (cego) e Vitor (baixa visão); e Mel (cega) e Lucas (baixa visão). Com a primeira dupla, a interação foi um pouco mais tímida e retraída.

Pude observar que ambos não tinham muito contato um com o outro e, por isso, não se sentiram tão à vontade para compartilhar o que estavam criando. Porém, uma coisa foi muito explícita durante a manipulação de ambos: tentaram prolongar as placas horizontalmente, juntando umas às outras. Por conta da polarização igual dos ímãs, as placas não se juntavam, mas se afastavam, o que gerou um certo descontentamento. Ao perguntá-los se preferiam que as placas se unissem para continuarem o curso horizontal, a resposta foi prontamente positiva.

A segunda dupla—mais solta e aberta ao diálogo pela afinidade aparente dos participantes—também explorou o espaço além do limite do quadro, dessa vez de forma mais inusitada. Lucas colocou placas umas sobre as outras com a intenção de construir uma

ponte, se apropriando do espaço no sentido também vertical. Mel observou a possibilidade de explorar os dois lados das placas, para que houvesse mais informação sem a necessidade de fabricar mais peças. Ambos disseram que gostaram da ideia de desconstruir o conceito de livro e concordaram com a ideia da dupla anterior de possibilitar a magnetização entre uma placa e outra para estender a narrativa além do quadro.

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|Figuras 110 a 116| Crianças do Padre Chico manipulando o livro não-verbal apresentado Acervo pessoal

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Tendo como base para as correções a devolutiva feita pelas crianças, foi necessário pensar em um esquema onde as polaridades dos ímãs não fosse repulsiva. A forma mais viável e coerente consiste na substituição de um ímã central por dois—um em cada extremidade da lateral, cada um com a polaridade oposta ao do outro. Assim, ou a peça se uniria a outra lateralmente por completo, ou ao menos um ponto estaria ligado, deixando o outro livre para ser fixado a outra placa.

Os ímãs foram retirados com cuidado do lugar aonde estavam colados. O furo feito anteriormente foi tampado com cavilhas de madeira e os dois novos furos foram marcados para perfuração a partir de um molde de papel feito rapidamente à mão, para que tivessem sempre a mesma distância e, dessa maneira, não encontrassem dificuldades em unirse uns aos outros. A fixação dos ímãs nos orifícios foram feitas com cola epóxi, da mesma maneira que o método anterior.

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|Figuras 111 e 119| Processo de mudança na esquematização dos ímãs nas placas Acervo pessoal

|Figura 120|

Ímãs novos aplicados na lateral. Cada um possui uma polaridade diferente Acervo pessoal

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A próxima preocupação do trabalho foi com relação ao envoltório: que tipo de objeto comportaria, dentro de si, o livro e todas as suas páginas “soltas” de forma organizada e garantindo a facilidade da retirar e guardar o produto?

Para garantir a resistência, bem como o baixo peso, o material utilizado para esse invólucro foi a própria caixeta utilizada nos outros elementos. O papel poderia ser muito frágil e ceder logo com a ação do tempo e do manuseio, e uma madeira mais pesada— somada com o peso dos elementos que iriam dentro—poderia ser inviável para o transporte realizado pelas crianças de menor idade.

A sua concepção foi consideravelmente simples, sendo retangular e dimensionada com 320x185x55mm, tamanho suficiente para comportar os dois quadros e as vinte placas. Dentro da caixa, posiciona-se uma parede que serve para dividi-la em dois compartimentos—o que deve conter os dois quadros com quatro placas em cada, medindo

160x160mm e o que serve para conter o restante das placas, com 160x130mm— a 160mm da borda esquerda (medida interna).

As placas soltas são fáceis de serem retiradas, porém o quadro possuía certa dificuldade para ser retirado do respectivo compartimento. Para resolver esse problema, um corte em meia-lua foi feito em um dos lados, servindo de suporte para o dedo agarrar e puxar o quadro que estava, até então, com o posicionamento muito justo dentro da caixa.

A tampa, em gaveta, apresenta um rebaixo que serve para facilitar a puxadela desta.

Há, a 25mm da borda esquerda, um quadrilátero vazado de 125x110mm que permite a

visualização e o acesso tátil às placas posicionadas no quadro de cima—uma vez que estão ambos os quadros empilhados—, possibilitando entender imediatamente o que se encontra dentro da caixa. Ao lado deste, reserva-se o espaço para o nome do projeto.

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|Figura 121| Caixa do livro, com a abertura feita para a visualização das texturas Acervo pessoal

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Identidade

O grande dilema com relação ao nome do produto estabeleceu-se desde as primeiras indagações sobre o assunto. O ponto de partida foi escolher um nome que convidasse, de certa forma até impositiva, o leitor a entrar em contato com as informações táteis e, ao mesmo tempo, tivesse a ver com o som produzido pelas placas ao encostar no quadro pela atração entre ímã e aço.

A primeira ideia foi “TOC”, a onomatopeia mais conhecida para descrever o som da madeira entrando em colisão física e, ao mesmo tempo, a pronúncia é “toque”, imperativo de “tocar”. Infelizmente, nesse caso, existe o risco de associação com “Transtorno Obsessivo Compulsivo” (T.O.C.), o que poderia gerar uma interpretação equívoca do nome em um

primeiro momento.

A saída foi pensar em algo que partisse da mesma ideia, mas que fugisse do descuido citado acima. O próximo nome pareceu mais interessante, pois não havia conotações negativas associadas a ele: “con-tac-to”. “Contato” é uma palavra que descreve bem a ação do tocar, além de buscar interpretações mais ligadas às relações de contatos interpessoais—o grande pilar do trabalho. A letra “c” adicionada à silaba “tac”—esta destacada de alguma forma—garante uma onomatopeia alternativa do som da madeira sendo puxada para o aço presente no quadro.

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Esse nome, porém, poderia ser reduzido. “Tac-to” sustenta o mesmo discurso oferecido pela ideia anterior e é capaz de deixar a sílaba “tac” mais evidente e expressiva, se tornando a protagonista do nome sem necessidades de intervenções gráficas. Assim foi feito e “tac.to” se tornou o nome do livro aqui desenvolvido. Abaixo, todas as versões do nome até chegar no seu formato final.

TOC contacto con.tac.to con•tac•to tac • to

|Figura 122|

Máscara impressa na impressora a laser e a tinta fazendo a transferência do texto para a madeira Acervo pessoal

|Figuras 123| Caixa com informação escrita à tinta Acervo pessoal

|Figura 124|

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Caixa com informação em Braille adicionada Acervo pessoal

Escolhido o nome, este pôde ser gravado na tampa, com tinta preta, através do uso de um gabarito cortado em impressora a laser, junto com o pequeno texto explicativo sobre sua função. Foi necessário também, para garantir a acessibilidade a todos, o texto em Braille impresso e colocado na tampa da caixa, revestido—assim como toda a caixa—por uma camada de seladora para proteger da ação do tempo e evitar que fosse amassado e perdesse a legibilidade.

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Uma vez concluído, demonstro abaixo, através de fotos, o protótipo final concluído e todos os seus componentes.

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Na página ao lado, temos o livro em sua caixa finalizada e os quadros fora dela, com as quatro páginas em cada um. Mesmo com algumas texturas adicionadas no verso, o volume não comprometeu a colocação dentro do espaço delimitado pela moldura.

As placas não possuem acabamentos nas laterais—como é possível perceber nas figuras acima—, pois isso poderia comprometer o dimensionamento e interferir na disposição das peças no posicionamento dentro do quadro.

|Figuras 120 a 145| Caixa, quadro e placas com texturas que compõe o livro Acervo pessoal

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Nestas duas páginas, temos as fotos de todas as informações compostas por texturas—tanto apresentadas na frente quanto no verso.

No primeiro grupo (fig. 129), espuma de algodão revestida de polietileno—existe outra placa igual a esta—, madeira texturizada, tiras de fita adesiva preta e caseado em feltro com botão.

No segundo grupo (fig. 130), arbusto seco, plástico bolha, pluma e etiqueta de papel preta.

No terceiro (fig. 131), aço galvanizado, lã, veludo e 130

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malha de polietileno.

No quarto (fig. 132), couro sintético imitando pele de peixe, palha seca e lixa de madeira 120.

No quinto (fig. 133), veludo—dessa vez apenas um recorte—, tecido ondulado de algodão com elastano, grama sintética—também possui placa idêntica—e malha de sisal.

No sexto grupo (fig. 134), espuma de polietileno, E.V.A cortado em pequenas tiras, pelúcia e fita adesiva preta—dessa vez com intervalos menores.

Finalmente, no sétimo grupo (fig. 135), fita adesiva branca, palitos de madeira cortados, corda de sisal desenrolada e papel cartão ondulado.

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| 137 | As placas idênticas (fig. 136) podem ser interpretadas individualmente como parte de

um todo e trabalhar a associação e dissociação.

As formações pretas e brancas (fig. 137), compostas por fita adesiva ou etiqueta, é uma tentativa de abstração do ritmo, podendo significar um intervalo, uma frequência ou até uma música. Também se faz presente a experiência de, em uma das placas, o contexto mudar e o branco—que antes era neutro—passa a possuir a textura lisa da fita adesiva, antes só encontrada nas partes pretas.

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Algumas texturas (fig. 138) podem servir como ofertas de representações de animais ou qualquer elemento que possua alguma ligação com o tema—também podem representar roupas ou acessórios que façam o mimetismo dos mesmos.

O veludo (fig. 139) também pode se referir a alguma pelagem curta, ou então a própria pele. Nesse caso, explorei, além disso, o crescimento—através da ocupação parcial e depois total do espaço—e uma possível referência ao amadurecimento—através da coloração vermelha viva na amostra menor que, na maior, ganha uma cor mais terrosa. É uma tentativa de indicar, talvez, a passagem do tempo e seus reflexos.

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Como não pretendia algo fechado, resolvi deixar algumas placas sem textura (figs.

140 a 142), para que, caso fosse desejado, o leitor pudesse adicionar novas texturas ou informações encontradas no cotidiano e que acredite ser interessante para compor uma narrativa. Algumas delas são completamente vazias, mas outras possuem cores—que podem complementar a interpretação dos videntes ou servir de fundo para algum elemento que não ocupe a placa toda.

Ao lado, detalhes do quadro (figs. 143 a 145), como sua lateral interna coberta com a chapa de aço galvanizado (fig.144) e a peça de madeira colocada em vincos feitos nos pontos de encontro da madeira, para aumentar sua resistência.

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| 143 |

| 144 |

| 145 |

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02.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

.

Considerações finais

O protótipo final foi concluído e, dentro das possibilidades e limitações, teve um bom desempenho em todas as suas etapas. Quanto às observações acerca do que foi desenvolvido, o quadro mostrou uma função bem mais coadjuvante do que imaginava, e acabou sendo apenas uma desculpa para começar a leitura conforme o “protocolo”—não foi necessariamente estipulado que o quadro precisaria estar lá, mas a simples presença dele na mesa acabava induzindo as pessoas a começarem dentro dele. Talvez sua função fosse muito mais importante no momento em que as placas não se uniam, e precisavam de um suporte para liga-las—no sentido de amarrar ideias e sequências—de alguma forma. É cabível, nesse contexto, dizer que é muito comprometedor se propor a realizar

uma produção onde o público para quem você se direciona não possui a mesma vivência e o mesmo repertório que o seu. No entanto, são em desafios como este que se encontra a oportunidade da pesquisa.

Talvez o que mais tenha enriquecido o trabalho foi a necessidade indispensável de procurar pessoas que não possuem visão e descobrir o que, de fato, elas esperam de um produto direcionado a elas. Essa oportunidade de vivência fez com que eu percebesse o quão complexo é ter cegueira em um mundo onde, ainda, não existem tantas coisas—

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nesse aspecto pode-se entender “coisas” no sentido mais literal da palavra—que são, de fato, pensadas para essa parcela da população. Muitas vezes o que existe não passa de uma adaptação ou, quando é de fato algo pensado para eles, é criado por alguém que não os consulta para saber se, de fato, aquilo é relevante ou apenas um equívoco.

Nesse sentido, acredito que “tac.to” tenha cumprido seu papel, consultando e fazendo valer a opinião daqueles para quem o livro se direciona. Embora também seja para crianças que têm visão, é importante dedicar atenção aos aspectos que contemplam aqueles que estão fora da nossa condição de vidente, e foi o que procurei—na posição de pesquisador—fazer ao máximo. Talvez alguns pontos frágeis ainda estejam presentes, como a funcionalidade da tampa em gaveta, mas são todos fatores que ainda estão em desenvolvimento e em período de avaliação. É importante ressaltar que esse não é, sob meu ponto de vista, um projeto finalizado.

Os leitores que passaram pelos testes tiveram uma boa experiência manipulando e apropriando-se do que foi projetado, não havendo críticas ou observações negativas significativamente expressivas para a reformulação total do projeto. Mesmo assim, acredito que muito ainda pode ser melhorado e, por essa razão, pretendo continuar estudando o tema e tentando, de alguma forma, amadurecer essa proposta.

A maior surpresa, ao desenvolver o trabalho, foi a capacidade de compreensão dos cegos através da sensação tátil e como conseguem diferenciar, de forma tão pontuada, alguns aspectos que passam despercebidos por quem possui o recurso da visão. É possível que—se esse projeto for levado adiante futuramente, conforme planejado—essa seja uma característica interessante de se tirar proveito para explorar o quão completo pode ser o repertório de quem vê com as mãos, com os ouvidos ou através de qualquer sentido que seja.

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Lista de imagens

|Figura 30| Ca y est je vais naître

Disponíveis em: http://goo.gl/gmLRHg; https://goo.gl/l5hDRp Acessado em: 27/05/2016

|Figura 31| Du bleu au bleu

Disponível em: http://goo.gl/cJnDrP Acessado em: 27/05/2016

|Figura 32| A Cloud

Disponível em: http://goo.gl/qkKN00 Acessado em: 27/05/2016

|Figura 33| First Look, primeiro livro da série “Little Eyes” Disponível em: http://goo.gl/VAPzrv Acessado em: 27/05/2016

|Figura 34| Meet Colors, segundo livro da série

“Little Eyes” Disponível em: http://goo.gl/ovOsHH Acessado em: 27/05/2016

|Figura 35| Little Tree

Disponível em: http://goo.gl/qPUiES Acessado em: 27/05/2016

|Figuras 48 e 49| Páginas de Poemóbiles, de Augusto de Campos e Júlio Plaza.

Disponíveis em: http://goo.gl/gsqV3C ; http://goo.gl/LdaGQ8 Acessado em: 10/04/16

|Figura 50| Livro-poema, de Ferreira Gullar

Disponível em: http://goo.gl/GlW2in Acessado em: 10/04/16

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|Figura 51|

Sequência de páginas do Livro da Criação, de Lygia Pape.

Disponível em: http://goo.gl/9oqIz3 Acessado em: 08/04/16

|Figura 52| Acona Biconbi, de Munari Disponível em: http://goo.gl/PoyWep Acessado em: 08/06/16

|Figura 53|

“Il Gioco Dele Favole”, de Enzo Mari Disponível em: http://goo.gl/6XIwlD Acessado em: 02/06/16

|Figura 54| “Ichigu”, de Komagata Disponível em: http://goo.gl/xcn34T Acessado em: 02/06/16

|Figura 55|

“16 Animali”, de Enzo Mari Disponível em: http://goo.gl/QoqMct Acessado em: 02/06/16

|Figura 56| “Block’ N Block”, de Komagata Disponível em: http://goo.gl/07C4fs Acessado em: 02/06/16

|Figura 57|

Caracteres minúsculos do alfabeto no sistema Braille Disponível em: http://goo.gl/ASq2P6 Acessado em: 02/06/16

|Figura 58| Máquina Braille com instruções básicas de seu funcionamento

Disponível em: http://goo.gl/TRLDFQ

|Figura 59| Reglete e punção negativos Disponível em: https://goo.gl/sH8dqk Acessado em: 02/06/16

|Figuras 60 a 62| Páginas de “Ali ou Léo?”

Disponível em: http://goo.gl/ASq2P6 Acessado em: 02/06/16

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|Figuras 63 a 68| Páginas de “Le Petit Chaperón Rouge” Disponível em: http://goo.gl/odPkcW Acessado em: 02/06/16

|Figuras 69 a 72| Páginas de “Rien à Voir”

Disponível em: goo.gl/fbnarO Acessado em: 02/06/16

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Referências

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