Etiópia, por Lisa Vaz

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ETIÓPIA

ETIÓPIA LISA VAZ

LISA VAZ prefácio de Deana Barroqueiro


Etiópia, o mítico Reino do Preste João Na Idade Média, os geógrafos bebiam os seus conhecimentos na Geografia de Ptolomeu e dividiam o mundo em Europa, África e Ásia, com o rio Nilo a separar as duas últimas, de modo que a Etiópia era cartografada muitas vezes como parte das Índias, uma região indefinida, que se confundia com o Oriente e se repartia por três zonas. No Livro de Marco Polo (século XIII) são referidas a Índia Maior ou Superior, a oriente do Ganges; a Índia Menor ou Inferior, a Ocidente, entre o Ganges e o Indo; e a Índia Média, Terceira ou Etiópica, situada na África, a leste do Nilo, para lá da Núbia e de Adém, ou seja, na Etiópia. É igualmente na Baixa Idade Média (séculos XI-XIV) que renasce uma antiga lenda sobre a existência de um poderosíssimo imperador e presbítero, chamado João, descendente do apóstolo São Tomé ou dos Reis Magos, que haveria de ajudar com os seus exércitos os reis cristãos europeus na sua sempiterna luta contra os muçulmanos. Vai dar-lhe vida uma carta apócrifa, supostamente escrita pela mão do próprio rei-sacerdote, com cópias dirigidas, entre muitos outros, ao papa Alexandre III, aos imperadores Manuel I Comeno, do Oriente, e Frederico Barba Roxa, do Sacro Império Romano-Germânico do Ocidente, aos reis Luís VII de França e até a D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal. Nessa carta, o pretenso Presbítero – o Preste dos portugueses –, descrevia o seu império como um imenso território, que abarcava as três Índias e várias outras nações, assim como as dez tribos perdidas de Israel e ainda setenta reis tributários. O seu exército trazia por insígnias dez cruzes de ouro e pedras preciosas, cada uma comandando dez mil cavaleiros e cem mil peões. Outras descrições fantásticas, como a do seu palácio todo ornado de ouro e pedraria, enchiam as numerosas páginas da mis¬siva. Forjada na Europa por algum aventureiro literato ou por padres que queriam animar a fé dos cristãos, em tempos de cruzada, para a conquista e dominação do mundo muçulmano, a carta foi considerada verdadeira e a lenda passou de vago boato a realidade comprovada. No século XIV, vai ocorrer a transferência deste mito da Ásia para a África, mais precisamente da Índia para a Etiópia, com os avanços da expansão ultramarina portuguesa. Na cartografia europeia aparece aí a representação do reino do Preste João, com a figura de um soberano sentado num trono e empunhando um globo e uma cruz, como símbolos do seu poder imperial. Contudo, ninguém sabia ao certo onde se situava esse misterioso reino que a Cristandade buscava em vão há mais de duzentos anos e se mantinha teimosamente encoberto… até que Pêro da Covilhã, o mais notável espião de Dom João II, o descobriu para a Europa e para o Mundo, na década de 1490. O escudeiro Pêro, nascido na Covilhã, aventureiro dos quatro costados, dotado de grande espírito de observação e de uma memória que hoje diríamos fotográfica, foi mandado pelo Príncipe Perfeito a espiar a Índia das especiarias. Acompanhava-o Afonso de Paiva, outro beirão, de Castelo Branco, que deveria dirigir-se à Etiópia ou Abássia, em busca desse Preste João. Em Portugal, desde os tempos do Infante Dom Henrique, O Navegador, se colhiam informações escritas ou orais de todos os viajantes que chegavam a Portugal, uma busca continuada pelos enviados por Dom João II, que morria de desejos de o descobrir. Os dois exploradores partem em 1487 para o Cairo, onde se separam, para não voltarem a encontrar-se. Ao regressar ao Egipto, vindo da Índia com a sua missão cumprida – descobrira uma rota por terra para as especiarias e soubera que o reino do Preste João não era na Ásia e sim na África –, Pêro da Covilhã toma conhecimento da morte de Afonso de Paiva e decide completar a missão que o rei lhes encomendara e o amigo não lograra concluir, seguindo para a Etiópia. O seu rasto perde-se e o espião é dado por morto, em Portugal, até à chegada a Lisboa, em 25 de Fevereiro de 1514, do arménio Mateus, o embaixador da Abássia, enviado pela rainha-regente Eleni, por influência do aventureiro, com cartas e ricos presentes em nome do Preste Lebna Dengel, o imperador-menino, para el-rei Dom Manuel, que então reinava. O Venturoso recebe Mateus com todas as honras e, cheio de orgulho e vaidade, envia sem demora ao Papa, assim como aos monarcas e príncipes europeus, a notícia deste espantoso descobrimento feito pelos portugueses, enquanto prepara uma riquíssima embaixada a enviar ao Preste no ano seguinte. A armada parte em Abril de 1515, mas a embaixada acaba por se perder, na Índia, não só pela incúria do governador Lopo Soares de Albergaria e morte do embaixador Duarte Galvão,


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1 Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Índias… Padre Francisco Álvares 2 Idem.

mas sobretudo pelas intrigas políticas e as invejas em que se enredaram os seus membros, algo que faz parte do modus operandi dos portugueses desde tempos imemoriais. Nessa embaixada, seguia o Padre Francisco Álvares, que, devido à sua experiência, bom senso e argúcia, será enviado, cinco anos mais tarde, pelo novo governador Diogo Lopes de Sequeira, juntamente com Mateus, numa segunda embaixada, feita com os despojos da primeira. Digo que sucedendo Diogo Lopes de Sequeira na governação da Índia (...), pôs por obra o que Lopo Soares não quis acabar, seja, levar Mateus embaixador (...), ao porto de Maçuá, que é junto de Arquico, porto e terra do Preste João. E fez sua grossa e formosa armada e caminhámos para o dito mar Roxo e chegámos à dita ilha de Maçuá segunda-feira das oitavas da Páscoa, 7 dias do mês de Abril do ano de 1520 1. A partir de Arquico, os portugueses vão fazer uma longa e duríssima travessia da Etiópia, repleta de acidentes, doenças e mortes, entre as quais as dos embaixadores Dom Rodrigo de Lima e Mateus, até serem finalmente recebidos pelo jovem imperador. O padre Francisco Álvares irá encontrar na corte itinerante do Preste, o espião Pêro da Covilhã, que ali havia chegado 30 anos antes e fora impedido de regressar a Portugal pelos sucessivos Negus. Nobilitado e agraciado com um feudo, pelos serviços prestados nas guerras contra os mouros, Cid Petrus era senhor de muitas terras e de gente armada, casara com uma ou mais mulheres etíopes, de quem tinha cerca de vinte filhos. Apesar de já ter passado dos 70 anos, ainda lutava vigorosamente contra os inimigos muçulmanos que invadiam o reino, conquistavam as províncias fronteiriças, destruíam igrejas, queimavam os campos e escravizavam os abexins. Os mouros levavam furtados os abexins de sua terra e os iam vender à Arábia e à Pérsia e ao Egipto e à Índia aos portugueses. E os portugueses onde tomavam mouros, acertavam tomar entre eles muitos abexins e logo os forram (libertam) e vestem e tratam muito bem, porque sabe que são cristãos 2. O espião de Dom João II será o guia e mentor do padre Francisco Álvares, durante os seis anos da sua permanência na Abássia. De regresso a Portugal e a Roma, o religioso fará o relato das suas observações e experiências na obra Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Índias, a primeira descrição pormenorizada e fidedigna da Etiópia, escrita por um europeu, que veio substituir a visão mítica que permanecera inalterada ao longo dos séculos. Dirá o autor, no Prefácio: Eu sei esta terra melhor que nenhum natural dela (…) Estivemos nessa terra seis anos seguidos, durante os quais pude saber uma grande parte das terras, reinos e senhorios do dito Preste João, e seus costumes e práticas, a uns por os ver, outros por ouvir falar a quem os conhecia bem. Sem instrumentos ópticos de qualquer espécie, para a captação das paisagens, dos lugares e dos povos que encontravam, os exploradores só podiam contar com os seus olhos, o seu espírito de observação e a sua mente, para obter imagens virtuais que procuravam transpor para o papel em minuciosas e sugestivas descrições, não só abrindo horizontes e dando asas à imaginação dos leitores, como também prestando um enorme contributo para o desenvolvimento e maturação da bela língua portuguesa. Não é invulgar a comparação das paisagens observadas na terra estranha com as nacionais, familiares aos leitores portugueses. Como viram, então, estes dois homens o desejado e misterioso Reino do Preste João? De Pêro da Covilhã só sabemos o que o Padre Francisco Álvares conta dele na sua obra, porque as cartas enviadas pelo beirão ao rei de Portugal se perderam; porém, o inteligente e curioso autor da Verdadeira Informação dá-nos uma vívida pintura das gentes, monumentos e lugares, enriquecida de histórias, lendas e anedotas para deleite dos leitores. Com ele viajamos numa caravana de mercadores, com dezenas de dromedários, jumentos e mulas de carga, conduzida por guerreiros somali das terras do sul e afar do norte, que os mercadores contratam como guias e escolta de protecção contra os numerosos bandos de ladrões, através das estradas reais, muito boas, largas e chãs, feitas propositadamente para as cáfilas, com certos lugares de muita água onde se |5|


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LISA VAZ Natural de Lisboa, Lisa Vaz desde muito cedo tomou o gosto por viajar. Após percorrer Países mais próximos culturalmente e conhecer algumas urbes de referência global como Nova Iorque, Tóquio ou Hong Kong, começou a desenvolver uma especial predileção por lugares remotos onde a Natureza permanece intocável. Seguindo a sua paixão, já visitou perto de 60 países, tendo concretizado ainda um dos seus maiores sonhos, de viajar até à Antártida, onde vivenciou experiências inolvidáveis que guardará para sempre. E foi aliada à sua paixão pela viagem e aventura, que nasce outra paixão não menos importante, a fotografia. Aqui encontra alimento para a sua alma de viajante, eternizando momentos irrepetíveis. A sua motivação radica na incessante curiosidade pelo Mundo, Gentes e momentos que vai encontrando nas suas viagens. Em 2015 inaugura a sua primeira mostra de Fotografia de Viagem em Lisboa, “Outros Lugares”, com imagens da Antártida, Mongólia, India, Myanmar, Cambodja e China, e dois anos depois, em 2017 e com uma coleção apreciável de imagens, dedica uma segunda exposição às “Gentes do Mundo”, coleção de Retratos, onde procura homenagear os povos que vai encontrando, e que de forma indelével a vão marcando. Tal como ela própria, a temática da sua Fotografia é eclética. Tudo constitui um motivo de fascínio e de descoberta, que procura partilhar, como é o caso da presente publicação. A Etiópia terá porventura sido um dos Países que mais a fascinou, pela diversidade de Paisagens, Gentes e Culturas, aqui atestadas por este conjunto de imagens. O enquadramento histórico amavelmente proporcionado por Deana Barroqueiro apenas vem confirmar este fascínio exercido pelo mítico “Reino do Preste João” desde a Idade Média, destacando ainda a relação mantida com Portugal. O trabalho de Lisa Vaz tem merecido algum reconhecimento público além fronteiras, sendo de destacar entre outros, o Sony World Photography Awards de 2014, e em 2016 e 2017 os concursos “ The World in Focus” e “ The Great Outdoors” respetivamente, ambos organizados pela prestigiada publicação norte-americana de fotografia, Photo District News (NY)

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