EM TEMPO - 22 de dezembro de 2013

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MANAUS, DOMINGO, 22 DE DEZEMBRO DE 2013

Cinema

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Um filme de virar a cabeça ‘O Exorcista’, marco do horror, faz 40 anos RESUMO Lançado no final de 1973, “O Exorcista”, filme de William Friedkin baseado em best-seller de William Blatty, foi o primeiro blockbuster de horror de Hollywood. Sucesso da história da menina possuída pelo demônio foi propelido em parte pelo espírito da época, em que o ideal “paz e amor” cedia lugar a experimentos com o oculto.

ANDRÉ BARCINSKI

Em 1973, William Friedkin era a própria encarnação do diabo para os executivos do estúdio Warner. Consagrado pelo sucesso de “Operação França” (1971), o diretor levou ao cinema o best-seller “O Exorcista”, de William Peter Blatty. O filme estreou no dia seguinte ao Natal daquele ano, data não exatamente propícia para exibir uma menina se masturbando com um crucifixo. Mas a Warner tinha mais a temer. O perfeccionismo paranoico de Friedkin apavorava os produtores. A filmagem, calculada em 85 dias, passou de 220, e o orçamento mais que dobrou em relação ao previsto. Os métodos de Friedkin eram bem peculiares. Ele disparou armas dentro do estúdio para captar as reações de choque do elenco e mandou

aumentar a força do dispositivo de cordas que arremessava Ellen Burstyn pelo quarto em uma cena – a atriz acabou machucando seriamente a coluna. Para registrar o momento do exorcismo, o diretor transformou o estúdio num imenso frigorífico; aparelhos de ar-condicionado deixavam a temperatura abaixo de zero e permitiam às câmeras filmar a respiração dos atores. A equipe era obrigada a trajar roupas de neve. Na célebre cena em que a menina Regan (Linda Blair), possuída pelo demônio, vomita no padre Karras (Jason Miller), Friedkin mandou o chefe de efeitos especiais mirar na cara de Miller, mas não avisou ao ator: sua expressão de nojo com a gosma é real. Para gravar a voz do demônio que domina o corpo da menina, Friedkin chamou a atriz Mercedes McCambridge (1916-2004). Veterana de trabalhos em rádio com Orson Welles, ela foi amarrada a uma cadeira e submetida a uma dieta de ovos crus e uísque

Jack Daniel’s, para fazer sua voz soar mais gutural. Muito religiosa, ela caía em prantos nos intervalos e era consolada por dois padres, contratados como consultores. Friedkin não gostou de como o reverendo William O’Malley, escalado para viver o padre Dyer, interpretou a cena em que ministrava a unção dos enfermos a Karras. Pegando O’Malley pelos ombros, olhou fixamente em seus olhos e perguntou: “Bill, você confia em mim? Você me ama?”. Quando ouviu “sim”, Friedkin o esbofeteou no rosto e mandou a câmera rodar. O padre completou a cena tremendo e chorando. A aparente loucura de Friedkin seguia um método e um objetivo. Ele intuía que “O Exorcista”, para ser um sucesso, precisava de intensidade e realismo inéditos. Deu certo: foi o primeiro longa de terror campeão de bilheteria da história de Hollywood. É o nono filme mais rentável dos EUA, segundo o site Box Office Mojo. Em valores atualizados,

faturou US$ 890 milhões (cerca de R$ 2 bilhões), superando até mesmo “Avatar” (US$ 782 milhões, R$ 1,8 bilhão). Gerou um fenômeno social e cultural que capturou, melhor que qualquer outro, o espírito de sua época. “Estávamos na era do antiherói”, define Friedkin em sua recém-lançada autobiografia, “The Friedkin Connection: A Memoir” [Harper, R$ 53, 512 págs.]. “O clima era de medo irracional e paranoia, dois velhos conhecidos meus [...]. Os filmes dos anos 70 começaram a abordar a ambiguidade moral que reconhecíamos em nós mesmos”, escreve o cineasta, hoje com 78 anos e ainda na ativa. Desde o fim dos anos 1960, o mundo vivia uma fase de conflitos bélicos e existenciais. O Vietnã e a Guerra Fria chegavam a seus picos dramáticos. Tanques soviéticos esmagaram a Primavera de Praga. Os assassinatos de Bobby Kennedy e Martin Luther King, os massacres da gangue de Charles Manson, as mortes de ídolos do

rock como Jimi Hendrix, Brian Jones, Jim Morrison e Janis Joplin e o fim dos Beatles sepultaram o sonho hippie de paz, amor e união. O “sistema” tinha vencido. Havia uma impressão de que o mundo estava prestes a enfrentar um desastre apocalíptico. Não à toa, foi uma época de grande interesse pelo oculto e sobrenatural. Na música, isso ficou claro quando os Beatles incluíram a foto do ocultista inglês Aleister Crowley (1875-1947) na capa do LP “Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Crowley virou um ídolo da contracultura: Jimmy Page, do Led Zeppelin, comprou um castelo que fora do bruxo, e Mick Jagger, dos Rolling Stones, atuou no filme “Invocation of My Demon Brother”, dirigido por um discípulo de Crowley, Kenneth Anger. David Bowie era outro popstar obcecado por Crowley. Citou o ocultista em músicas (“Quicksand”, 1971) e fez um disco inspirado em sua filosofia, “Station to Station” (1975/76).


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