Santo Estevão do Jacuhype

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA DE HISTÓRIA

ALISSON NERY DE MATOS

O MUNICÍPIO E A REPÚBLICA: PROCESSO POLÍTICO E INSTALAÇÃO MUNICIPAL EM SANTO ESTEVÃO DO JACUHYPE (1907-1923)

FEIRA DE SANTANA DEZ/2013

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ALISSON NERY DE MATOS

O MUNICÍPIO E A REPÚBLICA: PROCESSO POLÍTICO E INSTALAÇÃO MUNICIPAL EM SANTO ESTEVÃO DO JACUHYPE (1907-1923)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora da Universidade Estadual de Feira de Santana, como exigência para obtenção do grau de Licenciado em História.

ORIENTADOR: PROFESSOR MS. CAIO FIGUEIREDO FERNANDES ADAN

FEIRA DE SANTANA DEZ/2013

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ALISSON NERY DE MATOS

O MUNICÍPIO E A REPÚBLICA: PROCESSO POLITÍCO E INSTALAÇÃO MUNICIPAL EM SANTO ESTEVÃO DO JACUHYPE (1907-1923)

A banca examinadora considera esta monografia adequada como requisito para a conclusão do Curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Feira de Santana, 20 de dezembro de 2013.

________________________________________________ PROF. DR. ALDO JOSÉ MORAIS SILVA UEFS ______________________________________________ PROF. MS. CAIO FIGUEIREDO FERNANDES ADAN UEFS ______________________________________________ PROF. MS. DIEGO CARVALHO CORRÊA UEFS

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DEDICATÓRIA

AMEU AVÔ, VITALINO RODRIGUES NERY

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AGRADECIMENTO

Este trabalho nada mais é que a grande realização de um sonho que não se tornaria realidade sem a colaboração valiosa de pessoas que, antes e durante a graduação, foram muito importantes para mim. Agradeço a meus amigos, a minha família e, principalmente, a DEUS. Sem eles, tenho certeza de que seria impossível tanto a realização deste trabalho quanto minha formação enquanto professor e historiador. A defesa na verdade se apresenta como a culminância de um projeto pessoal que rendeu muitos anos de esforço e perseverança.

Para iniciar os agradecimentos, destaco aqui algumas dessas várias pessoas que foram minha inspiração nessa trajetória. Em primeiro lugar, agradeço a meu avô, Vitalino Rodrigues Nery, que já não esta mais entre nós. Muito obrigado, Vital, pela pessoa importante que você foi para mim. Essa vitória é dedicada a você!

Agradeço também a minha mãe, carinhosamente chamada de “Teu” pelos amigos, pois sem ela fico a me perguntar quem seria eu, diante de minhas fraquezas para com os desafios da vida. Mulher forte e guerreira, Celene Maria de Souza Nery, sem você ao meu lado tenho certeza que não teria chegado aonde cheguei. Obrigado por me proporcionar a força e a vontade sempre crescente de persistir no que mais a gente acredita. Muito obrigado mesmo por me incentivar a buscar o acesso à universidade pública, e que acredito ser de qualidade.

Também não poderia esquecer do meu amigo e estimado tio, Valdomiro de Souza Nery, pelo apoio que me deu, por sempre acreditar em mim, e pelo incentivo intelectual e moral que me ajudou a ultrapassar barreiras até então intransponíveis.

Muito obrigado ,Dido, pelo apoio!

A meu pai, Nilton Leal de Matos, por me dar o prazer de viver e por tudo que fizeste por mim. Gosto muito do Senhor, de coração.

Aqui, também, não poderia me esquecer do M.A.I.S.,- Movimento de Agregação Internacionalista para o Socialismo. Os muitos anos de militância me ensinaram muito sobre a vida e sobre o sistema que nos oprime. Agradeço aos companheiros por despertar em mim o almejar o ensino superior, com objetivos de transformar a realidade.

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A todos os companheiros do transporte coletivo, que diariamente partiam comigo, da cidade de Santo Estevão com destino a UEFS, em especial àqueles que acreditam na melhoria e manutenção do transporte universitário, e que apostaram, junto comigo, na luta como estratégia de resistência ao descaso da gestões públicas municipais com relação ao nosso transporte. Agradeço àqueles que acreditaram e acreditam que parte da ações dos próprios estudantes, e não favor de prefeito, ou do indivíduo que esteja à frente da questão, que o transporte universitário e nosso, e queremos transporte de qualidade.

Deixar de falar do amor vivido no período da graduação é apagar a minha história. A memória guarda muita coisa, por isso lembro que fui muito feliz: feliz por te conhecer, por te amar, pois te amei de verdade, e por lembrar de ti com carinho, desejando sempre sucesso. Tudo é passado, morreu. Mas uma coisa ainda continua viva em mim e dela nunca vou me esquecer: teu cheiro. Entendes?

Ao Bando Carcará, coletivo de luta formado nos últimos anos da graduação para disputar o Diretório Acadêmico do curso de História.

E a galera da Oficina Operação, galera massa, que está sempre comigo nos momentos de descontração.

Agradeço em especial ao Prof. Ms Caio Figueiredo Fernandes Adam, meu orientador e professor de TCC I, que sempre muito compreensivo e paciente recebia meu trabalho à prestação, em pedaços, sempre disposto a me ajudar com muita atenção e com correções a risca a enriquecer meu trabalho com valiosas indicações de fontes e observações pertinentes. À Prof. Dr. Fátima Hanaque, por me iniciar na pesquisa historiográfica com o carinho e dedicação do profissional que gosta do que faz. E para finalizar, ao Prof. Ms Valter Guimarães, por me aturar no projeto PIBID por quase um ano. Aprendi muito com ele, não só na disciplina de Didática do Ensino de História, mas também em todo o período que estive sob sua orientação.

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RESUMO

Vinculado ao campo da História Política e Institucional, este trabalho tem por objeto o estudo do processo de emancipação da freguesia de Santo Estevão do Jacuhype e a dinâmica política dos primeiros anos do novo município. Seu território, na época, compreendia o que hoje corresponde aos municípios de Santo Estevão e Ipecaetá, que do primeiro se desmembra em 1962. O município hoje está localizado às margens da BR- 116, na microrregião de Feira de Santana, distante daquela cidade 39 km no sentido sul. Faz parte do vale do Paraguaçu e abrange uma área de 365.141 km², tendo estado política e territorialmente ligado à cidade de Cachoeira desde a época colonial até o início da República, quando veio a dele se emancipar. O estudo está voltado para a compreensão do início do processo político que daria origem ao município, bem como destaca alguns dos protagonistas desse acontecimento no período de 1907 -1923. Entre as fontes que dão base a este trabalho, destaco a ata de posse do Conselho e Intendência Provisórias, o primeiro Livro de Leis do Município, a edição especial do Diário Oficial do Estado de 1923, assim como memórias e fotografias que retratam a época.

Palavras-chaves : Emancipação, História Política e Institucional, Santo Estevão do Jacuhype.

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RESUMEN

En relación con el campo de la política y la historia institucional , este trabajo tiene por objeto el estudio del proceso de la emancipación de la parroquia de Jacuhype de San Esteban y la dinámica política de los primeros años del nuevo municipio . Su territorio en el momento comprendió lo que hoy corresponde a los municipios de San Esteban y Ipecaetá , que analiza la primera vez en 1962 . El municipio está situado a lo largo de la BR -116 , en la microrregión de Feira de Santana , de 39 km de distancia de la ciudad hacia el sur. Parte del valle Paraguassu y cubre un área de 365.141 kilometros ², con la política estatal y territorialmente vinculados a la ciudad de Cachoeira de la época colonial hasta el comienzo de la República, a la hora de emanciparse . El objetivo del estudio es comprender el principio del proceso político que conduzca a la ciudad , así como poner de relieve algunos de los protagonistas de este evento en el período 1907 1923 . Entre las fuentes que dan antecedentes de este trabajo , resalte el certificado de la oficina del Consejo Provisional y Custodia del territorio, el primer Libro de Leyes de la Municipalidad , la edición especial de la Gaceta Oficial de 1923 , así como los recuerdos y las fotografías que retratan la temporada.

Palabras clave: Emancipación, Política e Historia Institucional, Jacuhype de San Esteban.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Mapa de Santo Estevão e região do território de Identidade do portal do Sertão...............................................................................................................................13 Figura 2- Situação aproximada do território pertencente a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira em 1827.........................................................................14 Figura 3- Padre desbravador, Jozé da costa de Almeida partindo da sua antiga capela de Santo Estevão, em busca de água e alimento para seu rebanho......................................16 Figura 4- Comemoração do padre ao encontra um riacho em abundancia de água e pastagens para seus animais............................................................................................17 Figura 5- Desespero do padre ao perceber que a imagem do santo havia desaparecido....................................................................................................................19 Figura 6- Fuga do santo padroeiro, Santo Estevão, e regresso a sua antiga capela.........20 Figura 7- Imagem da Vila de Santo Estevão do Jacuhype, início do século XX(ano desconhecido)...............................................................................................................................45

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO_______________________________________________________10 CAPÍTULO 1 – A FREGUESIA DE SANTO ESTEVÃO DO JACUHYPE E SUA RELAÇÃO COM CACHOEIRA________________________________________12 1.1 – A GÉNESE SANTO-ESTEVENSE: O MITO DE FUNDAÇÃO DA CIDADE_12 1.2 – CACHOEIRA E SANTO ESTEVÃO DO JACUHYPE___________________22 CAPÍTULO 2 – INSTALAÇÃO MUNICIPAL: “COMEMORAÇÕES EM 1921” ____________________________________________________________________24 2.1 – PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO_______________________________24 2.2 –ATO DE POSSE: PRIMEIRO CONSELHO MUNICIPAL ________________33 CAPÍTULO 3 – PRIMEIROS ANOS MUNICIPAIS: QUEM SERIAM OS LIDERES POLITÍCOS?_______________________________________________41 3.1- O CORONELISMO DE BRAÇOS DADOS COM A REPÚBLICA__________41 3.2- A POLITÍCA DOS INTENDENTES___________________________________47 CONCLUSÃO________________________________________________________50

REFERÊNCIAS (FONTES E BIBLIOGRAFIA)_____________________________51

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho se trata do resultado de uma investigação histórica exigido como requisito parcial de conclusão do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), instituição na qual tenho matrícula como aluno. De início, a ideia que permeava a pesquisa se pautava em, apenas, entender como se deu a emancipação política da vila de Santo Estevão do Jacuhype, mas acabou mudando de foco quando tive acesso a documentação, referências bibliográfica e fontes, relacionada a pesquisa. Daí percebi o quanto era rica e muito pouco explorada a história de minha cidade, fato que me fez traçar planos mais ambiciosos.

A monografia em questão, além de se constituir enquanto um trabalho acadêmico, tem a pretensão também de contribuir com a preservação da cultura material e imaterial do município, ao resgatar o processo de civilidade do mesmo. O problema tem como fio condutor resgatar as condições políticas da vila, e entender de que forma essa conjuntura possibilitou a ação de sujeitos como, o coronel João de Deus, o coronel Manoel Alves, o advogado Cezar, junto a seu irmão, o coronel Isauro Cabral, no sentido de liderarem a vanguarda política pelo trâmite da instalação municipal.

Para mim, não poderia ser outro o tema dessa pesquisa, pois contar a história do município de Santo Estevão é contar a minha própria história. História esta que é preciso se dar visibilidade, para que os santo-estevenses possam conhecê-la, para melhor conduzir o futuro político e social local.

O trabalho tem como principal referencial teórico o livro de Vitor Nunes Leal, Coronelismo Enxada e Voto, o qual se apresenta como uma grande contribuição para a compreensão da política na Primeira República. A obra foi a primeira mais importante da moderna sociologia política brasileira, ao avançar na integração entre ciência política e sociologia, e mesmo a economia, mostrando a estrutura agrária do país com o sistema de estratificação social. Para Leal, o coronel é apenas parte desse sistema, mas a análise é mesmo voltada para as maneiras por meio das quais as relações de poder se desenvolviam a partir da estrutura municipal. E esse é o desafio que pretendo desenvolver nesse trabalho.

Entre as fontes utilizadas neste trabalho, destaco a ata de posse do Conselho e Intendência provisória, o primeiro Livro de Leis do Município, a edição especial do

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Diário Oficial do Estado de 1923, a Enciclopédia dos Municípios da Bahia produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim como memórias e fotografias que retratam a época.

No primeiro capítulo do trabalho, o que faço é discutir a constituição do povoamento que deu origem à freguesia de Santo Estevão do Jacuhype, e como teve início formalmente o ajuntamento populacional, que se tornaria um dos maiores da região de Feira de Santana. Em seguida, o destaque é dado, em especial, aos aspectos referentes à construção do mito de fundação da cidade, ou seja, à misteriosa fuga do santo do povoado de Santo Estevão Novo. Por último, trago à luz, a relação do povoado com a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, destacando aspectos econômicos, e políticos.

No segundo capítulo, a abordagem pretende discutir o processo de instalação e posse da Intendência e Conselho Municipal da Villa, ocorrido em 21 de Setembro, e 21 de Dezembro do ano de 1921, respectivamente. O objetivo aqui é identificar, como e através de quais protagonistas, teve início o movimento que elevou a freguesia à condição de município, destacando os principais agentes ou grupos, que contribuíram para esse evento político e institucional, de relevante importância para a história não só local, mas também da Bahia. Aqui, não se poderia deixar de lembrar da influência dos políticos da cidade de Cachoeira na eleição para governador do estado ocorrida em 1907, influência que foi de fundamental importância para a polarização política de lideranças da freguesia e a instalação municipal. Destacam-se como lideranças políticas regionais, de Cachoeira, que vanguardaram essa polarização, o Dr. Ubaldino de Assis e o também Senador, senhor Severino Vieira.

Para finalizar, no terceiro e último capítulo o que faço é apresentar algumas das principais ações do Conselho e Intendência municipal em seus primeiros anos de governo. Trata-se das primeiras ações do novo município que só viriam a se realizar, de fato, no ano de 1922, na gestão do segundo intendente municipal, o coronel Themistocles Pires de Cerqueira. Pretende-se, também, mapear a origem do poder político dos indivíduos que protagonizaram a instalação municipal e compunham os primeiros Conselho e Intendência, relacionando o evento à estrutura agrária que se desdobra nos interesses da oligarquia da localidade.

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1 A FREGUESIA DE SANTO ESTEVÃO DO JACUHYPE E SUA RELAÇÃO COM CACHOEIRA No primeiro momento do texto, pretendo discutir a constituição do povoamento que deu origem à freguesia de Santo Estevão do Jacuhype e como teve início formalmente o ajuntamento populacional, que se tornaria um dos maiores da região de Feira de Santana. Pretendo também destacar aspectos referentes à construção do mito de fundação da cidade, além de mostrar a relação do povoado com a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, destacando aspectos econômicos e políticos.

1.1 A GÊNESE SANTO-ESTEVENSE: O MITO DE FUNDAÇÃO DA CIDADE

O território que hoje compreende o município de Santo Estevão está localizado às margens da BR 116, na microrregião de Feira de Santana, sentido sul, a 39km desta cidade. Localiza-se, segundo as coordenadas geográficas, a uma latitude de 12º55’49” Sul e a uma longitude de 39°15’05” Oeste, estando a uma altitude de 242 metros acima do nível do mar. O município faz parte do vale do Rio Paraguaçu, e abrange uma área de 365, 141km².

Pautando-se por aspectos socioculturais, a cidade se inclui, ainda, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), no território de identidade conhecido como sertão do couro1 que, por sua vez, está incluído no Grande Sertão, região que se localiza entre o Grande Recôncavo, ao sul, e a Chapada Diamantina, a noroeste. O conceito de região empregado aqui parte de uma breve trajetória histórica, de forma a identificar o que lhe foi comum ao longo da ocupação de seu território.

O espaço conhecido como Portal do Sertão, que, por sua vez, está inserido no Sertão do Couro, é o que nos interessa. Dele fazem parte 14 cidades de médio e grande porte, entre elas: Feira de Santana, Santo Estevão, Antônio Cardoso, São Gonçalo dos Campos, Rafael Jambeiro, Ipecaetá2, entre outras. Cidades que dão corpo a esse trabalho, e, por isso, é de extrema importância citá-las.

1

PANORAMA CULTURAL DA BAHIA. Sertão em múltiplos sertões. Salvador: SEI, 2012-. 335 p.il.

Série Estudos e Pesquisas, 92. Secretaria de cultura. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. ISBN 978-85-8121-006-3.

2 Ibid.

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Figura 01–Mapa de Santo Estevão e região do território de Identidade do portal do Sertão.

Fonte: SEI (2010).

O trabalho pretende dar ênfase a História política e institucional do município de Santo Estevão, levando em consideração que, no início do processo de povoamento do território baiano pelos colonizadores, o que havia era um grande território em que não havia limites precisos entre esta ou aquela propriedade, fazendas, ou entre esta ou aquela povoação. Nesta perspectiva, a região se organiza a partir do início das relações econômicas e sociais entre as povoações do espaço em foco. O que havia era um grande território onde habitavam povos indígenas. Possivelmente, com as primeiras concessões de terras, teve início a introdução do gado, moradores e seus escravos, acompanhada da construção de casas, currais, capelas e igrejas 3. Num segundo momento, surgiram pequenas povoações situadas a grandes e médias distâncias umas das outras, sendo que muitas delas tiveram início a partir das paradas de viajantes que,

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GALVÃO, Renato de Andrade. Os povoadores da região de Feira de Santana. Sitientibus, Feira de Santana, v. 1, n. 1, p. 25-31, jul./dez. 1982.

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segundo Pedro Gomes, em suas memórias, “Os leigos também inspiram”, se dirigiam à procura da “beira-mar”, a cidade da Bahia, como era chamada Salvador4.

Daí, formaram-se pequenas, grandes e médias propriedades. As menores se dedicavam ao plantio de fumo e à lavoura de subsistência, e o excedente era comercializado em pequenas feiras, atendendo ao comércio local; as maiores desenvolviam a criação extensiva de gado e cavalos, e ao plantio de fumo em lotes.

Tratavam-se de povoações que nasciam ao sofrer a influência das grandes fazendas de gado que se estabeleciam na região, no espaço a oeste do recôncavo baiano. 5 Nesse período, por volta de 1730/40, surgiram as povoações que deram origem aos municípios que hoje fazem fronteira com Santo Estevão, a exemplo, os municípios de Ipecaetá (fazia parte do município de Santo Estevão), Antônio Cardoso, Cabaceiras do Paraguaçu, Castro Alves e Rafael Jambeiro, que existiam como pequenas povoações.

Todas as cidades citadas faziam parte do território pertencente à Vila de Nossa Senhora do Porto de Cachoeira, situada no recôncavo da Bahia de Todos os Santos.

Figura 02- Situação aproximada do território pertencente a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira em 1827.

Fonte: FONSECA, op. cit.

Nesta perspectiva, sobre o nascimento do povoado de Santo Estevão, o que se conta entre os moradores locais é que um padre português chamado Jozé da Costa Almeida, assolado por uma grande seca, teria deixado a antiga capela de Santo Estevão, localizada hoje no território pertencente a Antônio Cardoso, da qual era pároco, e

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GOMES, Pedro Souza. “Os leigos também inspiram” II. Santo Estevão: S/E, 1988. p.03.

GALVÃO, Renato de Andrade. op. cit., p.26.

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peregrinado por dias até encontrar água e pastagens para seus animais, onde seria posteriormente erguida uma nova capela, também em devoção a Santo Estevão.

O local ficaria conhecido como Santo Estevão Novo. A nova capela em invocação ao santo padroeiro poderia ser erguida em qualquer outro lugar da região que oferecesse ao desbravador condições de se auto-sustentar, ou seja, criar seu gado e produzir alguma cultura agrícola de subsistência. É natural refletir sobre a possibilidade de que o riacho que dizia “milagroso” poderia ter sido descoberto através de relatos de indígenas que transitavam na região, e deveriam já ter passado pelo riacho, dando informação sobre a existência do manancial perene ao padre que, a partir de sua necessidade e obrigado pelo período de seca prolongada, foi em busca dele.

Mas o que talvez aconteceu de fato foi que pela seca, é que o riacho foi encontrado, para felicidade do desbravador, e que, em meio à grande seca de 17396, que castigava a região, ele e todos aqueles que se fixaram às margens do olho d’água consideraram o “achamento” obra divina 7.

Para aqueles que se tornaram devotos do santo e que vieram a se ajuntar nas proximidades do riacho, o lugar, a água corrente e os verdes das pastagens em plena seca seriam um milagre atribuído ao santo que acompanhava o religioso, Santo Estevão.

O santo teria contemplado a região e seus devotos para amenizar o sofrimento dos que pereciam com a estiagem prolongada, memória que aparece nos registros do IBGE. Já o documento8 mais velho encontrado faz menção ao riacho como manancial de água nativa, assinalando o local como ponto onde se teria determinado construir a Igreja que viria a ser matriz da unidade da Freguesia. 9 Nessa época, segunda metade do século XVIII, o governo da capitania considerava todo esse território pertencente à Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira. Tratava-se de uma área que compreendia todos os municípios citados e outros não citados. Não se tinha a real dimensão do território.

Na região do atual município, Cachoeira e Santo Estevão, em carta produzida quando da sua chegada, o vigário Antônio Rodrigues Nogueira destaca a criação da 6

O fato é que o mito de fundação se apóia na seca de 1739, sendo a seca responsável pelo “achamento” do riacho Salgado. Não se sabe se ouve a seca.

7 Histórico do município de Santo Estevão – IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/historicos_cidades/historico_conteudo.php?codmun. htm>. Acesso em: 07 jun. 2013.

8 SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e. Memórias Históricas e Política da Província da Bahia.

Anotações de Braz do Amaral. Imprensa Oficial do Estado, 1937. Vol. V. p.407-409.

9 Histórico do município de Santo Estevão – IBGE. op. cit.

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freguesia católica no ano de 1751 por ordem de “sua Majestade”. Documento que, respaldado pela sua relevância temporal, assinala o início formal dos trabalhos da paróquia, podendo ser considerado o marco de um futuro povoamento, de nascimento da freguesia. Entre outros aspectos do lugar, merece destaque a forma dispersa dos habitantes locais com relação à organização geográfica e enfoca a necessidade de uma unidade social e cultural conduzida principalmente pela devoção ao padroeiro. Observe na passagem.

Aqui não há povoação, nem rebanho junto porque tudo são ovelhas/ desgarradas pellas distancias em que moram huns dos outros, o que tudo/ fás não haver Igreja Matriz donde se possão juntar ao menos nas festas/ principais do anno, e pelo santo tempo da quaresma para ouvirem a/ palavra de Deos10.

Tendo esse documento como referência, pode-se concluir que o povoado não existia antes de 1751, e que a construção da capela foi justamente para “acudir com o promplo remedio do saudável pasto espiritual dos Santos Sacramentos 11” os habitantes daquele território. A questão discutida aqui é quando exatamente teve início a povoação que deu origem a cidade de Santo Estevão do Jacuípe? Ou seja, tem-se um marco preciso da penetração em terras do atual município?

Em figura abaixo, pintado por um artista local, vê-se a representação do momento em que, segundo a versão mais difundida junto à população, o Padre José da Costa de Almeida sai da antiga capela de Santo Estevão, que enfrentava com as conseqüências da seca prolongada, em busca de água e pastagens para suas reses.

Figura 03–Imagem do primeiro mural (sem título) no Centro Cultural de Santo Estevão, de autoria de William Azevedo.

Fonte: Foto por Alisson Nery, Junho de 2013.

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SILVA, Pedro Souza. op. cit., p.407.

Ibid, p.405.

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Obrigado pela necessidade de sobrevivência de seus animais, associado à religiosidade e ações do padre, o que se acredita é que a descoberta do riacho Salgado acabou por incorporar na visão do religioso e posteriormente dos devotos, características divinas, visto como uma dádiva por todos os atingidos pela seca.

Na imagem seguinte, o artista retrata o momento em que o Padre José da Costa de Almeida encontra o riacho Salgado, local onde teve início o novo povoado de Santo Estevão Novo.

Figura 04–Imagem do segundo mural (sem título) no Centro Cultural de Santo Estevão de autoria de William Azevedo.

Fonte: Foto por Alisson Nery, Junho de 2013.

Em sua chegada ao local onde seria erguida a nova capela, o vigário que deu início ao governo eclesiástico, Antonio Rodrigues Nogueira, relata como encontrou a antiga capela de palha deixada pelo padre desbravador. Destaca, ainda, o riacho do Salgado como importante manancial de água própria para o consumo humano, e acrescenta o que considero mais importante no documento, as impressões do potencial crescimento do povoado, tendo em vista o ajuntamento que já existia na época de sua chegada. Observe, na seguinte passagem, o relato de Antonio Rodrigues Nogueira.

Em nenhuma parte desta Freguesia tem agoas nativas (quero di/zer Fontes) e somente na paragem chamada o Salgado tem hum olho/ de agoa nativa, que hé o lugar donde se tem determinado levantar a/ Igreja Matris que Sua Magestade foi servido mandar fazer nesta Fre/guesia, e donde não há Capellas mais do que a de S. Estevão, de que/ ao principio desta relação fis menção, a qual deixou de todo arruinar o/ seo Administrador o Padre Jozé de Costa de Almeida em odio a creação/ da dita Freguesia. [...]Consta nesta Freguesia de 1350 almas, das quais só mil com pouca/ diferença são de comunhão. Em toda esta gente sómente se conta 20/ homens brancos: todo o mais são Mulatos, Mamalucos Mestiços, e es/cravatura de negros que plantão tabaço, e crião algum gado Vacum e Cavalhar.Muitos dos próprios

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donos da Fazenda não residem nellas pela/ aspereza do Pais, que fóracrear algum gado, e de plantar o Tabaço.12

Pelo fato de a penetração do padre José da Costa Almeida ter sido documentada por ele em fontes que talvez já não existam mais, o importante é que a ação desbravadora foi legitimada em carta pelo primeiro padre da paróquia, versão esta que se tornou consenso entre os santo-estevenses. O que é sabido é que é desse desbravamento considerado pioneiro, que se origina o mito de fundação da cidade, de que vamos tratar mais adiante.

A documentação que chegou ao nosso conhecimento, escrita pelo próprio Antônio Rodrigues Nogueira, consiste numa espécie de prestação de contas, que pode ser entendida também como um censo. Este documento, além de registrar o lançamento da pedra fundamental da Igreja (considerada grande para a época), também objetiva justificar a criação da capela, o porquê de sua edificação, tão importante para as almas que ali viviam. No documento, o padre Antônio Rodrigues de Nogueira expressa ainda a exaltação do povoado que viria a se transformar em freguesia no ano de 175113.

No que diz respeito ao mito de fundação, o que posso adiantar é que o mito está ligado à carta de Nogueira, e é revivido toda vez que é significativo para o santoestevense, seja no imaginário da cultura popular, seja no imaginário católico regional.

Pensar o mito se traduz em justificar a origem católica do povoado, o que agracia e orgulha a população local da sua origem.

O mito nasceu, claro, da oralidade. A versão pode ser encontrada também no histórico dos municípios da Bahia produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)14.

Em Santo Estevão, o que se conta é que, ali, Almeida estabeleceu uma casa de orações que, em seguida, se transformaria em uma capela, que seria a nova casa da imagem de Santo Estevão, o que logo atrairia novos fiéis que se tornariam devotos do Santo. A seca prolongada provocou a migração de moradores das redondezas em busca de água, que, ao ter notícias do riacho, ali resolveram se fixar, construindo barracos ao

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SILVA, Pedro Souza. op. cit., p.408.

SILVA, Pedro Souza. op. cit., p.407.

14 Histórico do município de Santo Estevão – IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/historicos_cidades/historico_conteudo.php?codmun. htm>. Acesso em: 07 jun. 2013.

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redor do manancial que seriam suas moradas. Daí em diante temos mais um assentamento populacional, mais um povoado fundado por padres católicos.

O padre Jozé da Costa de Almeida, ao se estabelecer às margens do Salgado, mandou construir uma capela que seria a nova morada da imagem do Santo que lhe acompanhava. Conta-se que quando pela manhã chegava à casa de orações para cuidar da sua obrigação sacerdotal, notava a falta da imagem de Santo Estevão, que ali fora colocada por ele, a qual ia ser encontrada na capela de origem.

Figura 05–Imagem do terceiro mural (sem título) no Centro Cultural de Santo Estevão de autoria de William Azevedo.

Fonte: Foto por Alisson Nery, Junho de 2013.

Por várias vezes a fuga teria se repetido e, assim, o padre, convencido de que a imagem do Santo não queria deixar seu altar de origem, tratou de conseguir outra imagem para a nova capela, o que deu origem, naquela época, ao nome do lugar: Santo Estevão Novo.

O que se conta pela cultura popular é que a imagem fugia à noite e, quando raiava o dia, lá estava ela na sua antiga capela, de Santo Estevão Velho, simbolizando a crença daquele povo, fazendo emêrgir no seu altar de origem a fé e devoção católica dos primeiros devotos ou da primeira povoação. Por conta desses contos, a imagem de Santo Estevão Velho ficou conhecida como a imagem do santo Fujão. Observe imagem abaixo.

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Figura 06–Imagem do quarto mural (sem título) no Centro Cultural de Santo Estevão de autoria de William Azevedo.

Fonte: Foto por Alisson Nery, Junho de 2013.

Mas o que se pode provar, através dos documentos, é o período em que teve início a criação da capela que daria nome ao povoado. Nessa oportunidade, o vigário expressa o senso dos fiéis e a atividade econômica que esses praticavam, veja nessa passagem.

Esta Freguesia de S. Estevão do jacuípe que lhe dá o nome o rio/assim chamado, é hua antiga capela que nesta parte houve com a in/vocação do mesmo santo, foi creada de novo no anno de 1751 por or/dem de sua Magestadepellainacessivel distancia em que ficavão estes/ moradores de sua antiga Matrizes que erão, a de Nossa Senhora do/ Rosario do Porto de Cachoeira, e a de S. Jozé das Itapororoas, para se/ lhe acudir com o promploremedio do saudável pasto espiritual dos/ Santos Sacramentos dos quaes sem grande dificuldade não podiam ser/ socorridos assim pela razão da distancia em que ficavão de déslegoas/ de hua a outra Antiga Freguezia, como pellas continuas inundações do/ rio Jacoipe no tempo das trovoadas que lhe empedia o passo e torna/va a passagem por não dar vão em semelhante tempo, nem haver canoa/ que facilite o renzito: pois ainda no cazo de haver, pelo grosso cabedal/ que recebe, he tão rapido na fervecencia da sua corrente que se faziam/ transitavel, porém passada esta a pé enxuto se lhe pizão as suas areas/ na mayor parte do anno. [...]Consta nesta Freguesia de 1350 almas, das quais só mil com pouca/ diferença são de comunhão. Em toda esta gente sómente se conta 20/ homens brancos: todo o mais são Mulatos, Mamalucos Mestiços, e es/cravatura de negros que plantão tabaço, e crião algum gado Vacum e Cavalhar15.

Veja-se o destaque que o clérigo dá aos fiéis existentes no local, chamados por ele de “almas”, fala da importância de se estabelecer uma capela a fim de cristianizar os não-cristãos. Cita ainda a atividade econômica desenvolvida por escravos que habitavam a região, que seria o plantio do tabaco e a criação de gado e cavalos.

Observa-se que a região desenvolvia sua atividade econômica baseada na cultura do 15

SILVA, Pedro Souza. op. cit., p.407.

21

fumo e de alguns gêneros alimentícios de subsistência e na criação de animais. O ideal é perceber que essas práticas agrícolas, esse lidar com a terra, inclusive a partir da utilização do trabalho escravo, assinalam a existência de uma população local anterior à consagração católica. Para finalizar, o vigário Antônio Rodrigues Nogueira expressa dados referente à população e à devoção do povo que ali se encontrava.

Em livro de memória do santo-estevense Pedro Souza Gomes, chamado “Os leigos também inspiram”, que se organiza caracteristicamente como um folheto de cordel com sentenças gramaticais rimadas. O autor também apresenta uma versão que não representa nem se associa à mística nem ao sobrenatural do mito, mas que de alguma forma desconstrói o ideal de fundação eminentemente católico. A versão de Pedro Gomes provavelmente surgiu das histórias que ouvia na infância ou adolescência, o que legitima o caráter oral do texto. Em sua versão dos fatos, antes da construção de qualquer capela, o povoado já vinha se estabelecendo. Segundo Souza, Santo Estevão “era uma espécie de pouso de viajeiros”. 16 No local paravam para descansar mascates, muitos vaqueiros e suas boiadas, que percorriam grandes distâncias do interior do sertão em busca de mercados onde pudessem negociar suas reses. Muitos se estendiam geralmente às margens do Rio Paraguaçu, rio que corta o território de Santo Estevão, e após o descanso em suas margens continuavam suas viagens até chegar às estradas que levavam até a cidade de Cachoeira, ou Feira de Santana.

Na versão de Souza, o local primeiro era apenas passagem, “pouso”, como ele chama, onde em seguida se formou a povoação a partir da consagração católica.

Era pouso de viajeiros./ Eu digo e posso afirmar;/ Vinham margeando o Rio Paraguassú,/ A busca da beira mar./ De paraguassú a Contendas;/ Santo Estevão era uma Fazernda,/ Onde paravam para descansar.

Santo Estevão começou,/ Por um pequeno povoado;/ Tinha uma consagração católica,/ Que vinha gente de todos os lados;/ Nas épocas que tinha Santa Missa,/ Vinha gente do alto Sertão,/ Pra onde vão? Vamos pro Adro.

Quem deu este nome de Adro/ Foi pessoa sem princípio./ Grupo de analfabeto/ que trata-se hoje de Hippe./ O povo desenvolvido/ já tinha um nome esclarecido/ Santo Estevão do Jaquipe.

O poço do Salgado/ Teve grande evolução/ Pois elevou Santo Estevão/ E sua população/ Vinha gente de todas plagas/ Na época da falta d’água/ a procura de habitação17.

16 17

GOMES, Pedro Souza. op. cit., p.03.

Ibid, p.03.

22

1.2 CACHOEIRA E SANTO ESTEVÃO DO JACUHYPE

Localizado no estado da Bahia, o município de Cachoeira faz parte do espaço sociocultural, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), do território de identidade conhecido como Recôncavo Sul. A cidade está localizada entre as coordenadas geográficas de 12° 36’ de Latitude Sul e 38° 58’ de Longitude Oeste de Greenwich, a uma altitude de 50 m do nível do mar, e distante 110 km da cidade de Salvador.

No século XVIII, como já foi exposto no início do texto, a Villa de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira era considerada uma das cidades mais importantes do Brasil por vários motivos. Além de sua extensão territorial hegemônica frente aos outros municípios, destaca-se também sua atividade portuária, o plantio de extensas lavouras para exportação, tanto de fumo, quanto de cana-de-açúcar e ainda sua importância como grande centro comercial. A cidade funcionava como um entreposto comercial e político entre a capital e o interior da província. Nessa rede urbana conhecida como recôncavo, Cachoeira era considerada a porta de entrada para o interior longínquo da Bahia, o sertão. E dela partiam os caminhos, as estradas para o interior da capitania da Bahia.

A relação de Santo Estevão do Jacuhype com a cidade de Cachoeira era tanto econômica quanto política. Entre o início da segunda metade do século XVIII e o início da primeira metade do século XX, a freguesia de Santo Estevão do Jacuhype estava subordinada à Vila de Nossa Senhora de Cachoeira. O território de Santo Estevão do Jacuhype e outras cidades vizinhas faziam parte e eram legalmente reconhecidos pelos órgãos administrativos como pertencente a uma região maior denominada recôncavo, no qual a vila de Cachoeira era a principal representante. Mas como a Freguesia de Santo Estevão do Jacuhype se inseria nesse contexto? Como se dava a relação econômica e, principalmente, política entre Cachoeira e Santo Estevão?

Em artigo publicado por Ana Paula Albuquerque intitulado de Lavoura fumageira do recôncavo da Bahia: uma tentativa de caracterização (1773-1831), a autora evidencia como a lavoura fumageira estava inserida na economia regional de recôncavo, e conseqüente de Santo Estevão.

No texto, Albuquerque inicia destacando a origem do tabaco na América tropical e as principais áreas de produção no Brasil. Entre as mais importantes destaca-se: Bahia,

23

Rio de Janeiro, Maranhão e Minas Gerais. Aqui vamos nos dedicar especificamente à Bahia, à região produtora conhecida como Campos de Cachoeira, no recôncavo.

Território reservado ao plantio de fumo, e Santo Estevão do Jacuhype se insere como uma das freguesias produtoras.

Na primeira metade do século XVIII, a Freguesia de Santo Estevão do Jacuhype tinha como sua principal atividade econômica o plantio do tabaco e, em menor importância, criações de gado e cavalos. Lembrando que, desde o século XVI, o fumo havia se consolidado como um dos produtos de exportação do Brasil.

O fumo que era produzido na região de Santo Estevão do Jacuhype era todo para exportação, sob a forma de folha, selecionado e amarrado o produto, o qual seguia para Cachoeira onde era comercializado e possivelmente rumava para a África, onde era trocado por negros africanos que se tornariam escravos nas terras brasileiras.

Para o plantio e desenvolvimento do tabaco, são necessárias algumas condições básicas. A planta se adapta facilmente a vários tipos de clima, mas, para seu melhor desenvolvimento prefere o calor, por volta de 17ºC a 27ºC, alta umidade e o solo deve ser permeável e a terra arenosa. Condições ideais que a freguesia de Santo Estevão Novo reunia.

Na conjuntura externa “se o açúcar tornou o Brasil conhecido em todos os reinos da Europa, porém foi o tabaco que o tornou famoso nas quatro partes do mundo”. O grande consumo do tabaco pelos marinheiros e soldados ajudou na sua difusão não só pela Europa, mas por todas as regiões colonizadas do planeta. A partir da manufatura desse produto tivemos desde um fumo refinado de alto valor comercial, que podia ser agora consumido por todos inclusive pela elite. Observe que o produto que fora introduzido na Europa pelas camadas inferiores, alcançou as camadas mais altas da sociedade. O grande consumo alcançado pela especiaria, fez com que a Vila de Cachoeira, nos seus campos, se especializasse no plantio, beneficiamento, e comercialização desse produto que por sua vez traria o desenvolvimento de uma vasta região.

24

2 INSTALAÇÃO MUNICIPAL: “COMEMORAÇÕES EM 1921”

Neste capítulo, pretende-se discutir o processo de instalação e posse da Intendência e Conselho municipal da Villa de Santo Estevão do Jacuhype, ocorrido, em 21 de Setembro, e 21 de Dezembro do ano de 1921, respectivamente. O objetivo aqui é identificar como teve início o movimento que elevou a freguesia à condição de município, e destacar os principais agentes, ou grupos, que contribuíram para esse evento político e institucional.

2.1 PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO

A mudança de regime político no país, conduzida pelas forças armadas militares ocorrida em 15 de Novembro de 1889, foi, na verdade, uma forma de garantir a manutenção do controle político do Estado pela elite nacional, tendo em vista que a monarquia estava bastante desgastada e já não conseguia mais manter a estabilidade política, através da centralização do poder estatal nas mãos de uma única figura: o Imperador.

O modelo de constituição adotada em 1891 foi inspirado na constituição dos Estados Unidos da América, o que enquadraria o Brasil em princípios políticos federativos que assinalavam grande autonomia para os estados, autonomia esta inexistente no período imperial18.

Nessa nova conjuntura política que se apresentava, final do século XIX e início do XX, a República representou para o país a fragmentação do poder político, que antes era centralizado no Império. As províncias passaram a se chamar Estados, e o princípio político, o federalismo, se impunha em substituição ao centralismo, o que conferia liberdade política e administrativa às unidades da federação. Entre outras atribuições, os Estados agora podiam legislar sobre diversos temas, cobrar impostos, elaborar sistema eleitoral e judiciário próprio, além de organizar sua força militar 19.

Outra novidade do regime era o voto direto para a chefia do Estado. Para pleitear o cargo do executivo estadual ou federal, o representante que se colocasse na disputa 18

RESENDE. Maria Efigênia Lage de. O processo político na primeira República e o liberalismo oligárquico. In: DELGADO, Lucia de Almeida Neves. FERREIRA, Jorge, org. O tempo de liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930.

19 Ibid.

25

deveria obter a maioria dos votos para ser eleito, tratava-se de um processo eleitoral por maioria dos votantes. No caso dos estados, o candidato eleito passou a ser chamado de governador, e não mais de presidente de província, com amplos poderes após eleito.

Dava início a uma política de controle da máquina pública sobre sua jurisdição, seja na capital ou no interior do estado, a partir de indicações para cargos públicos em troca de apoio político20.

Nascia uma política de favores, pautada numa relação de dependência entre os chefes políticos locais e os representantes do executivo estadual, os quais delegavam atribuições de estado aos coronéis locais que passaram a concentra cada vez mais poder em seus municípios de origem.

Mudou-se a forma de gestão do Estado, mudou-se o jogo político. Se antes, o presidente de província era a figura que representava e articulava a boa relação entre os interesses do Império e das províncias; agora, com a República, o governador era a figura, que transmitia poder aos municípios, fortalecendo o decadente poder local dos Coronéis, senhores de terra, que em contra partida, direcionavam ações locais com o objetivo de fortalecer seu representante estadual nos municípios e, consequentemente, em todo o estado. Se forjava dessa forma a política de compromisso da Primeira República.

O novo jogo político, inaugurado junto à proclamação da República, fortaleceu significativamente os proprietários de terra dos municípios, em sua maioria coronéis da Guarda Nacional. Estes, ao receberem o título de Coronel, recebiam também poder do Estado para exercer grande número de funções que competiam aos chefes de estado.

A Guarda Nacional era uma instituição paramilitar da elite, de origem imperial, fundada na Regência, e estava organizada a partir da figura do Coronel, sua mais alta patente. Este tinha a incumbência de recrutar soldados e jagunços, e pô-los em combate, era uma espécie de exército auxiliar do Estado, que cuidava da manutenção da “ordem local”. No primeiro momento de sua fundação, ainda no Império, eram os presidente das províncias que indicavam as concessões dos cargos de coronéis, que eram hereditárias.

Num segundo momento a patente poderia ser comprada, o problema é que custava muito caro e só podia ser adquirido por ricos fazendeiro e grande comerciantes 21.

20

21

RESENDE. Maria Efigênia Lage de. op. cit.

CARONE, Edgar. A República Velha. São Paulo: Difusão Européia, 1972. p.250-251.

26

Se a instituição brasileira, fundada em 1831, inspirada na Guarda Nacional francesa, tinha por objetivo armar o cidadão para que este pudesse manter a “ordem”, era uma ordem completamente privada, o que contrasta com sua matriz de origem. O objetivo da Guarda Nacional francesa era justamente quebrar o monopólio da violência exercido pela nobreza, pois o alistamento militar na França revolucionária estava restrita a esta classe. O povo a partir daí pôde se armar contra a tirania dos governantes e contra o regime que queriam derrubar.

Já a Guarda Nacional brasileira nasce com princípios contrários aos da guarda nacional francesa. No Brasil, a Guarda Nacional se instalou a fim de armar as pessoas de posse, neste contexto, o grande problema era que a milícia cidadã, aqui do Brasil, não era nada democrática, só faziam parte dela indivíduos abastados, que conseguissem manter um exército particular. Nesse contexto, o que se conclui é que as pessoas sem renda muitas vezes não conseguiam ser nem mesmo soldados.

Junto a este dado se associa o sufrágio universal, o voto, que não era tão universal assim. O voto na primeira República era um privilégio para aqueles que sabiam ler e escrever, e que possuíam uma renda anual mínima de 200 contos de réis, o que excluía grande parte da população brasileira. Sendo assim, o indivíduo que tinha uma renda anual inferior à citado não tinha direito ao voto, estando completamente excluído da vida pública. Não podendo votar, não podia ser votado, nem tampouco opinar, ou seja, estava fora de qualquer tipo de participação. E essa era a situação de praticamente 90% dos brasileiros da época.22 A conjuntura republicana do início do século XX, em todo o estado da Bahia, e para ser mais preciso, em Santo Estevão do Jacuhype, foi de extrema instabilidade política por parte dos coronéis locais, isso por que as grandes oligarquias do Estado disputavam a influência sobre as lideranças da freguesia, isto é, disputavam a influência do grupo que gostariam que representassem seus respectivos candidato a governo do Estado no povoado. A disputa pelo governo do estado acabou dividindo a freguesia em dois grupos.

Santo Estevão do Jacuhype, como qualquer outra freguesia do interior da Bahia ou de qualquer outro estado, sofria a influência de uma povoação maior à qual estava ligada política e administrativamente. Como a freguesia era um distrito pertencente a 22

CARVALHO, José Murilo De.“República e cidadanias”. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das letras, 1987. p.43-44.

27

Cachoeira, logo Cachoeira era a cidade mais desenvolvida e de maior opulência. Dessa forma, a cidade de Cachoeira exercia grande influência política e administrativa, tanto no seu território quanto nas regiões vizinhas, influência que se arrastou por todo o período Colonial, Imperial, e até o final da Primeira República.

Santo Estevão do Jacuhype e Patos, que em seguida daria origem ao município de Ipecaetá, nesse período, faziam parte do território de Cachoeira o que, consequentemente, lhes colocavam no território compreendido como recôncavo. Com o desmembramento, ocorrido em 1921, Santo Estevão e Patos (hoje município de Ipecaetá) também se deslocaram geograficamente, deixando de se localizar no recôncavo e passando a se localizar na região conhecida como sertão do couro, na micro região de Feira de Santana. Nesse sentido, o desmembramento territorial acabou por deslocar geograficamente a vila, tratou-se de um deslocamento geopolítico.

O desentendimento entre as lideranças políticas locais causou um grande conflito entre os Coronéis, que se articularam em dois grupos de interesses políticos e sociais diferentes. Definidos os posicionamentos de cada coronel em relação às eleições para governo do estado, cada grupo reuniu um considerável contingente de homens e armas e usaram seu poder de fogo, a capangagem, estratégia comum do coronelismo contra o opositor, que tinha por objetivo eliminar os divergentes que geralmente também eram um coronel.

Depois de encerrado o conflito, o grupo vitorioso, liderado pelo Coronel João de Deus Pires de Cerqueira e pelo Coronel Manuel Alves de Souza deu início à formação de uma nova frente política, uma nova articulação local que em breve organizou ações junto ao governo do Estado a fim de elevar a freguesia à condição de Município.

A disputa pela hegemonia política na freguesia, ou seja, pelo contingente político que o curral eleitoral do distrito poderia proporcionar às eleições estaduais ocorridas entre meados de Setembro de 1907 e Fevereiro de 1908, pode ser considerado o divisor de águas entre a ideia e a necessidade de elevar a freguesia a uma nova atmosfera política: a municipal e republicana.

Antes de começar os conflitos nas vilas e freguesias do interior da Bahia, em especial nas do recôncavo, a cisão teve início nos bastidores do poder, na cúpula do P.R.B., as vésperas da eleição estadual, no ano de 1907. O racha no partido deu origem a duas lideranças que influenciaram politicamente as eleições em todo o território estadual: José Marcelino, então governador do Estado, que apoiava Araujo Pinho, e

28

Severino Vieira, Senador da República e ex-governador da Bahia, que queria Joaquim Inácio Tosta para chefe do Executivo baiano 23.

A divergência entre os dois chefes do P.R.B., José Marcelino e Severino Vieira, em torno sucessão governamental geraria uma crise política até então sem precedentes, cuja resultante seria a quebra da unidade do partido que desde 1901, centralizava o poder. Dividido, em conseqüência, em duas facções, a marcilinista e a severinista. O P.R.B, gradativamente, foi definnando e perdendo sua força de mando, à medida que o seabrismo atuava na articulação de um esquema para a conquista do poder, em 1912.24

Na freguesia, o conflito entre os coronéis se iniciou quando a então liderança política local, o Coronel João de Deus Pires de Cerqueira, acompanhado de mais duas personalidades municipais, o cidadão Manuel dos Anjos Sant’Anna e o Capitão Modesto Gusmão, não aceitaram o convite do Dr.Ubaldino de Assis, correligionário de Seabra e chefe político regional de todo o território que compreendia a comarca de Cachoeira, para representar a freguesia de Santo Estevão do Jacuhype na cidade de Cachoeira. Representar a freguesia aqui se traduzia em aceitar ou não o compromisso de apoiar na freguesia de Jacuhype, o candidato a governo do estado de sua preferência.

Aceitar o convite do Dr. Ubaldino significava garantir a reserva do curral eleitoral da freguesia para o seu candidato ao governo do estado, Araujo Pinho.

O grande problema é que, se o convite fosse aceito, colocaria João de Deus e seus companheiros, na condição de representantes políticos com responsabilidades eleitorais face ao grupo liderado por Dr. Ubaldino, o que era completamente inviável para essas lideranças a essa altura das eleições estaduais. Nessa situação, o grande problema enfrentado pelo Coronel João de Deus, e que o levou a recusa do convite feito por Ubaldino Assis, foi o compromisso já firmado com Severino Vieira.

Aceitar um acordo com Ubaldino, seria desonrar o acordo feito com o Senador Severino Vieira, que na época apoiava uma outra candidatura, esta formada pala articulação de duas famílias poderosas do recôncavo, a família Prisco Paraíso, que detinha o reconhecimento do domínio político sobre o município de Cachoeira, e a família Tosta, que controlava politicamente o município visinho, Muritiba. Essa aliança lançou como candidato pelo P.R.B. o chefe da família Tosta, Joaquim Inácio Tosta, sendo o principal articulador da campanha o ex-governador e Senador da República Severino Vieira. Assim, a oposição a Ubaldino de Assis, que também era Senador da 23

SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos da Bahia na primeira republica: uma política de acomodação.Salvador: Centro Editorial e Didatico da UFBA, 1975. p.59.

24 SAMPAIO, Consuelo Novais. op. cit.

29

República e que tinha o apoio do governador do estado nas eleições de 1908, se constituiu na freguesia bem antes de sua articulação com as lideranças locais.

O conflito entre os coronéis se iniciou quando as expectativas de Ubaldino em atrair para seu lado o Coronel João de Deus Pires de Cerqueira, Manuel dos Anjos Sant’ Anna e o Capitão Modesto Gusmão se esgotaram. Estes não aceitaram o convite do Dr. Ubaldino de Assis para aliarem-se na candidatura de Araujo Pinho ao governo do Estado, pois já existia um compromisso entre o Coronel João de Deus e Severino Vieira, que tinha como seu candidato Joaquim Ignácio Tosta25.

Nessa situação, dada a oposição feita na freguesia à candidatura de Araujo Pinho, o Dr. Ubaldino direcionou o convite para outra liderança local. A ideia seria indicar como representante do seu candidato na freguesia de Jacuhype um coronel que se comprometesse com os projetos políticos encabeçados por Ubaldino no que diz respeito à cidade de Cachoeira, para assim legitimar sua hegemonia política não só junto as freguesias da comarca de Cachoeira, mas em todo o estado da Bahia.

O coronel escolhido chamava-se Plinio da Silva Gomes, o qual, após se comprometer com o Dr. Ubaldino, iniciou uma política de perseguição aos seus opositores, de abuso de poder, seja pelo título de coronel da Guarda Nacional que carregava; seja pelo fato de representar, na freguesia, o projeto político do Senador da República. Mas, principalmente, pelo poder do estado delegado a ele como chefe de freguesia, nomeado por Ubaldino e que, ao se confundir com seu poder privado, cometia excesso ao conduzir suas ações políticas 26.

Os rumores se espalhavam rapidamente pela freguesia de que o Coronel Plínio da Silva Gomes estaria ao lado de Araújo Pinho, Ubaldino de Assis, representante político regional, e do então governador do Estado José Marcelino. A maioria dos coronéis do interior da Bahia apoiava Araujo Pinho.

As eleições municipais ocorreram em Janeiro de 1908, mas desde os últimos meses de 1097 o jornal A Ordem, ao lado de Prisco Paraíso e Inácio Tosta, já denunciava as articulações de Ubaldino de Assis nos distritos de Cachoeira.

O senador era acusado por seus opositores locais de nomear suplentes analfabetos e desordeiros, além de enviar praças numa verdadeira”ostentação de força policial”, a fim de organizar mesas favoráveis a candidatura de Araujo Pinho. O pleito municipal de 1908 foi tão conturbado quanto o

25 26

GOMES, Pedro Souza. op. cit., p.31 Ibid.

30

estadual, contudo, Ubaldino de Assis garantiu o controle da administração local com a vitória de seu candidato à Intendência, Virgílio Reis.27

Na freguesia de Jacuhype, o “Coronel Plínio assim tomou a chefia/ promoveu logo grandes confusões/ criando casos e praticando vingança/ batendo em gente e fazendo prisões/ para ele não existia mais pessoas séria/ praticava violência e fazia miséria/ por ai foi o começo da revolução”. 28 Segundo os escritos de Gomes, Plínio surge como a figura do Coronel violento, vingativo, e completamente radical em suas ações político-sociais. Enquanto esteve à frente do projeto político capitaneado pelo governador José Marcelino e pelo Senador Ubaldino de Assis na freguesia de Jacuhype, suas ações foram pautadas na perseguição aos opositores, e na opressão aos não colaboradores. Plínio implementou a tradicional e clássica política coronelista do filhotismo, que tem como uma de suas facetas o mandonismo, que se manifesta na perseguição aos adversários políticos. Ou seja, para os amigos pão, para os inimigos pau.29

Os mais poderosos chefes estaduais e municipais, como José Gonçalves, Luiz Viana, Deocleciano Teixeira e Ubaldino de Assis, apoiavam o candidato governista. [...] Em alguns municípios, onde o poder local estava sendo disputado por grupos rivais, dividiram-se as manifestações de solidariedade entre os dois candidatos.30

A política encabeçada pelo Coronel Plínio levou os que divergiam dele a se organizarem, formando um grupo coeso determinado a buscar uma solução para os problemas de abuso do poder social e de polícia praticados por este. Assim, o grupo chefiado pelo Coronel João de Deus e pelo Coronel Manuel Alves de Souza, conhecido como Manoelzinho do Jacaré, articularam-se com Manuel dos Anjos de Sant’ Anna, Modesto Gusmão, Isauro Borges de Cabral e outros poderosos coronéis da região, a fim de mover esforços junto à intendência do município de Cachoeira com o propósito de derrubar o Coronel Plínio da chefia da freguesia.

Definido o interesse do grupo que fazia oposição ao chefe da freguesia, e já tendo conhecimento dos objetivos destes, o Coronel Plínio, que se articulava com o

27

SANTOS, Edmar Ferreira. O poder dos Candomblés: perseguição e resistência no recôncavo da Bahia.

Salvador. Edufba, 2009. p.113.

28 GOMES, Pedro Souza. op. cit., p.31.

29 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil.5ª ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. p.61.

30

SAMPAIO, Consuelo Novais. op. cit., p.63.

31

Major Alcebíades Borges de Oliveira, resolve tomar algumas providências. Reuniu seus jagunços, pediu reforço policial a Ubaldino de Assis, representante da cidade de Cachoeira, organizou um pequeno batalhão a fim de atacar seus opositores, e se estabeleceu na praça da igreja, inclusive usando esta como fortaleza pela privilegiada posição de tiro que a torre dava aos seus jagunços. O ataque a bala seria a forma encontrada por Coronel Plínio de eliminar seus inimigos políticos 31.

Na nossa Igreja Matriz/ o autocomando alojado/ o padre Neponuceno/ que vivia embriagado/ na política triunfando/ entregou a Igreja ao comando/ e deixou as obrigações de lado.

A igreja tornou-se um quartel/ invés de Santos, soldados/ tinha 30 e tantos homens/ entre simples e graduado/ o comandante quem era?/ falavam em um Alfares/ e o sargento Medrado.32

A passagem acima retrata o início do conflito armado conduzido pelo Coronel Plínio que, como chefe da freguesia, se utilizou dos recursos policiais delegados a ele, se apropriou da sede da freguesia, e da força policial do município de Cachoeira, para eliminar seus opositores33.

Quando tomaram conhecimento do ataque que seria realizado por Plínio, o Coronel João de Deus procurou seus aliados, entre eles o Coronel Manuel Alves de Souza, Manoelzinho do Jacaré, o mais abastado dos coronéis locais, que decidiu então recrutar jagunços na região e, sob seu comando, combater o Coronel Plínio 34.

“Eram 10 horas mais ou menos/ já estava tudo cercado/ pelo Coronel Manoelzinho/ com centenas de homens armados/ não se entrava nem saía/ não se comia e nem bebia/ só horas determinadas”. 35 Manoelzinho tinha sitiado Plínio e seus jagunços na Igreja, para que esses desistissem do confronto por falta de mantimentos e munição. Mas, nesse momento, os jagunços do Coronel Manoelzinho estavam em pequeno número, não sendo possível sitiar por muito tempo Plínio e seus homens na Igreja. A dificuldade em vencer Plínio chega ao fim quando os reforços chegaram de diversas regiões da Bahia. Eram homens enviados por diversos coronéis do interior, e até possivelmente das lavras diamantinas, em respeito e solidariedade a Manoelzinho 36.

31

GOMES, Pedro Souza. op. cit., p.31.

Ibid, p.32.

33 Ibid.

34 Ibid.

35 Ibid.

36 Ibid.

32

32

Orácio que era amigo/ de Manoelzinho do Jacaré/lhe mandou 50 jagunços/ que lhe merecia fé/ pela linha férrea de curralinhos/ desembarcaram em Tanquinho/ fizeram o resto do percurso a pé.

Zé Lapa nessa época era:/ deputado no sertão/ ofereceu-lhe 50 homens/ dando a sua cooperação/ conhecia manoelzinho de nome/ ciente que era um grande homem/ auxiliou a revolução.

O coronel Antonio Cardoso/ já era homem de posição/ santo Estevão e Imburana/ já existia divisão/ eles sempre foram ligados/ mandou 20 homens armados/ pra fezer parte da revolução.

O Tenente Alvino Gomes/ conhercido por barão/ marchava da Várzea Redonda/ chefiando um pelotão/ de homens munidos e armados/ que atiravam para todo lado/ e se ligaram ao batalhão.

Ipirá naquela época/ seu nome era Camisão/ chefiado por Coronel João Mendes/ homem de disposição/ Coronel Manoelzinho seu companheiro/ mandou 50 catingueiros/ auxiliando a revolução.37

Depois que chegaram todos os jagunços enviados pelos coronéis amigos do Coronel Manoel Alves de Souza, Manoelzinho do Jacaré, e do Coronel João de Deus, estes formaram um verdadeiro exército que a partir do conflito armado, poria fim a tirania implantada por Plínio.

Após, ser derrotado no conflito armado, o Coronel Plinio estaria por muito tempo excluído da vida política da freguesia. Nessa conjuntura, o grupo dominante, o qual derrotou Plínio, liderado pelo Coronel João de Deus e Manoel Alves de Souza se, manteria na chefia política da freguesia e se articularia com a oligarquia dominante estadual através das relações construídas com políticos de grande influência na política estadual.

Nessa conjuntura, os filhos da terra, Isauro Borges Cabral e, principalmente, seu irmão, Cezar Borges de Cabral, seriam os protagonistas dessa aliança, a qual almejava desenvolver e possibilitar uma melhor infraestrutura no que tange aos serviços públicos e sociais da freguesia. Cezar, que era formado em direito e que, por volta do ano de 1912-1913, morava na capital do estado, nesse período já prestava serviços ao governo atuando como funcionário público.

Em vista da estabilidade política local, a partir da desmoralização do Coronel Plínio, nasce entre o grupo hegemônico a necessidade ou a vontade de se desligar da comarca de Cachoeira. Nesse contexto, surge Cezar como o indivíduo que articularia esforços políticos a fim de desmembrar territorialmente a freguesia, e, por conseguinte, instalar politicamente o município de Santo Estevão do Jacuhype, o que veio a se efetivar no ano de 1921.

37

GOMES, Pedro Souza. op. cit., p.33-36.

33

2.2 ATO DE POSSE: PRIMEIRO CONSELHO MUNICIPAL

A história do município de Santo Estevão do Jacuhype teve início em 12 de julho de 1921, com a assinatura do decreto estadual N° 1.491 pelo governador em exercício Coronel Frederico Augusto Rodrigues da Costa, que substituía José Joaquim Seabra, e pelo então Secretario do Interior, José Joaquim Landulpo Medrado 38. Em seguida, processou-se a instalação do Conselho e Intendência municipal em 21 de setembro, e finalmente, a posse da Intendência provisória no dia 12 de dezembro do mesmo ano. Seguiu-se, então, a adoção das primeiras providências para implantação do município. Assim, nascia o município de Santo Estevão do Jacuhype, 22 anos após da proclamação da República39.

O normal seria que a proposta de instalação do município de Santo Estevão do Jacuhype, tramitasse e fosse votada na Assembléia Legislativa do estado, na Câmara dos Deputados, mas foi completamente o oposto. Trata-se de um processo que, se observado pelas normas atuais, não foi nada democrático. Não se pode esquecer que o decreto de instalação municipal foi emitido pelo governador interino.40 O decreto foi assinado pelo Presidente do Senado da Bahia, o Coronel Frederico Augusto Rodrigues da Costa. Nessa época, o Senado tinha competências completamente diferentes das atuais, não funcionava como hoje. A instituição sofrera várias alterações no decorrer da República. Nesse período, o presidente do Senado da Bahia, entre outras competências que exercia, na ausência do governador por mais de trinta dias, substituía o chefe do Executivo, assumindo suas funções, até o regresso do chefe de Estado e a normalização das suas atribuições.

Nesse contexto político e administrativo, o Senado estaria para o governo do Estado, como uma espécie de câmara, que auxiliava os trabalhos do Executivo. Sendo assim, o presidente do Senado seria o substituto do governador nas ausências do território do estado superiores a trinta dias, isso por que, na época, a chapa para os

38

ARQUIVO PÚBLICO DO MUNICIPIO DE SANTO ESTEVÃO. Seção documentos avulsos. Lei Nº 1.491, de 12 de Julho de 1921. Santo Estevão, 2013.

39 CENTRO CULTURAL THEMISTOCLES PIRES DE CERQUEIRA. Ata de posse do Intendente provisório e Conselheiros Municipais da Villa de Santo Estevão do Jacuhype. Sessão memorial. Santo Estevão, 2012.

40 DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923.

Governo do estado da Bahia, 2007.

34

cargos do executivo, seja estadual ou municipal, era formada por só um nome, ou seja, não existia vice-governador ou vice-intendente. Observe-se a seguinte passagem: Não havendo o cargo de vice-Governador, a Constituição do Estado estabelece para o caso de impedimento ou falha do Governador, que passará o governo do Estado sucessivamente ao Presidente do Senado, ao Presidente da Camará e em ultimo lugar ao Presidente do Tribunal Superior de Justiça.

(Lei. n. 1.387, de 24 de Maio de 1920, Art.46).41

Resolvida a primeira questão, de porque o decreto de instalação municipal foi assinado pelo presidente do senado da Bahia, o Coronel Frederico Augusto Rodrigues da Costa, e não pelo próprio José Joaquim Seabra, agora a pergunta seria quais as motivações que fizeram o governador em exercício apoiar a iniciativa de elevar o município? Uma terceira questão seria quem teria encaminhado a proposta ao governador? Pois, sendo a elevação por decreto emitido pelo próprio chefe de Estado, como as lideranças políticas locais conseguiria a adesão da oligarquia estadual ao seu projeto?

Nesse processo, a figura do Bel. Cezar Borges de Cabral se destaca e apresentase como incentivador, colaborador, e, principalmente, mediador das políticas “progressistas”, destinadas a elevar a condição política e administrativa da freguesia 42.

Cezar nesse período era funcionário público do Estado, e tinha sido deputado estadual por três legislaturas consecutivas, de 1913 a 1917 43. Além de deputado estadual, ele ocuparia ainda no período de 1920-1924, um cargo importante em meio aos políticos da capital, Diretor da Secretaria do Governo e, posteriormente, do Interior, tendo como secretário o senhor José Joaquim Landulpo Medrado, o mesmo que assinaria, junto com o governador em exercício, Coronel Frederico, o decreto estadual N° 1.491.

Entre todos os cargos públicos ocupados por Cezar, este, fez parte também da Associação dos Funcionários Públicos do Estado da Bahia, Instituição que logrou sua fundação em 8 de Setembro de 1918, e na qual ocupou, no ano de 1920, a posição de terceiro vice-presidente da instituição 44.

41

DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923. op. cit., p. 363.

42 CENTRO CULTURAL THEMISTOCLES PIRES DE CERQUEIRA. Ata de posse do Intendente provisório e Conselheiros Municipais da Villa de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

43 DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. op. cit., p.492-493.

44 Ibid, p.480.

35

A partir dos registros encontrados referentes aos cargos públicos ocupados por Cezar, o que se conclui é que teria sido ele quem mais articulou as relações entre as lideranças políticas locais e a oligarquia estadual. Ele teria contribuído e muito para o desmembramento de Cachoeira e instalação municipal da freguesia. Afinal, no período em que foi emitido o decreto, Cezar trabalhava em parceria com o Secretario do Interior. Assim, existe grande possibilidade dele ter facilitado o processo de elevação de sua terra natal.

A instalação municipal ocorreu em 21 de Setembro de 1921, isto é, a instituição do Conselho e Intendência que iniciaram os trabalhos do novo município. Dessa forma, a constituição da burocrática e a delegação dos cargos públicos, só viria a ocorrer dois meses e nove dias depois da assinatura do decreto, sem qualquer tipo de prejuízo processual. Já que a formação do Conselho e Intendência seria em média de trinta dias45.

A lei. n. 1.387, de 24 de Maio de 1920, estabelece, em seu Art. 7º, que a criação de município depende das seguintes condições: População superior a quinze mil habitantes; renda anual, calculada pela que até então pagavam os moradores da parte a desmembrar-se, superior a dez contos de réis; dez por cento pelo menos da população adulta, sabendo lêr e escrever; existência, na projetada sede do novo município, de edifício com capacidade necessária para o funcionamento do governo local, das sessões do jury e para escola, cadeia e quartel (destaques nossos). 46

Sendo assim, o primeiro Conselho e Intendência do município não seriam eleitos pela população local, pois, o município nascia dependente dos recursos do Estado para infra-estrutura e serviços, este estava submisso as nomeações dos cargos públicos municipais, seja eles servidores, conselho e principalmente da intendência. O povo do recém-criado

município

ficaria

completamente

fora

do

processo

político,

completamente excluído de qualquer tipo de participação, o que assinala para um estado “democrático”, que não é tão democrático assim. Nessa perspectiva, o Intendente e o Conselho seriam nomeados diretamente pelo governador do estado com a aprovação do Senado, lembrando que, na assinatura do decreto estadual N° 1.491, o Executivo estadual estava sendo representado pelo Legislativo, por motivos desconhecidos da ausência do governador. Nesse momento os poderes Legislativo e Executivo se 45

DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923., p.368.

46 Ibid.

36

confundem na figura de um só sujeitos que os representam, portanto, a mesma pessoa que emitiu o decreto autorizando a criação do município, na condição de governador do estado, autorizaria a nomeação do Conselho e Intendência municipal do mesmo, mais agora na condição de presidente do Senado da Bahia.

O povo não escolheria quem seriam seus governantes, porque nesse momento o novo município sequer reunia condições de se auto sustentar financeiramente, e menos ainda de gerir seus serviços públicos municipais básicos, situação que dava ao governo do estado a opção de nomear a intendência e conselho da vila. Outro dado importante era o contingente populacional de Santo Estevão do Jacuype, com apenas 12.500 habitantes47, incompatível com o exigido por lei para se criar um município na época.

No ano de 1923, já como município, Santo Estevão do Jacuype tinha uma população de apenas 12.500 habitantes, o que assinala uma irregularidade administrativa da instalação municipal, o que se presume que em 1921 a população da freguesia seria bem menor.

Observe-se que no período de 1921-1923, a freguesia não reunia condições reais para se tornar município e mesmo com as possíveis “irregularidades” com a lei em vigor conseguem se instalar politicamente.

Mesmo com algumas pendências - população inferior ao percentual exigido e instalação a partir de um decreto - como o processo foi considerado legal pelas autoridades que o despacharam, amparados talvez, na colaboração que o governo do estado poderia prestar assistência ao nascente município, o que acaba justificando a nomeação dos cargos administrativos locais.

O recurso no qual as autoridades se pautaram para dar continuidade ao processo pode ser observado nessa outra passagem do diário oficial do estado, do ano de 1923, fundamentava-se no Art. 12 da citada lei nº. 1.387, no que este trata da organização municipal.

Nos municípios em que o estado tiver sobre sua responsabilidade pecuniária serviço de caráter municipal ou houver contracto com abono ou fiança do Estado, o intendente é nomeado pelo governador com a aprovação do Senado: a comissão do intendente se extingue se antes desse prazo cessarem as hypotheses que a motivaram.

Em ambas as hypotheses a investidura vale pelo prazo de dois anos. (Lei citada, Art. 12).48 47

DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923.

Governo do estado da Bahia, 2007. op. cit., p.520.

48 Ibid, p.370.

37

O que se conclui é que o Coronel Frederico, emitiu o decreto quando ocupava interinamente o governo do estado, e, num segundo momento, autorizou a nomeação do Conselho e Intendência como Senador. O que se entende é que, o coronel, ao ocupar simultaneamente os cargos de governador do estado e presidente do Senado, tenha facilitado o tramite com a ajuda do secretário de estado José Joaquim Landupho Medrado, e do diretor da Secretária do Interior, Cezar Borges Cabral, os mais interessados no processo.

A posse do Conselho e Intendência só ocorreria em 12 de dezembro do mesmo ano49, exatamente cinco meses após ser emitido o decreto. O evento ocorreu possivelmente na sede da paróquia e contou com a presença de cidadãos do município, ou seja, indivíduos que comporiam as instâncias municipais, Conselho e Intendência, e um representante do governo do estado, além de alguns populares, que participaram do evento como ouvintes50.

As condições de elegibilidade, definidas pelo Art. 16 da citada lei nº. 1.387, seriam as seguintes:

Ter um ano pelo menos residente no município e não estar obrigado por divida, contracto ou outra qualquer responsabilidade para com os cofres municipais.

São inelegíveis para os ditos cargos: o governador e seus secretários; os membros do Congresso Federal e os da Assembléia Geral do Estado; as autoridades policiais; os comandantes das força armada; não compreendia a guarda nacional; os magistrados e os representantes do ministério público; os chefes de repartição, tabeliães, escrivães do júdiciário e de paz; officiais do registro de hypothecario, colletores, agentes de fiscoe seus escrivães; os professores públicos primário; os directores e empregados de emprezas que em virtude de contrectos com o minicipio, esteja sujeito a sua immediata fiscalização; os empregados do município e os que recebem delle porcentagem pela arrecadação de rendas ou impostos. As causas da inelegibilidade até trinta dias antes da eleição respectiva. (Lei citada, Art. 16)51.

O primeiro conselho municipal da Villa, teve como seu primeiro presidente o senhor João Magalhães de Almeida, vice-presidente, o senhor Manoel dos Anjos de Sant´Anna. Themistocles de Cerqueira Bastos, foi seu Primeiro Secretário; e Bartolomeu Sylvestre dos Santos, o Segundo Secretário e escrivão da ata de posse do 49

CENTRO CULTURAL THEMISTOCLES PIRES DE CERQUEIRA. Ata de posse do Intendente provisório e Conselheiros Municipais da Villa de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

50 Ibid.

51 DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923.

Governo do estado da Bahia, 2007. op. cit. p.369.

38

Conselho. Os demais eram apenas conselheiros, Raphael Alves Pereira, Alfredo Gesteira Brandão, e Honorato Francisco da Silva 52.

A Intendência seria ocupada pelo Tenente Coronel Isauro Borges de Cabral, o mesmo Isauro que, ainda jovem, já vinha participando da política local. Se nos reportamos ao início do capítulo podemos notar o apoio dado por ele ao Coronel João de Deus, o Coronel Manoel Alves no conflito armado contra o Coronel Plínio.

Passados entre, doze e treze anos desse evento, Isauro conseguiu a simpatia do grupo, formado inicialmente por João de Deus, e, com o respaldo político dado a ele pelo seu irmão, o Bel. Cesar Borges de Cabral, Isauro se fez enquanto representante dos interesses do grupo no município junto ao governo do estado, contexto que fez Isauro chegar ao poder, como Intendente.

Na cessão de posse do conselho, além dos já citados, estiveram presentes também os cidadãos Alcebíades Borges de Oliveira, Manoel Pires de Cerqueira, Alfredo Rozendo da Silva, João Batista Pereira Fraga, Raquel Freira da Costa (Professora), o Dr. Joaquim Artur Pedreira Franco, além do Dr. Cezar Borges de Cabral como representante do governo do estado53.

Em título, a ata de posse descreve o evento da seguinte forma: Ata de instalação do município: Intendência Municipal de Santo Estevão do Jacuhype em 12 de dezembro de 1921. A ata foi escrita pelo segundo secretário do conselho o senhor Bartolomeu Sylvestre dos Santos.

De início o escrivão faz menção ao Intendente reconhecido deste município: Senhor Coronel Isauro Borges Cabral, que no ato de posse profere uma oração legitimando o compromisso constitucional aceito.

Registra-se na ata de instalação municipal que o Dr. Joaquim Arthur Pedreira Franco: Pede a palavra e faz apelo para que as ruas desta Villa, onde viveram e moraram o Coronel João de Deus Pires de Cerqueira e Capitão Manoel Cabral, tome seus nomes o que desde muito a população já consagrou. Pediu ainda que as duas praças contiguas, a Igreja tomassem os nomes do doutor José Joaquim Seabra e Coronel Frederico Costa e aruá em continuação da praça da democracia, ficou denominada Avenida Dr. Antonio Muniz. Lembra ainda que o governo considerou como feriado o Dois de Julho como uma data mais gloriosa do nosso estado54.

52

CENTRO CULTURAL THEMISTOCLES PIRES DE CERQUEIRA. op. cit.

CENTRO CULTURAL THEMISTOCLES PIRES DE CERQUEIRA. Ata de posse do Intendente provisório e Conselheiros Municipais da Villa de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

54 Ibid.

53

39

Em sua declaração na Ata, o senhor Joaquim atesta a morte do Coronel João de Deus no período da posse do conselho, e lhe presta uma homenagem ao pedir ao conselho que dêem seu nome a rua que em vida havia morado.

Em seguida, o Dr. Cezar Borges de Cabral pede a palavra e se faz breve, mas bem objetivo ao: “Se congratular com o futuro do município de Santo Estevão do Jacuhype, e faz sinceros votos pelo seu desenvolvimento moral e material em nome do Exmo. Sr. Governador do Estado em exercício 55”.

Segue o conselheiro Bartolomeu Sylvestre dos Santos, que apresenta e lê uma moção de solidariedade ao governador do estado, o senhor José Joaquim Seabra. Na sequência, segue com a palavra o conselheiro Manuel dos Anjos Sant’Anna que apresenta uma outra moção de congratulação ao exmo. Senhor Coronel Frederico Augusto Rodrigues da Costa, Governador do estado em exercício. Todas essas ações são procedimentos comuns a qualquer cerimônia política, o que atesta a seriedade do ato.

Segundo o escrivão da ata, após os conselheiros finalizarem sua fala, estava erguido calorosos vivas aos processos do Partido Republicano Democrata da Bahia, os quais são correspondidos deliberadamente pelo seleto auditório, no qual se vê representada a família santo estevense, sem distinção, na presença de exmas.

Senhorinhas da melhor sociedade 56.

Em tempo, declara Bartolomeu Sylvestre dos Santos, que, após haver assumido o compromisso legal, o senhor Intendente municipal declarou estar legalmente instalado o município na vila de Santo Estevão do Jacuhype 57.

Nada mais a tratar, o escrivão da ata diz: “A subscrevo e assigno, nomeado secretario; Isauro Borges de Cabral – Intendente; João Magalhães de Almeida – Presidente concelho; Manoel dos Anjos de Sant´anna – Vice presidente; Themistocles de Cerqueira Bastos Primeiro secretario; BartholomeuSylvestre dos Santos, segundo secretario; Alfredo Gesteira Brandão, CM; Honorato Francisco da Silva, CM; Raphael Alves Pereira, CM58.”

55

CENTRO CULTURAL THEMISTOCLES PIRES DE CERQUEIRA. Ata de posse do Intendente provisório e Conselheiros Municipais da Villa de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

56 Ibid.

57 Ibid.

58 Ibid.

40

Dessa forma, se constituiu e tomou posse o primeiro Conselho e Intendência municipal da Villa de Santo Estevão do Jacuype. No ano seguinte, o Intendente e metade do conselho seriam substituídos.

Muitos dos indivíduos que formaram o Conselho e Intendência municipal ou eram comerciantes locais ou grandes proprietários de terra59, o que demonstra que a iniciativa de desmembramento e instalação municipal não partiu da iniciativa popular, mas sim de um grupo de Coronéis da freguesia. É possível que a maioria da população, principalmente os desprovidos de propriedade, não tenham se dado conta do evento político. A partir dos documentos consultados, o que se observa é que o desmembramento territorial e a instalação municipal da freguesia foram na verdade eventos almejados, protagonizados e efetivados por uma oligarquia politicamente fortalecida, a partir da relação de políticos da capital, mas principalmente respaldado pelo advento da propriedade da terra.

Ainda no período que nasce o ideal de emancipação, pode-se dizer que a propriedade da terra, (o latifúndio) foi um dos principais incentivos das ações dos coronéis, afinal, com a elevação de freguesia de Santo Estevão do Jacuhype à condição de município, os latifúndios, que eram muitos, estariam cada vez mais valorizados.

59

Anuário Estatístico da Bahia 1923 (Volume 1923) – Diretoria do Serviço Estatística do Estado.

Disponível em:< <http:// archive.org/search.php?query=minist%C3%A9rio%20da%20fazenda%20bahia. htm>. Acesso em: 07 de junho. 2013, 20:54:00.

41

3 PRIMEIROS ANOS MUNICIPAIS: QUEM SERIAM OS LÍDERES POLÍTICOS ?

Neste capítulo, pretende-se apresentar algumas das principais ações do Conselho e Intendência municipal em seus primeiros anos de gestão. Trata-se das primeiras ações no novo município, que só viriam a se realizar de fato no ano de 1922, na gestão do segundo intendente municipal, Themístocles Pires de Cerqueira. Pretende-se também, mapear a origem dos indivíduos que protagonizaram a instalação municipal e compuseram os primeiros Conselhos e Intendências, relacionando o evento aos interesses desses em tal governo.

3.1 O CORONELISMO DE BRAÇOS DADOS COM A REPÚBLICA

Tem-se nos registros documentais como primeiro intendente do município de Santo Estevão do Jacuhype, o Tem. Cel. Isauro Borges Cabral 60, que após receber a indicação para o cargo pelo seu irmão, Cezar Borges Cabral, que, na ocasião do processo político de instalação municipal e posse, representava o mediador entre as lideranças da freguesia e o governo do Estado, à época ocupado por J. J. Seabra, em seu segundo mandato, de 1920 a 1924.

Como intendente provisório, Isauro ficaria no cargo por muito pouco tempo.

Tomaria posse em 12 de Dezembro de 1921, e ficaria até 31 do mesmo mês, apenas 19 dias. O único registro encontrado sobre a gestão de Isauro é a ata de posse do conselho provisório, de dezembro de 1921, e nela não se observa a indicação de nenhum encaminhamento de serviços ou obras públicas na vila. Nesta perspectiva, a gestão de Isauro foi uma gestão que objetivava legitimar o novo município junto ao governo do estado, ou seja, evidenciá-lo no contexto estadual. Tendo em vista que o decreto fora emitido em setembro, em dezembro já estava mais do que na hora de se efetivar o novo município.

Já em 1922, portanto, tomaria posse o segundo Intendente, também nomeado, o Coronel Themistocles Pires de Cerqueira, irmão do Coronel João de Deus Pires de

60

CENTRO CULTURAL THEMISTOCLES PIRES DE CERQUEIRA. Ata de posse do Intendente provisório e Conselheiros Municipais da Villa de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

42

Cerqueira, o qual tratamos no segundo capítulo. A gestão de Themístocles61, que teria início em janeiro do referido ano, na prática representaria a tomada das primeiras ações políticas administrativas do município. No seu governo se criaram as primeiras ordenações que direcionariam e, principalmente, legitimariam a autonomia política e de gestão do município.

Entre as primeiras ações legais adotadas pelo Coronel Themístocles, está a elaboração do primeiro livro de leis e resoluções do município. Nele se observam os primeiros direcionamentos políticos no sentido de criar as bases de uma possível infraestrutura municipal.

Os encaminhamentos legislativos, leis e resoluções, são as mais variadas possíveis, que vão desde a concessão de privilégios, de terra no cemitério municipal para a construção de mausoléus às famílias tradicionais da cidade, até a instalação de serviços de iluminação pública no arraial dos Patos. São serviços públicos de diversas naturezas, em sua maioria de caráter emergencial, mas têm como características comuns o ideal de fazer uma gestão no sentido de alterar significamente os padrões urbanos.

Nota-se que o Conselho e Intendência queriam constituir na vila, a infra-estrutura que lhe daria as feições de um município.

Tendo-se iniciado os trabalhos do Conselho e Intendência, no quesito legislação, é destaque o Livro Um, do Executivo Municipal, datado de 1922, que direcionaria as ações do município por quase uma década. Nele estão as primeiras leis e resoluções municipais, entre as quais se destacam três leis, de importante relevância para o novo município.

De início, é destaque o Projeto de Lei Municipal nº. 13, que trata do controle epidemiológico, ou seja, do combate a pragas e epidemias que, no período, atingiam a região. No referido artigo consta que: A comissão abaixo assinada, tomando em consideração o exposto pelo senhor intendente deste município, da parecer favorável ao seguinte projeto de lei.

Art.1° Tendo em vista a, o aparecimento da peste bubônica, (o caso, de calamidade publica, que no) momento ofende o município, fica autorizado o senhor intendente a desprender a quantia necessária para auxiliar na debelação da peste, cujas, contas serão apresentada posteriormente á este conselho para sobre ellas dar o seu parecer.

61

ARQUIVO PÚBLICO DO MUNICIPIO DE SANTO ESTEVÃO. Primeiro livro de leis e resoluções do município de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

43

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrários. Em gestão do conselho municipal da Villa de Santo Estevão do Jacuype, 27 de Abril de 1922. João Magalhaes de Almeida, p. Bartholomeu Silvestre dos Santos 1. Sacret.

Alfredo Gesteira Brandão.62

Outra lei muito importante para contextualizar o período, é a resolução municipal de número 3, de primeiro de fevereiro. Nas seguintes passagens, artigos 1, 2 e 3, fica claro a intenção dos legisladores em expressar um caráter disciplinador, nesse caso em especial a intenção era a disciplinar os antigos donos da rua, o homem o campo. Nesse momento se observa a construção social de uma cidade na qual as memórias ligadas a um passado pastoril, da lida com os gados, e burros brabos, já não cabem mais. Observe: O cidadão Themistocles Pires de Cerqueira, Intendente da Vila de Santo Estevão do Jacuhype, etc, etc.

Faço saber que o conselho municipal desta vila de Santo Estevão do Jacuhype, decreta e eu sanciono a presente lei: Art. 1°. Fica terminante mente proibido expôr-se á secca nas ruas desta Villa, couros, roupas, caugalhas, cereais, ou qualquer outro artigo que empate o transito ou attente contra o grau de civilização desta Villa.

Paragrafo Único. Os infratores deste artigo sofrerão a multa de (10mr) dez mil réis, e o dobro nas reimcidencias.

Art.2. Tambem fica proibido solter-se animais nas ruas desta Villa, nos dias de feira, de festas, bem as fins, corridas de cavalos ou amansamentos de burros nas mesmas ruas, em horas de ajuntamentos populares.

Paragrafo Único. Os infratores serão multados em (2mr) dois mil reis, es o dobro nas reincidência.

Art. 3º Ninguem poderá trazer soltar nas ruas desta vila, porcos, cabras e carneiros. Paragrafo únicos. Multa de (5mr) cinco mil reis, e o dobro nas reincidências aos infratores do artigo63.

Nos três artigos apontados da referida lei, se evidencia a tentativa de deixar para traz tudo que era velho, que nesse momento significava atraso. Os novos hábitos representavam a perspectiva civilizadora da vila, que por sua vez, negavam as práticas sociais e costumes antigos da vila. Para eles, a sede da cidade já não era mais uma fazenda. A legislação, nesse sentido, funcionava como uma ferramenta de controle sobre a população do município.

Para finalizar, outra lei característica do também de caráter modernizador, é destaque, a resolução municipal de número 6, de primeiro de fevereiro.

62

ARQUIVO PÚBLICO DO MUNICIPIO DE SANTO ESTEVÃO. Primeiro livro de leis e resoluções do município de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

63 Ibid.

44

O cidadão Themistocles Pires de Cerqueira, Intendente da Vila de Santo Estevão do Jacuhype, etc, etc.

Faço saber que o conselho municipal desta vila, decreta e eu sanciono a seguinte relação: Art.1º. Nenhuma rua poderá ser aberta na sede desta Vila sem a largura mínima de vinte metros.

Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrario. Mando portanto, a todas as autoritárias a que o conhecimento da presente chegar a execução, pretensão, que a compram e façam cumprir tais fielmente como nele se contem.

Villa de Santo Estevam do Jacuhype, em 4 de fevereiro de 192264.

Pode-se perceber que nos três artigos que foram citadas do primeiro livro de leis, o Conselho e a Intendência municipal objetivavam formatar a vila em padrões modernos, seria para eles a civilidade que chegara a vila. Para os legisladores, os novos padrões possibilitariam retirar a vila da situação de atraso social e político que vivera pelo menos nos últimos anos do Período Republicano.

Para começo de gestão, ficam evidentes, os procedimentos civilizatórios adotados pelo intendente e conselho, quando da tentativa da erradicação da peste bubônica. Em seguida, pela proibição de exposição a céu aberto de couros, roupas, cangalhas nas ruas da vila, e por último, com as determinações sobre as larguras das ruas, que junto às outras ações caracterizaria a vila como um grande centro moderno da região.

Ainda sobre a gestão do Coronel Themístocles Pires, 1922-1923, destacam-se alguns dados65 sobre a cidade, de grande relevância para caracterizar o período. No final do mandato do Coronel Themistocles, a vila tinha uma superfície por volta de 720 km², e seus municípios limites eram: Muritiba, Castro Alves, Camisão, Feira de Sant’Anna e São Gonçalo dos Campos. Na sede repousavam em torno de trezentas casas, sobre um plano de 16km². Em fotografia abaixo, qual retrata o século XX, pode-se visualizar uma simulação das características que teriam a vila no o período da emancipação.

64

ARQUIVO PÚBLICO DO MUNICIPIO DE SANTO ESTEVÃO. Primeiro livro de leis e resoluções do município de Santo Estevão do Jacuhype. op. cit.

65 DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923.

Governo do estado da Bahia, 2007. Op. cit., p.560.

45

Figura 07–Imagem da vila de Santo Estevão do Jacuhype, início do século XX (ano desconhecido), Centro Cultural Themistocles Pires de Cerqueira.

Fonte: Fotografia digitalizada por Alisson Nery, Junho de 2013.

Entre as obras de destaque executadas pelo Intendente, aparece a Escola Pública Municipal do Arraial dos Patos, uma coluna em homenagem ao poeta Castro Alves na margem esquerda do rio Paraguaçu, dando o nome do literato ao porto ali existente, iluminação pública da sede e transferência da feira livre, que por muitos anos acontecia ao lado da Igreja Matriz que dá para o mercado municipal66.

Nesse período a vila era um município eminentemente agrícola, e seu solo era considerado de boa qualidade, fértil. A fertilidade do solo proporcionava a autosuficiência agrícola, não só da vila, mas de toda a região circunvizinha 67. Tratava-se de uma região que reunia condições climáticas que favoreciam substancialmente a produção de variados gêneros alimentícios, necessários a subsistência da população regional, com destaque para cereais como: milho, arroz, mandioca, feijão, amendoins, batata e fumo, sua maior cultura, entre outros cultivos68.

No ano de 1922, o município teve um grande crescimento em sua safra de fumo, que se elevou a cerca de 150 mil arrobas, ou seja, dois milhões e cinquenta mil quilos.

O fumo é uma cultura agrícola tradicional da região da freguesia desde o período colonial, e se estender como dominante por grande parte do período republicano. É uma 66

DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923.

Governo do estado da Bahia, 2007. op. cit., p.560.

67 Ibid.

68 Ibid.

46

cultura eminentemente, pautada no plantio, manufatura e comercialização na zona rural, ou seja, completamente agrícola, e que pode ser considerada significativa para o desenvolvimento do município, que teve um grande salto de produtividade um ano após a instalação municipal69.

Ainda se tratando da atividade fumageira do município, em comemoração ao centenário da independência do Brasil no ano de 1922, foi realizado no estado do Rio de Janeiro, uma exposição com o objetivo de premiar todos os estados da união seja pela sua cultura agrícola, industrial ou atividade extrativista70.

Na ocasião a idéia era perceber de que forma cada estado contribui para o desenvolvimento do país, ou seja, demonstrar para o país e possivelmente para o exterior todas as potencialidades do Brasil, no seu centenário. Na seção agrícola de plantio de fumo é premiado com uma medalha de ouro senhor Manoel Pires de Cerqueira, comerciante do município, como um dos melhores produtores de fumo de qualidade do estado da Bahia 71.

Fez parta dos trabalhos, o Dr. Joaquim Artur Pedreira Franco, que participou da instalação municipal da Vila de Santo Estevão do Jacuhype na ocasião foi o presidente da comissão estadual organizadora do mostruário do estado a Bahia, é o delegado do estado da Bahia à exposição no Rio de Janeiro 72.

Outra atividade rural de destaque regional é a criação de gado, que assim como o fumo, também deu um grande salto de produtividade, e vem se fazendo significativa, principalmente na Vila de Santo Estevão do Jacuhype, onde, se nota pela seleção de espécies de boa raça, que a pecuária tem se desenvolvido bastante. As fazendas Juazeiro, Dique, Viração, Fazenda Nova, Sitio Novo, Horizonte, Pau d’Alho, Mucambo, entre outras, protagonizam bons resultados desse setor agrícola, o que se faz importante e atraente para possíveis investidores na economia local e desenvolvimento da região como um todo73.

69

DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923.

Governo do estado da Bahia, 2007. op. cit.

70 Ibid, p.527.

71 Ibid.

72 Ibid, p.525.

73 Ibid, p.560.

47

3.2 A POLITICA DOS INTENDENTES

A política dos intendentes nos primeiros anos do novo município de Santo Estevão do Jacuhype seria composta por indivíduos provenientes da elite local, em sua maioria proprietários de terra. Na primeira gestão municipal, tendo como intendente o Coronel Isauro Borges Cabral, o conselho fora composto por sete cidadãos, composição incomum, segundo a Organização dos Municípios da Bahia.

Os membros do conselho municipal variam de oito a dezesseis; na capital o conselho consta de dezesseis membros; de doze, nas cidades que forem sedes de comarca; de dez nas demais cidades; e de oito nas vilas. (Art. 12, Lei citada)74.

Dos sete destacados, únicos encontrados, pelo menos quatro se mantiveram nos cargos no início da gestão do segundo intendente, o Coronel Themístocles Pires de Cerqueira.

Foram eles o senhor Bartolomeu Sylvestre dos Santos, que fez parte do primeiro conselho provisório como Segundo secretário; João Magalhães de Almeida, Presidente; Themístocles de Cerqueira Bastos, Primeiro secretário; Alfredo Gesteira Brandão, apenas conselheiro. Procedimento que pode ser explicado pelo fato de que, ao final de cada gestão, quando nomeada pelo governo do estado, caso de Santo Estevão do Jacuhype, legalmente a gestão duraria apenas dois anos, quando esta chegava ao fim, se conservava cinquenta por cento do conselho que deveria permanecer no cargo, e a outra metade seria substituído.

Os demais conselheiros que fizeram parte da primeira legislação, os cidadãos, Raphael Alves Pereira, Manoel dos Anjos de Sant´Anna, que fora vice presidente do conselho na primeira legislatura e o senhor Honorato Francisco da Silva, não foram encontrado na documentação 75 administrativa consultada, referente ao período de Gestão de Themístocles Pires, que terminou em dezembro de 1923.

Nesse período, Seabra estava na sua segunda legislatura como governador do estado. “Ele é governador de 1912 a 1916; de 1916 a 1920, elege Antonio Muniz, e

74

DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Edição comemorativa ao centenário da Bahia 1923.

Governo do estado da Bahia, 2007. Op. cit.,.p. 369.

75 A documentação que o texto se refere, trata-se da atá de posse do conselho mais o primeiro livro de leis e resoluções do município.

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volta ao governo de 1920 a 1924. Na realidade, ele é governador de 1912 a 1924”76.

Trata-se do período de auge do seabrismo na Bahia.

Com o fim da gestão do Coronel Themístocles Pires, mais uma vez o Coronel Isauro Borges voltaria a ser Intendente municipal, dando início a sua gestão em Maio de 1924 a Dezembro de 1926. Isso se explica pela falta de oposição na localidade, tendo em vista ainda o objetivo de fortalecer cada vez mais o grupo político local, as gestões foram negociadas. O que a documentação consultada demonstra, é que existia um revezamento acertado entre o grupo local de quem iria ocupar os cargos municipais, seja do conselho ou da intendência.

O poder político dessas lideranças locais, os coronéis, era constituído com base no prestígio econômico que a propriedade da terra exercia no contexto político social da primeira república. Seja em Santo Estevão do Jacuhype, seja em qualquer outra freguesia da Bahia, a terra representava o poder do seu proprietário, que geralmente era re-significado por este no contexto político.

Entre os cidadãos citados neste trabalho, o que, se pode confirmar como legítimos Coronéis, pois eram, proprietários de terra no município de Santo Estevão do Jacuhype, no ano de 1920, um ano anterior da instalação municipal, destaca-se o Tem. Cel. Isauro Borges de Cabral, proprietário da Fazenda Nova; o senhor Joaquim Arthur P. Franço, proprietário da Fazenda Dique; Themístocles de Cerqueira Bastos, proprietário da Fazenda Santo Estevão do Jacuhype, e o senhor Manuel dos Anjos de Sant’Anna, proprietário da Fazenda Caldeirão 77. Todos estiveram ligados ao processo político que elevou a freguesia à condição de município, três deles participaram, inclusive ocupando cargos importantes na primeira legislatura e estão presente no ato de instalação municipal da vila.

Pode-se citar também a propriedade da senhora Joana Borges de Cerqueira, proprietária da Fazenda Candeal78, propriedade que esta herdara do seu esposo, o Coronel João de Deus Pires de Cerqueira, e que também teve fundamental importância no processo de instalação municipal.

76

LINS, Wilson. Coronéis e oligarquias. Universidade Federal da Bahia, Salvador. Iananá, 1998. p.38.

Anuário Estatístico da Bahia 1923 (Volume 1923) – Diretoria do Serviço Estatística do Estado.

Disponível em:< <http:// archive.org/search.php?query=minist%C3%A9rio%20da%20fazenda%20bahia. htm>. Acesso em: 07 de junho. 2013, 20:54:00.

77

78

Ibid.

49

Também foram encontrados como proprietários de terras no município, o Coronel Landulpho Alves de Souza, aparece como proprietário da Fazenda Mucambo, e a Senhora Josephina Alves de Souza, proprietária da Fazenda Jacaré. Os sobrenomes assinalam que ambos eram irmãos e pelo que tudo indica as propriedades foram herança de seu pai o Coronel Manoel Alves de Souza, o já citado Manoelzinho do Jacaré, o mesmo que se aliou com o Coronel João de Deus para por fim a política de capangagem do Coronel Plínio da Silva Gomes. É destaque também a propriedade do senhor Sabino Francisco dos Santos, proprietário da Fazenda Viração; Manuel Pires Bastos, Fazenda Sitio Novo; e o senhor Izidoro Marques Pereira, Fazenda Salgado. Algumas dessas propriedades foram citadas como destaque na atividade pecuária, no início do capítulo, e aparecem no Diário Oficial do Estado no ano de 1923 como importantes propriedades, dedicadas a pecuária.

A natural situação econômica e social de donos de terra acaba por fazer desses homens indivíduos que ocupam uma privilegiada posição na estrutura política da freguesia. Nessa época, o coronel exercia ampla jurisdição sobre os indivíduos que lhes prestavam serviços de qualquer natureza, seja ela na sede do município, em seu comércio ou residência, mas principalmente na sua propriedade rural.

A massa humana que tira a subsistência das suas terras vive no mais lamentável estado de pobreza, ignorância e abandono. Diante dela, o “coronel” é rico. [...] Além do mais, no meio rural, é o proprietário de terra ou de gado quem tem mais meios de obter financiamentos. Para isso muito ocorre para seu prestígio político, pelas notórias ligações de nossos bancos. É, pois, para o próprio “coronel” que o roceiro apela nos momentos de apertura, comprando fiado em seu armazém para pagar com a colheita, ou pedindo dinheiro, nas mesmas condições, para outras necessidades79.

As próprias condições de sociabilidade e de manutenção da própria vida que imperavam no mundo rural, das vilas e freguesia do interior do Brasil, na Primeira República condicionava um relacionamento social de dependência entre o roceiro e o proprietário de terras. Isso nos leva a concluir que a origem da natureza do poder político desses indivíduos provinha da propriedade da terra e se acentuava cada vez mais quando o coronel mantinha um relacionamento político com a oligarquia estadual e nacional.

79

LEAL, Victor Nunes. op. cit., p.43.

50

CONCLUSÃO

A questão da emancipação de Santo Estevão do Jacuhype foi, sem dúvida, o que mais me motivou a pesquisar sobre a histórica política do município, bem como as causas e motivações deste evento. Apesar desse trabalho, por essência cumpri uma obrigação acadêmica, cumpre também uma função sócio-politica, a de informar, pelo menos tenta trazer a luz uma história institucional do município, sem compromisso ideológico e muito menos partidário. Considero os resultados desta pesquisa satisfatórios, apesar das dificuldades do levantamento de fontes e da própria construção da narrativa, a qual no decorrer da pesquisa, sempre me fascinava e me envolvendo, e surpreendia, com seus acontecimentos. Tenho convicção que as principais provocações que nortearam esta pesquisa foram resolvidas, quais foram: descobrir como e quem teria movido esforços para a elevação de Santo Estevão do Jacuipe a município e o significado da ação na conjuntura política da época.

Penso que a narrativa tanto histórica, quanto literária permite que o trabalho possa ser utilizado como material de apoio nos espaços educativos.

Outra característica importante foi perceber o quanto a política de 1907 da freguesia esteve ligada a conjuntura política baiana. Nesse contexto a aliança de lideranças locais com a oligarquia estadual, ou seja, com a cúpula do P.R.B., fez as lideranças distritais respirar ideais políticos inexistentes antes, entre elas a de se desmembrar de Cachoeira.

Pra fechar, o recado vai pra todos aqueles que se interessarem pela história de Santo Estevão e pelo presente trabalho, que foi produzido por iniciativa própria e com muito cuidado no trato das fontes. A partir desse marco, o que espero é que a história do município seja melhor conhecida e conhecida não só pelos filhos da terra, mas por todos que se interessarem pela história das emancipações municipais.

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