Territórios - Nômade Lençóis Paulista

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O artesanato de uma região pode ser definido pelo conjunto dos “fazeres manuais” de artesãs e artesãos, que expressam a alma da localidade onde vivem. O livro TERRITÓRIOS tem o propósito de mostrar alguns aspectos do artesanato que se desenvolve na cidade de Lençóis Paulista e de registrar as ações de capacitação e valorização do produto artesanal realizadas pelo projeto Nômade durante o ano de 2022.

Por meio de estratégias do design, o projeto busca divulgar o artesanato local, mas quer valorizar ainda mais os processos criativos individuais e as histórias contadas por cada um. Na publicação, lançamos um olhar especial para as manualidades: um saber fazer tradicional, mas também urbano e contemporâneo, com suas características, influências e identidades.

Nessa edição comemoram-se os 20 anos do Nômade, que mantém seu desafio inicial de conciliar cultura, geração de renda e recursos naturais, buscando divulgar e valorizar o artesanato de diversas regiões.

“O foco na manualidade artesanal é importante, pois esse é um trabalho pouco reconhecido, sobretudo em seu valor econômico – pouco se percebe do tempo, do empenho e dos afetos que cada artesã e cada artesão incorporam em seu produto final.”

Tania de Paula

“O envolvimento com as pessoas é o que guia até hoje nosso projeto: conhecer histórias, desenvolver ideias e poder colaborar para realizar sonhos.”

NÔMADE LENÇÓIS PAULISTA

Apoio Patrocínio Realização

Tania de Paula (coord.) Isabel Gnaccarini e Lorena G. Falavigna

Allucci & Associados

São Paulo | 2022

ISBN 978-85-61020-20-0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Paula, Tania de Territórios : Nômade Lençóis Paulista / Tania de Paula, Isabel Gnaccarini, Lorena G. Falavigna ; coordenação Tania de Paula.

1. ed. – São Paulo : Allucci Editora, 2022.

ISBN 978-85-61020-20-0

1. Artesanato 2. Desenvolvimento econômico 3. Design - Aspectos sociais 4. Economia colaborativa 5. Lençóis Paulista (SP) - Aspectos culturais 6. Trabalhos manuais I. Gnaccarini, Isabel. II. Falavigna, Lorena G. III. Paula, Tania de. IV. Título.

22-137253 CDD-745.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Artesanato : Trabalhos manuais : Artes 745.5

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

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A Lwart Soluções Ambientais, empresa 100% brasileira, é uma das maiores do mundo no segmento de rerrefino de óleo lubrificante usado. É também a primeira rerrefinadora da América Latina a produzir óleo básico de alta performance, do Grupo II. Como empresa que tem a transformação em seu DNA e a sustentabilidade como principal pilar, a Lwart também atua na coleta, destinação e transformação de outros resíduos, dentro das melhores práticas da economia circular. A Lwart Soluções Ambientais tem uma das plantas mais modernas do mundo para produção de óleo básico de alta performance a partir do óleo lubrificante usado. Com sede em Lençóis Paulista (SP), conta com 18 centros de coletas espalhados pelo Brasil, que atendem cerca de 45 mil clientes todos os anos. Seu processo é rastreável e sua atuação segue as mais estritas normas de compliance.

Lwart Soluções Ambientais. Cuidamos do futuro transformando o hoje.

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Há seis anos fazemos diferentes projetos em Lençóis Paulista, sempre sendo bem acolhidos pela cidade; e com o projeto Nômade não foi diferente. Enxergamos na região um grande potencial criativo, por isso a vontade de realizá-lo no município, firmando parcerias para desenvolver essa edição, que foi recheada de desafios e conquistas. Nossa maior missão é valorizar pessoas e suas histórias. O Nômade abriu espaço para colocarmos essas ideias em prática.

Ao longo do processo, conhecemos pessoas e suas relações com o fazer artesanal. Foi lindo olhar com atenção para essas artesãs e artesãos e colaborar com seus trabalhos, buscando melhorias na qualidade de vida e promovendo o compartilhamento de saberes, ampliando caminhos para um desenvolvimento local mais sustentável.

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SUMÁRIO

OLHAR NÔMADE

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TERRITÓRIOS

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TERRITÓRIO NÔMADE 12

ENTRE O DOMÍNIO TROPICAL ATLÂNTICO E DOS CERRADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

A HISTÓRIA

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 A ECONOMIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

IDENTIDADE E TRADIÇÃO 19 A CIDADE DO LIVRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 MUNICÍPIO VERDE AZUL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

IDENTIDADES

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

O FAZER ARTESANAL 26

CASSIANA GOMES PEREZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

CRISTIANE MAGDALENO DE ALCÂNTARA CORREIA . . . . 34

FILOMENA RIO BRANCO DE SOUZA GONÇALVES 38

GERALDINO FREIRE COSTA e YOLANDA RAMOS MATOS DA COSTA 42

MARIA TEREZA CACCIOLARI CAIOLA e ANDREZZA CACCIOLARI CAIOLA . . . . . . . . . . . . . . . . 48

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

ZENIL FRANCISCO DOS SANTOS CONTI . . . . . . . . . . . . 54 FRANCISCA EUGENIR DE SOUZA ALENCAR DA CONCEIÇÃO

TERRITÓRIOS CRIATIVOS

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 O SABER MANUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

INSPIRAR, VALORIZAR, EXPERIMENTAR . . . . . . . . . . . . 64 COMUNICAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 SUSTENTABILIDADE 70 CULTURAS TRADICIONAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 COLABORAR, IDEALIZAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 FESTIVAL DO FEITO À MÃO 76 OLHARES NÔMADES 80 DIÁRIO DE CAMPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 PROJETO ARTESÃOS EM AÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

NÔMADE 20 ANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR 100 FICHA TÉCNICA

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 AGRADECIMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

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OLHAR NÔMADE

O projeto Nômade comemora em 2022 seus 20 anos. Nasceu com a proposta de pesquisar, de identificar e de criar e cocriar com os artesãos que encontrou nos lugares por onde passou. Já esteve em diversas regiões brasileiras, e nos últimos anos tem se concentrado em inspirar o fazer criativo no interior paulista em parceria com a Origem Produções.

O projeto quer resgatar aspectos culturais e históricos do território, valorizando identidades regionais, recursos naturais e o artesanato local. Por meio de roupagens do campo do design e da inovação, os objetivos do Nômade têm sido o aprimoramento de produtos artesanais, o resgate de técnicas e a valorização dos saberes manuais que ali florescem. Mas quer valorizar, acima de tudo, o encontro com as pessoas.

A essência do nosso trabalho é o olhar diverso e plural que desperta o artesão para sua própria manualidade, gradualmente revalorizada por ele mesmo. Em outras palavras, nossa “metodologia social”, ou nossa tecnologia social, é trazer “outros olhares” e novas capacidades a serem adquiridas pelo artesão, que agrega a inovação técnica e amplia o seu saber e o seu fazer. A metodologia inclui incorporar

não apenas conhecimentos prontos, mas inspirar e incitar a criatividade, o empoderamento individual e o desenvolvimento da autoconfiança.

Foi através do envolvimento pessoal e da busca por outros olhares que realizamos em Lençóis Paulista laboratórios, clínicas, oficinas e visitas. O método do Nômade não se pauta pelo simples design de produtos, mas vai na direção da economia criativa, que é a economia das pessoas, um empreendedorismo que se configura a partir das vocações e da criatividade. Mas como desenvolver uma ação, um projeto ou um programa com responsabilidade social e cuidado? Seguramente tudo começa com a curiosidade e um primeiro movimento. Foi assim que começamos, não era claro o caminho, mas era clara a intenção de conhecer e tecer relações com mais pessoas, culturas e realidades.

Foi essa busca que nos levou ao exercício de escutá-las, vê-las, senti-las e entendê-las. Desde esse lugar de observadores, podemos perceber e provocar novas conexões, sempre a partir de muitas tentativas e sempre considerando que o erro faz parte do processo. O tempo, com sua peculiar cadência, colabora e modela construções mais definitivas.

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Desde a etapa de diagnósticos, que é o momento em que fazemos nossas primeiras descobertas, buscamos conhecer um pouco da cultura local e seus artistas, olhando atentamente para o setor artesanal. Nessa etapa de reconhecimento do território, e sobretudo de aproximação com as pessoas que integrarão o projeto, a atenção recai toda sobre a escuta. Perguntamos sobre suas necessidades e sonhos, escutamos sobre seus processos de criação e desenvolvimento de produtos, trocamos ideias sobre melhorias possíveis na produção e na divulgação do trabalho.

Tradicionalmente, do ponto de vista de quem se fixa em um território, povos nômades têm um significado pejorativo. São errantes, deslocam-se com frequência e não respeitam limites territoriais nem fronteiras. Mas, de certa forma, a tecnologia atualizou esse modo de vida – hoje podemos constantemente navegar por outros mundos. E o que pode haver de bom no encon-

tro de quem está fixado nesse território com designers “semi-nômades” contemporâneos? Podemos apresentar o ponto de vista dos povos nômades de variadas maneiras, mas, para nós, os nômades vivem uma busca permanente por outras conexões, assim como os artistas e todo encontro promove algo de novo, uma outra maneira de olhar. O projeto Nômade começou com dois desenhistas industriais curiosos e insatisfeitos, Tania de Paula e Christian Ullmann, e hoje abre espaço para novos nômades de múltiplas visões, vozes e abordagens, visando uma construção ampla desde o diagnóstico. O pensar e o fazer juntos, o individual e o coletivo, revelam o conjunto de elementos que constroem o todo e uma nova narrativa. O Nômade se abastece dos encontros, na procura do outro, dos outros e de suas distintas realidades. As novas conexões nos fazem refletir sobre o diferente, seu contexto e sua comunidade.

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TERRITÓRIOS CRIATIVOS IDENTIDADES TERRITÓRIOS OLHARES NÔMADES

TERRITÓRIO NÔMADE

A concepção cartográfica de um território é muito importante, pois facilita visualizar suas reais condições biofísicas, desde o passado até o presente. Os mapas consideram diversos tipos de fronteiras: há as divisões administrativas, que delimitam um município (território definido como “ente” político), mas também as divisões de ordem natural e social. Sob outra perspectiva, é valioso considerar os territórios simbólicos do universo cultural, reconhecendo neles suas identidades locais – ao primeiro olhar, o projeto Nômade descobre aquelas identidades claramente definidas, presentes no lugar como representação do município; mas também descortina aquelas menos nítidas, percebidas aos poucos, à medida que a relação com as pessoas se estreita.

Quando se fala em território, é pertinente entender esse conceito, bem como outros que o circundam – falamos de lugar, de região, de identidade e de cultura local. Não é simples definir seus significados, pois eles incorporam diferentes “tipos de saber”: tanto os saberes humanos e sociais, quanto os conhecimentos sobre as condições econômicas e administrativas de uma localidade, denotam as dimensões físicas e ambientais desse espaço vivido.

Há, nesse sentido, até uma polêmica entre os cientistas – desde a década de 1960, eles disputam a quem caberia definir as categorias de Território, Região e Lugar. Os geógrafos, especialmente, tendem a enfatizar a materialidade do território, em suas múltiplas dimensões. Para os cientistas políticos, a construção de um território se dá a partir de relações de poder em um dado lugar. Já os economistas preferem a noção de espaço à de território, pois entendem uma localidade como produtora de riquezas. Os antropólogos destacam sua dimensão simbólica, principalmente quando se trata de culturas “tradicionais”. E os sociólogos, estes alegam que são as relações sociais no território o que mais importa. Por fim, se ouvirmos os psicólogos, saberemos que existe a ideia de “territórios de subjetividade”, a qual incorpora as identidades pessoais, valorizando a particularidade dos indivíduos.

O projeto Nômade busca ver as inúmeras e diferentes particularidades de cada lugar. Nos últimos anos, o projeto tem se concentrado em resgatar esses diferentes aspectos, buscando encontrar em cada lugar as identidades regionais, que muitas vezes estão inscritas na cultura artesanal. Mas, ao buscar a valorização das manua-

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Isabel

lidades existentes no interior paulista, percebe que um território é um elemento multifacetado, diverso e plural. Para o Nômade, um território não é simplesmente um lugar físico, material e objetivo, ele é mais complexo que isso, pois cada localidade integra vários dos aspectos citados acima. E, sobretudo, ele é feito por pessoas. Cada subjetividade vai também participar na construção da identidade do território, da região, do lugar, ao mesmo tempo em que vai sendo definida por seu espaço.

O território, pode-se dizer, é, antes de tudo, um território simbólico, mas também ancorado na materialidade do lugar, o que inclui suas características físicas e ambientais. O território é um conjunto complexo e dinâmico, em diálogo com as identidades subjetivas de quem ali vive. Por isso, o projeto Nômade enxerga no território os fazeres manuais dos seus artesãos, que expressam a alma dessa localidade. A noção de “tradição”, que muitas vezes o projeto utiliza para definir o artesanato de um território é, afinal de contas, definida pelas histórias contadas por cada um. O território nômade é ao mesmo tempo a identidade desse cada um, e o eco de tantas identidades que definem a história dessa coletividade.

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ENTRE O DOMÍNIO TROPICAL ATLÂNTICO E DOS CERRADOS

As matas atlânticas eram ampla maioria na região onde hoje é o estado de São Paulo, mas dividiam espaço com cerrados e cerradões, que estavam localizados “no entremeado de matas em solos arenosos pobres – sem nutrientes – na depressão periférica paulista e trechos de planaltos interiores, onde se expõem solos arenosos igualmente pobres”, como definiu certa vez o geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber1. É visível, no entanto, ao viajar pelo interior do estado, que essa predominância de matas tropicais não existe mais. A Região Centro-Oeste, onde está localizado o município de Lençóis Paulista, não foge à regra. E, onde Cerrado e Mata Atlântica dividiam a paisagem, atualmente o que se vê são extensas áreas de plantio. No processo histórico de ocupação iniciado com a colonização no século 16, e intensificado com o ciclo do café no século 20, houve uma redução significativa da cobertura vegetal nativa.

O QUE SÃO DOMÍNIOS?

Os domínios, definidos por Ab’Saber,

são um conceito geográfico que diferencia no território brasileiro unidades paisagísticas a critério de suas características, como clima, vegetação, solo, relevo e hidrografia.

O domínio das matas atlânticas é o “segundo grande complexo de florestas tropicais biodiversas brasileiras”, somente atrás do domínio amazônico, maior complexo florestal tropical brasileiro e do mundo. É denominado de atlântico pois cobria toda a extensão costeira do Brasil, o que lhe conferiu grande taxa de umidade proveniente principalmente do Oceano Atlântico, essencial para gerar solos férteis capazes de suportar florestas compostas por grandes árvores que adequam-se a todo tipo de relevo.

O segundo domínio presente no estado de São Paulo, e também na região de Lençóis, é dividido em dois – há os cerradões, que são “verdadeiras florestas baixas e de troncos relativamente finos e esguios”, que possuem uma massa vegetal muito inferior às matas atlânticas; e há os cerrados, ou “campos cerrados”, que “são conjuntos de

TERRITÓRIOS
NATURAIS
Tomás de Paula Ullmann
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1 AB’SABER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
TERRITÓRIOS NATURAIS

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arboretas da mesma composição que os cerradões”, mas de densidade vegetacional bem menor que este.

Por todo o estado de São Paulo existiam 82% de florestas tropicais, as quais penetravam pelos planaltos interiores. Eram 15% de cerrados e cerradões, e os demais 3% de outras paisagens. A existência de florestas tropicais no interior não se deve unicamente ao clima da região, mas também aos solos ricos em nutrientes e às influências do relevo de serras e escarpas.2

Ao longo do século 20, a floresta atlântica e os cerrados foram substituídos pela

ocupação agrícola. Como foi referido acima, inicialmente pela cultura cafeeira e acelerado, a partir dos anos de 1960, por outros cultivos. “Em 1973, a floresta primitiva reduziu-se a 8,73% do seu território”3. Atualmente, pode-se dizer que o café foi largamente substituído pela cana-de-açúcar como principal atividade econômica e houve a entrada de pinus e eucalipto. Quanto à cobertura vegetal nativa, está reduzida à área mais costeira. A figura 1 apresenta uma composição de imagens que retratam a evolução do desmatamento do domínio tropical atlântico no estado de São Paulo.

AB’SABER, Aziz Nacib, op. citada, 2003.

3 RBMA - Revisão da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. - Fase VI/2008. Parte 3: Detalhamento da Proposta por Região e Estados. Disponível em: http://www.rbma.org.br/rbma/rbma_fase_vi_06_estados_sp.asp. Acesso em: 10 nov. 2022.

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2000 1973 1952 1886
Figura 1 - Situação primitiva até o ano 2000 (Fonte: VICTOR, 1975)
Situação Primitiva

A HISTÓRIA

TERRITÓRIOS DE ORIGEM

Lençóis Paulista localiza-se no Centro-Oeste do estado de São Paulo. Desde, ao menos, o século 16, suas extensões de Cerrado e Mata Atlântica eram lar dos indígenas Kaingang, apelidados de Coroados em razão do corte de cabelo que adotavam. Nas últimas décadas do século 18, quando as expedições de reconhecimento e conquista territorial realizadas pelos bandeirantes alcançaram essas terras, os Kaingang tiveram seu primeiro contato com os brancos. A interação foi desde o início conflituosa e resultou, em meados do século 19, no refúgio do povo indígena em terras do Mato Grosso e do norte do Paraná. Teve início nesse momento, sem data precisa, a ocupação do território que se tornaria Lençóis Paulista – os registros escritos que sobreviveram ao tempo indicam duas possíveis narrativas a respeito desse acontecimento.

A FORMAÇÃO DE LENÇÓIS PAULISTA

O Bairro de Lençóis integrou o território de Botucatu até 1858, ano em que passou à categoria de freguesia. Em 1865, foi reconhecido como vila, ou município, passando a chamar-se somente Lençóis. Pertenceu à Comarca de Botucatu entre 1866 e 1877, quando foi então criada a sua própria Comarca – que seria extinta em 1901 e restabelecida

Uma delas conta que a denominação de Lençóis foi dada pelo bandeirante Francisco Alves Pereira e se deveu à extensão de espuma branca que o aventureiro encontrou quando, subindo o Rio Tietê, se desviou para seguir um de seus afluentes – o futuro Rio Lençóis. Essas espumas, formadas pelas corredeiras no encontro dos dois rios, lembrariam a imagem de um longo lençol branco. O Rio Lençóis é um dos marcos fundadores do povoado, tendo muita importância na constituição do traçado físico do território. A região, na época, ficou conhecida como “boca do sertão”, visto ser ali a entrada para as terras desconhecidas que desafiavam as expedições. Conforme os povoados se formavam, outras regiões tornavam-se o sertão desconhecido.

Ao longo do tempo essa versão foi substituída por uma segunda, que reme-

em 1953. No ano de 1944, o nome do município foi alterado para Ubirama, que em língua tupi-guarani significa “terra da cana”. Depois, em 1948, foi estabelecido o nome atual de Lençóis Paulista. Conforme a constituição territorial datada de 1960, o município englobava três distritos: Lençóis Paulista, que era a sede, Alfredo Guedes e Borebi. A última mudança nessa divisão aconteceu em 1990, com a retirada de Borebi.

tia não mais ao rio, mas ao aspecto da vegetação predominante ali. Conta-se que havia uma espécie de campo com plantas baixas (gabirobal) que acompanhavam o relevo lembrando a imagem de um lençol. Essa versão concorrente aponta o mineiro e também sertanista José Theodoro de Souza, como o primeiro a ocupar a área. Após alguns anos morando nos arredores, fundou capelas e exerceu o cargo de vereador na Câma-

ra de Paranapanema, tendo coordenado a construção das primeiras casas que viriam a constituir o originalmente chamado Bairro de Lençóis.

Independentemente de qual seja a versão verdadeira, fato é que o território de Lençóis teve suas fronteiras e sua jurisdição alteradas diversas vezes até se tornar o município atual, constituído por 2 distritos – Lençóis Paulista e Alfredo Guedes –, e inserido na região administrativa de Bauru.

A ECONOMIA

Ao final do século 18, com o declínio das atividades mineradoras, muitos trabalhadores se deslocaram de Minas Gerais para o sertão paulista em busca de novas oportunidades. Esses migrantes deram início às produções agrícola e pecuária na região, que se destinavam aos mercados local e regional. Por volta de 1860, era comum o cultivo de milho e algodão entre pequenos produtores, mas em grandes fazendas predominava a cana-de-açúcar. Na década de 1870, a região urbana da chamada Villa de Lençóes tinha como principais estabelecimentos econômicos armazéns e lojas de fazendas e eram ofertados também, em

menor número, serviços de carpintaria, fundição, alfaiataria, farmácia, entre outros. No mesmo período, começavam a ser estabelecidos os primeiros cafezais lençoienses, alguns já se utilizando de mão de obra livre.

Com a Proclamação da República, em 1889, Estado e Igreja se separam. Gradualmente, por meio de compras e acordos, a propriedade e a administração do território de Lençóis Paulista são transferidas das autoridades eclesiais às civis. Entre os séculos 19 e 20, a Câmara Municipal delimitou as divisas da cidade, nomeou suas ruas, construiu novas edificações e demoliu outras, instituiu tributos, criou a Guarda Municipal

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TERRITÓRIOS DE DESENVOLVIMENTO

– organizou, enfim, a urbanização da vila. Nesse período, a tradicional cultura cafeeira paulista começou a perder espaço para as plantações de cana; visando o mercado internacional, pequenos engenhos de aguardente se transformam em usinas de açúcar.

A tendência se agravou com a crise americana de 1929 e a decorrente diminuição da exportação do café brasileiro.

Entre 1930 e 1945, o governo de Getúlio Vargas queimou aproximadamente 80 milhões de sacas de café para conter a queda dos preços, ao mesmo tempo em que regularizou e incentivou a produção de açúcar, aguardente e etanol no país. Os investimentos estatais na indústria sucroalcooleira alcançaram Lençóis Paulista quando, em 1945, o IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool construiu uma destilaria na cidade, que passou a comprar aguardente dos engenhos da região para transformá-la em etanol. Nesse contexto, é fundada na cidade uma de suas principais empresas: a Zillo-Lorenzetti, fruto da parceria entre duas famílias de imigrantes italianos. Transformando um pequeno engenho de aguardente em usina açucareira, o grupo lança sua própria marca, o açúcar Azil.

A partir de 1947, com a eleição à prefeitura de Geraldo Pereira de Barros, outras obras de infraestrutura foram encaminhadas na cidade, como a retificação do Rio Lençóis, o calçamento das ruas

centrais, a abertura de avenidas e a construção de novas pontes, maternidades e clubes. O desenvolvimentismo continuou sob o governo do Presidente Juscelino Kubistchek; as extensas plantações de cana-de-açúcar, somadas à robusta produção sucroalcooleira, renderam a Lençóis Paulista o título de “Princesa dos Canaviais”. O auge da industrialização em Lençóis Paulista ocorreu na década de 1970, durante o mandato do prefeito Rubens Pietraróia. Em 1974, empresários japoneses se instalam na cidade e, unindo-se ao já tradicional grupo empresarial familiar de origem italiana, inauguram a fábrica têxtil Omi-Zillo-Lorenzetti.

A ECONOMIA HOJE: PARQUE INDUSTRIAL E AGRONEGÓCIO

O parque industrial de Lençóis Paulista, originado na década de 1940 com o setor sucroalcooleiro, passou por grandes modernizações entre 1960 e 1990, se tornando maior e mais diverso. Além do setor têxtil, se desenvolveram metalúrgicas e fábricas de estruturas metálicas e fiações. A partir de 1990, os ramos produtivos mais recentes começaram a se destacar: sem abandonar a tradição sucroenergética, o município se tornou internacionalmente reconhecido também por suas indústrias de celulose. Atualmente, Lençóis Paulista figura, ao

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mesmo tempo, entre os maiores polos industriais e os maiores plantadores de cana-de-açúcar do estado de São Paulo.

Em 2016, o cultivo canavieiro ocupava aproximadamente 50% do município e era responsável por cerca de 40% de seu orçamento. Florestas comerciais de eucalipto ocupavam 20% do território. O município apresentava “o quinto maior Produto Inter-

no Bruto (PIB) da região central do Estado de São Paulo e o segundo da microrregião de Bauru.”4 A cidade conta também com um dinâmico turismo empresarial; suas indústrias, plantações e criações recebem frequentemente a visita de investidores que veem ali uma boa oportunidade. Além disso, feiras agropecuárias e competições esportivas ajudam a movimentar a economia local.

A IDENTIDADE E TRADIÇÃO

As tradições de Lençóis Paulista, ainda vivas, são as tradições italianas, que atraem turistas com interesses diversos. A Vinícola Casagrande e o Engenho São Luiz, ambos situados no bairro da Rocinha, preservam um pouco da memória das formas artesanais de produção, e são destino de visitantes interessados na cultura interiorana do estado de São Paulo. Tanto a história da Vinícola Casagrande quanto a do Engenho São Luiz começam com a imigração italiana.

A família Casagrande chegou ao porto de Santos no final do século 19, mas desde que se estabeleceu na cidade de Lençóis, passou a vender uvas para os conhecidos do bairro, mantendo a tradição no decor-

rer dos anos. Hoje, além das videiras, a família administra uma adega, um restaurante e uma loja de produtos artesanais, além do próprio espaço histórico onde a vinícola se situa.

O Engenho São Luiz tem origem com a viagem da família Zillo do norte da Itália ao Brasil, em 1896. O casal de comerciantes não tinha o costume da produção agrícola; o sustento provinha, principalmente, da venda de chapéus confeccionados com palha de trigo. Eles moraram em outras cidades do interior paulista antes de se fixarem em Lençóis Paulista em 1906, mesmo ano em que o filho mais velho, José Zillo, fundou uma destilaria. Os irmãos mantiveram

4 JC Regional. Rita de Cássia Cornélio, 2016. Disponível em: <https://www.jcnet.com.br/noticias/ regional/2016/01/455909—da-cachaca-ao-papel---a-historia-da-industrializacao-de-lencois-paulista.html>. Acesso em: 10 nov. 2022.

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TERRITÓRIOS DA CULTURA

a produção de aguardente até 1971, ao mesmo tempo em que se envolveram em diversos outros empreendimentos. Firmando parceria com uma família também de imigrantes italianos, em 1946, criaram o grupo empresarial Zillo-Lorenzetti, que passou a produzir açúcar e etanol. Em 1974, a empresa se uniu a industriais japoneses e passou a fabricar tecidos. E, em 2007, Luiz Santana Zillo, neto de José, resgatou as origens da família e abriu o Engenho São Luiz onde antes funcionava a destilaria. Hoje, o engenho produz cachaça de alambique para comércio nacional e internacional.

O Museu Alexandre Chitto é uma importante instituição cultural de Lençóis Paulista. Inaugurado em 1988 no prédio da antiga Destilaria Central de Lençóis, desde 1996 está localizado no centro da cidade em prédio histórico da virada do século.

Seu nome homenageia o jornalista e historiador responsável pela reunião de documentos e objetos que hoje compõem o acervo do Museu: mobiliário, peças de arte sacra, instrumentos musicais, utensílios domésticos e pessoais, coleções de filatelia e numismáticas, fotografias, mapas, livros

e jornais antigos, entre outros itens fundamentais à escrita da história da cidade.

Alexandre Chitto foi precursor da imprensa local, fundando e dirigindo o jornal “O Eco” em meio ao Estado Novo de Getúlio Vargas. Nasceu em 1901, no tradicional bairro da Rocinha, filho de um casal de italianos imigrantes. Acompanhando a rotina dos pais, que plantavam videiras e fabricavam vinho, e mais tarde dedicaram-se também ao comércio, Alexandre Chitto conheceu, desde a infância, os diferentes modos de vida, rural e urbana.

O Memorial de Alfredo Guedes, vinculado ao Museu Alexandre Chitto, guarda em seu acervo objetos que pertenceram aos antigos moradores de um dos mais tradicionais distritos de Lençóis Paulista, preservando a história local através da cultura material e da memória de seu povo. Entre os itens, figuram muitos produtos artesanais, o que demonstra a forte relação das mulheres com esse tipo de atividade, principalmente na produção dos enxovais. Também no bairro de Alfredo Guedes, é possível visitar a antiga Estação Ferroviária, que recebeu trens de passageiros entre os anos de 1898 e 1976.

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Vinicola Casa Grande, Engenho São Luiz e Museu Alexandre Chitto.

Lençóis Paulista se tornou conhecida como a “Cidade do Livro” na década de 1980, com importante apoio do escritor e publicitário lençoiense Orígenes Lessa que incentivou e promoveu as “Caravanas Literárias”, acompanhado de outros escritores e integrantes da Academia Brasileira de Letras. Em uma viagem, o escritor Pedro Bloch deu a ideia do slogan, que não tardou a se tornar oficial.

A CIDADE DO LIVRO

Nessa época, o acervo já era superior à população. Hoje, chama especial atenção por possuir cerca de 160 mil livros5 e 20 mil documentos, incluindo um decreto histórico de Dom João V, pertences pessoais de Olavo Bilac, Guimarães Rosa, Cora Coralina, Manuel Bandeira, Procópio Ferreira e manuscritos de Orígenes Lessa.

Lençóis Paulista possui hoje cinco bibliotecas: BMOL, Maestro Julio Ferrari, Cecap,

5 Dados atualizados em 08 de abril de 2022. Disponível em: http://www2.lencoispaulista.sp.gov.br/v2/ noticia/6917/no-dia-nacional-da-biblioteca-acervo-informatizado-da-bmol-soma-160-mil-titulos.html. Acesso em: 10 nov. 2022.

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TERRITÓRIOS DA CULTURA

Alfredo Guedes e infantil Monteiro Lobato, e o Centro de Documentação localizado no Espaço Cultural Cidade do Livro.

A Biblioteca Municipal Orígenes Lessa foi fundada em 1961 e ganhou sede própria em 1963, em um prédio especialmente construído para abrigar o acervo que crescia a cada campanha de doação promovida pelo escritor que dá o nome à biblioteca.

O Espaço Cultural Cidade do Livro foi criado a partir da necessidade de preservar a memória, a identidade cultural e salvaguardar esse acervo único e de grande

valor. O Centro de Documentação abriga obras raras e revistas especiais, além do Arquivo Histórico Municipal com acervo de jornais, entre outros documentos relativos à cidade e região que podem ser acessados pela biblioteca digital.

Uma curiosidade é que a cidade possui um bairro com diversas ruas com nomes conhecidos de escritores brasileiros, como Carlos Drummond de Andrade, Procópio Ferreira, Menotti del Picchia e Manuel Bandeira, refletindo a homenagem do município aos autores que contribuíram com doações ao acervo.

MUNICÍPIO VERDE AZUL

Como muitas cidades do interior do estado de São Paulo, Lençóis Paulista tem seu nome derivado de seu rio. Em 2007, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo lançou o Programa Município Verde Azul, que visa descentralizar a gestão ambiental e incentivar a administração pública do interior paulista a colocar esse tema entre as pautas de governo. As dez diretivas do programa são: município sustentável; estrutura e educação am-

biental; conselho ambiental; gestão das águas; esgoto tratado; resíduos sólidos; biodiversidade; uso do solo; arborização urbana; e qualidade do ar.

Lençóis Paulista participa do Programa Município Verde Azul desde sua criação. Em 2016, esteve entre as 10 cidades melhor colocadas no Estado e foi a primeira colocada entre as 34 cidades da Bacia Tietê-Jacaré, tendo por isso recebido o prêmio Franco Montoro; hoje, o município está

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entre os 5 primeiros da lista de 645 municípios paulistas a possuírem o selo.6 As instalações públicas de Lençóis explicam essas conquistas: o Teatro Municipal Adélia Lorenzetti, por exemplo, apresenta piso externo permeável, calçada ecológica, iluminação com lâmpadas de LED, torneiras com temporizadores, reuso de recursos naturais, vasta arborização, cisternas para armazenamento de chuva, entre outras características arquitetônicas que fizeram a obra ser apresentada ao Programa Município Verde Azul como Instalação Pública Modelo de Sustentabilidade. Diversas creches e UBSs também seguiram esse modelo de engenharia sustentável.

Lençós Paulista possui cerca de 1000 nascentes em seu território que abastecem rios e córregos da região. No trecho

urbano, se encontram três nascentes e uma delas é considerada nascente municipal modelo, localizada no bairro Cecap. Em toda a extensão do Córrego da Prata, desde 2008, foi feito o plantio de aproximadamente 20 mil mudas nativas para restauração da mata ciliar, fauna e flora locais.

O Viveiro de Mudas Municipal João Romano tem capacidade de produzir até 10 mil mudas anualmente, e produz mudas nativas para recomposição de áreas degradadas e de matas ciliares, e também para arborização urbana.7

A nascente modelo, bem como as instalações localizadas no Centro de Educação Ambiental no Parque do Povo, são pontos importantes no desenvolvimento de ações de Educação Ambiental junto às creches, escolas e comunidade.

6 Dados atualizados em 25 de agosto de 2022. Disponível em: https://www.acontecenaregiao.com. Acesso em 10 nov. 2022. br/2022/08/25/lencois-paulista-e-top-5-entre-os-645-municipios-paulistas-no-selo-municipio-verde-azul/ 7 DIRETORIA DA AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE. Cartilha para Educação Ambiental Lençóis Paulista – SP. [201?]

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TERRITÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE

TERRITÓRIOS OLHARES NÔMADES IDENTIDADES TERRITÓRIOS CRIATIVOS

O FAZER ARTESANAL

O artesanato de uma região pode ser definido pelo conjunto dos “fazeres manuais” individuais na medida em que estes expressam a alma da localidade onde vivem. A noção de “tradição” está entrelaçada à definição do artesanato pelo fato desse fazer ser considerado um elemento componente do patrimônio cultural local e da memória coletiva de uma comunidade. Valorizar toda e qualquer criatividade presente permite oferecer um olhar renovado à dimensão cultural do território – o artesanato ganha em representatividade e simbolismo.

É sob esse aspecto que o fazer artesanal se dá como uma nova maestria manual, não apenas em relação à qualidade do produto, mas em relação à sua per-

HOMO FABER, O “HUMANO QUE FAZ”

formance comercial. O objeto artesanal é uma fonte de recursos econômicos obviamente importante para os artesãos empreendedores, mas também para aqueles que trabalham “por encomenda”, pois essa produção é um complemento significativo no sustento da casa e da família.

AS MANUALIDADES DE CADA UM

Um dos objetivos do projeto Nômade é identificar os traços culturais do lugar expressos na produção artesanal.

Em Lençóis Paulista o foco recaiu na valorização da manualidade e de objetos artesanais produzidos por um grupo de ar-

Em seu livro O Artífice, o sociólogo Richard Sennet considera que a expressão da habilidade artesanal humana extrapola o trabalho manual e engloba muitos outros fazeres em que ocorra a relação íntima entre a mão e a cabeça. A habilidade artesanal é como “um impulso humano básico e permanente, o desejo de um trabalho bem feito por si mesmo”8. O linguista Alfredo Bosi lembra que as palavras “artefato”, “artesão” e “artesanato” têm a mesma origem da palavra ARS (do latim artis), que também está na matriz da palavra “arte”. A palavra latina aparece ainda na raiz do verbo “articular”, que significa “fazer junturas entre as partes de um todo”. ARS integra também os termos “artista” e “artífice” (do latim artiflex), que significa “o que faz a arte.”9

8 SENNETT, Richard. O artífice. Rio de Janeiro: Record, 2009.

9 BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. 7. ed. São Paulo: Ática, 2009. (Série Fundamentos).

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tesãos individuais. É essencial que se perceba a engenhosidade de um trabalho pouco reconhecido, sobretudo em seu valor econômico: a partir da valorização do trabalho manual é possível perceber o valor do tempo, da dedicação e do empenho que cada um incorporou em seu produto final.

Outra peculiaridade foi ver que a maioria dos participantes eram mulheres, sendo mais um motivo para se valorizar as identidades de cada artesã, contando suas histórias e de seu universo feminino e familiar repleto de riqueza e emoção. Nesse sentido, as manualidades locais ganharam um novo relevo, uma nova cor, e uma nova perspectiva – trata-se, portanto, de adquirir novas maneiras de olhar para o fazer manual.

O Nômade convida a conhecer as artesãs e o artesão que fizeram parte desse grupo, cujas histórias de vida se confundem com a prática do fazer artesanal. Desde muito cedo esses artesãos usam suas mãos para dar vida a produtos cujo valor não têm preço. No processo iniciado em Lençóis Paulista, os personagens nos contam sobre suas memórias e como forjaram as diferentes identidades do fazer – no projeto, eles passam a protagonistas de uma trajetória de desenvolvimento de novas capacidades que recebeu o aporte de conhecimentos trazidos do design e de outras artes, e do resgate da cultura presente na região.

O objetivo principal do projeto Nômade é promover a valorização do artesão, seja em que modalidade for – individual ou em grupo.

O que queremos entender é como a produção acontece, e valorizar isso. Aqui em Lençóis Paulista, a gente tem várias formas de produção manual: tem pequenos produtores, tem empreendedores, mas nós nos aproximamos de um grupo de artesãos que está se organizando de maneira promissora com o apoio da Secretaria de Turismo. Depois dos primeiros contatos, a gente começa a ver que eles têm uma cara própria, cada um tem o seu projeto, seus materiais, sua proposta criativa e seu modo de trabalhar e produzir. Então, identificamos que o que nós precisávamos trazer era mais repertório, mais informações, mais ferramentas com as quais eles pudessem ampliar o olhar para seu ‘fazer manual’.

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Sob a perspectiva do projeto Nômade, é importante descobrir os talentos e recursos latentes em cada artesão, revelando suas habilidades. O produto manual de cada um é, de alguma forma, um retalho da identidade artesanal do grupo, uma identidade artesanal local. Contamos a seguir um pouco do percurso de cada um.

Começamos na Amazônia. Conhecemos comunidades ribeirinhas de diferentes regiões e lá entendemos que era preciso nos envolver com as pessoas, pois são elas que preservam os saberes, as técnicas e a maneira de trabalhar os materiais relacionados ao seu modo de vida. O envolvimento com as pessoas é o que guia até hoje nosso projeto: conhecer histórias, desenvolver ideias e poder colaborar para realizar sonhos.

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CASSIANA GOMES PEREZ

O sonho de Cassiana está a alguns anos de se realizar: aposentando-se, ela planeja aproveitar suas tardes na companhia da máquina de costura, tecendo. Às vezes, na loja de cosméticos onde é vendedora, tem ideias de costuras e bordados, e fica ansiosa para chegar em casa e pô-las em prática. Criança, costumava brincar com seus três irmãos no sítio onde nasceu, em Lençóis Paulista. Todos vestiam roupas feitas pela mãe em uma clássica máquina de costura manual – “aquela pretinha”, descreve.

Por volta dos 10 anos, Cassiana e a família mudaram-se para uma casa no centro de Lençóis e passou a frequentar a escola. No quintal da casa do centro, sua brincadeira era vender doces para as amigas do bairro em uma barraquinha improvisada. Vendia também pulseiras que ela mesma fazia com os fios elétricos que sobravam da troca das lâmpadas da rua. Mais tarde, costuraria suas primeiras peças: como a mãe, começou sem fazer curso, se orientando somente pelas lembranças da antiga máquina pretinha; como a mãe, costurava para vestir o seu bebê.

Casada, aprendeu a fazer panos e toalhas bordadas para o uso da casa. Uma das principais preocupações de Cassiana quando sentada à máquina de costura é a

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utilidade dos itens que produz: panos de prato, para secar as louças; panos de copa, para cobrir bolos e tortas e enfeitar a cozinha; bate-mãos, onde se deve secar as mãos sujas da rua - nunca no pano de prato! As funções são para ela tão importantes quanto a beleza. E a beleza, por sua vez, é a vida que ela procura dar aos animais que borda, abotoando olhos nas corujas, prendendo laços aos rabos das galinhas.

Ela gostava de presentear as amigas com seus panos coloridos, até que começou a receber encomendas: assim como vendia para meninas de sua idade nas brincadeiras do quintal, passou a vender para mulheres como ela, casadas, mães, zelosas com os cuidados da casa. Mas Cassiana só passou a enxergar no seu trabalho uma fonte real de sustento quando a igreja que frequentava teve todos os seus instrumentos musicais furtados, e ela pôde ajudar na recuperação do dinheiro com a produção e venda de panos de prato.

Morou em Goiás por 8 anos, em razão da transferência de cargo do marido. O casal retornou a Lençóis Paulista assim que pôde – achavam a cidade mais tranquila e menos violenta. Não esperavam que, passado um mês de sua chegada, seria decretado o início da pandemia de Covid-19. Na ocasião, Cassiana aprendeu

a fabricar máscaras de proteção. Preocupada com a quantidade de crianças circulando nas ruas de rosto descoberto, ela passou a confeccionar máscaras infantis e encaminhá-las à doação. Durante o isolamento social, fez também um curso online de costura de vestimentas.

Durante uma Feira de Natal em Lençóis Paulista, foi convidada pela Secretaria de Turismo a participar do projeto Nômade. Quase não aceitou: “eu só faço panos de prato”. Mas começou a frequentar e, admirando o trabalho dos outros, passou a admirar seu próprio. Melhorou as fotografias dos produtos; aprendeu a usar a paleta de cores; adquiriu a técnica de tingimento natural. Também criou laços profissionais e afetivos com um grupo de mulheres artesãs: “um dos presentes do Nômade vai ser a amizade delas”.

Eu falo que não é só o valor financeiro.

A gente está vendendo o tempo e o amor, pois a gente coloca muito amor no nosso trabalho. Tem coisas que têm preço.

Mas para a gente que gosta de fazer artesanato, ele não tem preço, ele tem valor.

CRISTIANE MAGDALENO DE ALCÂNTARA CORREIA

Cristiane foi a sorteada de número 79. Eram cinco mil pessoas inscritas e 452 casas. E ela havia dito a todos: “são apenas 451 casas em sorteio, porque uma delas já é minha”. Chegou a deixar o emprego para não ultrapassar o limite de ganhos familiares requerido pelo programa Minha Casa, Minha Vida. O psicólogo alertou: “o sorteio vem de sorte”. Mas a ela, já tendo a sorte, só faltava o sorteio. Conhecida como Cris Correia Bordados, é casada e tem três filhas.

Na infância, em Lençóis Paulista, onde nasceu, passava o tempo livre em casa, com a mãe – o pai trabalhava como bituqueiro na usina Barra Grande, recolhendo os pedaços de cana restantes no chão para levá-los ao maquinário de produção de açúcar. Cristiane observava, então, a mãe fazendo fuxicos e carambolas no crochê, mas não conseguia imitar. Insistindo que queria aprender, foi colocada no “centrinho educativo”, atual Centro de Convivência. Aos poucos, conseguiu: sentada ao lado da mãe, que crochetava tapetes, ela passou a bordar biquinhos coloridos para emoldurar guardanapos de pano.

Aos 9 anos, Cristiane deu vida àquela que seria sua primeira boneca de lã. Aos 12, descobriu a técnica de que mais gostava, o ponto-cruz, que aprimorou até conseguir fazer o “avesso perfeito”, sem marcas de acabamento. Aprendeu ainda a usar a “ca-

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neta mágica” para desenhar no tecido antes de bordar. Enquanto desenvolvia o fazer manual, foi jovem-aprendiz, aos 14 anos, na recepção de um escritório de advocacia; ia para a escola à noite. Além da escola, fez cursos de informática e atendimento ao cliente. Teve ocupações diversas: operando a telefonia no gabinete do prefeito ou atendendo em um balcão de frios, jamais abandonou a prática do bordado.

Cristiane gostava de costurar presentes para a mãe e itens de uso cotidiano. Fez sua primeira venda aos 26 anos. A cliente, sua amiga, foi também a responsável pelo início da divulgação de seu trabalho. Nessa época, ela tentou fazer enxovais em vagonite, mas não gostou; sua arte era mesmo o ponto-cruz. As primeiras vendas cobriam o custo dos rolos de linha e lhe renderam somente a fidelidade dos clientes, que até hoje procuram seus bordados; mais tarde, participando do projeto Nômade, Cristiane aprenderia a precificar seus produtos de acordo com o valor de seu trabalho.

Aprenderia, também, a dizer não. Cristiane conta as dificuldades emocionais que já enfrentou por desconsiderar os próprios limites e aceitar todas as demandas dos clientes: pedidos muito grandes, prazos muito curtos, mudanças repentinas que a obrigavam a desmanchar peças recém-bordadas, devoluções injustificadas. Certa vez, a uma semana do Natal, se com-

prometeu a fazer toalhas com as quais o cliente presentearia a família. Bordou até de madrugada por alguns dias seguidos; foi tomada pela angústia e pelo receio de não conseguir entregar um trabalho pelo qual já havia sido paga. À época em que entrou para o Nômade, Cristiane sofria de sintomas físicos provocados pelo quadro de depressão. Seu marido mudara de emprego recentemente, sua filha tinha crises de ansiedade, ela se sentia instável e um pouco perdida. Instigada por perguntas da Tania, coordenadora do projeto, ela se lembrou daqueles que lhe haviam inspirado a começar a prática da costura e transformou uma foto de família em bordado de ponto-cruz. A algumas perguntas lançadas durante as oficinas, demorou a responder. “Qual é a sua identidade?”, ela repete. “Eu confesso que até hoje eu não descobri qual é a minha identidade. Sério, entendeu? Não consegui descobrir.” Mas tem um palpite: “às vezes eu tiro foto de uma flor, às vezes de uma árvore. Esses dias eu tirei foto de um beija-flor e fiquei matutando como poderia transformar aquilo em bordado. Eu gosto muito da natureza. Eu acho até que essa seria a resposta.”

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FILOMENA RIO BRANCO DE SOUZA GONÇALVES

Quando criança, Filomena visitava frequentemente a avó, que já não enxergava bem, mas lhe ensinou a dar os primeiros pontos de crochê. Ela conta que a avó fazia suas próprias agulhas em bambu.

Aos 17 anos, pouco antes do casamento e preparando seu enxoval, tentou fazer uma toalhinha; o tecido emborcou e virou uma capa de liquidificador, mas, mesmo assim, ela ficou orgulhosa: queria ter, em sua nova casa, peças produzidas com suas mãos.

Dona de casa e com 4 crianças, foi aprendendo com as revistas. Filomena também manejava agulhas de tricô. Quando trabalhava em uma creche, aproveitava os horários de soneca das crianças para ensinar as colegas; juntas, elas faziam casaquinhos, toucas e meias infantis para, no inverno, entregar às mães.

Ela nasceu na Zona Norte da capital de São Paulo e se mudou para Lençóis Paulista em maio de 2000. No começo, foi difícil. Não tinha como comprar agulhas nem linhas. Algum tempo depois, começou a receber o Bolsa Família e pôde investir um pouco em seus materiais de trabalho. Foi então que a filha mais velha aprendeu o bordado ponto-cruz e juntas começaram

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a produzir peças sob encomenda: toalhas de mesa bordadas com acabamento em crochê, enxovais de bebê, panos para a cozinha, caminhos de mesa, tapetes.

A clientela aumentou. Sustentou a casa por anos com o crochê, a costura e os consertos de roupas. Hoje em dia, ela usa agulhas com cabo emborrachado e no seu estojo tem algumas agulhas de bambu que a lembram de sua avó.

A técnica adotada por Filomena é a do crochê moderno, com pontos mais elaborados que os do “crochê de vovó”. Ela gosta de fazer bolsas e cachepôs – ou “cachepotes”, como diz, nome que sugere a função desses objetos. Neles, pode-se guardar perfumes, colônias, itens de cuidado com recém-nascidos e o que mais se queira.

Filomena diz que participar do Nômade abriu sua mente: se sente mais segura para combinar cores e mostrar melhor seus produtos. Adorou o Festival do Feito à Mão. Lembrou da cidade de Ibitinga, onde um grupo de mulheres se organizou, e transformou a cidade em um polo do bordado. “Um movimento como esse seria muito interessante aqui em Lençóis, iria ajudar muita gente e também a cidade.”

Filomena se lembra da Casa do Artesão, ponto fixo de venda de artesanato que funcionava no centro da cidade e foi fechado por ocasião de uma enchente em 2016 e também das barracas na rua 15. Ela conta que, desde 2021, a Secretaria de Turismo está fazendo reviver o artesanato na cidade. Foi na Feira de Natal do ano passado que conheceu o projeto Nômade.

2021, a Secretaria de Turismo está fazendo reviver o artesanato na cidade.

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GERALDINO FREIRE COSTA

YOLANDA RAMOS MATOS DA COSTA

Yolanda tem 61 anos; nasceu em Santos, mas mora há 35 anos na cidade de sua mãe, Lençóis Paulista. Ela tem formação técnica em Contabilidade. Se lembra da avó, que fazia rendas: gostaria de ter aprendido com ela. Geraldino, 65, é lençoiense e morou em uma usina nos arredores da cidade até seus 29 anos. Estudou até a quinta série – seu único arrependimento é não ter ido adiante. Começou a trabalhar aos 12 anos, mas diz não poder

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reclamar da infância: nadava no rio represado, jogava bola e caçava usando estilingues. Já foi frentista, operador de filmes e funcionário de fábrica de celulose.

Os dois são casados há quase 32 anos. Em 1988, Geraldino conheceu Yolanda e o artesanato. Ela havia começado há pouco um curso de pintura em tecido e ele, para acompanhá-la, aprendeu a moldar fibras de bananeira e bagaço de cana-de-açúcar, plantas que fizeram parte de seu cenário de infância. Hoje em dia eles são, além de um casal, uma dupla profissional: ele molda, ela pinta. Mas Geraldino diz que não é artesão e que nem pretende fazer da sua arte uma fonte de renda. Yolanda explica: “ele gosta de estar assim, brincando”.

Yolanda também não se via como artesã, no começo, quando estava aprendendo a pintar panos de prato. Aconteceu que uma amiga viu seu trabalho, pediu que a ensinasse, depois chamou outras amigas; hoje, Yolanda tem uma turma de quase 20 alunas, cujas idades variam entre 9 e 70 anos. Ela vive do artesanato. Sua técnica principal é a pintura em tecido, mas ela também confecciona bonequinhas de crochê, panos para copa e cozinha, flores em palha de milho – gosta de aprender de tudo um pouco.

O artesanato já trouxe a Yolanda alegrias

e decepções; se orgulha de ter pintado, em uma toalha de mesa de 3 metros, a imagem da Santa Ceia – fruto de 2 semanas de trabalho, a peça acabou por não servir à mesa, devido a um erro de corte da costureira. A natureza, que lhes dá um dos materiais de trabalho, às vezes também atrapalha: “sol, chuva, poeira”. A pandemia de Covid-19 foi outro grande obstáculo que o casal enfrentou; as vendas diminuíram, e eles pararam de participar de diversas feiras às quais iam desde os anos 2000; as viagens pararam de compensar.

O casal conheceu o projeto Nômade através de um convite da Secretaria de Turismo. Yolanda, que mexe com cores, apreciou especialmente as aulas de tingimento natural e de uso da paleta cromática. Ela também conta que passou a fotografar melhor seus produtos para divulgação, prestando mais atenção nos ângulos e cenários. Geraldo ainda não se convenceu de ser artesão, mas, participando das oficinas, aprendeu a divulgar e vender melhor seu trabalho com o bagaço de cana, que ele reconhece ser inovador.

Questionados se o artesanato continuará na vida do casal pelos tempos futuros, Yolanda responde: “até que a morte nos separe”. E Geraldino não hesita em acrescentar: “se ela for, tem que acompanhar”.

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Só quem faz é que entende o valor desse artesanato: é coração, é amor, é alma. Yolanda Ramos Matos da Costa

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MARIA TEREZA CACCIOLARI CAIOLA ANDREZZA CACCIOLARI CAIOLA

A bisavó Tereza; a avó Zeina; a mãe Maria Tereza; a filha Andrezza – todas artesãs, de ascendência italiana, nascidas em Lençóis Paulista. Os enxovais de bebê, os vestidos, as roupas das crianças foram sendo feitas pelas mulheres da família, que ensinavam às gerações seguintes. “Você pode pegar cursos na internet, você aprende um batidão”, explica Andrezza, “mas aquele pontinho misturado tem sentimento. Eu aprendi com quem eu amo”. E, mesmo aprendendo juntas, cada uma tem sua técnica preferida: Maria Tereza faz bijuterias e orna tecidos com pedrarias; Andrezza restaura e customiza imagens sacras.

Maria Tereza cursou Artes Industriais na UNESP de Bauru, mas não conseguiu ser professora de educação artística e acabou passando em um concurso da Nossa Caixa Nosso Banco. Hoje, é aposentada. Andrezza queria ser arquiteta; se formou em um curso técnico de Edificações e trabalhou na área de compras da Prefeitura por 11 anos, até passar em outro concurso para monitoria cultural. Hoje, ela dá aulas de artesanato para crianças e adolescentes em Centros de Convivência. Para as duas, o trabalho artesanal é fonte complementar de renda – mas elas contam que, a depender do mês, acaba sendo a fonte principal.

As duas têm saudades dos domingos em que a família se reunia na calçada, sob alguma árvore, e passava a tarde bordando e conversando. Também se lembram dos encontros no sítio, onde os adultos iam ajudar com as plantações de cana, café e milho, enquanto as crianças brincavam com a terra, as sementes e os tocos de madeira. Todos foram se afastando conforme as crianças cresceram, mas Maria Tereza e Andrezza permaneceram unidas pelo artesanato – e as duas participaram juntas dos encontros do projeto Nômade.

Maria Tereza e Andrezza já tinham lido sobre as oficinas de artesanato e design nos livros sobre os outros municípios da região, e ouvido falar sobre a ida do projeto a Lençóis Paulista. Em dezembro, na Feira de Natal, conheceram a equipe e foram convidadas a participar. Elas são gratas pelas “chacoalhadas” que receberam durante as aulas: estavam “mecânicas, bitoladas”, fazendo as peças somente pela venda; voltaram, como nos tempos das reuniões de família na calçada, a dar atenção às cores, aos tecidos, às formas, ao tempo e à paixão dedicados a cada peça. Hoje, mãe e filha são artesãs pelo prazer de ter um dom em comum.

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O Nômade amplia nosso olhar. É um despertar. As oficinas valorizam nosso trabalho – a gente vê que o que a gente faz também é arte, pois não é todo mundo que tem esse dom. Andrezza Cacciolari Caiola

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ZENIL FRANCISCO DOS SANTOS CONTI

O primeiro artesanato que Zenil vendeu foi um lápis com ponteira de unicórnio. O que mais lhe deu orgulho foi um boneco de feltro do Bafo, personagem da Disney. À época, não desenhava, mas enfrentou o desafio e a cliente, uma criança, adorou. Artesã, aos 61 anos, Zenil se lembra pouco da infância. Nasceu em São Bernardo do Campo, perto de uma fábrica da Volkswagen, e nas ruas dessa vizinhança cresceu brincando com os irmãos. O pai era carpinteiro; a mãe, dona de casa, sempre costurou para a família. Hoje aposentada, costura panos de prato para usar e dar de presente. Sua irmã mais velha gosta de tricô, e seu irmão tem jeito para os serviços da casa – acertar uma tomada, pendurar um vaso. Apenas a irmã mais nova não é chegada nessas coisas.

Aos 17 anos, após a separação dos pais, Zenil mudou-se com a mãe e os irmãos para Lençóis Paulista, onde terminou o colégio e completou o curso técnico em Contabilidade. Trabalhando como secretária de Recursos Humanos na usina São José, conheceu o marido. Pouco tempo depois, por ocasião de um corte em seu departamento, foi dispensada; aventurou-se em abrir uma malharia. O negócio não durou muito: Zenil engravidou e preferiu

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dedicar seu tempo à maternidade. Aos 53 anos, vendo que o filho já não precisava mais dela, Zenil decidiu cursar Pedagogia. Fez um estágio de 2 anos, mas, depois, nas entrevistas de emprego, via-se sempre preterida por candidatas mais jovens. Inquieta, Zenil viu uma nova oportunidade sendo oferecida pela Prefeitura de Lençóis: um curso de artesanato.

Tomou gosto pela coisa e, em 2018, abriu um ateliê, onde trabalhava das 9 às 18 horas, “como se picasse ponto”. Começou fazendo bonecos de feltro; com ajuda da internet, aprendeu outras técnicas e passou a aplicar a costura criativa na confecção de nécessaires e chinelos. Durante a pandemia, fez bolsas térmicas calmantes, com camomila e erva doce. Em 2021, foi premiada pelo projeto Dona Della, realizado pela Bracell Social e pela Rede Mulher Empreendedora. O dinheiro do prêmio, Zenil investiu em máquinas de costura, tecidos, materiais para o ateliê e capacitações. Algum tempo depois, através da Secretaria de Turismo, conheceu o projeto Nômade. De início, não teve certeza, mas, ainda bem, decidiu participar: ela conta que o projeto lhe apresentou um novo olhar sobre seu próprio trabalho.

Com as oficinas de cor, Zenil adquiriu

autonomia para criar e apresentar seus produtos. Aprendeu também a observar os interesses da clientela, adaptando sua produção e aprimorando sua comunicação de venda. Mas a principal contribuição das oficinas se deu na relação de Zenil com a técnica do patchwork: o receio de se arriscar com os retalhos se transformou em paixão, e hoje a técnica é sua especialidade. Os retalhos a agradam, e ela explica o motivo: “eu sou meio esquisita, não gosto de tudo igual”.

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FRANCISCA

EUGENIR DE SOUZA ALENCAR DA CONCEIÇÃO

Francisca nasceu em Aiuaba, Ceará, onde passou toda a sua infância. Vivia com a família e, com sua mãe e irmãos, trabalhavam como agricultores. Para ajudar no sustento da família, ocupava-se ainda da confecção de bordados, especialmente ponto-cruz e de artesanato local.

Na adolescência, foi morar no Espírito Santo com o pai, enquanto a mãe se mudou para Lençóis Paulista. No Espírito Santo, trabalhou como balconista em uma rede de padarias. Um ano depois, decidiu acompanhar a mãe, na expectativa de encontrar melhores condições de trabalho. Concluiu o Ensino Médio em uma escola lençoiense e foi contratada para trabalhar na cozinha de uma rotisseria. Nesse período teve despertada sua vontade em atuar no ramo alimentício e iniciou sua formação nesse segmento, realizando diferentes cursos na área de confeitaria e panificação, ambos ofertados pela iniciativa pública.

Em 2019, ficou desempregada e, com o apoio da família e do marido, decidiu empreender, abrindo uma pequena empresa. Iniciou em casa a fabricação e comercialização de salgados, bolos e doces para festas. A opção pelo trabalho em casa foi fundamental, pois dessa maneira ela po-

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deria, ao mesmo tempo, trabalhar e estar com as filhas pequenas.

Para aperfeiçoar suas receitas, Francisca se formou em Confeitaria e Salgaderia profissional pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, além de concluir outros cursos profissionalizantes relacionados.

Pela necessidade de aperfeiçoar o registro fotográfico e a divulgação dos seus produtos em redes sociais, se interessou em participar do projeto Nômade. A oficina de Fotografia e Marketing Digital deu a ela os recursos necessários para conquistar mais clientes e administrar os perfis de sua empresa na internet.

O projeto foi, nas palavras de Francisca, um divisor de águas em sua vida profissional: lhe deu coragem e autoconfiança nas ações relacionadas ao seu empreendimento. Aos 32 anos, comanda com sucesso a marca Francisca Alencar Doces & Salgados. Sua especialidade são os bolos decorados, que faz de maneira personalizada para cada cliente. A cada encomenda ela se sente desafiada a utilizar novas cores, inovar nos detalhes e enfeites: a cada criação, se sente mais realizada e feliz.

CUPCAKE

(FRANCISCA ALENCAR)

• 3 ovos

• 60ml de leite • 90ml de óleo • 100g de açúcar • 120g de farinha • 12g de fermento.

Preparo: Bater no liquidificador os ingredientes líquidos com açúcar. Depois, misturar levemente os ingredientes secos com um fouet. Assar a 160°C por 24 minutos.

Rendimento: 12 unidades (tamanho médio)

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OLHARES NÔMADES TERRITÓRIOS CRIATIVOS IDENTIDADES TERRITÓRIOS

O SABER MANUAL

Desde 2010, o projeto Nômade vem sendo realizado no interior paulista, onde quer resgatar aspectos culturais e históricos do território, valorizando a identidade regional. Mas seu principal alvo, nesta edição, foi a valorização de todo tipo de fazer manual e das habilidades individuais de artesãs e artesãos. Para iluminar e dar relevo às “manualidades” presentes no território, o Nômade busca, antes de tudo, proporcionar aos participantes um ambiente inspirador, estimulando a interação, a colaboração e a troca de saberes. É através da ampliação de repertórios que os encontros criativos despertam a curiosidade e abrem os horizontes de cada artesão. Para isso, o projeto ofereceu novos conhecimentos, ferramentas e práticas que apoiam o fazer manual e criativo.

Em Lençóis Paulista, a série de encontros dos profissionais de variadas áreas com os artesãos teve como tarefa facilitar a criatividade, estimulando diferentes olhares sobre o objeto artesanal. Os laboratórios de cocriação e as oficinas criativas ofereceram esse espaço ideal de trabalho para o intercâmbio de ideias e experiências entre os participantes.

Os encontros aconteceram de fevereiro a agosto e tivemos a participação de artistas, artesãos, designers, empreendedores, pequenos produtores, estudantes e pessoas interessadas em processos criativos. As atividades foram presenciais, com duração de 4 horas, e abertas ao público em geral, sem necessidade de conhecimento prévio dos temas oferecidos.

UM “OUTRO OLHAR”

O fio condutor dos laboratórios de cocriação foi o de trazer um “outro olhar” para a esfera do artesanal. Foram propostos diversos exercícios para desenvolver conexões e possibilitar testes e experimentações, estimulando a liberdade criativa. Nesse processo, que vai do inspirar ao testar, o “erro” é muito bem-vindo, pois muitas vezes nos surpreende como acerto ou nos dá a possibilidade de recomeçar, buscando novos caminhos e outras direções.

O ambiente das oficinas criativas foi igualmente inspirador, com muita interação

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Os encontros do projeto Nômade aconteceram no Espaço Cultural Cidade do Livro com apoio da Secretaria de Cultura de Lençóis Paulista.

e colaboração entre os participantes, onde a troca de saberes, ideias e experiências foram as palavras de ordem. Elas foram divididas em blocos temáticos: Comunicação, Sustentabilidade, e Culturas Tradicionais. A todo tempo foram incentivados e valorizados a cultura do “feito à mão”, a pesquisa e o resgate de técnicas tradicionais.

As oficinas reunidas sob o tema COMUNICAÇÃO trouxeram conhecimentos do marketing digital, fotografia e vídeos para redes sociais, complementados com saberes técnicos para a aplicação na criação, comunicação e divulgação de produtos, caso da Oficina sobre Cores e Oficina de Teatro.

As oficinas do tema SUSTENTABILIDADE – Moda Sustentável e Impressão Botânica – propuseram uma importante reflexão sobre consumo consciente e boas práticas que podem impactar positivamente a nossa saúde e o meio ambiente, falando da importância de um olhar mais

CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO

sensível para a preservação e resgate do bioma da região.

As oficinas sobre CULTURAS TRADICIONAIS discutiram a formação do povo paulista, marcada por violência e invasão do território dos povos originários e pela miscigenação que se seguiu. Por outro lado, esses encontros despertaram memórias afetivas dos modos de vida e costumes tradicionais, tanto dos povos indígenas quanto dos mestiços caipiras, visando resgatar hábitos mais saudáveis e de menor impacto para o meio ambiente.

Para a realização das oficinas, foram convidados profissionais de diversas áreas do design, do artesanato e das artes que trouxeram conteúdos específicos, compartilhando com os participantes seus próprios processos criativos. Os facilitadores são também criadores. Eles são os responsáveis por estimular a criatividade individual, ampliando a percepção sobre o

A criatividade é expressão da bagagem cultural que cada um carrega, mas pode ser modificada pelo ambiente. Ela pode ser influenciada pelo repertório individual – por tudo que está incorporado em nossos hábitos, o que sabemos, lemos, assistimos e experimentamos. Cada pessoa tem um método próprio de criação e desenvolve diferentes

estratégias para se inspirar, organizar as ideias e combinar referências, bem como para finalizar os projetos. Experimentar novas estratégias e renovar hábitos traz inovação. A união entre criatividade e inovação é fundamental tanto para nossas atividades do dia a dia quanto para as profissionais. Essa dupla pode ser entendida como uma parceria de grande impacto e sucesso.

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processo criativo de cada participante ao motivar a busca de inspiração em “lugares que não aqueles já conhecidos”, pois o objetivo é provocar a imaginação e novas ideias, e, ao final, estimular novas práticas. e “outros olhares”.

O último encontro foi um laboratório-oficina: Festival do Feito à Mão, uma experiência de criação colaborativa idealizada pelos integrantes do Laboratório de Cocriação.

inspirar

ARTESANATO E TURISMO

No laboratório Artesanato e Turismo, os artesãos puderam observar como os aspectos culturais e econômicos da cidade onde vivem podem ser referências e inspiração para a produção artesanal. Os elementos simbólicos e iconográficos representativos da cidade podem inspirar linhas de produtos com identidade visual baseada nos principais atrativos da cidade. Esse tipo de artesanato representa uma alternativa de ampliação do mercado para o artesão e é importante para o setor turístico.

Em diálogo com o tema desse encontro, a Secretaria de Turismo de Lençóis Paulista ofereceu aos artesãos um City Tour. No passeio, o grupo visitou os principais pontos turísticos e culturais da cidade, conhecendo a história e as curiosidades de cada um deles. A observação da cidade com um olhar de turista é também um estímulo à criatividade dos artesãos, inspirados pela curiosidade. O City Tour passou pelos seguintes locais: Vinícola Casagrande, Engenho São Luiz, Santuário Nossa Senhora da Piedade, Teatro Municipal Adélia Lorenzetti, Biblioteca Municipal Orígenes Lessa e Espaço Cultural Cidade do Livro.

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valorizar

ARTESANATO E ARTE

No laboratório Artesanato e Arte, foi trabalhado um sentimento que os artesãos apresentaram em comum: a pouca valorização do trabalho manual. O grupo exercitou a desconstrução do olhar sobre objetos e ideias referentes à produção artesanal, para então percebê-los enquanto itens únicos e especiais em suas características técnicas, materiais e simbólicas.

Os objetos foram despidos de sua funcionalidade e observados por suas cores, formas e texturas. Em seguida, foram reorganizados, pelos artesãos, em molduras de diversas cores e tamanhos, e depois expostos sobre a mesa, constituindo uma exposição que individualizou e valorizou cada objeto ao mesmo tempo em que estabeleceu diálogos entre eles.

O resultado foi um grande mural colorido, repleto de formas e conexões, demonstrando o deslocamento de sentido pelo qual um objeto pode passar ao se aproximar da prática artística, do fazer manual e do design.

SARDELLA

(MARIA TEREZA)

• 4 beringelas grandes

• 100g de aliche ou sardinha salgada

• 1 lata de sardinha

• Salsa picada

• 4 pimentões vermelhos sem sementes

• 1 cebola picada

• Pimenta calabresa a gosto

• Azeite

Preparo: Refogar tudo. Deixar esfriar, bater no liquidificador e voltar ao fogo por mais 5 minutos.

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experimentar

ARTESANATO E INOVAÇÃO

No laboratório Artesanato e Inovação, foi destacada a importância do acúmulo e combinação de referências para o processo criativo. A partir de um tema previamente definido, os participantes selecionaram objetos, materiais, cores e técnicas. Essa atividade estimula uma produção ativa e proporciona uma base a partir da qual os artesãos podem experimentar as-

sociações e combinações em busca de um trabalho original.

As referências selecionadas nessa busca foram reunidas para integrar Quadros de Inspiração – colagens de imagens, amostras de materiais e paletas cromáticas com função norteadora. Foram resgatados os temas, abordados nos encontros anteriores, relativos à identidade de Lençóis Paulista e a seus pontos de interesse turístico e cultural. A partir de temas sugeridos, os artesãos utilizaram a criatividade para agrupar tecidos, mesclar texturas, combinar cores e aplicar técnicas.

ALICELLA

(MARIA TEREZA)

• 120g de aliche (anchovas picadas)

• 1 xícara de azeite

• 3 dentes de alho

• Salsa.

Preparo: Refogar tudo. Fora do fogo, colocar uma xícara de azeitonas verdes picadas.

Christian é designer, consultor e professor. Argentino, é formado em Desenho Industrial e mora no Brasil desde 1996. Direciona o design para o desenvolvimento de ações de sustentabilidade e inovação social e projetos exploratórios. Coordena projetos para empresas, governos e instituições

de diferentes países da América Latina. Coordenador de Projetos do Centro de Inovação IED Brasil onde também é professor de graduação e pós-graduação. É idealizador e fundador do projeto Nômade.

Convive com fazer manual desde infância, sua mãe costurava,

tem lembranças da avó que fazia massas caseiras e do avô que tinha uma oficina onde fazia consertos de objetos e trabalhava com madeira. Christian construiu seu primeiro banco aos 10 anos com dois amigos da escola. Gosta de pensar com as mãos e de trabalhar com madeira.

CHRISTIAN ULLMANN

COMUNICAÇÃO

MARKETING DIGITAL, FOTOGRAFIA E VÍDEO DE PRODUTOS PARA REDES SOCIAIS

Nas oficinas Marketing Digital, Fotografia e Vídeo de Produtos para Redes Sociais, foram apresentados os benefícios que a tecnologia oferece aos artesãos e outros empreendedores. O uso de celulares e redes sociais pode ampliar as vendas, reduzir os custos e dar autonomia ao artista manual.

Os principais temas trabalhados nas oficinas foram: recursos dos celulares, ferramentas das redes TikTok e Instagram,

PAULA MACHADO

Paula Machado é jornalista, fotógrafa e cozinheira. Fotógrafa profissional por mais de 10 anos, agora ministra cursos e oficinas sobre a técnica. Especializada em Processos, Gestão e Cultura Contemporânea, também idealiza

e estratégias de comunicação digital. Os artesãos aprenderam a configurar as câmeras de celular, a compor a iluminação e o cenário através de técnicas caseiras e a editar fotos e vídeos. Também receberam dicas para aumentar o engajamento no perfil. Por fim, conheceram o conjunto de etapas da “jornada do consumidor”, o funcionamento dos algoritmos e as diferentes formas de criação de conteúdo.

projetos culturais e comunicação digital para marcas e pessoas.

Paula começou a fotografar desde bem jovem, o que também ocorreu no aprendizado da culinária, ambas atividades afetivas de sua infância. Ela gosta de en-

sinar aquilo que sempre esteve presente em sua vida, e hoje esses dois universos fazem parte do seu dia a dia profissional: além de fotógrafa, Paula é produtora em uma agência especializada em gastronomia para eventos.

CORES: ENTENDER, SENTIR, COMBINAR

Na oficina Cores, foram apresentados os efeitos das cores nas emoções, no humor e na percepção da realidade. O objetivo foi evidenciar aos participantes a importância de dominar esses diferentes estímulos durante a montagem de um ambiente ou a confecção de um produto, considerando que não há um único modo de usar as cores: tudo depende da intenção de cada projeto.

Durante a oficina, os presentes discutiram o conceito de cor; conheceram o Prisma de Newton e os sistemas RGB, RYB e CMYK; aprenderam a utilizar o círculo cromático, a paleta de cores e as técnicas de composição e harmonia; estudaram as categorias e características das cores; refletiram sobre as simbologias e mensagens de cada cor; e foram apresentados a aplicativos que auxiliam no processo de escolha das cores.

Herbert Allucci é designer gráfico. Dirige a empresa Allucci & Associados Comunicações, que desenvolve projetos gráficos, realiza editoração eletrônica, produz materiais de divulgação e gere pla-

taformas de comunicação digital como sites e redes sociais. Herbert também faz o planejamento cenográfico e audiovisual de eventos.

Sua relação com as manualidades vem da infância: aprendeu a

crochetar com a avó e já ensinou a atividade a amigos e filhos. Ele também gosta de fazer objetos artesanais, utilizando todo tipo de material. Além disso, é pianista, compositor e cantor.

HERBERT ALLUCCI Herbert Allucci

TEATRO E ARTESANATO

Na oficina Teatro e Artesanato, foi apresentada a relação entre os fazeres artesanal e teatral, bem como a inserção de ambos no conceito de economia criativa. Aplicando técnicas do teatro e exercícios lúdicos, buscou-se desencadear dois processos essenciais: a desinibição, que incentiva a formação de laços afetivos e o despertar de olhares diversos sobre a realidade, que potencializa a criatividade.

Os artesãos participaram de jogos e atividades que estimulam o pensamento rápido e espontâneo, funcionando como gatilhos para processos criativos. Realizaram a leitura do livro “Chapeuzinhos Coloridos”10 , que propõe diferentes versões de um mesmo enredo. Construíram personagens fictícios, cenários e figurinos. Por fim, discutiram o papel das cores na construção psicológica de personagens.

SABRINA LEME BURATO

Sabrina Burato é pedagoga, cenógrafa, figurinista e professora de teatro. Além da Metodologia do Ensino de Artes, especializou-se em Arte e Educação Contemporânea. Foi professora escolar por 10 anos,

organizando espetáculos de teatro, música e dança. Hoje, ministra oficinas de atuação e cenografia.

As manualidades estiveram muito presentes em sua infância: seu avô confeccionava ces-

PIMENTA, Marcus Aurelius; TORERO, José Roberto. Chapeuzinhos coloridos. Objetiva, 2010.

tas e balaios, sua avó costurava e pintava guardanapos, sua mãe crochetava. Hoje, ela faz objetos artesanais de todo tipo, conforme as necessidades estéticas de cada peça teatral que monta.

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10

SUSTENTABILIDADE

MODA SUSTENTÁVEL E O FAZER ARTESANAL

Na oficina Moda Sustentável e o Fazer Artesanal, foram expostos os impactos ambientais e sociais da cadeia produtiva da moda. Também foi proposta a reflexão sobre a importância do artesanato e das técnicas tradicionais para a modificação das lógicas de produção e consumo em uma direção mais ética e limpa.

Os participantes aprenderam a analisar as informações constantes nas etiquetas e se inteiraram das condições de origem,

transporte e descarte das peças de roupas. Conheceram os diferentes tipos de materiais utilizados na confecção têxtil, seus respectivos impactos ambientais e os cuidados recomendados para prolongamento de sua vida útil. Discutiram a respeito do consumo consciente e da utilização de embalagens mais sustentáveis. Foram apresentados aos conceitos de circularidade, regeneração e durabilidade, bem como aos 5 Rs: repensar, reduzir, reutilizar, reciclar e replicar.

JULIA TORO

Julia Toro é designer de moda. Desde 2010, realiza produção têxtil e artesanal em parceria com grupos comunitários. Fundou a Bengira, organização para transformar resíduos em peças de design para empresas. Hoje, é presidente do

Instituto Ecotece, onde administra projetos de cunho educativo e cultural ligados à moda sustentável.

Sempre esteve em contato com a costura artesanal dentro de sua família. Ao longo de sua trajetória profissional, Julia produziu peças

de tricô, costura e patchwork, técnicas que aprendeu em casa e que ela aplica no desenvolvimento dos produtos e ensina nas oficinas que ministra.

IMPRESSÃO BOTÂNICA: ESTAMPARIA MANUAL COM FOLHAS, FLORES

Na oficina Impressão Botânica, os artesãos conheceram técnicas de tingimento natural e aprenderam as etapas desse tipo de produção têxtil. Foi proposto também um diálogo acerca dos princípios que baseiam essa técnica: o respeito ao tempo da natureza e a reformulação das dinâmicas de produção e consumo. A natureza oferece tingimentos e estampas que possibilitam que roupas e tecidos sejam confeccionados de maneira mais res-

E SEMENTES

ponsável com o meio ambiente e com os trabalhadores do setor.

Os participantes aprenderam quais são as propriedades químicas de cada corante natural e como é possível adquiri-los, através de compra ou cultivo. Também praticaram a limpeza e preparação de fibras naturais para o tingimento, a aplicação de mordentes e fixadores, a extração de pigmentos de matéria-prima natural e diferentes métodos de impressão botânica.

THANINA CAETANA

Thanina Caetana é designer têxtil, estilista e pesquisadora de técnicas de tingimento e estamparia naturais. Por 7 anos, morou em Buenos Aires e aprendeu técnicas de tingimento e tecelagem com mulheres indígenas camponesas

dos antigos povoados andinos. Neta de artesãs e costureiras, procura sempre conciliar produção e sustentabilidade. Criou a marca A Mulher que Planta Cor, em cujas coleções faz uso de técnicas como estamparia botânica

e com mordentes, ferrugem, Shibori, serigrafia ecológica e pintura à mão. Também orienta oficinas práticas, com aporte teórico, em diversas regiões do Brasil.

CULTURAS TRADICIONAIS

CULTURA INDÍGENA: SABERES, CANTOS, HISTÓRIAS, ARTE E ARTESANATO

Elizeu Caetano

Na oficina Cultura Indígena, o grupo se aprofundou na história de resistência dos povos indígenas perante as ameaças a seus territórios e culturas. Refletiram também sobre o aspecto ambiental desse tema, considerando que os modos de vida tradicionais muitas vezes se apresentam como alternativas mais sustentáveis de organização social.

Os participantes foram apresentados à vida na aldeia Tereguá, uma das quatro

ELIZEU CAETANO

Elizeu Caetano é vice-cacique da Aldeia Tereguá. É idealizador e coordenador do projeto Tereguá Cultural, que divulga a luta dos povos indígenas pela preservação de seus territórios, de suas tradi-

que compõem a Reserva Indígena Araribá, localizada em Avaí, São Paulo. O nome Tereguá deriva da junção das sílabas iniciais das etnias indígenas Terena e Guarani, que passaram a conviver no mesmo território a partir de 2002. Conheceram o papel dos anciãos sábios, das lideranças, dos rituais, das divindades, das artes e do meio ambiente. Por fim, foram inteirados do processo de reflorestamento do local com espécies nativas.

ções culturais, da natureza e da biodiversidade.

Aprendeu com os avós a confeccionar os objetos da cultura indígena, e ensina essa prática com muito orgulho. Alguns itens do ar-

tesanato têm significado espiritual, outros são simbólicos. Os clássicos são arco e flecha e zarabatana, para caça, que hoje os Tupi-Guarani não usam mais para não agravar a extinção de espécies.

CULTURA CAIPIRA: CAUSOS, CULINÁRIA, ARTESANATO, CATIRA E MODA DE VIOLA Rosângela Rissatto

Na oficina Cultura Caipira, foram abordados diversos aspectos da vida interiorana paulista. Esse tema se relaciona diretamente com a identidade dos artesãos, cujas trajetórias pessoais se entrelaçam com o desenvolvimento de Lençóis Paulista e da região. Nesse encontro, houve a participação especial de Divino de Moura, violeiro e contador de causos, um dos fundadores da Orquestra de Viola e Violões Boca do Sertão e um dos responsáveis pelo resgate da tradição da Folia de Reis no município.

Os artesãos conheceram as origens do termo “caipira” e do povo da região denominada Paulistânia. Visitaram desde as formações históricas e econômicas (monções e tropeirismo, seminomadismo dos primeiros caipiras, escravidão, imigração europeia e mestiçagem) até a consolidação das tradições e valores desse povo (gastronomia, música, festas, religiosidade, dialeto, literatura caipira, contação de causos, catira, folia de Reis, moda de viola).

ROSÂNGELA RISSATTO

Rosângela Rissatto é professora aposentada, agente cultural da prefeitura de Lençóis Paulista e pesquisadora de folclore. Integra o Grupo de Folia de Reis Amado Paulo e é cofundadora do Clube da Viola de Lençóis Paulista, do

BOLO DE FUBÁ DA VÓ MARIA (ROSANGELA RISSATTO)

• 2 copos de leite

• 2 copos de fubá

• 2 copos de açúcar

• 1/2 copo de óleo

• sementes de erva doce.

Modo de fazer: misturar todos os ingredientes e cozinhar como uma polenta. Deixar esfriar. Bater 3 claras em neve, juntar as gemas e

tornar a bater. Junte tudo à polenta e acrescente uma colher (sopa) de fermento Royal. Observação: quem preferir, ao invés de usar sementes de erva doce, poderá também acrescentar pedaços pequenos de goiabada ou ainda flocos de coco ralado.

Clubinho da Viola e da Orquestra de Viola e Violões Boca do Sertão. Trabalha para resgatar e exaltar a cultura caipira, criticando sua depreciação no imaginário social. Desde criança Rosângela gosta de criar, costurar e pintar. A arte-

sã atualmente se dedica ao patchwork artístico – uma de suas peças foi classificada em um concurso da técnica. E ainda é cozinheira versátil, dominando receitas tradicionais da culinária tropeira e bandeirante.

colaborar

ARTESANATO E COLABORAÇÃO

No laboratório Artesanato e Colaboração, cada artesão foi convidado a aplicar seus recursos e repertórios individuais no desenvolvimento de um trabalho conjunto.

A atividade proposta foi realizada em duas etapas e utilizou um quebra-cabeça.

Na 1ª etapa, as peças foram distribuídas aleatoriamente entre os participantes, que interferiram livremente sobre as elas. Na 2ª etapa, os artesãos tiveram a tarefa de estabelecer novas relações entre as peças customizadas, dotadas das identidades individuais de cada um, que deram origem a diferentes possibilidades de combinação. Os artesãos compuseram, dessa maneira,

uma obra imprevisível que expressou a união das habilidades e contribuições individuais. O exercício também fortaleceu os laços afetivos e a sensação de pertencimento ao grupo.

O quebra-cabeça simbolizou o desenvolvimento do Nômade em Lençóis Paulista e a metodologia de construção do projeto durante o próprio processo. Com espírito flexível, o projeto se adequa às necessidades observadas no grupo, mostrando que o coletivo e o individual convivem, combinam e trazem inovação, e que é possível construir uma identidade em conjunto.

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ARTESANATO E COCRIAÇÃO

idealizar

No laboratório Artesanato e Cocriação, buscou-se uma solução para os desafios e demandas que o grupo de artesãs e artesãos apresentaram de forma unânime: a desvalorização do trabalho artesanal e das manualidades em Lençóis Paulista, entendida por meio das poucas encomendas que estavam recebendo.

Os artesãos foram instigados a lançar propostas alternativas às feiras tradicionais de artesanato, pouco interessantes para aqueles que produzem sob encomenda e não possuem estoque. O intuito era criar um novo movimento em torno do fazer manual, que valorizasse os artesãos e o feito à mão, e atraísse um público que não frequenta as feiras como consumidor, mas que gosta de fazer seus próprios produtos. Assim nasceu o Festival do Feito à Mão, em que os artesãos passam de aprendizes a educadores e oferecem aos moradores da cidade oficinas de artesanato e trabalhos manuais.

CAPONATA (MARIA TEREZA)

• 4 beringelas grandes picadinhas

• 1 pimentão verde • 1 pimentão vermelho • 1 pimentão amarelo

• 2 cebolas grandes picadinhas

• 1 cabeça de alho em lascas • 200g de azeitonas fatiadas

• 100g de uvas passa preta • 100g de uvas passa branca • Sal e orégano

• Meio copo de vinagre

• 1 copo de óleo

• 1 copo de azeite.

Preparo: Numa assadeira, cobrir os ingredientes com papel alumínio e levar ao forno por 30 minutos. Retirar o papel, mexendo de vez em quando até secar a água. Pode colocar mais azeite. Não deixe ficar muito seca. Desligar e colocar nozes picadinhas. Bom apetite.

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FESTIVAL DO FEITO À MÃO

Tania de Paula e Bárbara Scatena

Idealizado em conjunto pelos artesãos do Laboratório de Cocriação, o Festival do Feito à Mão celebra o encerramento do projeto Nômade em Lençóis Paulista, propondo a inversão de papel dos artesãos, de aprendizes a mestres. O grupo organizou mini-oficinas de 7 diferentes técnicas artesanais – crochê, bordado, costura, modelagem, pintura e confeitaria –, oferecendo aos participantes a experiência de produzir as próprias peças. Com uma proposta divertida, a programação também contou com distribuição de prêmios e brindes.

O evento teve a participação do grupo Legião Feminina, que há 39 anos trabalha para inserir no mercado de trabalho meninas entre 15 e 18 anos, moradoras de Lençóis Paulista. As “legionárias” tiveram a oportunidade de conhecer as técnicas apresentadas, experimentando o trabalho na prática e conversando com os artesãos sobre carreira e formas alternativas de geração de renda. Esse encontro levou o aprendizado artesanal, que costuma ser uma herança familiar, passado “de mãe para filha”, a ser transmitido para uma esfera maior de pessoas.

O Festival do Feito à Mão é uma maneira de estimular novos artistas manuais

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em Lençóis Paulista, promover a interação entre pessoas que compartilham desse interesse e dinamizar o comércio do setor. O evento também ajudou a expor, com descontração, os importantes valores agregados à produção artesanal: a dedicação que exige, os significados e histórias que carrega, a sustentabilidade que representa.

“Quem ensina, aprende ao ensinar. Quem aprende, ensina ao aprender.”
PAULO FREIRE em Pedagogia da Autonomia, 1996

FESTIVAL DO FEITO À MÃO

Tania é designer, consultora e professora. Formada em Desenho Industrial, atuou nas áreas de comunicação e marketing, especialmente para o setor da moda. É mestre em Educação, Arte e História da Cultura e trabalha com o enfoque do design para inovacao

social e sustentabilidade. A partir de pesquisas sobre design social, identidade cultural e as relações do design com artesanato idealizou e fundou o projeto Nômade.

Tania aprendeu com sua mãe várias técnicas manuais como desenhar, tricotar, criar e confeccio-

nar roupas. Durante sua formação profissional, os desenhos técnicos, maquetes e layouts eram feitos à mão, exigindo muita precisão. Hoje, ela gosta de modelar e transformar roupas. Também gosta de restaurar e consertar objetos, móveis e estofados.

TANIA DE PAULA

BÁRBARA SCATENA

Bárbara é formada em Ciências Biológicas e atua como produtora cultural na empresa Origem Produções. Também é aprendiz de marcenaria, produzindo peças e móveis a partir do reaproveitamento de madeiras de pallets e retalhos. Persegue a

proposta sustentável na confecção artesanal. Entrou em contato com o fazer manual na infância, aprendendo a crochetar com a avó, que fazia tapetes e colchas. Também aprendeu a técnica do papel machê com a madrinha, artista

plástica. Hoje, Bárbara pratica o fazer artesanal por lazer e fonte de renda. Um de seus produtos mais elaborados foi uma sapateira feita com a mescla de madeiras de diferentes tonalidades, técnica que confere um efeito colorido à peça.

TERRITÓRIOS CRIATIVOS OLHARES NÔMADES IDENTIDADES TERRITÓRIOS

DIÁRIO DE CAMPO

11

O projeto Nômade segue o pensamento do design para a inovação social11, que mira comunidades criativas, organizações colaborativas e cocriação. As abordagens de resolução de problemas vêm do design estratégico e das metodologias do design thinking – conjunto de conceitos, ferramentas e processos de inovação orientados pelo design e centrado nas pessoas. Trata-se de um método flexível, pois depende das demandas do grupo envolvido.

As metodologias e ferramentas de interesse do Nômade convergem para conciliar aspectos da sustentabilidade, e estão em sintonia com as diretrizes da nova agenda da ONU para as próximas décadas,

contidas nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS, 2015). Nessa direção, buscamos sempre envolver os jovens, profissionais e estudantes, nos processos desenvolvidos nos diversos territórios, com o objetivo de disseminar a reflexão sobre esses conceitos entre as novas gerações.

O Diário de Campo é um relato do nosso trabalho realizado na cidade de Lençóis Paulista. Nele, foram registradas as diversas fases do projeto: diagnósticos, reuniões, visitas, metodologia, oficinas e laboratórios, principais temas abordados, reflexões, entrevistas, produção do documentário e processos de valorização do artesanato local, realizados ao longo de um ano de encon-

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MANZINI, Ezio. Design: quando todos fazem design: uma introdução ao design para inovação social. São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 2017.

tros, considerado o hiato de dois anos provocado pela pandemia de Covid-19.

Ao final, o Festival do Feito à Mão, uma potente experiência de idealização colaborativa, demonstrou resultados positivos tanto do ponto de vista do reconhecimento das habilidades manuais e criativas de cada um, quanto dos diversos encontros realizados que trouxeram inspiração e novos conhecimentos e saberes. Artesãs e artesãos, em um ambiente de grande liberdade e troca de experiências com os participantes, puderam testar os novos repertórios adquiridos no processo, além de se aventurarem por outros campos das artes e assumindo o protagonismo do seu saber.

DIAGNÓSTICO INICIAL

Em um primeiro encontro com representantes do setor público, no final de 2019, ouvimos que a cidade estava se transfor-

mando com o desenvolvimento econômico, pois empresas estavam crescendo e o fluxo de pessoas indo morar na região estava aumentando.

Por um lado, tínhamos a demanda por um artesanato que expressasse a identidade cultural local, apontando para um potencial escoamento da produção ao mercado gerado pelo turismo de negócios, importante na cidade justamente por conta do crescimento da indústria local e de grandes eventos. Por outro lado, havia a demanda dos artesãos por mais apoio do setor público – sugeriram, por exemplo, calendário fixo de feiras de rua em local com boa circulação de público, novas barracas e auxílio ao transporte, para que eles pudessem participar de feiras em outras cidades.

Avaliamos se seria interessante um levantamento iconográfico, a ser combinado e aplicado aos produtos já confecciona-

LINHA DO TEMPO

Primeiro encontro

Diagnóstico inicial

Proposta

Covid-19

Retomada

Encontro com Artesãos

Feira de Natal

Balanço do Projeto

Início das Atividades

Laboratórios

Oficinas

Festival • do Feito à Mão

Exposição • Livro • Documentário • Encerramento

DESCOBRIR INSPIRAR • VALORIZAR COLABORAR • IDEALIZAR • EXPERIMENTAR 2019 | 2020 | 2021 2022

dos pelos artesãos da cidade. O sucesso desse processo dependeria totalmente da disposição dos artistas locais em produzir souvenirs. Outra possibilidade seria nos direcionar para um artesanato de referência cultural, a partir do levantamento de materiais e elementos culturais tradicionais, que resgatassem uma identidade regional.

PROPOSTA

Propusemos, então, eventos do tipo “feiras criativas”, com o objetivo de ampliar o leque de setores atendidos e assim promover o encontro do artesanato com outras áreas: gastronomia, pequenos produtores orgânicos, plantas, cosméticos, shows e apresentações culturais. Também planejamos oficinas de capacitação com foco em identidade cultural.

O primeiro evento estava programado para março de 2020 e, foi cancelado em função da pandemia de Covid-19.

RETOMADA

Retornamos à cidade em novembro de 2021, e em reunião na Secretaria de Turismo, reavaliamos o diagnóstico realizado antes da crise sanitária; nos inteiramos da situação dos artistas e empreendedores no pós-pandemia, dos pontos de vista econômico e psicológico; discutimos os principais desafios a serem enfrentados a partir daquele momento; e planejamos uma retomada das atividades de forma segura.

Estava previsto uma programação de feiras para 2022, iniciando com a Feira de Artesanato e Economia Criativa, que durou do início de dezembro até as vésperas do Natal. No ano de 2021, aconteceu também a 1ª edição do projeto de extensão universitária com alunos de design da Universidade Unisagrado, em parceria com a Secretaria de Turismo e artesãos de Lençóis Paulista.

ENCONTRO COM ARTESÃOS

Foi realizada uma reunião promovida pela Secretaria de Turismo com um grupo de artesãs e artesãos: finalmente, o momento de conhecê-los pessoalmente. Ouvir quem faz. Era o momento de descobrir e, para isso, nos propusemos a fazer muitas perguntas e escutar atentamente. Quem são, o que fazem, por que fazem, quais são seus objetivos e sonhos. Com essas perguntas, identificamos necessidades, desejos e possíveis linhas de trabalho,

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Reunião de diagnóstico, novembro/2021.

individuais e do grupo, que orientaram o desenvolvimento de uma nova proposta de trabalho na cidade.

Na área do design, somos treinados a olhar para além do produto e de sua configuração formal e estética. Nosso método analisa todo o sistema onde o produto se insere. A ideia principal do projeto era não sobrepor ações que já estavam sendo encaminhadas pela Secretaria de Turismo; portanto, essa reunião foi muito importante para identificarmos outras necessidades do grupo.

FEIRA DE NATAL

A Feira de Natal nos proporcionou encontros mais informais. Pudemos ver e ouvir muitas outras coisas do ponto de vista de quem faz; tocamos nos produtos, trocamos receitas, ouvimos histórias de antepassados e alguns causos.

Para além de apreciar os objetos artesanais expostos na feira, sentimos um certo desânimo em alguns dos representantes do setor. Eles gostariam que a Feira tivesse atraído mais público. Atribuíram as poucas vendas à falta de valorização do artesanato pela população de Lençóis.

BALANÇO DO PROJETO

A Feira de Natal instigou em nós novas perguntas e reflexões sobre o setor artesanal e sobre os novos rumos do projeto em Lençóis Paulista. Como poderíamos,

DOCE SECO DE ABÓBORA (MARIA TEREZA)

Preparo: Cozinhe a abóbora em pedaços na água.

• Escorra num pano e quando esfriar esprema para tirar toda a água.

• O peso que der de massa coloque de açúcar.

• Vai mexendo até aparecer o fundo da panela.

• Desligue o fogo e deixe esfriar

• Coloque em assadeira e leve ao sol até formar a casquinha.

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O mestre artesão Antônio Marcos da Silva e suas peças na Feira de Natal Artesanato & Economia Criativa, dezembro/2021. Santuário Nossa Senhora da Piedade, na praça José Magnani, com a decoração de Natal (2021).

beneficiar os artistas locais e garantir a continuidade e a sustentabilidade das ações, deixando um legado frutífero semeado? Como contribuir e caminhar em paralelo às ações programadas pela Secretaria de Turismo para o setor?

A experiência era nova para todos nós, sobretudo porque no primeiro semestre tínhamos ainda muito receio em promover o encontro de pessoas presencialmente.

INÍCIO DAS ATIVIDADES

Iniciamos o projeto em fevereiro. Convidamos artesãs e artesãos para oficinas

de design, que demos o nome de laboratório de cocriação. Foram encontros com o objetivo de identificar as demandas mais importantes para quem estava disposto a colocar a mão na massa e, a partir delas, criarmos juntos soluções possíveis para os problemas do setor. Essa é uma conhecida ferramentas de design thinking, método aberto de investigação com o qual trabalhamos, a partir da colaboração do pensar juntos. Após alguns encontros, definimos os temas para nossas oficinas criativas, que aconteceram de abril a agosto de 2022.

O grupo na Biblioteca Orígenes Lessa e no Engenho São Luiz durante o City Tour oferecido pela Secretaria de Turismo (março/2022) Laboratório de cocriação (março/2022)

NOSSA METODOLOGIA

O Nômade é orgulhoso em dizer que não tem receitas prontas, mas temos sim, algumas. Assim como em qualquer receita, já sabemos que alguns ingredientes não funcionam – algumas misturas, enaltecidas e “gourmetizadas” para uns, são incompreensíveis, sofisticadas e fora de acesso para outros. Portanto, insistimos sempre em uma metodologia de escuta e de olhar atento.

Semelhante ao que nos mostrou o designer Herbert Allucci em sua oficina sobre teoria das cores, “todas as cores combinam, todas podem ser misturadas, só depende do objetivo que queremos atingir em nosso projeto final”. No setor artesanal acontece o mesmo, a depender do objetivo que queremos atingir em nosso projeto, tomaremos um caminho, e não outro.

Se queremos resgatar técnicas e tradições culturais, precisamos de uma combinação de elementos materiais e simbólicos. Se queremos um artesanato contemporâneo e urbano, o caminho é outro. Serão outras cores, outras formas. Se queremos vender mais, empreender, precisamos conhecer muito bem quem quer comprar o nosso produto e adotar outros métodos.

No interior paulista, em geral, buscamos referências para um artesanato com identidade regional. Incentivamos a aproximação com o bioma remanescente, no caso de

a Semana da Sustentabilidade, realizada em agosto/2022, o grupo visitou o Centro de Educação Ambiental e a Nascente Modelo, atividades integradas à oficina de impressão botânica.

Lençóis Paulista, Cerrado e Mata Atlântica, assim como com as culturas formadoras indígena, caipira e imigração europeia. Estimulamos memórias familiares em relação à terra, a trabalhar com materiais da região, como cascas e sementes e resíduos da agricultura e propomos incorporar temas pre-

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Durante

sentes da vida cotidiana, pois isso estreitaria os laços do artesão com o lugar onde vive.

Um exemplo é o do artesão Geraldino Freire Costa: cresceu em área rural, nadou nos rios, brincou e trabalhou na terra. O material que ele usa em sua produção artesanal (fibra de bagaço de cana), bem como suas formas rústicas de patos e galinhas, refletem essa memória local. No entanto, observamos durante todo o processo com Geraldino uma vontade de pesquisar outros materiais; de um lado, por ser curioso, e, de outro, pelas dificuldades do trabalho com o bagaço – muitas etapas e um alto custo dos materiais necessários. Uma de suas ideias foi trabalhar com cimento, o que o levou em direção a um artesanato contemporâneo conceitual e ao empreendedorismo.

USAR A TECNOLOGIA

EM FAVOR DA INOVAÇÃO

A ideia do artesão de começar a trabalhar com cimento foi influência dos designers? Indiretamente sim, mas não apenas. Existe também a influência do mercado e das redes sociais, especialmente do Pinterest, aplicativo que funciona como um

quadro de inspirações. Nos primeiros experimentos com cimento, era possível reconhecer a estética rústica de Geraldino, mas rapidamente isso foi se modificando. Geraldino foi inovando, a partir de referências externas e moldes, a fim de reduzir o custo de produção e aumentar suas vendas.

A inovação é a principal característica do artesanato conceitual, que reflete algum estilo de vida, e assim pode focar em outro mercado consumidor. A adaptação a outros mercados e a adoção de novas estéticas e recursos dificulta o resgate e a preservação da cultura regional expressa no artesanato. No entanto, os artesãos contemporâneos são impactados pela facilidade do acesso à informação disponível a um toque no celular, e isso é parte de suas realidades. Então, observamos uma variedade de referências em um mesmo produto.

O Pinterest se faz presente no cotidiano dos artistas, para o bem ou para o mal, de modo que se faz necessário aprender a lidar com essa plataforma. As referências e modelos prontos podem ajudar na inspiração dos artistas manuais, mas é preciso cuidado para que seu uso não impacte negativamente sua identidade e criatividade.

Logo nos primeiros encontros das oficinas de cocriação, identificamos em várias falas dos participantes uma insegurança com a própria criação e um mal-estar em relação à cópia. Em geral, se mostraram in-

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Atendimento personalizado na clínica de design

teressados no desenvolvimento individual do próprio trabalho, o que nos levou na direção de um artesanato contemporâneo e conceitual.

Inovar é muito bem-vindo. Acreditamos que desenvolver um processo criativo próprio, individual e diferenciado, a partir das nossas próprias experiências, sensibilidades e afinidades com temas, técnicas, cores e materiais traz autonomia criativa. Provocar a observação do lugar ao redor para recuperar repertório e deixar livre para se misturar com o que a tecnologia oferece pronto trará um diferencial de mercado.

A MANUALIDADE É INDIVIDUAL

A manualidade, como a identidade, é individual. Nosso fazer e nossa criatividade são influenciados por tudo que está em nosso entorno, assim como pelo que vemos no nosso celular. Quando os objetos artesanais são mestiços e híbridos, deixando perdidos traços do passado, eles transmitem a sensação de ausência

de identidade. Mas é precisamente essa a identidade do artesanato produzido em muitas cidades do interior paulista, e no mundo de hoje. Entendemos a identidade artesanal como um conjunto de práticas e hábitos cotidianos que se incorporam ao produto feito à mão.

Uma característica importante do artesanato de Lençóis Paulista é a autonomia dos artesãos, que fazem um trabalho totalmente individual. Além disso, frequentemente essa é uma atividade complementar, que se apresenta como fonte secundária de renda. As peças produzidas costumam ter função decorativa ou utilitária – enxovais de bebê, uma variedade de panos e toalhas para toda a casa, tapetes, bolsas, entre outros.

Entre as artesãs mulheres, identificamos a característica mais interessante: as técnicas com as quais trabalham foram ensinadas por suas mães e avós. As manualidades se apresentam como um mundo feminino. Um fazer cheio de afeto e amor. Um fazer, também, desvalorizado,

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Experiências desenvolvidas pelas artesãs do laboratório de cocriação com inspiração em temas representativos na região.

que fica à margem do sistema institucional. Então, fica a reflexão: como romper com a normatização e encontrar um lugar de valor para esse “saber fazer” que mulheres artesãs seguem transmitindo de geração em geração?

DOCUMENTÁRIO

Nessa etapa, com laboratórios e oficinas em andamento, iniciamos as gravações do documentário, cuja narrativa nos convida a conhecer mais de perto os parti-

cipantes do projeto e o fazer artesanal do ponto de vista de quem faz.

Com foco nas singularidades do “saber fazer” de cada um, o documentário aborda a relação das manualidades com as histórias de vida dos personagens. Também revela afetos e as tradições manuais familiares ainda transmitidas entre gerações, mostrando diversos aspectos dessa produção cultural e criativa, como empreendedorismo e hobbie, geração de renda, parcerias e o desafio das novas tecnologias e das redes sociais.

Coleção de peças de enxoval produzidas por mulheres da família Silva e Mirizola (avós e bisavós de Tania de Paula) Produção do documentário “Olhares” - Neurônio Produtora

O documentário reforça, ainda, objetivos do Nômade, como a valorização do artesanato, das individualidades, assim como dos processos criativos de cada um.

PARA ARREMATAR

A cada encontro, o projeto Nômade foi ajustando seus objetivos conforme o perfil e necessidades dos participantes. Nessa jornada, buscamos:

• Valorizar as manualidades

• Valorizar as potencialidades individuais (as singularidades)

• Ampliar o repertório cultural

• Oferecer ferramentas tecnológicas de inovação e criatividade

• Incentivar a autonomia criativa e produtiva

• Despertar um olhar crítico sobre a autoria

• Estimular a colaboração

• Entender o mercado local e as oportunidades para melhorar a geração de renda

• Promover a melhoria técnica dos produtos artesanais

Independentemente dos objetivos, e dos caminhos necessários para atingi-los, tentamos sempre impactar o mínimo possível o meio ambiente. O impacto da produção artesanal é naturalmente mais baixo que o da produção industrial, mas acreditamos que ainda é preciso incorporar uma forma mais

consciente e sustentável de pensar, produzir e consumir. Tentamos sempre substituir materiais tóxicos, como tintas e vernizes, ou de difícil reciclagem, e reduzir ou eliminar embalagens. Também damos preferência para materiais naturais locais e renováveis, o que por si só remete a um artesanato de referência cultural local, sem a necessidade de mais nenhum outro valor simbólico.

A valorização do fazer artesanal significa, entre outras coisas, a melhora da autoestima de artesãs e artesãos. Estimulamos a busca por uma inspiração genuína e por uma identidade artística individual. Tentamos mostrar que existe um valor subjetivo e muitos afetos envolvidos e, portanto, é importante reconhecer, revelar e valorizar essas identidades.

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Festival do Feito à Mão (setembro/2022)

PROJETO ARTESÃOS EM AÇÃO

O apoio da Secretaria de Turismo de Lençóis Paulista foi fundamental para a realização do projeto Nômade na cidade. Por meio de trechos de uma entrevista, contamos brevemente sobre ações e projetos que estão sendo desenvolvidos pela Secretaria para o setor de artesanato. Contamos também um pouco sobre as pessoas envolvidas nesse processo.

Após ter atuado como assistente e coordenadora da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, elaborando o Plano Diretor de Turismo, Joelma de Andrade Taioque se tornou Secretária de Turismo. Uma das inovações de seu Plano Diretor foi a inclusão da atividade artesanal entre as preocupações da Prefeitura. A equipe procurou oferecer suporte e capacitação aos artesãos de Lençóis Paulista. Os ganhos desse incentivo não são apenas deles: toda a cidade é beneficiada pelo desenvolvimento do setor.

A pandemia de Covid-19 provocou notáveis mudanças no setor artesanal da cidade: antes, ele era representado por um grupo informal de aproximadamente 15 artesãos que realizavam feiras locais esporádicas e contavam com apoio limitado do poder público. A crise sanitária fez com que muitos abandonassem suas atividades, mas incentivou alguns a se aventurarem pelo marketing digital. Com o controle da pandemia e a nova atuação da Secretaria de Turismo, as feiras locais passaram a ter maior estrutura e divulgação, e a Região Turística Coração Paulista, a qual Lençóis integra, passou a organizar feiras itinerantes com revezamento do município anfitrião e participação dos artesãos de cada uma das 9 cidades integrantes.

Nesse contexto estão acontecendo parcerias importantes. Um exemplo é o projeto extensionista “A inserção do design

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PARQUE DO POVO

no artesanato de Lençóis Paulista”, coordenado por Sileide Paccola, em que jovens estudantes de design do Centro Universitário Unisagrado são desafiados a realizar consultorias para os artesão lençoienses. A proposta é, sob o enfoque do design, expressar a cultura e a identidade locais nas criações e produções dos artesãos, a fim de criar uma relação significativa do produto com a região.

Hoje, o artesanato lençoiense ganhou motivação, com maior atenção para as demandas do setor, para as necessidades dos artesãos, capacitações e buscando resgatar identidade regional mas, também, devido à dedicação ao artesanato local de Joelma e Jaqueline Justo Maganhini, assistente da Secretaria de Turismo.

Como a Secretaria de Turismo abraçou o setor artesanal na cidade de Lençóis?

O Plano Diretor de Turismo contempla em um dos seus programas o fomento da cadeia produtiva do turismo. O artesanato é um dos segmentos que compõem essa cadeia, se caracterizando como um importante produto turístico local. Dessa forma, foi observado que a produção artesanal carecia de apoio e precisava ser fomentada através de projetos de suporte, capacitação e comercialização visando o desenvolvimento da atividade associada ao turismo. Assim, foi implementado o Projeto denominado Artesãos em Ação.

O turismo também pode se beneficiar do setor artesanal?

O artesanato se apresenta como uma forma de divulgar os traços culturais de um destino, permitindo a identificação da localidade ou região através dele. Além disso, a sua comercialização enriquece as viagens turísticas devido a sua representatividade e simbolismo. O turismo contribui para a melhoria da renda dos artesãos, uma vez que a venda das peças artesanais para os turistas e visitantes gera ocupação, renda e movimentam a economia local.

Qual a importância de um artesanato com traços da identidade cultural local/regional para o turismo da cidade?

O artesanato com identidade cultural é um importante aliado na promoção do turismo. Quando característico de determinada localidade ou região, se torna especial, podendo motivar e elevar o interesse dos turistas pelo destino. Para o visitante, o artesanato passa a representar a lembrança material da experiência vivenciada no local visitado.

Como estão funcionando as feiras após o controle da pandemia?

Após o controle da pandemia, as feiras passaram a ser organizadas pela Secretaria de Turismo, que define a agenda e disponibiliza a estrutura necessária e divulgação para os eventos. Normalmente,

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para realização das feiras são selecionadas as datas, inclusive comemorativas, com maior potencial de vendas de produtos manuais e participação de eventos locais.

Posteriormente, são abertas as inscrições para os artesãos e trabalhadores manualistas cadastrados interessados em participar. Além das feiras realizadas pela SETUR, também é organizada e oportunizada a participação em eventos realizados pelos municípios da Região Turística Coração Paulista e por outras instituições, entidades e empresas parceiras locais.

As feiras contribuem para a divulgação e geração de renda dos artesãos?

As feiras funcionam como uma vitrine do artesanato local, onde os participantes colocam em exposição as amostras do seu trabalho. O visitante da feira pode conhecer o artesão, se informar sobre suas técnicas de produção e conferir a qualidade dos produtos. Já o expositor tem a oportunidade de divulgar o seu trabalho, prospectar novos clientes e ainda obter feedback de forma rápida sobre os seus produtos. Os participantes têm obtido renda extra e ocupação com a exposição nas feiras e eventos oportunizados pela Secretaria de Turismo. O evento proporciona não só a venda de produtos a pronta entrega, como também gera encomendas de produtos personalizados para os clientes. A ação contribui ainda para a

ampliação da rede de relacionamento, geração de novos negócios e aumento dos rendimentos dos expositores.

Como tem sido a organização de feiras entre cidades vizinhas?

As feiras criativas e gastronômicas têm sido realizadas de forma itinerante pelos municípios, com o objetivo de proporcionar aos visitantes de cada edição o conhecimento da cultura, dos atrativos turísticos, gastronomia e produtos regionais. Os expositores têm a oportunidade de expor e comercializar seus produtos, trazendo maior visibilidade aos trabalhos e também ao município de origem. O município anfitrião organiza e disponibiliza a estrutura e divulgação necessárias à feira e as demais cidades integrantes da Região Turística Coração Paulista, por sua vez, mobilizam os expositores de artesanato, economia criativa e gastronomia para participação.

Quais os resultados do projeto com a Unisagrado?

A iniciativa tem gerado benefícios a todos os envolvidos e, ainda, promovido o intercâmbio de experiências e a aproximação entre universidade, poder público e comunidade.

Podemos destacar o contato entre os artesãos e os estudantes, favorecendo a troca de experiências e o crescimento profissional para ambos. A universidade pôde proporcionar aos alunos o estudo de ne-

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gócios reais, frente à dificuldade encontrada por cada um dos artesãos e, ainda, os alunos tiveram a oportunidade de apresentar soluções adequadas que impactaram positivamente os empreendimentos.

Os artesãos receberam propostas inovadoras para aplicação em seus negócios alinhadas com a identidade do município.

MANUALIDADES

A Secretaria de Turismo, através dessa parceria, pôde estreitar o relacionamento com a universidade, oferecer oportunidades de desenvolvimento aos artesãos, estimular a inovação, disseminar a cultura e atrativos locais. Ações essas que também contribuem para o desenvolvimento das potencialidades turísticas locais.

Joelma é lençoiense de nascimento, Jaqueline nasceu em Jaú, mas sempre morou em Lençóis. Ambas são muito orgulhosas de sua cidade e têm mais coisas em comum: foram criadas por mães artesãs que lhes legaram o amor pelo fazer manual. A mãe de Jaque fazia toalhinhas de crochê,

tapetes de barbante, cachecóis de lã, bordados em ponto-cruz, costuras de primeira linha. A de Joelma, crochê, tricô, macramê, pintura em tecido. As duas se empenharam em aprimorar as técnicas aprendidas em casa: na adolescência, Jaque fez vários cursos, enquanto Joelma buscava aprender mais nas revistas de artesanato.

Alunos de design da Unisagrado, artesãs Filomena (à dir.), Joelma e Jaqueline (em pé).
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TERRITÓRIOS CRIATIVOS NÔMADE 20 ANOS IDENTIDADES TERRITÓRIOS OLHARES NÔMADES

Disponível

O projeto Nômade foi criado em 2002 pelos designers Tania de Paula e Christian Ullmann, completando 20 anos em 2022. Nessas duas décadas, a dupla percorreu as cinco regiões do Brasil e algumas cidades na América do Sul com o propósito de contribuir com o desenvolvimento econômico, social e ambiental de comunidades e seus territórios.

As primeiras edições aconteceram na Amazônia, no formato de oficinas de design para grupos comunitários de produção artesanal. Os designers sonhavam em promover a sustentabilidade ambiental e socioeconômica em áreas de floresta tropical, a partir do desafio de “manter a floresta

em pé”, preservar a cultura local e conciliar geração de renda e uso sustentável de recursos naturais.

Por duas vezes o Nômade Amazônia foi reconhecido pelo Prêmio Chico Mendes promovido pelo Ministério do Meio Ambiente. Na edição 2003, recebeu uma menção honrosa pelas ações na Amazônia das mãos da Ministra Marina Silva. Na edição 2006, foi 2º lugar na categoria Ciência e Tecnologia pelo trabalho desenvolvido na EMEC - Escola de Marcenaria e Ebanisteria Carlos Castiglione, em Xapuri, Acre. Durante 2 anos de projeto, foram desenvolvidas linhas de mobiliário e de objetos utilizando madeira certificada fornecida pela reserva extrativista Chico Mendes e outros materiais locais, como fibras, sementes e papel reciclado.

Paralelamente às experiências realizadas na Amazônia, Tania e Christian coordenaram, entre 2003 e 2006, o NIDA - Núcleo de Inovação e Design em Artesanato do Estado de São Paulo, do Projeto Via Design SEBRAE SP, em colaboração com o CSPD - Centro São Paulo Design e o Grupo Como. Por meio de oficinas de design para produção artesanal, o núcleo promoveu novas experiências de relacionamento entre designers, artesãos e o mercado de decoração de interiores da capital, explorando tradições culturais, técnicas e materiais do

A logomarca Nômade foi inspirada em uma pintura rupestre localizada no painel principal do Sítio Arqueológico Serra da Lua, na vertente oeste da Serra do Ererê, município de Monte Alegre, região do baixo Amazonas12 12 Fonte: NATIONAL GEOGRAFIC. História da ocupação do Baixo Amazonas prova que humanos e floresta podem conviver. em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2021/07/historia-da-ocupacao-do-baixo-amazonas-prova-quehumanos-e-floresta-podem-conviver. Acesso em: 10 nov. 2022. Foto: Maurício de Paiva

Vale do Ribeira e do interior de São Paulo.

Além disso, desde 2008, o Nômade realiza consultorias para o SENAC SP, aproximando alunos, professores, artesãos e pequenos produtores em diversas cidades do Estado.

Desde 2010, em parceria com a Origem Produções e projetos aprovados pelas Leis de Incentivo à Cultura, o Nômade tem realizado edições no interior paulista, buscando igualmente valorizar aspectos da cultura local, recursos naturais, costumes e tradições dos municípios, assim como promover a geração de renda e o desenvolvimento social, cultural e econômico. O projeto passou por Ribeirão Preto (2010) e Novo Horizonte (2014/2015). Em 2011, o Nômade Ribeirão Preto foi ganhador na categoria Socioambiental do Prêmio Planeta Casa Editora Abril. Comemora seus 20 anos em Lençóis Paulista.

No interior de São Paulo, o projeto

Nômade passou a atuar sob a perspectiva da Economia Criativa, que compreende o desenvolvimento da criatividade como principal promotor da geração de renda e do desenvolvimento regional, valorizando a diversidade cultural e o potencial criativo e empreendedor de agentes locais. O desafio inicial de conciliar design, cultura, geração de renda e uso sustentável dos recursos naturais ainda se mantém. Ao longo de sua trajetória, o Nômade reforçou sua visão sobre como o design pode contribuir para a inovação na produção artesanal, revelar e alcançar novos mercados.

99 www.oficinanomade.com.br oficinanomade@gmail.com /oficinanomade /@oficina_nomade @
Publicações do projeto Nômade em Ribeirão Preto, Novo Horizonte e Lençóis Paulista.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

AB’SABER, Aziz Nacib. O que é ser geógrafo: memórias profissionais de Aziz Ab’Saber em depoimento a Cynara Menezes. Rio de Janeiro: Record, 2007.

AGUIAR, Sidney. Da cachaça ao papel: a história da indústria de Lençóis Paulista e Agudos. Bauru, 2018.

CHITTO,Therezinha E; CHITTO Meiry. Alexandre Chitto de corpo inteiro. Lençóis Paulista: Prefeitura Municipal de Lençóis Paulista, 2013.

_______ História de Nossa Gente. Lençóis Paulista, 150 anos. Prefeitura Municipal de Lençóis Paulista, 2008.

FERNANDES, Edson; GUIRADO, Cristiano. Lençóis Paulista conta sua história: 150 anos. Bauru: Power Graph, 2008.

HAESBAERT, Rogério. De espaço e território, estrutura e processo. Economía, sociedad y territorio 13, no. 43: 805-815, 2013.

MARTINELLI, Marcello. Estado de São Paulo: aspectos da natureza. Confins [Online], 9/2010. Disponível em: http://journals.openedition.org/confins/6557. Acesso em: 10 nov. 2022.

MOREIRA, Ruy. As categorias espaciais da construção geográfica das sociedades. GEOgraphia 3, no. 5: 15-32, 2001.

PEREIRA, Edithe. A Arte Rupestre de Monte Alegre: Pará, Amazônia, Brasil. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2012.

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FONTES ONLINE

CÂMARA MUNICIPAL DE LENÇÓIS PAULISTA

Disponível em: https://www.camaralencois.sp.gov.br/Pagina/Listar/507 Acesso em 10 nov. 2022.

IBGE

Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/lencois-paulista/historico Acesso em 10 nov. 2022.

MUSEU VIRTUAL ZILOR

Disponível em: https://museuvirtualzilor.com.br/historia-da-familia-zillo/ Acesso em 10 nov. 2022.

PREFEITURA MUNICIPAL DE LENÇÓIS PAULISTA.

Disponível em: http://www2.lencoispaulista.sp.gov.br/v2/noticia/6917/no-dia-nacional-da-biblioteca-acervo-informatizado-da-bmol-soma-160-mil-titulos.html

Acesso em 10 nov. 2022.

VINÍCOLA CASA GRANDE

Disponível em: https://www.vinicolacasagrande.com.br/ Acesso em 10 nov. 2022.

Disponível em: https://www.lencoisnoticias.com/vinicola-casagrande/ Acesso em 10 nov. 2022.

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FICHA TÉCNICA

OFICINA NÔMADE LENÇÓIS PAULISTA

Concepção e Realização

Coordenação Geral C.Ullmann apoio à Educação Christian Ullmann e Tania de Paula

Produção Executiva Origem Produções Bárbara Scatena

Assessoria Contábil Carvalho Ramos Assessoria de Imprensa Conceito Mídia Digital Paula Machado Direção de Arte Herbert Allucci Patrocínio

Apoio Secretaria de Cultura de Lençóis Paulista Secretaria de Turismo de Lençóis Paulista

Realização Lei de Incentivo à Cultura Secretaria Especial da Cultura Ministério do Turismo

Artesãos, artistas e designers convidados Cassiana Gomes Perez Cristiane Magdaleno de Alcântara Correia Divino de Moura Elizeu Caetano Filomena Río Branco de Souza Gonçalves, Francisca Eugenir de Sousa Alencar

Geraldino Freire Costa Grupo Batucada Ritmo Faceiro Herbert Allucci Julia Toro Paula Machado Rosângela Danoel Rissatto Sabrina Leme Burato Thanina Caetana Yolanda Ramos Matos Costa e Zenil Francisco dos Santos Conti www.origemproducoes.com.br

@

administracao@origemproducoes.com.br /origemproducoes

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TERRITÓRIOS Nômade Lençóis Paulista (livro)

Coordenação Editorial Tania de Paula Edição Isabel Gnaccarini Textos Artesãos Lorena G. Falavigna Entrevistas e Transcrições Tomás de Paula Ullmann Revisão Renata Allucci

Concepção gráfica e coordenação visual Herbert Allucci Editora Impressão Ogra Indústria Gráfica

ALLUCCI & ASSOCIADOS COMUNICAÇÕES

Fotos capa e pg. 74 Nelson Chavier/ Kromo pg. 29 à 58 Luis Germano Pinelli pg. 62, 71, 72, 73, 76, 77, 78, 79, 87, 90 e 91 Conrado Dacax pg. 65 e 86 Yasmin de Andrade pg. 84 e 92 Joelma de Andrade Taioque pg. 85 Wagner José Gonçalves Demais fotos não indicadas acima ou no próprio texto Equipe Nômade

OLHARES Nômade Lençóis Paulista (documentário)

Roteiro e Direção Bruno Jareta Produção Mayra Ferreira Fotografia Conrado Dacax e Rene Lopez Imagens Aéreas Conrado Dacax Direção de Som Rene Lopez Edição Bruno Jareta

Identidade Visual Herbert Allucci

Realização

Entrevistados Andrezza Cacciolari Caiola Cassiana Gomes Perez Christian Ullmann

Cristiane Magdaleno de Alcântara Correia Filomena Rio Branco de Souza Gonçalves Geraldino Freire Costa Maria Tereza Cacciolari Caiola Tania de Paula Yolanda Ramos Matos Costa e Zenil Francisco Dos Santos Conti

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Lwart Soluções Ambientais pelo patrocínio e confiança em nosso projeto e à Origem Produções pela importante parceria há mais de 10 anos.

Agradecemos também a todos que, de forma direta ou indireta, se envolveram, apoiaram, trabalharam e contribuíram com carinho para a realização das diversas etapas do Nômade Lençóis Paulista.

Secretaria de Turismo de Lençóis Paulista Joelma de Andrade Taioque, Jaqueline Justo Maganhini e Fernanda Martins Oliva Conselheiras: Clarice Prado Azevedo, Daiseliza Oliver Carneiro e Sileide Paccola Secretaria de Cultura de Lençóis Paulista Marcelo Ricardo Maganha, Roberta de Figueiredo Sobrinho e Carla Naira Antunes Germino Espaço Cultural Cidade do Livro Silviane Aparecida Sanches Rodrigues, Juliano Salvador Grego, Inês Francisco Joner, Roseli Aparecida Dutra e Paloma Stefano Bueno

Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Lençóis Paulista Licínio Offerni Neto, Helton Damacena e Luciano de Paula Rafael Memorial Alfredo Guedes Cristina Boccardo Museu Alexandre Chitto Paulo Sérgio Araújo Santuário Nossa Senhora da Piedade Regina Bodo Teatro Municipal Adélia Lorenzetti Elton Lacerda Prado e Ana Paula Exposto Engenho São Luiz Luiz Fabiano Legião Feminina Nádia Nicoletti Moretto Cardozo Restaurante Vinícola Casagrande Marisa Casagrande

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Agradecemos a todos que participaram dos diversos diagnóticos realizados em 2019, 2021 e 2022, respondendo atenciosamente nossas perguntas e curiosidades.

Adriana Aparecida de Oliveira Lenci

Aloisio Paccola

André Paccola Sasso

Antonia Cilene Gonçalves Cardoso

Antonio Marcos da Silva Bruna Sarcinelli

Cassia Regina de Toledo Rando Cintia Duarte Cristiano Paccola Decio de Souza

Edna Aparecida Manoel Zaffalon Elaine Cristina Moreira

Evangelista

Fernanda Aparecida Venancio Gabrielly Natalia Franco de Freitas

Gessica Porto Isaias Rando Junior Luiz Carlos Machado Madalena Silva Moraes de Vasconcelos

Mailza Flores Soares Maria Aparecida Domingues

Maria das Dores Bartolomeu Vieira Nilceu Bernardo

Priscila Orsi Moretto Boarato Raimundo Pereira dos Santos

Raquel de Fatima Correia Regina Celia de Moraes do Amaral Rose Porto Sueli de Souza Machado Vanessa Graciele Rodrigues Vanessa Spadotto

PARTICIPANTES DO PROJETO NÔMADE LENÇÓIS PAULISTA

Laboratório de Cocriação, Clínicas de design, Oficinas Criativas, Visitas e Festival do Feito à Mão.

Alice Felicio Prado

Ana Beatriz Garcia de Lima

Ana Clara Falasca

Ana Cláudia Grassmann

Ana Rita Aparecida dos Santos

Leda

Andresa Simões Falasca

Feliciano

Andrey dos Santos Rodrigues

Andrezza Cacciolari Caiola

Antônio Marcos da Silva Aparecida Giorgette

Bruna Abade

Bruna Sarcinelli Campagnaro

Camile Micadei Abade

Cássia Cilene Salvador Castelhano

Cássia Regina de Toledo Rando

Cassiana Gomes Perez

Cristiane Aparecida da Conceição

Cristiane Magdaleno de Alcantara Correia

Denice Souza

Edilene Palma Milanesi

Edna Vieira Machado Barbosa

Eliane Marcia Medola Cunha Estela Sousa da Conceição

Fernanda Aparecida Venâncio

Filomena Rio Branco de Souza Gonçalves

Francisca Eugenir de Sousa Alencar

Geraldino Freire Costa

Giovana Benedita Botaro Alves

Giovanna Felicio de Paiva

Gustavo da Silva Barbosa

Henrique Augusto Borin

Ilda Magdaleno de Alcântara

Inês Aparecida Valentim

Inês Francisca Janer

Ivone Bartoloni

Ivone Paccola

Ivone Silva

Jaqueline Cristiane da Silva Júlio de Oliveira Borges

Kauan Henrique de Oliveira Borges

Lidiane Pelegrim

Lorena Pecinin da Cruz

Lúcia Santos

Lucilene Geller

Lurdes Santana

Maria Clara Cacciolari Caiola Antunes

Maria de Fatima Soares

Maria do Patrocínio de Sousa Alencar

Maria Helena Rodrigues da Silva Maria Inês Generick Maria Tereza Cacciolari Caiola

Mirella dos Santos Queiroz Paulo Sérgio Oliveira Raquel de Fátima Correa Rebeca Alexandra Vieira N. de Jesus

Regina Cecília Sasso Rosângela Danoel Rissatto Rosemara Oliveira Rosemeire Dias Blanco Sabrina Domingues Corrêa Milanesi Samara Leme Burato Sandra M S Carpanezi

Sarah Fernandes de Abreu Selma Aparecida Camilo Selma Rezende Finco Silvana Aparecida Salvador Galassi

Stefany Sousa da Conceição Sueli Lazari Pavanelli

Tereza Marques Pires Terezinha Leme O. Burato

Vanessa Spadotto Vânia Zenaide Vieira de Jesus Vitoria Christiny Barbosa Gomes Vivian Venâncio

Wanderlei Ribeiro Pedro Yolanda Ramos Matos Costa Zenil Francisco dos Santos Conti

LEGIÃO FEMININA (TURMA 88)

Ana Beatriz Alves Brasil

Ana Beatriz Soares Ana Julia Gomes Guimarães

Anny Gabriela Correa Alves Beatriz da Cruz Ferreira Camila de Carvalho Pereira Camily Oliveira

Danieli da Silva Gonçalves Gabriella Borim Demai Iara Gabriella Aparecida de Almeida

Isabelly Beatriz Nunes

Jessica Camargo dos Anjos Letícia Akemi Nochima Da Silva Luiza Rocha Maciel Maiara Fernandes de Oliveira Maria Eduarda Guerra Nunes dos Santos

Monique Alessandra de Oliveira Nicole Poliane Bacas Raissa de Oliveira Santos Raissa Fernanda Clementino

Rebeca de Alcântara Correia Rebeca Moreira de Siqueira Sabrina Rosa

Sofia Aparecida Bettanin Duarte Suelen Cristina Alves Tamisa Isabela de Souza Lopes Vitória Juliana Moreno Goes Yasmin Martins

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www.oficinanomade.com.br www.origemproducoes.com.br

/nomadelp

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