A produção televisiva do crime violento na modernidade tardia

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Para com as vítimas e os espectadores, potenciais testemunhas, Pradel jamais emitiria o menor julgamento desfavorável, sendo de uma boa educação extrema. Seu discurso e suas maneiras apontavam claramente seu desejo de acolhê-las e compreendê-las. Cada uma das demandas era finalizada com um “de nada” e agradecimentos. Sua linguagem era invariavelmente correta, e diante do emprego de um termo do francês familiar, este era expressamente justificado por uma necessidade de exatidão (POILLEUX, 1997, p. 10). Em suas intervenções o apresentador reformulava as falas dos participantes com o propósito de torná-las mais compreensíveis e acessíveis a todos e, também, de legitimá-los. Quando um profissional especializado usava termos técnicos ele tratava de simplificar o discurso. A preocupação com “transparência” era permanente e reforçava sua contrariedade à justiça convencional de forma que a noção de opacidade e complexidade não pudesse ser igualmente endereçada a ele. Com efeito, a constante disposição em mediar as intervenções dos participantes conferia ao apresentador o papel de pivô do programa: nada devia transcorrer sem passar por ele. Intervenções de policiais e outros profissionais, mesmo que consistissem em construções verbais simples, eram parafraseadas com o objetivo de legitimação. Na prática, nenhuma interação direta ocorria entre os diferentes participantes da trama do programa, não importando estarem frente a frente. O apresentador era o mediador responsável pelas questões e pelas respostas. Sua atuação forçava a lembrança da legitimidade das inquietudes dos pais da vítima e exigia da polícia e dos juízes uma resposta consistente. A gentileza observada para com as vítimas não se verificava em relação às autoridades. Permanecia o respeito, mas desapareciam a amabilidade e a disposição de compreensão. Esta “má vontade” para com as autoridades durante suas intervenções, comparativamente à atenção dispensada aos personagens vinculados às vitimas, operava no sentido de uma oposição sistemática à ilegítima falta de respostas dos agentes policiais para as questões que a família colocava (idem, p. 12). Na medida em que os fatos iam sendo apresentados, Patrick Meney, o outro apresentador do programa, jogava com as hipóteses, colocando-se no lugar de investigador que disseca o caso, levantando diferentes possibilidades para eliminálas até conservar a mais verossímil. Ele não omitia nenhuma pista e quando uma


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