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publicado em 1939 por Luis Latt e Cia. AAM

2.1 Acervo inédito

O restante do acervo referente à Imagem e letra é composto por 598 laudas digitadas e cujo conteúdo não foi publicado inteiramente. Em alguns casos, encontramos trechos relacionados às crônicas nos jornais e a outras publicações, porém os originais datilografados têm sempre um conteúdo maior e abordam os temas de forma mais abrangente. Podemos destacar dois temas que já tem capítulos suficientes para a publicação: a imagem fotogravada e a tipografia. O primeiro trataria dos processos fotomecânicos ou da fotogravura, “processo [...] em que a transposição do original à chapa metálica se efetua fotograficamente, enquanto que a gravação propriamente dita se processa por meio de ácidos” (A FOTOGRAVURA,1939: 6) (fig. 30).

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Figura 30 – Página 6 do manual A photogravura: resumos técnico-práticos, publicado em 1939 por Luis Latt e Cia. AAM

Interessante observar aqui uma diferença de pontos de vista entre Orlando da Costa Ferreira e Frederico Porta, autor de um dos mais respeitados livros em português sobre o tema, o Dicionário de artes gráficas. Nele, Porta (1958: 168) coloca, como uma primeira definição para a fotogravura: “processo de gravura fotoquímica em relevo sobre metal, geralmente, em zinco ou cobre para a impressão tipográfica”. Na resenha sobre esse livro, OCF propõe algumas mudanças e comenta que é discutível “a adoção do vocábulo “fotogravura”, exclusivamente, para os processos fotomecânicos em relevo, “a exemplo do inglês, se nos lembrarmos que o segundo elemento, como a palavra “autônoma” designa em português, todos os processos de gravura autográfica” (FERREIRA, 1958: 40), referindo-se ao hábito dos profissionais da indústria gráfica brasileira de meados do século XX de denominar processos diferentes, como o clichê a traço, a autotipia e outros, genericamente, de gravura. Tal discrepância não é incomum. Como somos consumidores de tecnologias importadas e não temos autonomia tecnológica, vários aspectos da nossa indústria gráfica refletem essa dependência. A importação − e a consequente tradução de termos técnicos − é apenas um deles. Ao utilizarmos tecnologias de fontes diversas que possuem terminologia própria para contextos diferentes dos nossos, é natural que aconteçam divergências de origem linguística. Por isso, raramente conseguimos manter a consistência e a precisão no uso e na tradução desses termos. Nesse sentido, Darcy Ribeiro ao tratar dos processos civilizatórios, os define em duas categorias básicas: o processo civilizatório geral e o processo civilizatório específico. Se o processo civilizatório geral se caracteriza por sequências evolutivas genéricas, o específico são "as sequências históricas concretas em que se desdobram os processos civilizatórios gerais (Ribeiro, 1991, p. 52). São os processos civilizatórios específicos que preparam o terreno para os progressivos processos civilizatórios gerais trazerem o homem da condição "[...] tribal para as macrossociedades nacionais e modernas" (IDEM, p. 53). A concretização de uma civilização acontece quando "[...] cristalizações de processos civilizatórios singulares nela se realizam como um complexo sociocultural historicamente individualizável (IBIDEM, p. 53). A relação entre os diferentes povos em seus específicos estágios civilizatórios gera a discrepância entre o desenvolvimento de alguns e o atraso de outros e a desigualdade

entre eles. Essa etapa histórica é caracterizada pela relação entre a tecnologia e as atividades econômicas e sociais. Quando um povo é pioneiro em tecnologias de produção ou militares, a sua sociedade é reestruturada por elas, o que modifica o modo como ele se relaciona com outros povos, propiciando a dominação de um pelo outro e acarretando uma reestruturação nos povos dominados. Esse tipo de reestruturação se dá através de dois processos: a aceleração evolutiva e a atualização histórica. A aceleração evolutiva é o desenvolvimento autônomo de uma sociedade através de novas tecnologias, geralmente disruptivas, que levam um rápido desenvolvimento econômico, social, educacional e cultural à quase totalidade da sua população. A atualização histórica também tem o viés de atender aos interesses das sociedades que foram pioneiras no desenvolvimento de novas tecnologias. Ela aparece em sociedades que se desenvolvem de forma reflexa, ou seja, em sociedades menos desenvolvidas que utilizam a tecnologia imposta por sociedades mais desenvolvidas. Elas são subjugadas e somente uma parte da sua população desfruta dos avanços tecnológicos. O nosso país é um exemplo desse segundo processo, pois Portugal vivia, à época do nosso descobrimento, um momento de revolução tecnológica e, ao chegar ao Brasil, impôs um processo de atualização histórica sobre os povos ditos "primitivos", atualizando os seus sistemas mercantis. O antropólogo alerta que não devemos nos esquecer como o Brasil sempre foi fornecedor de insumos, produzindo, “pau de tinta para o luxo europeu. Depois, açúcar para adoçar a boca dos brancos e ouro para enricá-los. Após a independência, nos estruturamos para produzir algodão e café, e hoje produzimos soja, minério" (IDEM, p. 56). Esses conceitos abstratos gerais, apesar de muito elucidativos, não explicam por si sós todas as questões que trouxeram o Brasil até o ponto atual. Seria necessário tratar de outras questões como as das configurações histórico-culturais que explicam como um povo se forma. Porém, esta Tese não é o espaço adequado para tratarmos delas. Citamos esses pontos somente para ilustrar a profundidade dos problemas que a indústria brasileira enfrenta, em especial, a indústria gráfica. Para almejar consistência em termos técnicos, teríamos que ter uma autonomia tecnológica que ainda não possuímos. A nossa

dificuldade em padronizar os termos técnicos é só um dos sintomas do nosso processo de atualização histórica23 . Porém, para OCF, a definição precisa dos termos era fundamental. Ao analisarmos o conteúdo do acervo de Imagem e letra, assinalamos 347 laudas nas quais a definição e a tradução de termos técnicos se fazem presentes. Ao cotejarmos essas definições com os verbetes do dicionário Aurélio Buarque de Holanda relativos a bibliografia, vemos que o tempo dedicado a elas não foi em vão. Salvo algumas exceções, que serão comentadas mais a frente, os verbetes de bibliografia estão em concordância total com o conteúdo dos textos originais de Imagem e letra. O material sobre fotogravura perfaz 131 laudas datilografadas, muitas vezes, com comentários manuscritos no verso (figs. 31 e 32). Ele é composto por 21 páginas de introdução à fotogravura, 48 páginas sobre fotogravura em relevo, 21 páginas sobre fotogravura em entalhe e 30 páginas sobre fotogravura em plano. Podemos somar ainda um capítulo sobre estampas não gravadas que foi excluída do volume 1 e tratava de serigrafia estêncil. Acreditamos que esse capítulo viria a ser incluída no volume II. Esses capítulos são os numerados entre 8 e 12 no material original e estão agrupados logo após a parte sobre a imagem gravada, o que reforça a ideia de formarem um conjunto.

23 Para mais informações consulte minha dissertação Latt-Mayer, um estudo de caso: tecnologia na história do design gráfico brasileiro, disponível no BDTD/UERJ. Nela podem ser encontrados exemplos de estudo de caso da indústria gráfica brasileira analisados a partir dos conceitos de Atualização Histórica e Aceleração Evolutiva.