Especial
ARAGUAIA
Memórias da guerra de guerrilha do Brasil, que durante muitos anos ficou envolto em um manto de silêncio
Forças do governo chegam ao Araguaia. A euforia foi só no começo, porque depois a aventura virou um pesadelo, com muitos soldados inexperientes mortos por guerrilheiros, que já estavam na selva há 6 anos
Área onde foi travada a guerrilha
MÁRIO ADOLFO Equipe EM TEMPO
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ravada de abril de 1972 a janeiro de 1975, a guerrilha do Araguaia foi uma guerra sangrenta e silenciosa, que deixou para sempre cicatrizes no coração dos habitantes da região e na vida dos familiares dos guerrilheiros e soldados do Exército brasileiro, sacrificados nas sombras da Floresta Amazônica. Durante 2 anos e 9 meses, 63 guerrilheiros do PCdoB — estudantes universitários ideologistas, militantes comunistas e comandantes experientes, com treinamento em Cuba, Rússia e China - resistiram aos pelotões de até 10 mil homens enviados ao Araguaia para extirpar, definitivamente, o foco de guerrilha na região. “Guerra silenciosa”
como ficou conhecido esse período negro da história do Brasil pós-64 e foi escondido por muitos anos pela censura imposta pela ditadura militar, que se instalou no país. Somente em janeiro de 1979, o repórter Fernando Portela quebraria esse silêncio com uma série reportagens bombásticas publicadas no “Jornal da Tarde”, um dos mais importantes jornais do país, que deixou de circular em 2010. Enquanto o povo brasileiro vivia a euforia do milagre econômico, a promessa de integração nacional pela Transamazônica e delirava, ufanísticamente, a conquista do tri-campeonato na Copa do Mundo do México, uma verdadeira carnificina acontecia às margens do rio Araguaia, próximo às cidades, nas cercanias de São Geraldo do Araguaia e Marabá, no Pará, e Xambioá, ao norte de Goiás, região conhecida como “Bico do Papagaio”. Calcula-se que a maioria dos guerrilheiros das Forga – Forças Guerrilheiras do Araguaia -, foi morta pelo Exército, alguns deles degolados, outros com os corpos pendurados sobre os helicópteros que sobrevoavam os povoados, atemorizando a população. Pessoas inocentes foram torturadas e mortas sem pelo menos saber o que estava acontecendo. Até padres foram parar no pau-de-arara e espancados publicamente.
Quanto ao números de soldados das Forças Armadas mortos no aniquilamento da guerrilha – que também não foi pouco –, nunca revelado, porque até hoje o Exército não abriu seus arquivos. Os relatos que o leitor do EM TEMPO vai ter acesso agora, estão contidos no livro “Guerra de Guerra; hás no Brasil”, resultados da série de reportagens assinada pelo jornalista Fernando Portela, publicadas
LUTA ARMADA Os guerrilheiros que acreditavam ser capazes de derrubar a ditadura e implantar a revolução socialista, a exemplo de Cuba e da China no “Jornal da Tarde” e transformadas em livro pela Global Editora . Trata-se de uma obra rara porque, quando foi lançado, a censura impediu a sua distribuição. O exemplar que fundamentou esse trabalho, foi comprado pelo repórter do EM TEMPO no 1º Congresso da UNE depois da ditadura, realizado em Salvador, em 1979. A reportagem de Fernando Portela surpreendeu o país naquele 13 de janeiro de 1979,
um sábado. Nem bem o “Jornal da Tarde”, de São Paulo, chegou às bancas e teve sua edição de 105 mil exemplares esgotada em poucas horas. A manchete, que prendia a atenção de quem pousava o olhar sobre a banca do jornaleiro, ocupava metade da página: “Guerra de Guerrilha”. Em sete páginas, o jornal publicava a primeira reportagem de uma série de sete, que viria a se tornar o mais completo trabalho jornalístico sobre um fato que até então o governo militar simplesmente silenciara. O palco da sangrenta guerrilha, que deixaria centenas de mortos, entre eles os guerrilheiros que acreditavam ser capazes de derrubar a ditadura e implantar a revolução socialista, a exemplo de Cuba e da China, foi a região do rio Araguaia, no sul do Estado do Pará e Norte do Estado de Goiás. O levante foi iniciado em 1966 e extirpado em 1975, com a derrota total dos guerrilheiros comunistas. No Brasil daquela época, ninguém sabia o que estava acontecendo na região do Bico do Papagaio. Jovens recrutas e oficiais sem nenhuma experiência de selva, foram sacrificados e guerrilheiros em sua maioria estudantes, militantes, ex-parlamentares comunistas e comandantes do PCdoB foram torturados, mortos e degolados. O foco
foi aniquilado, mas, antes, a guerrilha obrigou o governo militar a mandar 10 mil homens ao Araguaia para matar 63 guerrilheiros, “num espaço de tempo que superou todas as expectativas do Exército”, narra o livro. Quanto foi gasto para debelar a luta armada, também só vai ser possível saber quando o Exército decidir abrir seus arquivos. Foram poucos os brasileiros que na época conseguiram saber alguma coisa a respeito da guerrilha do Araguaia. De acordo com o próprio autor da reportagem, Fernando Portela, houve uma única exceção, a reportagem publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, em setembro de 1972, “que escapou milagrosamente do lápis vermelho do regime do general Médici”. — Mas, o segredo imposto pelo governo chegou a ser tão bem guardado, que nem a imprensa internacional conseguiu acesso a informações mais precisas sobre a guerrilha do Araguaia – conta o livro. Por outro lado, a guerrilha conseguiu confundir alguns círculos importantes no exterior, mais precisamente nos centros das decisões políticas e econômica, “onde as notícias que corriam falavam de uma guerra civil na Amazônia”, embora o Exército insistisse em tratar o conflito como “um foco de 63 guerrilheiros”.