
Projeto Mocidade: recriar corpo e ritmo, dar brilho e voz
Laura Galli e Giovanna Luvizetto


MOCIDADE
Projeto Mocidade:recriarcorpoeritmo,darbrilhoevoz Laura Galli e Giovanna Luvizetto
Em 1985, na parada 12 da Lomba do Pinheiro, um grupo de jovens se reuniu para dar corpo a um projeto comum: criar a primeira escola de samba do bairro. Até aquele momento, mesmo sendo uma região grande e popular, a Lomba do Pinheiro não estava representada no Carnaval de Porto Alegre. Aos primeiros fundadores aos poucos foram somando-se mais amigos e familiares fazendo a Mocidade Independente da Lomba do Pinheiro crescer. Entre memórias de dias alegres e reflexões sobre o futuro da escola, nossos cinco entrevistados trouxeram à tona suas histórias com a Mocidade, algumas memórias possíveis que formam o mosaico de histórias da escola. Em todos os casos, há uma certeza: o amor pela agremiação. Foram entrevistados Edson Vieira, músico e compositor, Sandra Regina Martins, foliã, carnavalesca, filha da diretora de baianas Nice Martins, os fundadores Aníbal Castro e Marco Aurélio Nascimento da Silva, e Carmen Dora Conceição, porta-estandarte de grande destaque na história da escola.
Por ser a primeira agremiação carnavalesca da Lomba, nem todos os integrantes da Mocidade tinham experiência de Carnaval nos primeiros desfiles. Em 1988 desfilaram pela primeira vez e no ano seguinte “subiram” para o Carnaval oficial de Porto Alegre – já nesta ocasião com samba-enredo composto por Edson Vieira. “A Mocidade botou o nome da Lomba do Pinheiro lá”, nos disse Aníbal Castro, um dos fundadores da escola. Rapidamente a escola cresceu com participação da comunidade, apresentando desfiles a cada vez melhor produzidos. Quem viveu os anos 1990, não esquece: foram anos de prosperidade, onde a Mocidade ocupou lugares de destaque no Carnaval de Porto Alegre. Aos quase quarenta anos de existência da escola, integrantes da Mocidade
Independente da Lomba do Pinheiro celebram memórias e histórias através do projeto “Mocidade: recriarcorpoeritmo,darbrilhoevoz” .
Entre os desfiles que nossos entrevistados relatam como marcantes, estão o de 1994 com a homenagem
ao Gre-Nal, que contou com figuras públicas dos dois times de futebol da capital. Em seguida o de 1996, “Retrato em Preto e Branco”, em que ganharam o segundo campeonato. Segundo Marco Aurélio foi um dos maiores desfiles da escola, com alas cheias, a maioria só de moradoras e moradores da Lomba.
Nesse ano foram campeões e subiram para o Grupo Especial de Porto Alegre, feito inédito e num curto espaço de tempo, menos de 10 anos após a fundação da escola.
Em 1997 realizaram o desfile Mãe do Ouro, sobre a lenda da mineração. Inúmeros relatos contam que foi o maior Carnaval da escola. Marco Aurélio conta que nomes que hoje estão em cargos de direção estavam começando naquela época. Segundo o carnavalesco, foi o ano em que mais aprenderam sobre carnaval. A Mocidade ficou conhecida para fora, todo mundo pegou junto dentro da escola para fazer o desfile acontecer. Foi o desfile mais famoso, com samba do compositor Edson Vieira. Naquele ano, ficaram em 6º lugar no Grupo Especial das escolas de samba da cidade.
Carmen Dora também lembra com carinho do desfile Mãe do Ouro, em que foi porta-estandarte numa fantasia luxuosa e com a qual participou de programas de televisão, evidenciando o prestígio que a Mocidade foi ganhando com os anos.
A comunidade da Lomba fazia o que fosse preciso para colocar a escola na avenida. Sandra, filha da baiana Tia Nice, conta que a mãe foi convidada para ser diretora da ala das baianas da escola. Montou a diretoria dela, com baianas, e “batia de porta em porta” para arrecadar fundos e apoios para sua ala. “Elas faziam chás, carreteiros, galetos, iam em outras escolas, trocavam figurinhas. A mãe brigava com a diretoria por causa das baianas. Queria adereço, fantasia, costureira.
Ia atras de aderecista, fez um atelier em casa. Desmanchou a sala de casa pra fazer fantasia e montar o ateliê.” . Com esse exemplo, conseguimos ter uma ideia do que a escola já representou para sua comunidade, para seus foliões, que não mediam esforços para apresentar o melhor desfile, pessoas que trabalharam arduamente para fazer o nome da Mocidade crescer.
Escola no bairro
A Mocidade trouxe através do Carnaval uma visão política sobre a Lomba do Pinheiro, contribuindo para a representação do bairro na cidade. Segundo Aníbal Castro, foi a partir dos bons desfiles que a escola apresentava que o bairro começou a aparecer de forma positiva na mídia e na opinião pública.
Além da imagem para o restante da cidade, a escola aos poucos ganhou status de referência em termos de Carnaval dentro da Lomba do Pinheiro. Foi a primeira, a pioneira, a representante fiel do bairro para fora. Com isso, os espaços que ocupou também se tornaram fundamentais para a socialização. Marco
Aurélio nos conta que nos anos 1990 a Mocidade era o point, onde se ensaiava de segunda a segunda, onde amigos se reuniam e faziam a festa acontecer. A Mocidade se tornou um lugar de encontro, música, a sociabilidade do bairro.
O relato de Marco segue destacando a importância do Carnaval como manifestação da cultura popular que agrega as pessoas: “O Carnaval não
consegue viver se não for o social. Tem várias oficinas. Mocidade abriu as portas para todos os ramos, ajuda no comércio, na divulgação do bairro, agrega crianças e idosos, costureiras, profissionais.” Carmen Dora, porta-estandarte de destaque na história da Mocidade, argumenta na mesma linha: “O Carnaval é uma festa para todos, une a diversidade, o público em geral, é cultura. Está no jovem que aprende a tocar instrumento, a dançar. A comunidade tem que chegar e enxergar a magia do Carnaval”.
Sobre a formação de crianças e jovens, Edson Vieira traz a dimensão musical dessa formação. O compositor conta inúmeros jovens que hoje são músicos na Lomba do Pinheiro e outros bairros de Porto Alegre que deram os primeiros passos da carreira na Mocidade. Para Edson, “o Carnaval tem que ser usado pra cultura das raízes negras, pra desenvolver no adolescente, no jovem, na criança, o amor pelo carnaval. Naqueles que tem o dom, já vai desabrochar o dom ali, vai ser no canto, ou vai ser na
dança, ou na percussão. Hoje 80% das bandas de pagode que tem na Lomba do Pinheiro são oriundos da bateria da escola, gurizada que veio pra cá com 14, 15 anos, aprendeu na escola a tocar e hoje tocam e cantam nas bandas de pagode. O Carnaval é isso, ele ajuda a despertar e desenvolver a arte e a música.”
A dimensão da autoestima também foi abordada por Carmen Dora. Para ela, para participar do Carnaval é importante estar de bem com a vida, e às vezes é a própria festa que nos traz isso: “amar-se em primeiro lugar para passar para as pessoas esse amor, principalmente para as meninas e mulheres.” Ela salienta como o Carnaval contribui para a construção e consolidação da autoestima das mulheres que se envolvem com a festa e encerra dizendo: “A nossa cultura não pode parar! É preciso ter público, pois a escola está de portas abertas. A comunidade tem que chegar mais para sentir como é bom, saudável e gratificante fazer parte”.