Notícias das Gerais nº53

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COLUNA - ÉTICA E COMUNICAÇÃO

por Clóvis de Barros Filho

Gostaria de dedicar algumas linhas mais ao tema da valoração, apresentado na coluna passada. Platão, autor do célebre “mito da caverna”, nos oferece ferramentas para pensar a atividade da razão que nos permite atribuir valor às coisas, às condutas, aos corpos etc. Comecemos lembrando que o filósofo grego recomenda uma certa desconfiança daquilo que você vê com os olhos. Ora, a partir do momento que você pode mudar de posição infinitamente - porque é possível mudar de ângulo, de perspectiva, de distância - cada novo ponto de vista traz um resultado visual diferente. Todas as coisas do mundo podem ser captadas por infinitas percepções. Mas então, como fica a correspondência entre o que as coisas são e o que você vê delas? De duas uma: ou uma só coisa são também infinitas coisas diferentes, o que é absurdo, ou então aquilo que você vê não corresponde ao ser, ao que as coisas realmente são. Porque se as coisas são, elas são uma coisa só. E, portanto, não são nem três, nem quatro, nem cinco. Muito menos infinitas. Isso nos permitiria concluir, segundo Platão, que o que você vê não é o que a coisa é. É uma aparência que não coincide com o ser da coisa. Mas se as coisas não são o que vemos, o que será que elas seriam? Tomemos como exemplo uma galinha. Você é obrigado a aceitar que aquela galinha que passou pela sua frente não é exatamente igual a nenhuma outra galinha do mundo. E você sabe disso porque, se enfileirar trinta galinhas, notará algumas diferenças entre elas. Na verdade, isso não funciona só para galinhas. No mundo não há nada igual a nada. A igualdade não passa de uma operação matemática. Um recurso da razão. No mundo só há matéria. Onde tudo apenas é. E ponto final. Muito bem. Veja que curioso. Você acaba de encontrar uma galinha que é diferente de qualquer outra e, no entanto, tem certeza tratar-se de uma galinha. Ora, se você nunca viu aquela galinha antes e se ela é diferente das outras que já tenha visto, como pode saber que aquilo é uma galinha? Platão vai nos sugerir que por detrás das particularidades daquela galinha existe uma essência de galinha. Isto é, aquilo que toda galinha tem que ter para ser galinha. E você sabe que aquela galinha é galinha porque conhece essa sua essência. Que só existe enquanto ideia, claro. O pensador grego explica que a ideia de galinha é en-

FOTO: Divulgação

Platão e o mundo das ideias

contrável pelos olhos da razão e não pelos olhos dos sentidos, do corpo. Galinhas particulares você as encontra caminhando por aí usando os sentidos e a ideia de galinha você encontra pensando, refletindo. Portanto, a verdadeira realidade da galinha, o seu verdadeiro ser, para Platão, é a sua ideia. É a sua essência. Apenas alcançável através da razão e do intelecto. Note aqui uma relação hierárquica: a galinha observada com os sentidos é inferior à ideia de galinha. Porque esta última é o seu ser, a sua real realidade, enquanto que aquela que resulta de uma percepção está determinada por uma perspectiva e, portanto, não passa de uma aparência. Menos importante do que a sua essência. Em suma, o mundo das ideias seria para Platão a referência a partir da qual poderíamos atribuir valor às coisas do mundo da vida. Por exemplo, a atribuição de valor a uma ação humana específica decorre de uma comparação entre ela mesma e uma ideia: virtudes como temperança, benevolência, honestidade e outras. Assim, o referencial platônico nos permitiria identificar o belo, o bom e o justo em qualquer coisa. Sem erro. Sem preferências. Sem circunstâncias. Referência sem a qual todo juízo particular seria temerário.

Clóvis de Barros Filho Professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da USP 38

NOTÍCIAS DAS GERAIS . OUTUBRO DE 2014


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