EDUCAÇÃO NA GRÉCIA ANTIGA E OS DIAS ATUAIS
Por Andrei Vanderlei de Siqueira AlvesA compreensão do mundo ocidental está intimamente conectada com o entendimento sobre as suas raízes localizadas geograficamente na Península Balcânica, aproximadamente no século 20 a.C.. As influências dessa região transpassaram não apenas a sua localização geográfica, mas dobraram o tempo e escreveram a história. De forma poética, pode-se afirmar que os gregos navegaram pela era do chronos e ancoraram nos tempos hodiernos.
A questão que se faz mister responder é: como o povo helênico consegue manter as suas influências impregnadas no mundo depois de tantos séculos? A resposta para essa pergunta pode ser a chave para ressignificar ou justificar fatos e fenômenos dos dias atuais. Diante de uma indagação tão abrangente, o foco desse opúsculo ensaio acadêmico é apontar en passant para a forma como os gregos compreendiam o ato de educar e quais heranças dessa educação estão presentes nas escolas da atualidade.
O processo de formação helênico culminou no conceito de “humanidade” da atualidade e, por meio dele, a cultura, a história, a língua, a filosofia e tantas riquezas sociais e espirituais dos gregos foram conservadas e transmitidas. Vale salientar, que não é apenas uma questão de transmissão e conservação, mas foi justamente essa riqueza que se tornou o fundamento para um novo mundo. Como teria afirmado o historiador e doxógrafo Diógenes de Laércio, no século III d.C., em sua obra “Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres”, de que os gregos não apenas teriam inventado a filosofia, mas o gênero humano. Por trás dessa hipérbole de Diógenes, pode-se dizer que a compreensão de ser humano está escrita em grego e depois foi traduzida para diversos idiomas. Até mesmo no que tange à fé, a construção de uma das maiores religiões ocidentais, o cristianismo, fora registrada no grego Koiné, expressão que se refere à língua comum do povo helênico posterior às conquistas de Alexandre, o Grande, que unia o grego clássico e incorporava influências de outros idiomas.
Na Antiguidade, a concepção de educação para os gregos não se reduzia a uma proposta instrumental e pragmática, no sentido de promover a habilidade
técnica e profissional para a realização de algum ofício, a techne. Para o povo helênico, a educação envolvia a integralidade do ser humano, ao promover em seu conteúdo tanto um aspecto moral como prático, sendo ambos incorporados posteriormente à lei escrita das pólis gregas.
As epopeias de Homero e Hesíodo se tornam um marco referencial para os conceitos e ideais da educação para os gregos. A expressão grega “areté” presentes nas obras desses poetas carregam significados e aplicações diferentes, mas representam o ideal final ao qual se espera daqueles que revelam a excelência do ser humano.
Em Homero, a areté está intrinsecamente conectada à expressão aristós, tanto em sua raiz idiomática como em sua semântica, para expressar o ideal esperado em relação à nobreza cavalheiresca, a aristocracia grega. Por meio de personagens envolventes e marcantes, como Heitor e Aquiles, Homero revela que as virtudes gregas são uma qualidade inerente ao povo, sendo até mesmo superiores ao apego pela vida e que, mesmo sendo uma potencialidade nata, deveria ser buscada e desenvolvida.
Já Hesíodo, em sua poesia, busca incluir aqueles que vivam no campo e eram dedicados ao trabalho. A proposta das obras desse poeta era de abordar o sentido de ética, ao aduzir duas outras expressões gregas: dike (justiça) e hybris (injustiça).
Diante do assaz expendido, o foco central da educação grega era a areté, aquilo que é perfeito, distinto e magnífico. Desenvolver o ser humano no máximo da sua potencialidade, revelando a excelência e virtude em sua vida, deveria ser o projeto final de se educar o homem. Tal compreensão não envolvia um aspecto individualista, uma vez que o ser humano (antropós) só poderia desenvolver a areté no contexto da pólis. Era no relacionamento com o outro, que as virtudes potenciais eram reveladas, sejam por meio dos conflitos em guerras (como proposto por Homero) ou na vida árdua do campo e nos desafios do trabalho (como proposto por Hesíodo).
No contexto da formação grega, a expressão tophé referia-se ao período em que a criança ficava sob os cuidados de sua mãe, recebendo ali toda os
fundamentos de sua educação em casa. Já a paideia, era o ensino, instrução e criação da criança, no período posterior a essa primeira fase.
É justamente na paideia que a formação do indivíduo envolvia a sua concepção integral, tanto do ponto de vista do seu comportamento quanto de sua atitude interior, a Kalokhagatia, a virtude que expressava a excelência moral e física em uma única pessoa. O enfoque desse processo era trazer o homem à compreensão de sua essência, no sentido universal, um conceito metafísico sobre o ser humano.
Diante de tudo isso, algumas perguntas precisam ser respondidas: a proposta educacional nos tempos atuais continuaria a ver o ser humano da mesma forma?
Hoje, o ato de educar se propõe a levar o homem à concepção metafísica e, portanto, universal sobre a sua essência?
De forma breve, é possível observar as mudanças no contorno histórico que levaram a uma transformação na formação educacional do ser humano. Anterior ao nascimento da filosofia, no período pré-socrático, o enfoque era compreender o universo e suas origens (arché). O tema desse período histórico é a cosmologia.
Já no período socrático, o enfoque do pensamento filosófico foi dedicar-se à compreensão do ser humano, como afirmou Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. O tema do pensamento nesse período foi a antropologia, com abordagens sobre ética, estética, política, morte e tantos outros temas. Ainda aqui o ser humano é visto numa perspectiva não isolada, mas compreendido na busca por sua essência metafísica.
Numa análise específica, considere que após o advento de Jesus Cristo no contexto do Império Romano e o nascimento da Igreja Católica, principalmente após o Édito de Milão promulgado por Constantino, o tema da história se volta para se debruçar sobre a compreensão de Deus. Aqui, a filosofia se dedica ao estudo da teologia.
Com a quebra da hegemonia da Igreja Católica, por meio da Reforma Protestante, e tudo que veio posterior a ela, o tema do mundo ocidental novamente é alterado, com o movimento renascentista e o Iluminismo, o pensamento clássico retorna: a antropologia volta a ser o centro das discussões. Entretanto, esse embrião da Idade Moderna, não regressa com todo o conteúdo clássico, pois agora o foco é o homem sem uma busca pelo seu ideal.
“Conhecimento é poder”, afirmou Francis Bacon em sua obra “Nova Organum”. A proposta de um conhecimento validado de forma pragmática, que possa transformar a realidade, traz uma concepção de que o conhecimento somente é válido quando é provado pela experiência. Portanto, a concepção a priori é sufocada pela busca do conhecimento a posteriori
De certa forma, esse tipo de mentalidade vai envolver a modernidade, ao tirar do homem a busca por sua essência, como afirmava no humanismo do italiano Giovanni Pico della Mirandola, que o ser humano é um projeto aberto e de que sua dignidade é fundamentada em sua liberdade de construir a si mesmo. Posteriormente, é possível ver que essa semente germina no pensamento de JeanPaul Sartre ao afirmar que essa liberdade não é uma opção humana, mas sua própria condenação. Ou, quem sabe, até mesmo o pensamento, de Friedrich Nietzsche de que não há propósito e sentido, mas que a vida é um caos inevitável, sendo a missão do ser humano encarar essa realidade.
O impacto desse tipo de mentalidade dissolvida de uma busca pela sua concepção metafísica é a construção de um ser humano e de uma sociedade mais individualista. Bauman diria que a crise dessa modernidade seria a desconstrução dos valores anteriores, em uma sociedade líquida com relacionamentos frágeis, relativista e momentânea.
Uma vez que se constrói essa realidade, obviamente en passant, sobre o desenvolvimento do pensamento no mundo ocidental, fica mais claro e nítido o entendimento da forma como se vê a educação nos dias atuais.
Nos tempos atuais, devido à complexidade das relações sociais, a educação formal assume a missão de preparar a criança, o adolescente e o jovem para a vida prática, a fim de que este alcance seus desejos e sonhos, da forma como lhe apraz.
A desintegração familiar e as crises nas estruturas relacionais provocaram um abalo não formação do ser humano, de forma que existem falhas graves na construção ética e moral.
Destarte, a formação do ser humano nos dias atuais em seu ideal deseja um mundo como da paideia dos gregos, mas caminha para o caos de Friedrich Nietzsche ou, quem sabe, para o desespero, angústia e solidão de Sartre. Sendo
assim, há uma distância grande entre o pensamento grego sobre a educação e a realidade prática do ato de educar nos dias atuais.