O livro de artista como forma e função

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O livro de artista como forma e função Johanna Drucker Não há dúvida de que o livro de artista se tornou uma forma de arte no século 20. De certo modo poderíamos dizer que o livro de artista é a forma de arte quintessencial do século 20. Livros de artista aparecem em cada movimento importante da arte e da literatura e têm fornecido um modo único de realizar obras dentro dos muitos grupos de vanguarda, experimentais e independentes cuja contribuição definiu os contornos da atividade artística no século 20. Ao mesmo tempo, livros de artista se tornaram um campo separado, com uma história que é apenas parcialmente ligada a grandes correntes da arte. Este desenvolvimento é particularmente marcado após 1945, quando o livro de artista ganha seus praticantes, teóricos, críticos, inovadores e visionários. Entre os muitos indivíduos a mencionar aqui existem literalmente dúzias de artistas cujas conquistas pertencem quase inteiramente ao campo dos livros de artista e cuja obra poderia sustentar o tipo de discussão aprofundada, como acontece com as obras de pintores, compositores, poetas ou outros artistas importantes que trabalham com formas de arte mais familiares. O que é único nos livros de artista, contudo, é que com poucas exceções, eles realmente não existiam em sua forma atual antes do século 20. Mas é difícil descobrir precisamente o que constitui sua forma atual e também por que motivo se tornou tão difundido e se desenvolveu nos últimos cem anos. Uma única definição do termo “livro de artista” continua a ser muito esquiva, apesar do uso generalizado e da proliferação de obras que se apresentam com este nome. O aumento de sua popularidade pode provavelmente ser atribuído à flexibilidade e variação da forma livro, mais do que qualquer fator estético ou material. Ao invés de tentar fazer uma caracterização rígida ou definitiva dos livros de artista, eu irei descrever uma zona de atividade que eu penso como “livros de artista”. É uma zona que se encontra no espaço de intersecção de uma série de diferentes disciplinas, áreas, e ideias — mais do que em seus limites. E ao invés de tentar fazer uma narrativa que explique o desenvolvimento do livro de artista no século 20, espero poder mostrar porque esta é a forma de arte por excelência do século 20. É muito fácil dizer que um livro de artista é um livro criado como uma obra de arte original, ao invés de uma reprodução de uma obra pré-existente. E também, que é um livro que integra os meios formais de sua realização e produção com sua temática ou estética. Mas esta definição apenas levanta mais perguntas do que respostas: o que é uma obra de arte “original”? Tem que ser uma obra única? Pode ser uma edição? Um múltiplo? Quem é o autor? O artista que teve a ideia? Ou apenas se ele fizer todo o trabalho envolvido na produção — impressão, pintura, encadernação, fotografia, ou o que mais esteja envolvido? Ou cada um destes praticantes deve ser levado em conta, especialmente quando existem transformações complicadas envolvidas, do desenho à impressão, ou da fotografia às chapas entintadas, ou quando a encadernação tem uma forma estrutural que tenha sido desenhada ou codificada por outra pessoa que não seja o artista? Que tipos de meios de produção podem ser incluídos nesta definição — uma impressora Gestetner é um meio válido de produzir arte do mesmo modo que uma pedra litográfica, uma impressão com sais de prata, ou um linóleo? E a impressão digital e máquinas xerox? Uma obra que é feita apenas de folhas de ajuste encadernadas ou outro tipo de papel é um livro? 1 Ou feita com papel em branco? Ou imagens apropriadas? Muitas pessoas 1

Folhas de ajuste (set-up sheets) são as folhas que um impressor utiliza para “ajustar” a prensa: para coordenar a

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