2 minute read

Algo se passa quando é no corpo que a experiência acontece

Next Article
Créditos

Créditos

algo se passa quando é no corpo que a experiência acontece

Tarcísio Almeida

Advertisement

"No (re)começo… entre terra e céu, um casulo suspenso que um corpo, ainda confuso, rasga para desenrolar sua linha de vida: uma Criança (re)nasce das feridas e das cinzas de um mundo devastado. A sombra da Criança está viva: tão grande quão pequena ela é, tão colossal quando franzina. A Sombra e a Criança: dois corpos que se constroem em fricções, contrapontos e acordes sutis. A Sombra e a Criança: dois pólos magnéticos que, através de um jogo de cordas, (re)lançam um campo de forças criador. Nesse corpo a corpo com a Sombra, a Criança percebe os mortos, dialoga com eles, extrai sabedoria e potência de todas essas vidas que a antecederam, e que se inscrevem - linhas espectrais - em sua própria carne. Fios invisíveis de uma história rasurada que ela retoma: a das condenadas e condenados cujos sonhos abortados precisa realizar sob formas inauditas. Sobreviver num universo em ruínas é se deixar atravessar, deixar-se habitar pelo acréscimo de vida prodigado pelos ancestrais, pelos animados (animais, plantas e povos do infinito pequeno) e pelos elementos: abraçar a própria morte, a potência da sombra e do humos, para renascer. A criança é como junco, só pode cantar e amar pelo entalhe que a abre para o sopro do infinito"1 .

Enquanto percorro os escritos de Touam Bona em suas cosmopoéticas retomo nossa breve percorrida dos últimos meses e parece que não há mais nada a dizer. O desejo é forte, a partilha é conviva e o vínculo foi criado. Por agora, nos resta apenas sustentarmos o direito ao prazer da celebração, do abraço em pixels e a espera pela promessa da costela assada em um domingo ensolarado que virá. Virá que eu vi, é assim que diz a música, não? Afinal, algo se passa quando é no corpo que a experiência perpassa. E parece ser no rastro dessas inscrições, muitas vezes ainda não nomeadas, presentes em nossos corpos que nos lançamos. O exercício árduo que por vezes nos fez entrar em contato com as lacunas, ausências e tremores apresentados por nossas histórias rasuradas é o mesmo que nos apresenta a possibilidade de um contato tátil e sensível com a potência de criação em sua mais sublime afirmação. Sendo esse o desafio (ainda em curso) o que apresentamos aqui é um pequeno inventário dessas múltiplas tentativas. Organizados em oito capítulos, as propostas de criação dizem ao mesmo tempo de uma imersão pelas jornadas da infância numa perspectiva das ancestralidades, como da tentativa de documentar e performar materialmente caminhos e possibilidades futuras de criação. Nesse exercício, diferentes metodologias foram criadas através de anotações, diários, contações, revisões fotográficas, processos colaborativos e manualidades. Todas elas com o intuito de fazer subir a superfície formas, estéticas e possíveis caminhos de trabalhos ainda por vir. A colcha de retalhos intitulada Zigue Zague não busca uma coerência pela consonância e unidade mas no desejo sutil da própria diferença.

¹ Dénetèm Touam, Cosmopoéticas do Refúgio. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2020, p. 85 - 86.

This article is from: