Antologia 3

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família ficou agradecida e nunca se esqueceu da salvação da matriarca. Meu outro tio, Samuel, que servia o exército à época, contava que entre Grama e Sapecado, hoje Divinolândia, se travaram diversas batalhas e a artimanha usada pelos paulistas, a pé de munição, tendo somente ânimo e coragem, era a de usar matracas, dessas que eram usadas na igreja, uma tabuinha com ferrinhos que, virada, fazia o som de uma metralhadora, para fingir que tinham esse tipo de arma. Isso funcionou várias vezes. Anos mais tarde, quando os combatentes, já velhos, tiveram seus feitos reconhecidos pelo governo e receberam sua merecida pensão, meu tio se recusou a pleitear o que lhe era devido dizendo que ele não fizera nada mais que sua obrigação, porquanto não foi voluntário e sim um servidor do exército. E não recebeu nada, nunca! Já outro parente, o Dr. Chernoviz Bandeira, no alto de sua fazenda, do lado de Águas da Prata, querendo ajudar, vendo a situação precária, de poucos homens, pouca munição e minoria (em todos os sentidos) dos paulistas, pegou seu cavalo e corria de um lado para o outro, batendo a já referida matraca para mostrar, mesmo que enganosamente, que havia muitos homens ali aquartelados; de vez em quando dava um tiro esporádico de cada canto; conseguiu com isso segurar as tropas inimigas por um bom e precioso tempo. Nesta semana em que escrevo, minha cunhada me contou que seus pais moravam na Fazenda Refúgio, também nas proximidades da Prata, palco, como é sabido de tantas batalhas. Seu pai, Amadeu, viu chegar, de caminhão, uma tropa de soldados famintos, rotos, sedentos, entristecidos por tantos reveses e lutas inglórias. Sua esposa, Duzulina, tinha acabado de tirar pães assados no forno a lenha; soube ele que os soldados só tinham sardinha para comer; tomou sua filhinha pela mão, embrulhou alguns dos pães, senão todos, num pano, e levou a menininha até perto de onde eles estavam, cansados, deitados à sombra das árvores. A surpresa tão agradável foi tanta que eles, agradecidos, mandaram de volta um monte de peixes no mesmo pano que lhes trouxera os deliciosos pães... e para a criança foi um momento tão marcante que nunca mais foi esquecido! Fica aqui e agora a dúvida que ninguém pode mais esclarecer: seriam esses soldados mineiros ou paulistas? Uns e outros - 53 -


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