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programa MAXQDA

Figura 41 – Tela de com tabela de categorias do termo tipografia do programa MAXQDA.

Essa categorização de caráter exploratório nos forneceu pistas de caminhos que poderiam ser trilhados. Partimos então para uma análise sistemática que confirmasse as inferências colocadas naqueles primeiro momento. Esse processo se deu através de outras ferramentas encontradas dentro do software que possibilitavam cotejar os termos, sua incidência ao longo dos texto e assinalar outras questões contextuais que facilitassem a interpretação das mensagens encontradas. A abordagem do tema tipografia varia consideravelmente em relação aos interesses de pesquisa de cada um dos indivíduos da pesquisa, tanto em relação a abordagem, quanto a quantidade de entradas. O termo foi usado de forma generalista em 106 entradas, no sentido de “A tipografia”. Nesses casos não foram encontrados incoerências, em outros encontramos equívocos e imprecisões. Cabe lembrar que a palavra tipografia é de uso comum e o contexto seu uso define seu significado geral. Aqui apenas estamos atentando para a mensagem que cada um dos exemplos procurou passar quando utilizou o termo. No caso de Orlando da Costa Ferreira, tipografia não foi utilizada com imprecisão ou de forma equivocada, mas muitas vezes ele se refere a ela na sua forma generalizada. O próprio título da sua tréplica, “Espírito e Letra”, faz referência ao termo que aparece

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repetidas vezes, “Espírito da tipografia”, que trata da tipografia com uma abordagem ampla que será trata mais adiante. No texto de Aubreton, o termo sempre é usado no sentido generalista e no texto de WM apesar de apresentar incongruências e inconsistências, só foram encontradas três momentos de imprecisão. Já os termos Livro, que aparece em 334, e Escrita, com 276 entradas são os mais frequentes, aparecem com regularidade em todos os textos e não foram encontradas imprecisões no seu uso. Apenas um equivoco de WM em relação a estrutura do livro, quando ele comenta que o colofons não eram mais encontrados em livros modernos, o que é apontado na crítica de Orlando da Costa Ferreira e não foi respondido na réplica. Buscando entender a controvérsia como um todo, criamos outras categorias para cada parágrafo. Encontramos críticas sobre diversos assuntos, o projeto do livro, as biografias, a abordagem da bibliografia, a história da escrita, a história das artes gráficas, a terminologia, aportuguesamento de nomes, entre outros. Foi interessante mapear os temas pelas especificidades de cada um dos autores, enquanto Orlando era bibliotecário e apaixonado pela artes gráficas, Robert Aubreton foi um especialista em letras clássicas (grego) e Wilson Martins, jornalista e ensaísta literário. No caso das observações de Orlando da Costa Ferreira, quase dois terços, 62%, eram relativos às críticas a bibliografia, à imprecisão de termos e a apontamentos sobre imprecisões na história das artes gráficas. Chegando mesmo a apontar a falta de aproximação do autor de A palavra escrita com o estudo sistemático do livro. Nesse sentido OCF comenta que o trabalho de WM tende a ser superficial nesse sentido,

Desde que o sr. Martins não é um artista, um técnico ou um bibliógrafo, indicando antes a lista “do autor” tratar-se de um ensaísta literário, seu livro se situa nessa difícil linha dos manuais de “vulgarização”. Não vamos portanto, encontrar nele noções aprofundadas ou estudos de conhecedor a não ser nas longas dissertações sobre filosofia da história ou sociologia, as quais parecem um tanto desnecessárias no livro. (FERREIRA, 1957)

Essa aproximação, segundo Orlando da Costa Ferreira, é equivocada pois para ele o estudo da bibliografia deve passar necessariamente pelo entendimento dos processos produtivos que levam a construção do artefato gráfico. Apesar dessa crítica, o bibliólogo ressalta sempre a qualidade literária do texto e, apesar da falta de apuro na terminologia técnica, afirma que,

O livro do Sr. Martins, apesar de revelar que ele é pouco versado em muitas coisas tratadas, ora se coloca dentro do ponto de vista do bibliófilo (na companhia de Rouveyre) ou de filósofos e sociólogos, mas nunca dentro do que corresponderia ao entendido em artes gráficas, é muito bem escrito e oferece nas partes em que o autor está seguro, uma exposição clara e agradável (FERREIRA, 1957)

Na crítica de Robert Henri Aubreton grande parte das críticas tratavam da história da escrita, dos incunábulos e a forma de apresentação das informações. O linguista, não compartilhava do ponto de vista de Orlando da Costa Ferreira sobre Wilson Martins e sua inaptidão a tratar do livro impresso,

O sr. W. Martins mostra-se, é preciso confessar, muito mais desembaraçado quando fala do livro impresso do que quando trata do livro antigo. Tudo o que interessa a técnica do livro moderno é-lhe familiar, e ele fornece inúmeras precisões do maior interesse quer para os que gostam dos livros, quer para os próprios escritores, demasiadamente ignorantes, muitas vezes, dos assuntos relacionados ao livro e à impressão. (AUBRETON, 1958)

Robert Aubreton contesta a forma que WM apresenta a parte relativa a história da escrita, principalmente pelo autor abusar de longas citações e diz “Chegarei agora ao que considero uma das falhas essenciais do livro do Sr. W. Martins. Toda a primeira parte constitui-se de citações de páginas inteiras dos autores consultados. É um sistema de composição discutível. (AUBRETON, 1958)”. Essa observação também foi feita no OCF

na sua coluna do Diário de Pernambuco, o excesso de informações de fonte secundárias e a inexistência de fontes primárias. Nesse ponto, após encontramos convergências e distensões de opiniões que confirmam como a especialidade de cada interlocutor influenciou suas colocações. Para o bibliotecário, WM tem inegável valor como escritor, já para Aubreton, ele tem problemas de estruturação no texto. Por outro lado o mesmo lingüista admira os conhecimentos sobre artes gráficas do jornalista enquanto Orlando da Costa Ferreira repudiaria essa afirmação com veemência. Entendemos que essas questões devem ser encaradas como naturais. Parafraseando Voltaire, para a sapa, o sapo sempre será atraente. O contexto, a formação e os interesses dos interlocutores foi um relevante fator a ser considerado ao se comparar os textos. As críticas estão claramente impregnadas de observações que atendem as especialidades e familiaridades temáticas de seus autores e, consequentemente, à suas subjetividades. Aqui recorremos a um conceito utilizado em análise de discurso. Muito do material que foi analisado se mostrou um discurso fortemente influenciado pelo que Maingueneau (2008: 5) define como formação discursiva, na qual “uma sociedade, uma posição e um momento definidos, apenas uma parte do dizível é acessível, que esse dizível forma sistema e delimita uma identidade.” Assim, entendemos que a formação discursiva se aplica, tanto aos posicionamentos ideológicos marcados, quanto aos conjuntos de enunciados dependentes de uma determinada ciência. Nesse sentido formação discursiva só se constitui e se mantêm através do interdiscurso (IDEM,1998:69). Aqui entendido como, “um conjunto de discursos [...] uma articulação contraditória de formações discursivas que se referem a formações ideológicas antagonistas” (COURTINE, 2009: 54). Ao responder às duas críticas, Wilson Martins buscou dividir seu arrazoado pelos temas que considerou mais importantes e optou por deixar uma parte sem resposta, aproximadamente um terço (36%). O livro enquanto objeto de estudo é dos temas que mostra a diversidade das formações discursivas dos interlocutores. A partir do ponto de vista que colocam para seus antagonistas é possível vislumbrar a mensagem que cada discurso carrega.

Se por um lado Orlando da Costa Ferreira, aponta WM como um ensaísta literário, esse se refere a OCF como, “um especialista em artes gráficas, vê todo o livro e a sua história pelo prisma dessas artes e dos seus artistas;” e conclui que “o livro não é só tipografia, e, antes de se relacionar com a tipografia, prende-se à história da cultura e das idéias”(MARTINS, 1958). Nesse sentido, confirma sua total omissão quanto ao processo de impressão de A palavra escrita e ao responder uma crítica de OCF comenta que,

o sr. Orlando da Costa Ferreira, acreditando que uma obra de síntese é uma obra de vulgarização e supondo que uma história do livro é necessariamente um livro sobre artes gráficas, chega a responsabilizar-me pelo aspecto tipográfico de A Palavra Escrita, imaginando, naturalmente, que, a exemplo dos velhos impressores humanistas, eu próprio tenha descido às oficinas Saraiva para compô-lo, paginá-lo e imprimi-lo e, ainda, para fazer os "clichês" (MARTINS, 1958)

Essa observação poderia ser encarada como uma referência as atividades de OCF na private press O Gráfico Amador, que nesse período já produzia livros. Em sentido estrito, Orlando da Costa Ferreira não responsabilizou o autor de A palavra escrita pelo projeto do livro, mas apontou o desleixo com que questões de projeto gráfico foram tratadas naquela edição. Essas e outras colocações encontradas nas críticas, tanto de Orlando, quanto de Aubreton, foram encaradas como argumentações ad hominem, ou seja pessoais e não técnicas ou científicas, por Wilson Martins e por ele foram respondidas nesse tom. Chegando mesmo a afirmar, no fim da sua resposta que,

Se o sr. Orlando da Costa Ferreira encetou com intenções profiláticas a crítica de A Palavra Escrita, o professor Robert Henri Aubreton redigiu as suas "com o intuito de ser útil"; mas, num caso como no outro, percebo, nas entrelinhas, uma insopitável hostilidade que será, provavelmente, de ordem pouco científica. Deve-se, contudo, fazer bom uso das críticas como das doenças; (MARTINS, 1958)