Revista Vox – volume 02

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Apesar de que a opinião da mulher não lhe seja de muita importância, solta o filho, que tão logo se vê livre foge pras bandas do chiqueiro, onde mistura seus berros com os guinchos desesperados que até então tinham servido de trilha sonora ao medonho castigo. “Não viste o que estes dois aprontaram?”, contesta Reginaldo, direcionando parte de sua ira também para a mulher. “Além de não me deixarem dormir, mexeram com estes porcos todos, que agora não param antes de comer.” Havendo programado que mataria um porco naquela tarde, Reginaldo deixara-os sem comida pela manhã para que o escolhido estivesse com o estômago vazio na hora de limpá-lo. Despertos os bichos pelo barulho das latas, a solução seria matar logo o animal e dar comida aos demais. Contudo, para isso, era preciso água quente, o que demoraria ao menos mais uma hora. Enquanto acende o fogo e murmura impropérios destinados aos dois “inúteis que não fazem outra coisa senão estorvar”, esvazia mais uma garrafa de vinho, a terceira naquele dia, logo seguida pela quarta, que preenche o tempo necessário para que a água fique ao ponto de soltar os pelos do porco. Os efeitos do vinho não tardam, mas o mau humor não passa. E assim a tarde de um sujeito, que havia começado mal, encaminhase para um fim indesejado. Quando vai à cozinha buscar a faca de lâmina fina, a mulher percebe a bebedeira e a falta de discernimento para realizar qualquer tarefa, mas como também se torna alvo dos xingamentos, prefere calar-se e deixar que ele vá fazer sozinho a sua matança, do jeito que bem entenda. “Decerto acontecerá como de outra vez em que nem conseguiu pegar o porco, acabou desistindo, e passou a tarde dormindo lá no galpão”, pensa ela, consolando-se por deixar que corresse o risco de se cortar com uma faca tão afiada como aquela. No caminho para o chiqueiro, Reginaldo encontra o filho mais novo, que já conseguiu dominar o choro e está tentando retornar para casa. No entanto, quando avista o pai cambaleante, com uma faca na mão e olhos vermelhos, dá a volta e some novamente, sem ouvir o que aquele lhe gritava: “Piá sem serventia! Cadê aquele palerma do teu irmão? Ainda pego os dois de jeito”. Grita aquilo, mas a visão turva pelo álcool não o deixa ter certeza de que é mesmo o filho que foge ou se é um dos porcos que conseguira fugir. Junta uma das cordas que ficara jogada no caminho e segue adiante, sempre blasfemando a má sorte daquela tarde desastrada.

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