Ilha dos Valadares: história, cultura e meio ambiente

Ilha dos Valadares

História, Cultura e Meio Ambiente

© Copyright Fumcul - Fundação Municipal de Cultura. Prefeitura de Paranaguá - PR Editado conforme o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Ficha Técnica: Autoras: Janelize Nascimento Felisbino e Cinthia Maria de Sena Abrahão Revisão Histórica: Marcos de Vasconcellos Gernet Revisão Ortográfica: Rafael Walter e Ana Luiza Boldrini Walter Projeto Gráfico, Curadoria de imagens e Capa: Carlos Weiner Mariano de Souza Diagramação: Mayra Flamínio Direção de Produção: Danielle Fortes Coordenação do Projeto e Produção Executiva: Jéssica Quadros Colaborador: Rodolfo Bonaldi Co-edição: Aldeia Nova Produtora Artística e Sociocultural

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Felisbino, Janelize Nascimento Ilha dos Valadares : história, cultura e meio ambiente / Janelize Nascimento Felisbino, Cinthia Maria de Sena Abrahão. -- Curitiba : Ed. do Autor, 2016.

ISBN 978-85-921281-0-4 1. Valadares, Ilha dos (PR) - Cultura 2. Valadares, Ilha dos (PR) - Meio ambiente 3. Valadares, Ilha dos (PR) - História I. Abrahão, Cinthia Maria de Sena. II. Título.

16-04544

CDD-981.62

Índices para catálogo sistemático: 1. Ilha dos Valadares : Paranaguá : Cidade : História 981.62

Ilha dos Valadares História, Cultura e Meio Ambiente

Janelize Nascimento Felisbino Cinthia Maria de Sena Abrahão

Ilha dos Valadares História, Cultura e Meio Ambiente

Prefácio 06 Agradecimentos 07 Apresentação 08

Ilha dos Valadares- sobre suas origens e seus percursos 10 Paranaguá 16 Valadares a porção de terra que virou ilha 17 Mas, por que Valadares? 20 O povoamento da Ilha 22 Da cidade à Ilha: a construção da passarela 26

Fandango, farinha e pesca a cultura caiçara na Ilha dos Valadares 30 O Fandango 35 Mestre Romão 41 Mestre Nemésio Costa 43 Ivonete Costa 48 Mestre Brasílio Santos Ferres 50 Anísio Pereira 54 Waldemar Barbosa Cordeiro 57 A ocupação recente e as questões Mestre Aorélio Domingues 58 socioambientais 70 A farinha 61 A flora 78 A pesca artesanal 65 As especificidades do solo 82 A quem pertence a Ilha 85 A organização territorial 87 Quem reside na Ilha 88 O urbano 92 A heterogeneidade da Ilha 94 Saneamento básico e os problemas socioambientais 96 Considerações Finais 100 Notas 101

Sumário

Prefácio Após ter vivido quase um quarto de século no exterior, ao retornar a cidade encantada da minha infância e juventude tive a grata satisfação de me relacionar com uma jovem parnanguara entusiasta, idealizadora deste projeto, e com sua mestra, orientadora e grande incentivadora.

Confesso que, apesar da honra a mim concedida, através do convite para escrever o prefácio deste livro, acabei optando por tecer algumas considerações pessoais.

A princípio, o que me chamou a atenção em relação à obra, foi a linguagem didática e de fácil compreensão. O conteúdo abrangente vai de encontro a necessidade de todos os segmentos da sociedade estudiosa ou interessada em saber mais a respeito da herança histórica de Paranaguá e região, principalmente no que se refere à “Ilha dos Valadares”, que, apesar da proximidade geográfica com Paranaguá, não teve até o momento, seu passado histórico divulgado e reconhecido em toda a sua riqueza e importância cultural pela comunidade.

Os fatos históricos, lendas, herança cultural, expansão populacional, consequências e problemas desse pedaço de terra que, segundo documentos antigos, foi no passado um centro de triagem de escravos, foram abordados detalhadamente. Destaca-se também, a preocupação marcante com a preservação ambiental e com os cidadãos insulares nativos que desenvolvem a prática da pesca e dela sobrevivem.

Com clareza e objetividade, o livro procura desnudar os fatos reais e de grande importância histórica da ‘’Ilha dos Valadares’’ e sua enorme relevância no contexto cultural e educacional como um todo.

Sei que pouco contribuí para aguçar a curiosidade dos leitores com minhas breves palavras, mas deixo aqui os meus cumprimentos e agradecimentos às autoras pela competência e seriedade de brindar Paranaguá e o Estado do Paraná com essa obra que contribui para o conhecimento do passado do nosso povo, suas raízes e sua identidade.

Parabenizo também à FUMCUL por concretizar projetos importantes como este, que trazem luz e entendimento da verdadeira herança histórica e cultural da Baía de Paranaguá, berço da colonização paranaense.

Nada acontece por acaso. Este livro vem de encontro com o momento de transformação que Paranaguá está necessitando.

Jorge M. Fujita

Agradecimentos À Prefeitura Municipal de Paranaguá, e particularmente, à Fundação Municipal de Cultura de Paranaguá “Nelson de Freitas Barbosa” por viabilizar a publicação desse livro.

A toda comunidade da Ilha dos Valadares que nos proporcionou vivência e aprendizado, durante o período da pesquisa, abrindo as portas para sua realidade.

A todos os entrevistados que nos receberam em seus lares e dividiram suas histórias e saberes.

Ao apoio dos nossos amigos e amigas ao longo da execução do projeto, desde sua concepção até a finalização. Às nossas famílias. À equipe técnica e colaboradores envolvidos.

A toda manifestação de incentivo recebida.

A nossa mais sincera gratidão!

Apresentação Quando me acontecer alguma pecúnia, passante de um milhão de cruzeiros, compro uma ilha; não muito longe do litoral, que o litoral faz falta; nem tão perto, também, que de lá possa eu aspirar a fumaça e a graxa do porto.

Minha ilha (e só de a imaginar já me considero seu habitante) ficará no justo ponto de latitude e longitude, que, pondo-me a coberto de ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a arte do bemviver; uma fuga relativa, e uma não muito estouvada confraternização.

De há muito sonho esta ilha, se é que não a sonhei sempre. Se é que a não sonhamos sempre, inclusive os mais agudos participantes. Objetais-me: “Como podemos amar as ilhas, se buscamos o centro mesmo da ação?”

Engajados, vosso engajamento é a vossa ilha, dissimulada e transportável.

Por onde fordes, ela irá convosco. Significa a evasão daquilo para que toda alma necessariamente tende, ou seja, a gratuidade dos gestos naturais, o cultivo das formas espontâneas, o gosto de ser um com os bichos, as espécies vegetais, os fenômenos atmosféricos. Substitui, sem anular.

Poema “A Ilha Sonhada”. Carlos Drummond de Andrade)

É instigante pensar que a Ilha dos Valadares esteja tão próxima do continente, de fronte para o Centro Histórico de Paranaguá, e que dela se conheça tão pouco ainda. Uma passarela construída no final dos anos 1980 reduziu um pouco tal distância, mas ainda são muitas as interrogações e mistérios sobre sua história e seus percursos!

Essa curiosidade moveu uma pesquisa que começamos a desenvolver na Universidade Federal do Paraná.

Partindo desse resultado, optamos por transformar em livro o conteúdo obtido por meio dos documentos históricos e de inúmeros depoimentos dos moradores da Ilha. O objetivo não é um texto estritamente acadêmico, mas sim contribuir para as visibilidades dessa ilha, que ainda possui traços culturais característicos da cultura litorânea paranaense, mas que estão paulatinamente desaparecendo. A voz de seu povo nos guiou por reflexões que se traduzem em três partes.

Na primeira parte apresentamos um resgate da Ilha dos Valadares na história de Paranaguá. Para confeccioná-lo houve um mergulho nos documentos históricos, cuidadosamente arquivados pelo Instituto Histórico Geográfico de Paranaguá, além da revisão dos poucos trabalhos acadêmicos que se ocuparam da Ilha como seu objeto.

Na segunda, os três pilares da cultura marítima paranaense revelam sua presença remanescente na Ilha dos Valadares. As falas de fandangueiros, pescadores e farinheiros nos revelam o universo cultural desse lugar.

E, por fim, a última parte traz um diagnóstico socioambiental dos Valadares e busca contribuir para as reflexões sobre o futuro que queremos para a cidade e para a Ilha. A fragilidade do ambiente de uma ilha fica ainda mais clara à medida em que ela se aproxima do continente e passa por intensa urbanização.

Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco [...] E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas (Fragmentos de “O conto da Ilha Desconhecida”. José Saramago, 1997)

Cinthia Maria de Sena Abrahão

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Ilha dos Valadares

Sobre suas origens

Fotografias: Janelize Nascimento, 2013.

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e seus percursos

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Paranaguá

Fo t o g r a f i a : I m a g e m registrada na capela da Associação Mandicuera.

Janelize Nascimento, 2013.

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A cidade de quem passa sem entrar é uma; e outra para quem é aprisionado e não sai mais dali; uma é a cidade à qual se chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para nunca mais retornar; cada uma merece um nome diferente.

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis, 1990.

Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá.

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Paranaguá Ítalo Calvino nos apresenta a ideia de que cada cidade é única na sua paisagem e na construção do seu espaço pelos seus habitantes. O número de possíveis cidades é infinito, porque é sempre possível pensá-la a partir de um prisma, como um corpo pulsante. A cidade é múltipla e complexa, e assim é Paranaguá e a Ilha dos Valadares que a ela pertence.

Pintura: Miguel Bakun. cais do porto de Paranaguá, s/d. foto: Gilson Camargo

Paranaguá, cidade litorânea, cujo perfil portuário compõe sua identidade é uma das mais antigas ocupações urbanas do período colonial brasileiro. Sobre os primórdios de sua ocupação, sabe-se que a família Gonçalves Peneda já possuía plantações no entorno da baía de “Pernagoá” e também nas margens do Rio Tacoaré atual Itiberê no período correspondente a segunda metade do século XVI, sendo possível com esta informação considerar Domingos Peneda como seu verdadeiro fundador1.

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No século XIX, principalmente com a abertura dos portos em 1808, tornou-se um espaço político, econômico e cultural de alta relevância no Brasil imperial, cujas elites comerciantes se relacionavam diretamente com o Rio de Janeiro e com outros países da América do Sul. Os diferentes ciclos econômicos vivenciados por Paranaguá, do ouro até a erva mate, foram motivadores de migrações e posterior ocupação da região. Segundo relatório de Zacarias de Góes e Vasconcellos, a população de Paranaguá era muito mais culta que as de “serra acima”, exigindo menos a presença do governador, permanecendo Curitiba como a capital da província2.

Foi a primeira capital da Província do Paraná e se firmou como a cidade portuária mais relevante do estado ao longo do século XX. Originalmente situado às margens do Rio Itiberê, o Porto de Paranaguá teve seu projeto aprovado em 1872 e foi deslocado definitivamente em 1935 3, para a região que era conhecida como Enseada do Gato, nome este em homenagem ao antigo residente Manoel de Borba Gato que possuía terras nesta localidade. Esta transferência foi fundamental para a organização do espaço e para que a cidade fosse, paulatinamente, assumindo a forma que possui hoje em dia.

Valadares: a porção de terra que virou ilha

Infelizmente, sabemos pouco acerca da formação da Ilha dos Valadares, e na busca por conhecer as histórias que a envolvem, encontramos nos textos históricos um fato curioso que carece de explicações mais consistentes.

Consta na história que originalmente Valadares não era uma ilha, mas uma porção de terra ligada ao continente por um istmo que acabou sendo rompido artificialmente ligando o rio Itiberê ao dos Correias, formando o chamado canal do Cidrão.

Fotografia: Pintor na Ilha dos Valadares. s/d. Autor desconhecido. Fonte: Acervo: Profº Wistuba.

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O historiador Vicente Nascimento Júnior4, estudioso da história de Paranaguá, explica o processo de transformação do istmo em ilha da seguinte forma:

Rio Itiberê. Fonte: Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá.

À margem direita, a atual ilha do Valadares, mas não figurando como tal e sim ligada ao continente, pois nesse mapa o rio Taquaré mostra as suas cabeceiras um pouco a montante da Vila, não misturando como atualmente, as suas águas com as do rio dos Correias, mas confirmando a tradição de não ter sido o Valadares, antigamente, uma ilha sofrendo essa transformação por um corte feito por mineradores ou sitiantes das cabeceiras dos rios dos Correias e dos Almeidas, a fim de abreviarem a distância e as viagens para a Vila, evitando a descida desses cursos fluviais até à fóz e depois ganharem a embocadura do Taquaré, abicando ao porto. Esse corte ou canal operado nos tempos coloniais alargou, nenhum vestígio deixando da sua origem artificial, mas transformando em ilha —a paradisíaca Ilha dos Valadares—o rincão verdejante que formava uma península entre a baía de Paranaguá e os rios Taquaré e Correias, certo dia separada do continente pelo canal que os colonizadores talharam entre os dois rios.

As evidências indicam que o tal mapa mencionado por Nascimento Júnior, é uma planta da baía de Paranaguá e região contígua, datada de 1653, para mostrar as localizações das minas de ouro. O mapa elaborado no período colonial não apresenta escala e detalhamento, devido à própria técnica da época.

A imagem de referência é um recorte do mapa original (1653), mostrando um simples retrato da vila de Paranaguá, um aglomerado de casas, uma grande cruz e três pessoas as margens do rio Itiberê (Tacoaré).

No desenho é possível observar que este rio nascia a montante da vila, elucidando o fato que Valadares não era originalmente uma ilha. Ainda assim, não é possível saber, se é mito ou verdade que uma porção de terra virou ilha. Há quem acredite na veracidade da história, outros ficarão na eterna dúvida sobre este fato, ainda pouco explorado.

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Recorte da planta da baía de Paranaguá e região contígua (1653)

Reprodução baseada no original existente no “Archivo de Marinha e Ultramar, n°373 da Colleção de plantas, Lisboa” Fonte: Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá.

Mas, por que Valadares?

Fotografia : Janelize Nascimento, 2014.

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O que se sabe hoje sobre a origem do nome Valadares confirma a declaração do professor e também Secretário da Loja Maçônica Perseverança, Alfredo Alves da Silva5 que relatou que na sua infância ouvia os antigos dizendo que a Ilha era ponto de comércio negreiro, “[...] que os navios negreiros quando vinham carregados de escravos, às ocultas (temendo a fiscalização das autoridades) desembarcavam os mesmos na Ilha dos Valadares para no dia seguinte virem (os traficantes) à cidade e procurar fazer a venda dos ditos escravos que depois de vendidos eram transportados para a cidade”6.

Menciona também que os encarregados pelas transações pertenciam à família Valadares. Entre 1888 e 1889, esteve na cidade o coronel Henrique Valadares, Secretário Geral do Grande Oriente do Brasil, e dele ouviu uma palestra na qual se disse muito feliz em visitar a terra de seus antepassados.

Tanto Nascimento Júnior, como Manoel Viana, também historiador de Paranaguá, apontaram que até o início do século XIX não existia na lista dos homens de maior influência da cidade ninguém com o sobrenome Valadares. Ainda de acordo com Manoel Viana era de conhecimento geral que naquela ilha vivia uma família, cujo sobrenome era Valadares, gente de posses. No entanto, tais homens não tinham grande notoriedade por se prestarem ao vergonhoso comércio de escravos.

Fotografia: Rio Itiberê. Fonte:Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá.

Fotografia: Rio Itiberê. Fonte:Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá.

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Não se tem registro na história sobre o período em que a família ou a pessoa de sobrenome Valadares foi embora de Paranaguá, mas ao partirem, deixaram para trás a vinculação de seu nome à ilha. Supostamente, no período entre 1830 -1870 viveram os Valadares em Paranaguá, já que praticavam esse infame comércio às “ocultas”. Desde 18317 o comércio de africanos se tornou uma atividade ilegal. Foi nesse contexto que Paranaguá passou a fazer parte da rota do tráfico. Na baía de Paranaguá vários navios desembarcaram africanos que eram direcionados para outros lugares onde a utilização da mão de obra escrava era mais intensa. No período de 1831 a 1850 esse comércio foi mais intenso, mas após o episódio Cormorant a história ficou marcada pelo aumento da fiscalização da entrada de navios negreiros no Brasil por Paranaguá8.

O povoamento da Ilha Um dos primeiros registros que remontam à ocupação da Ilha dos Valadares está a indicação registrada pelo historiador Antônio Vieira dos Santos, de que em 1821 havia um sítio que pertenceu ao falecido padre Antônio Gonçalves de Belém, e que havia sido solicitado à Câmara, pelo General da divisão sul, para a construção de um depósito de pólvora9. Neste período Paranaguá estava convertida em “praça da guerra e preparada para resistir a qualquer eventual ataque dos corsários da Confederação das Províncias Unidas do Rio da Prata”10, atual Argentina.

Cestaria – artesanato chegando a Paranaguá. Ao fundo a Ilha dos Valadares. Anos 70. Foto: Jorge M. Fujita.

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Um fato, um tanto inusitado na história parnanguara, é contado por Nascimento Júnior11 se referindo ao padre Antônio Gonçalves de Belém: o padre tinha um grande sítio na Ilha dos Valadares, com uma casa de pedra e pomares, e já com idade avançada, sem descendentes, teve a ideia de deixar como herdeiros dos seus bens materiais as almas do purgatório. Depois do seu falecimento, gerou-se um problema, pois nunca se viu um testamento com herdeiros mortos. A propriedade foi para leilão, mas ninguém queria comprá-la com medo das almas penadas. O sítio das Almas ficou em estado de abandono até 1821, sendo transformado em casa de Pólvora, e com o fim da Guerra em 1828, entrou em estado de abandono novamente.

Ainda sobre a ocupação no século XIX, o que se sabe é que o quarteirão Ilha dos Valadares/rio Tacoaré (atual rio Itiberê), como era definido, pertencia ao 1º distrito do município de Paranaguá, onde haviam 41 casas habitadas e 141 almas (população residente), estimativa de um cálculo aproximado da população do ano de 184912. Todos os indícios apontam que as 141 almas citadas por Antônio Vieira dos Santos, residentes na Ilha dos Valadares, eram pescadores, sitiantes e trabalhadores braçais.

Existiam no Valadares casas boas nas chácaras do Comendador Manoel Francisco Correia Júnior e a do falecido Leandro José da Costa13. Também havia em 1854 um engenho de farinha na Ilha, com oito indivíduos trabalhando sob a condição de mão de obra escrava, pois nessa época a produção de mandioca fazia parte da alimentação tanto dos ricos como dos pobres e o excedente era vendido no mercado de Paranaguá14. No início do século XX, segundo relatos de Ermelino de Leão, funcionava na ilha uma escola pública criada pela Lei n° 805 de 5 de Maio de 1908 e de acordo com o Censo escolar de 1916, sua população era de “300 almas”.15 No ano de 1932, Nascimento Júnior16 relatou que Valadares ainda era um dos bairros menos conhecido de Paranaguá, e muitos velhos parnanguaras, nunca haviam colocado os pés na Ilha. A cidade cultuou uma relação de indiferença em relação à Ilha.

Ao que tudo indica, na história, até o início dos anos 1950, a vegetação na Ilha dos Valadares apresentava verde vivo exuberante que se alastrava por toda sua extensão e sua ocupação era rarefeita. Era arejada e salubre e de solo enxuto, por tal razão Nascimento Junior acreditava que “poderiam se erguer lindas e graciosas vivendas de gente abastada, de homens do comércio e funcionários, se houvesse facilidade de comunicação, luz elétrica e água canalizada [...]”17. De acordo com as lembranças do morador Vicente18 “pra sair por aí tinha que leva uma luz na mão, um lampião”.

A ocupação da ilha era esparsa na década de 1950, concentrada às margens do rio Itiberê. Outro detalhe era a vasta vegetação.

Foto aérea, na parte superior esquerda, pequena porção da Ilha dos Valadares. Autor: Desconhecido. Fonte: Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1951.

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A história recente do povoamento da Ilha, do “boom” populacional, está diretamente conectada ao progresso econômico do município de Paranaguá. Valadares é uma das áreas ambientalmente vulneráveis do município, que recebeu uma parte da mão de obra migrante vinda de outras ilhas da Baía de Paranaguá e Guaraqueçaba e das áreas rurais, a partir da década de 1960-1970. O intenso crescimento da população e adensamento do solo, também ficou interligado ao anúncio da construção da passarela nos anos 1980.

Da ilha ao continente travessia feita através de canoa e batera. Rua da praia, ao fundo a Ilha dos Valadares.

Anos 60. Foto Jorge M. Fujita.

Rio Itiberê. Anos 70. Foto: Jorge M. Fujita.

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Ilha dos Valadares, com área de manguezal aterrada nos anos 90. Foto: Jorge M. Fujita.

Ilha e continente. Anos 80. Foto: Jorge M. Fujita.

Foto do ínicio da construção da passarela anos 80. Foto: Jorge M. Fujita.

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Da cidade à ilha e da ilha à cidade: a construção da Passarela. Da cidade à ilha e da ilha à cidade:

Ainda no século XIX escreveu o poeta Manoel Candido Fernandes19:

Tomara que hoje não chova E amanhã faça luar; Eu quero dar um passeio, Pras bandas do Valadar.

Quem dera que uma ponte, Que no futuro se vê, Me desse e ao meu bem passagem, Sôbre o Rio Itiberê.

Por essa ponte eu e ela, Numa noite de luar, Faríamos um passeio, Na ilha do Valadar.

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a construção da Passarela. Da cidade à ilha e da ilha à cidade à ilha e da ilha à cidade: a construção Eis que o sonho do poeta se realizou na última década do século XX. Inaugurada em 1991, com 240 metros de extensão, 2,40 metros de largura e 12 metros de altura. O poeta em questão era um barbeiro muito popular na cidade, que nas horas vagas escrevia poesia, cantando as vantagens de uma ponte para a Ilha dos Valadares. Nem precisa dizer que ele não viveu para passear com sua amada sobre a Passarela “Antônio José Sant’Anna Lobo”, que liga a ilha ao continente.

Um dos antigos moradores entrevistados na Ilha dos Valadares, Manoel, relatou um trecho da sua experiência no dia da inauguração da passarela: [...] essa passarela, foi do tempo do José Vicente Elias [prefeito], ele que inaugurou, inclusive até no dia que nós ia até almoçar pra lá, fomos lá, não deu para atravessar, do povo e a ponte fazia assim. A ponte até balançou de tanta gente, não dava para passar pra lá.

Passarela “Antônio José Sant’Anna”, 1992. Acervo: Professor Wistuba.

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Travessia pela Passarela. Fonte: Autor não identificado

Até a construção da Passarela, a população que residia no Valadares realizava as travessias em pequenas embarcações, como a canoa a remo e batera. Nos anos 1980 a travessia também era feita através de lanchas, tanto que havia um ponto das lanchas (trapiche), para embarque e desembarque de pessoas e mercadorias.

Travessia por lanchas, anos 80. Fonte: Cyro Abalem

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Ponto das lanchas da Ilha dos Valadares até os anos 80. Fonte: Cyro Abalem.

No ano de 2002, a Passarela passou por obras para alargamento da estrutura de aproximadamente 3 metros, permitindo a passagem de veículos. Assumiu uma função de ponte, embora sua estrutura tenha sido projetada para ser uma passarela de pedestres.

Obras da alargamento da passarela, 2002. Acervo Professor Wistuba.

Fotografia:Janelize Nascimento,2014.

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Fandango, farinha e pesca

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a cultura caiçara

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na Ilha dos Valadares

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

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Entre o século XVII até o início do XX várias comunidades litorâneas se formaram no Brasil. Dispersas pelo vasto território costeiro e relativamente isoladas, essas comunidades desenvolveram formas particulares de organização social e de expressão cultural. Parte delas foi, e ainda é formada por pescadores-agricultores, denominados como caiçaras do litoral. Seus conhecimentos eram repassados por meio da tradição oral e envolviam complexos saberes sobre o mar e a terra1.

A tradição cultural, que envolve uma intrincada relação entre a produção e a festa, deu os contornos do perfil cultural nos processos de ocupação do litoral do Paraná. No entanto, o que podemos perceber, ainda hoje, na configuração espacial, são elementos desse processo constituinte. Na Ilha dos Valadares, ainda que de maneira dispersa, persistem os traços dos três pilares do modo de vida caiçara: o fandango, a produção da farinha de mandioca e a pesca.

Fotografia. Pescadores na Baía de Paranaguá. Fonte: Acervo Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá. s/d.

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O Fandango

Em nome de Deus começo. Com Deus quero começar Sou muito chegado à Deus Sem ele não posso ficar.

(Versos do Fandango de Paranaguá/PR)2

O fandango é considerado uma manifestação musicalcoreográfica-poética e festiva da cultura caiçara, e que atualmente é encontrado nos municípios de Iguape e Cananéia (litoral sul do Estado de São Paulo) e Guaraqueçaba, Paranaguá e Morretes (litoral norte do Estado do Paraná), estendendo-se a pequenos trechos de alguns municípios adjacentes como Peruíbe e Ilha Comprida (São Paulo)3.

Sua origem é objeto de controvérsia, mas acredita-se que tenha chegado ao Brasil com os portugueses (açorianos), logo no início da colonização. Também com uma forte influência espanhola, sua conformação, de fato, se daria com o encontro de culturas que caracteriza a fundação da sociedade brasileira. Os saberes e as técnicas relacionadas ao fandango expressam a dinâmica dessa tradição cultural e estão em constante processo de construção.

Mestre Aorélio Domingues, pratica e pesquisa o fandango, nos conta que: ... minha investigação hoje lá em Portugal nesse momento agora é para identificar isso com mais profundidade para acertar duas questões importantes, uma de que o fandango é dança tradicional brasileira espontânea viva mais antiga que tem, não tem nada mais antigo que o fandango... Nada mais antigo!

Fotografia. Monumento ao Fandango. Janelize Nascimento, 2013.

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A sociedade Parnanguara fundada sobre essa tradição, praticava o fandango como parte de suas manifestações culturais. Magnus R. Pereira relata que o fandango estava presente nos salões dos afortunados no período final do século XVIII. No entanto, a partir de 1792 ocorreram perseguição e proibição dos bailes, sob a justificativa de que se tratava de uma manifestação libertina, marginalizando e desvalorizando essa prática4.

A restrição persistiu até meados do século XX, quando praticamente se extinguiu o fandango em todo o Paraná5. Mas, sua sobrevivência deve muito ao fato de que no Código de Posturas Municipais de Paranaguá do século XIX, sua prática era permitida, desde que ocorresse fora da cidade, mediante autorização policial.

Ainda assim, sempre havia o risco de ser interrompida6.

Foi no século XX que o fandango começou a assumir as características que apresenta hoje, como manifestação exclusivamente vinculada a área rural, integrante do modo de vida das populações que viviam da pesca e da agricultura de subsistência nas áreas litorâneas7.

Uma palavra que define o fandango é o divertimento. Uma manifestação brincante realizada em forma de baile, no encontro de pessoas que se reúnem para tocar e dançar as ‘marcas’ fandangueiras. No mundo rural estava vinculado à prática do mutirão, do fazer coletivo. Funcionava da seguinte forma: quando o dono de um sítio precisava de colaboração para plantar ou colher, convidava outros companheiros próximos para um mutirão no sábado. Nesse dia, todos passavam o dia trabalhando e a noite divertiam-se com um baile de fandango, tudo organizado pelo anfitrião que também fornecia toda a alimentação e bebida.

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Título de Patrimônio Cultural do Brasil ao Fandango Caiçara.

IPHAN, Ministério da Cultura.

A manifestação não é igual em todo o Brasil, embora existam muitas similaridades em função de uma origem comum. Cada comunidade tem o seu jeito particular de tocar o fandango. Para dar início a um baile é preciso duas violas, a rabeca e um adufo. Os tocadores iniciam a execução da música e o povo começa a dançar as ‘marcas’, batidas com o tamanco ou a ‘moda’ bailada em pares, sempre em sentido anti-horário. É uma articulação complexa de coreografias, músicas e poesias, que envolve trabalho e divertimento, música e dança, prestígio e rivalidade8, uma bela representação da vida.

Fotografia. Felipe Varanda. Grupo de Fandango Mestre Romão, 2005. Fonte: IPHAN

A formação instrumental do grupo de fandango é composta pelo violeiro que é responsável por entoar a melodia, o tocador de rabeca e o tocador do adufo, os três instrumentos clássicos da tradição. As coreografias são compostas por grupos de homens e mulheres, sendo que os primeiros utilizam os tamancos, considerados também como instrumentos musicais, e, suas batidas fortes fazem a vez da percussão. Os ritmos, melodias e coreografias são intitulados como marcas, definidas pelo soar dos tamancos no assoalho de madeira.

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Dentre as mais conhecidas marcas estão Andorinha, Anu, Marinheiro, Queromana. Na dança batida, os tamancos de madeira são usados exclusivamente pelos homens. A origem desse acessório remete aos antigos sitiantes que usavam tamancos de madeira para descascar arroz9.

Atualmente, entre os bairros de Paranaguá, a Ilha dos Valadares é o único no qual encontramos a manifestação da cultura popular do fandango. Sua origem na ilha advém da migração da população caiçara/ cabocla, sitiantes residentes nos arredores da baía de Paranaguá e Guaraqueçaba.

Na década de 1960, o fandango estava quase esquecido quando o professor Inami Custódio Pinto, precursor dos estudos sobre o tema nos Valadares, incentivou a formação do primeiro grupo organizado10, levando-os a participar de eventos em todo o território do Paraná e em outros estados.

Considero o fandango a mais legítima manifestação popular da minha terra. Se, em outras regiões do Brasil ele se manifesta sob a forma de autos e dramatizações (Chegança. Cheganço de Marujos, Chegança de Mouros, Marujada, etc., no Norte e Nordeste), no Paraná ele passou a constituir não uma determinada dança mas um conjunto de danças regionais (marcas) que só sobrevivem integradas dentro do fandango. É uma festa típica dos caboclos e pescadores habitantes da faixa litorânea do Estado.

(Inami Custódio Pinto).11

Fotografia. Mestre Romão confeccionando os tamancos. IPHAN, Brasil, 2005.

Fotografia. Grupo de fandango Ilha dos Valadares. Na foto Mestre Romão, considerado um dos melhores batedores de tamanco. Anos 1980. Arquivo: Jorge Fujita.

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Fotografia. Antigos Fandangueiros da Ilha dos Valadares. Anos 80. Arquivo Jorge M. Fujita.

Sobre o resgate do Fandango na Ilha dos Valadares, Mestre Brasílio nos conta: Teve um tempo que nós “paremo” com o fandango, foi aqui no Valadares voltou o fandango, porque foi com o compadre que vinha lá de Curitiba, o professor Inami, foi ele que organizou tudo. Depois fomos ser compadre, pra mim ele é uma beleza de compadre. O fandango foi resgatado aqui por ele, antes disso tinha parado depois que ele pegou, viajamos bastante, nós íamos ao Paraná inteiro aí. Só que nós não ganhava nada, nós ia mesmo só por interesse de participar, era muito bom.

Atualmente, no Valadares existem quatro grupos de Fandango: Ilha dos Valadares, do mestre Brasílio Ferres; Pés de Ouro, do mestre Nemésio Costa; Grupo Mestre Romão; e Mandicuera, do mestre Aorélio Domingues.

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Após anos de luta dos grupos de fandango do Paraná e São Paulo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), reconheceu o Fandango Caiçara, (assim como é chamado atualmente), como Patrimônio Cultural do Brasil, em 29 de novembro de 2012. Possui agora o título de Patrimônio Cultural Imaterial brasileiro.

O fandango, como qualquer manifestação da cultura popular, passou por processos de transformação, do mutirão a grupos organizados. Os antigos fandangueiros sentiram essa mudança, suas vozes refletem com saudosismo várias práticas que deixaram de ser possíveis em função das adaptações que foram feitas. Nesse sentido, os jovens fandangueiros buscam medidas para salvaguardar o legado recebido dos seus antepassados ou adquiridos pelos ensinamentos dos mestres mais antigos. É importante destacar que as experiências dos fandangueiros do Valadares são singulares. As histórias de vida de cada mestre, tocadores e dançarinos(as), é rica em detalhes, percepções e sentimentos. Para não perder o encanto de cada palavra, apresentaremos pequenos fragmentos dos relatos de Mestre Romão, Mestre Nemésio Costa e sua esposa Ivonete; Mestre Brasílio Ferres; o artesão e violeiro Anísio Costa; o violeiro Waldemar e sua esposa e dançarina Benedita e Mestre Aorélio Domingues (o mais jovem dos mestres). São pessoas que amam o fandango e lutam pela valorização da cultura.

Fotografia. Tombamento do Fandango 2012.

Acervo Prefeitura Municipal de Paranaguá. Foto Osvaldo Capetta

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Representação do bailado. Grupo Mandicuera. Fonte: IPHAN, 2011.

Mestre Romão12

O fandango é a história de Paranaguá. Pelos açorianos, portugueses, pelos espanhóis quando chegaram a Ilha da Cotinga e se misturam com os índios.

Tem professor aqui em Paranaguá que não sabe a história do município.

Tem muita história. A primeira chegada dos jesuítas foi aqui. Eles vieram para doutrinar, ensinar a ler e escrever.

Nascido na Ilha do Valadares em 1929, mestre Romão exerceu a profissão de pescador e estivador, e, atualmente, está aposentado. Seu pai e avô eram mestres de fandango e foram seus professores desde os quatorze anos de idade. Segundo ele, o fandango não sobreviveu apenas pela experiência passada pela tradição, mas porque muitos professores se dedicaram a pesquisa sobre a manifestação, que ficou esquecida a partir da segunda guerra mundial. Daí vem o seu apreço pela profissão de professor e a disponibilidade em receber estudantes em sua casa para falar sobre o fandango.

Para Romão, a ação docente e da instituição escolar é fundamental na preservação e transmissão das formas de expressão culturais e artísticas. Para ele, o professor deve ser responsável por tecer, junto com seus alunos, uma grande rede que garanta a proteção à memória e a identidade cultural da comunidade. Nesse sentido, considera particular o papel dos educadores no processo de preservação dos registros relacionados às formas de pensar e sentir, saberes, técnicas e instrumentos que fizeram e ainda fazem parte dos bens culturais que representam um povo, para o país e para toda humanidade.

Fotograma. Carlos Weiner, 2010.

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O momento histórico ao qual o mestre se refere, a segunda guerra mundial, foi determinante para que a manifestação artística de grande abrangência popular fosse relegada temporariamente ao esquecimento e deixasse de alimentar e de ser alimentada pelo imaginário da cidade. Em uma entrevista concedida ao jornal Paraná Online no ano de 2003, relata que, nesse período, os mestres eram obrigados a ensaiar no escuro porque a iluminação noturna na cidade era proibida em função do medo de bombardeios. Afirma que [....] no tempo da guerra, enquanto os homens iam lutar, surgiam fanáticos religiosos que mostravam a bíblia e diziam para as pessoas que haviam ficado no sitio: vocês trabalham tanto, mas não vão se salvar se não se converterem a crentes. Em muitos casos, os visitantes mudavam de religião e paravam de praticar o fandango, tido como pecaminoso. O fandango foi se acabando assim13.

Somente no ano de 1966, depois de 27 anos de exclusão da manifestação artística do contexto sociocultural da cidade, iniciou um movimento de resgate promovido pelo poder público municipal. Mestre Romão fez parte dessa iniciativa, formando um grupo com outros mestres. O grupo, chamado Fandango da Ilha dos Valadares, fez um grande sucesso e viajou por todo o estado e para fora do país. Com a ampla cobertura dos meios de comunicação, a iniciativa alcançou repercussão nacional e internacional e deu novo ânimo para que o fandango fosse revalorizado. Segundo ele: (...) a viola faz o fandango e o fandango faz a viola, entendeu? Quer dizer que eu faço, você que dança. (...). Se atrapalhar, me atrapalha na viola. Agora se você bate bem, aquilo pra mim é uma força.

Fotogramas. Mestre Romão recebe estudantes da Escola Municipal Graciela E. A. Dias, 2010. Fonte: Acervo Projeto Vila Educação e Arte. Carlos Weiner.

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Mestre Nemésio Costa É bonito de ver e sentir a empolgação e animação do mestre Nemésio ao falar sobre o fandango. Nascido em Guaraqueçaba, onde passou a infância e a juventude. Mudou-se para a Ilha dos Valadares aos 37 anos de idade. Hoje aos 67 anos, permanece apaixonado pelo Fandango e defende as características tradicionais dessa manifestação cultural:

Fotografia: Pertences do Mestre Nemésio. Janelize Nascimento, 2016.

Gente, o fandango é um negócio que tem que ter calma! Nós não temos que ter correria. O fandango é uma cultura familiar sabe? Então ele não é corrido, ele é uma cultura calma. [...] Eles querem cuidar do fandango igual se cuida de uma dupla de caipira que vem toca, mas não é assim, é diferente. A nossa cultura não existe, não tem mais, as pessoas não conhecem a história.

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Mestre Nemésio trouxe sua experiência de fandangueiro de Guaraqueçaba. De lá traz as lembranças do tempo de sitiante e nos mostra como a relação entre o trabalho e a diversão estão associadas no Fandango:

Nós fazíamos muito antes quando tinha 8 anos, 9 anos.., essa já é a época que eu tô te falando, a época dos mutirões... a gente era criança né? A gente participava, mas não cantava nem tocava só ficava olhando os tios, padrinhos, os pais. Eu falo pra vocês que quando eu nasci já tinha fandango, da onde veio eu não sei. O meu pai era fandangueiro, o pai do meu pai era fandangueiro, o pai do pai do meu pai era fandangueiro, eram tudo fandangueiro no sítio.

Todo mundo se juntava na minha casa. Vinha gente do Sebuí, de Fátima, de Tibicanga, de Bertioga, de todo o canto, e nós se reunia ali. Trabalhava o dia inteiro, era um mutirão! Tinha comida, tudo por conta do dono, tudo por minha conta por exemplo. Passavam bem, só comia carne de caça, peixe seco em cima do fogo.

Fotografia : Mestre Nemésio.

Janelize Nascimento, 2016.

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Grupo de fandango Pés de Ouro, apresentação no Mercado Público do Café de Paranaguá no dia 09/04/2016.

O mutirão era o dia todo, o pessoal ia de manhã tomava um café e ia pro mato, roçava ou cavava, ou colhia arroz, ou puxava canoa, ai voltava almoçava, levava comida pro mato, às vezes era longe né... A mulherada ficava em casa fazendo as coisas. A noite tinha janta, a casa não tinha nada de mesa, era só banco rodeado na parede, o salão era livre, tinha uma varanda, uma cozinha. A mulhereda não ficava na sala, as mulheres ficavam tudo na varanda, o pessoal ia tirar tudo ali.

Quem não trabalhava de dia não dançava, não adiantava nem ir de noite que não dançava, não podia dançar, era gostoso sabe? Era bom, existia ordem. A bebida? Pensa que é igual agora que a turma leva um litro embaixo do braço? Quem cuidava da bebida era o dono do mutirão, ficava lá no quarto da cachaça. Cachaça pura ainda! Ele sabia tudo o horário de vir dá... dava para os veteranos só, os rapazinhos ninguém tomava. Era um copinho assim, o pai tinha um copinho assim, e punha só a metade, e ia dando um pouquinho a cada trabalhador. Isso era na roça também quando estavam trabalhando, dava um pouquinho para cada um, não era prá tomar muito.

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A forma particular de aprender e ensinar que vigora nas sociedades tradicionais está na formação do violeiro Nemésio.

A viola eu aprendi sozinho, ninguém deu aula, só vendo, isso que eu admiro. Eu não sei como a gente aprendeu sozinho, hoje a gente ensina viola e ninguém sabe, deve ser que está no sangue da gente, só pode estar no sangue da pessoa. É incrível, não é fácil tocar essa viola nossa.

Fandango não é só assim tocar rabeca, tem tanta coisa prá fazer! Ninguém conhece o fandango ainda, sabia? Você pode dar uma viola prá esse pessoal que tem reunião com nós, de uma viola para ver se afinam, não sabe o que é gente. Ninguém faz o nosso trabalho!

Porque quem não conhece pensa que é tudo uma coisa só, mas não é. Os músicos são diferentes, os cantos são diferentes, as vozes são diferentes, as violas são diferentes. Tudo isso nós sabemos.

Só que vocês que vem de fora acham que é tudo igual! A gente que tá dentro da coisa é que sabe.

Cada um toca diferente.Cada marca é diferente uma da outra. A afinação é só no ouvido. A mão da gente é diferente uma da outra, se eu afinar a viola e dar pro meu irmão, ele vai pegar e afinar de novo, por causa do dedo, a posição de colocar o dedo, não é fácil!

Fotografia : Mestre Nemésio.

Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Mestre Nemésio tocando rabeca e seu irmão na viola em apresentação no Mercado Público do Café de Paranaguá, em 09/04/2016.

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Na década de 1970, quando mestre Nemésio mudou-se para Paranaguá, especificamente para a Ilha dos Valadares, a cultura dos mutirões já estava entrando em desuso devido às restrições ambientais: “Em 1972, já não existia quase mais essas coisas de mutirão... tinha lei do IBAMA, então não podia cortar nada, nada”.

A formação dos mestres é um processo complexo, da vida inteira, e, como diz Mestre Nemésio: A gente já nasceu mestre né, com certeza!

Sobre o pouco interesse dos mais jovens nos diz o Mestre: A história é bonita. Eu sinto muito o fandango está assim hoje, e ainda está assim, graças a Deus aos grupos que a gente montou. Com todas as todas as dificuldades que a gente tem, ele tá ai vivo ainda.

Fotografia : Mestre Nemésio.

Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. O encontro de gerações, apresentação no Mercado Público do Café de Paranaguá, em 09/04/2016.

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Ivonete Costa Ivonete Costa, esposa do mestre Nemésio, nasceu na Vila Fátima, no canal do Varadouro que faz divisa entre o Paraná e São Paulo. Hoje com 59 anos é dançarina no grupo Pés de Ouro, e acompanha seu esposo nos eventos.

Além do mutirão, as práticas coletivas das comunidades fandangueiras adotavam outras nomenclaturas como o sapo e a domingueira para representar momentos e práticas: O mutirão começava de manhã. Amanheceu o dia, aí a turma, então eles tomavam o café, e iam trabalhar. Aí chegavam lá, e trabalhavam até ao meio dia, e eles iam almoçar. Almoçavam descansavam um pouquinho e voltavam novamente, trabalhavam até cinco e meia, seis horas da tarde, aí voltavam, era assim o mutirão.

O sapo eles chagavam meio dia, tomavam o café, e iam trabalhar, aí trabalhavam até cinco e meia seis horas da tarde, aí só tinha a janta, depois da janta, eles iam fazer o fandango.

Quando amanheciam no fandango, que era dia de domingo, que ficavam todos na casa, dai que depois do almoço, faziam uma domingueira, um fandango.

A comida servida ao grupo era de responsabilidade dos donos do mutirão, o cardápio era composto por peixe e carne do mato (carne de animais nativos, como o tatu e jacu), do qual se fazia o pirão (o caldo misturado com farinha de mandioca). O café era servido junto com produtos feitos da mandioca, como o beiju ou biju, biju de mandipuva e cuscuz.

O biju de mandipuva é quando colocavam a mandioca para apodrecer, aí quando não tinha isso, aí no sapo davam café com arroz cozido. Cozinhava aquela panelada, todo mundo tomava o café e ia trabalhar. Voltavam aí tinha a janta e depois o fandango.

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A função feminina na dança do fandango também envolvia um aprendizado contínuo e uma prática que ia se aperfeiçoando ao longo da vida. No entanto, seguindo a tradição, as mulheres não participavam da cantoria, nem batiam tamancos.

Quando criança não dançava, quando grandinho com 11, 12 anos já dançava, mas era assim, tudo na base do respeito, e a gente tinha medo. Naquele tempo se um homem, um rapaz tirasse a gente prá dançar, a gente tinha que ir, porque se a gente não fosse, tava fazendo desfeita, aí eles brigavam, eles falavam para papai e pra mãe da gente, e a gente podia até apanhar.

Existia um respeito muito grande, nós tinha que dançar, se um homem de idade tirasse prá dançar, nós tinha que dançar, e tinha que pedir desculpa pro rapaz dizendo que ele tinha tirado a gente, e dançava com o mais velho.

Agora não, se você não quer dançar, pronto. Até hoje eu tenho medo das pessoas que vem tirar assim, na minha cabeça passa aquilo lá sabe, então a gente tem medo que briguem assim, mas agora já não é mais assim.

Fotografia : Senhora Ivonete Costa. Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Sra. Ivonete em apresentação com o grupo Pés de Ouro, no Mercado Público do Café de Paranaguá, em 09/04/2016.

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Mestre Brasílio Santos Ferres No tablado não tem quem alcance o som das batidas do tamanco do Mestre Brasílio, forte como se estivesse afirmando algo, demonstrando em cada batida que o fandango está vivo.

No tempo da minha infância, que eu era novo né! Dancei fandango muito, com meus tios, primeiro comecei a aprender com eles, não fui eu pegar e aprender sozinho, daí foi indo, eu olhando como eles dançavam e depois aí que eu entrei prá dançar, me chamavam pra dançar e eu ia, aí dançava, tinha marca que eles dançavam eu já ia, outras que eles dançavam eu já não ia porque não sabia. Eu olhava, depois fui pegando o ritmo e fui indo.

Aprendi a tocar viola porque eu olhava né, ninguém me ensinou, eu olhando mesmo aprendi, e hoje ninguém quer aprender né?

Fotografia : Mestre Brasílio Janelize Nascimento, 2016.

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Na viola e com seu canto leva todos para o festejo nos bailes de fandango que acontecem no Mercado Público do Café de Paranaguá. Nascido na Vila Maciel14 mudou-se para a Ilha dos Valadares aos 22 anos de idade. Hoje com 79 anos, mestre Brasílio guarda muitas lembranças e motivação para continuar com o fandango.

De primeiro o fandango, nós quando se encontrava os caboclos, naquele tempo, sabe o que é caboclo? Que faziam o mutirão? Então nós convidava todo mundo e todo mundo ajudava, ia, daí nós fazia aquele fandango, tinha canjica, tinha o doce de mamão tinha broinha, olha aquele tempo era fandango de caboclo, agora é caiçara, isso foi surgir aqui esse tal de caiçara no Valadar depois que o Aorélio aprendeu com nós. Primeiro nós fazia tudo fandango no sítio até amanhecer o dia. Quando nós dançava fandango a casa ficava...corria toda a telha, ficava tudo embaixo, de tanta batida, naquele tempo dançava o fandango, não é agora que a gente vai ali meia hora e já vem embora. Naquele tempo né eu era jovem, solteiro, dançava direto né.

Fotografia : Mestre Brasílio Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Mestre Brasílio e a viola que o acompanha nas apresentações de fandango.

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Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Mestre Brasílio no batido durante apresentação no Mercado Público do Café de Paranaguá em 23/04/2016.

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Cada grupo tem seu jeito particular de executar o fandango.

Os grupos são diferentes, o nosso tem um toque, o do Aorélio é outro, do seu Nemésio é outro, o que nós tocamos eles já não tocam, e o que eles tocam nós já não sabemos também, cada lugar tem um ritmo.

As particularidades vêm da prática, do aperfeiçoamento continuado que é típico da cultura popular:

O grupo do mestre Brasílio já está registrado há aproximadamente 12 anos, e, está disposto a ensinar a quem quiser a arte de tocar a viola e dançar. Nos bailes, Mestre Brasílio leva alguns netos e sobrinhos para dançar. Os jovens e o pessoal de tradição fandangueira juntos animam a noite.

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Mestre Brasílio e Waldemar Cordeiro em apresentação no Mercado Público do Café de Paranaguá, 2016.

Prá eles aprendê né! É uma tradição. Prá não ir morrendo! Nós “tamo” carregando a tradição na nossa idade que “tamo”, mas eu queria que outro ficasse prá passar pra frente.

O fandango prá mim? É como eu falei prá você... O fandango pra mim é uma tradição que eu gostava e ainda gosto (risos).

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Marinheiro,. Apresentação no Mercado Público do Café de Paranaguá, 2016.

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Anísio Pereira Anísio Pereira, natural de Guaraqueçaba, do rio dos Patos, é um homem de múltiplos talentos. Além de saber tocar viola e rabeca, domina o processo de criação dos instrumentos. De um pedaço de madeira faz suas obras. Em seus 74 anos, já não se dedica integralmente a confecção de instrumentos do fandango, só por encomenda. Também produz pequenos souvenires, como canoinhas e tamancos. O ofício de artesão, Sr. Anísio aprendeu desde muito novo com seus pais e tios.

Desde criancinha já comecei a olhar já, desde 4, 5 anos comecei junto com meus pais né, 10 anos em diante já comecei a querer fazer algum instrumentinho, uma violinha assim de madeira sabe? Mais ou menos uns 9, 10 anos eu já trabalhava, já cortava madeirinha, eu fazia violinha. Nós furávamos e encordava com caravelinho, desfiapava e prendia ali, só pra brincar né? [...]. Nós fomos desenvolvendo sozinho, os pais trabalhavam os tios trabalhavam e nós ficava reparando né? Pois os tios que faziam, meu pai fazia viola, tocava, aí eu fui aprendendo assim né? Com ele fui aprendendo, aprendendo, aí quando foi de 15 anos eu ia fazendo as coisas já, aí já fazia tudo, uma coisa ou outra, canoa, remo, coisarada que eu fazia... quase tudo nós era assim, nós ia reparando e aprendendo, nos tios, nos pais, então tudo aquelas coisas nós fazia assim...

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Anísio Pereira produzindo peças artesanais.

Março de 2016

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Todo o conhecimento adquirido veio com a prática e ensinamentos dos tios e pais. Para construir a base da viola ou rabeca, utilizava vários tipos de madeira (cambará, cedro), mas o arco e o tampo, somente a caixeta, por ser mais leve e de fácil manuseio. Explica: “O que nós tinha era caixeta. A caixeta não dá no centro, dá na beira mar... na frente da beira do mar ela dá! Não é madeira de centro, é madeira sempre de fora né? Ilha que tem”.

Na época, a cola utilizada para produção da viola ou da rabeca, não era industrializada e sim natural, extraída de uma planta chamada Sumaré. Essa planta, segundo relata: [...]é tipo de uma açucena, compridinha assim, uma grossurinha assim... igual folha de capim mesmo que tem no mato. Na época que o combro estava duro, nós íamos cortava ele e assava embaixo da cinza. Depois que tivesse assado nós lascava ele assim. Tirava aquele monte e moía, amassava aquilo virava uma cola que barbaridade, só o que nós fazia viola naquela época.

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Anísio Pereira. Março de 2016.

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Eu gosto, gostava muito porque não podia trabalhar em outra coisa né? Eu nunca trabalhei em cidade assim, em firma... no começo foi plantação né? Trabalhava no sítio plantava tudo né? Mandioca, banana, cana, criava porco, criava galinha, e o fandango junto! Nós fazia mutirão quando tinha roçada de arroz, milho, e o pagamento era dança de noite. Mas naquele tempo tudo acabou né? Agora só se lembra, inclusive hoje a muito tempo já não dá pra fazer isso né? Quando eu cheguei em Guaraqueçaba nós já não tava fazendo mais por causa da florestal né? Porque Deus me livre se eles chegassem num mutirão, nós levava multa né? Quando eu fazia essas coisas assim eu tava com 20, 25... até uns 35 eu fazia...

Até 40 eu morava lá nos patos lá... Tô com 74 anos. Meu senhor!

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Afinação da Viola por Anísio Pereira. Março de 2016.

Atualmente, Sr. Anísio não participa mais dos bailes de fandango, mas logo que chegou ao Valadares tinha se tornado integrante do grupo do mestre Romão: “Agora não, porque a gente tá cansado né? Se pudesse tocava ainda né?”. Em casa, guarda uma viola e uma rabeca, às vezes toca uma moda fandangueira, quando chega um visitante ou amigo, pois tem um carinho pela cultura herdada dos seus pais e tios e sente-se inconformado com a falta de interesse dos jovens da ilha: “Mas lá em Curitiba tem rabequista que aprendeu conosco e aqui no nosso lugar não tem,... a rapaziada daqui não se interessa pra nada!”.

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Waldemar Barbosa Cordeiro De sorrisos largos, esbanjando simpatia, o casal Waldemar e Benedita, faz parte do grupo llha dos Valadares, do mestre Brasílio, ele como violeiro, ela como dançarina. Ambos conheceram o fandango desde crianças. Na viola e na dança o casal nos confirma como as práticas eram passadas de pai para filho: Waldemar: Quando eu conheci? Assim, quando meu pai era vivo o pai dele já tinha fandango, ele tocava viola, era puxador de roda. Então ele contava a história todinha, o fandango nasceu assim e assim... Eu comecei a ter contato com o fandango quando tava no Maciel, eu tinha 13 anos e tocava viola, não tocava o tanto que eu sei tocar agora, mas já tocava.

Meu pai tocava e eu aprendi só olhando. Depois de gente grande arrumei minha viola. Quando eu cheguei ao Valadares eu já sabia bastante, aqui não existia fandango.

Benedita: Eu conheci o fandango com meus pais, meu pai e minha mãe dançavam, eu comecei a dançar quando tinha 10 anos, com 10 anos minha mãe dançava, me levava e eu já ia pra dançar, e dançava!

Waldemar Barbosa Cordeiro e Benedita Vidal Cordeiro, 2016.

As mudanças do modo de vida decorrentes da urbanização da ilha são fatores que impõem a divisão entre trabalho e divertimento. Waldemar e Benedita refletem sobre a inserção dos mais jovens nas práticas atuais do Fandango:

Fotograma: Carlos Weiner, 2010.

Waldemar: Nossos filhos sabem dançar também, mas eles gostam mais de baile, sabe?

Benedita: Esse negócio de bailado eles dançam, agora batida já não... Não aprenderam a tocar nada.

Waldemar: É porque eles já arrumaram serviço cedo também, né? Então não se envolveram muito nesse negócio de tocar, essas coisas. Cada um pende pra um lado né? Cada um vai pro seu lado então.

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Mestre Aorélio Domingues Mestre Aorélio Domingues, nascido na Ilha dos Valadares, hoje com 39 anos representa a nova face do Fandango. Se autodenomina como alguém que aprendeu na prática, no dia a dia da convivência com os antigos mestres, e, foi entrando no universo fandangueiro: Eu entendo as coisas muito mais praticamente [...], só que eu nasci no meio disso e acabei aprendendo a ser rabequista, fandangueiro minha família toda. Quando criança fazia rabeca prá vender no mercado, e eu aprendi com ele a fazer rabeca, e a gente vendia colher de pau essas coisas assim, brinquedo... Tudo feito com caixeta, a gente vendia no mercado ali, inclusive rabeca, daí eu tomei gosto pela coisa, fui aprendendo, sempre estava no meio ali... Sempre tinha fandango! ... eu tive a sorte de passar por vários mestres assim, eu tive essa sorte de conhecer mestre Eugenio que não está mais aqui, conviver com ele um pouco, e também todos os outros que estão vivos ainda, convivi com todos eles e fui aprendendo um pouquinho com cada um.

Preocupado com o resgate da tradição, mas com a roupagem contemporânea. Tem clareza do caráter dinâmico da cultura.

Então a gente sempre trabalhou nesse processo de tentar criar, recriar, provocar os universos holísticos com os novos prá contextualizar aquilo que a gente tá fazendo, que se a gente não toma cuidado com isso a manifestação vira folclore né? Vira uma coisa representativa assim, e as vezes as pessoas até confundem: mas o que vocês estão fazendo não é o fandango tradicional, ah, mas isso que Fotografia. Ivan vocês estão roçando não é o tradicional. Eu sempre falo, Ivanovick, 2014. pois é vocês não entendem o processo, a gente não quer copiar o antigo, se a gente copia o antigo aí sim é uma cópia, aí sim é uma coisa morta. A gente tem que fazer o que a nova geração entende hoje, como é que a gente consegue fazer hoje as coisas... Nosso sotaque já mudou, da nova geração, a gente já tem outras informações, outras referências musicais e culturais.

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Fotografia. Mestre Aorélio. Fonte: Projeto Mandicuera – Galeria de Imagens. Gustavo Castro, 2015.

Sua visão sobre a produção dos instrumentos traz uma perspectiva diferente: A gente tá reconstruindo os instrumentos, os instrumentos são artesanais, mas eles tão passando por um processo de ajuste, de profissionalização, então as violas que vão sair agora nessa serie que vamos iniciar em julho, são violas profissionais do fandango, são violas que funcionam como a viola caipira, como o violão, funcionam como qualquer outra viola. A gente tá encarando o instrumento como um instrumento musical. A gente tá encarando a música como música.

Para Mestre Aorélio o desafio é trazer a juventude, falar sua linguagem, valorizar a tradição, dialogando com os valores de hoje: Eu não entendo assim porque, é... As culturas elas só sobrevivem se elas forem valorizadas e as pessoas só valorizam aquilo que conhecem!

Então, e o processo de repassar essa musicalidade prá fora, uma forma das pessoas conhecerem também.

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Fotografia. Grupo Mandicuera em Baile de Fandango. Christian Barbosa.

28 de maio de 2016.

Um legado importante do seu trabalho parece ser o de repensar o papel das mulheres no fandango, projeta um futuro com mais tons agudos: Outra coisa que a gente tem feito é inserido mulher na cantoria, como a gente tá padronizando aí a afinação né? A afinação tem ficado alta, e prá cantar com mulher é muito legal! Mulher tem a voz mais aguda, a gente atingiu uma voz de fandango diferente mesmo porque hoje, no nosso contexto a gente fala mais grave, a gente já fala mais...

As mulheres antes eram proibidas de pegar na viola... por isso que eu não tenho mulher cantando, porque se não fosse proibido lá atrás... ... Então por isso que a gente insere a mulher agora porque daqui a 50 anos mulher vai estar cantando, porque mulher canta fandango.

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A farinha A produção e consumo da farinha de mandioca na área rural de Paranaguá possui larga tradição, constando registros na obra de Manoel Viana que datam de 164915. O historiador José Augusto Leandro16 confirmou que na segunda metade do século XIX era a principal fonte alimentar do caboclo de Paranaguá, seja no campo ou na cidade. No século XIX a farinha produzida em Paranaguá chegou a ser exportada para outras regiões.

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

A tarefa de produzir a farinha à moda dos antigos é demorada e trabalhosa. O viajante alemão Júlio Platzman descreveu o processo observado, tal como se fazia em meados do século XIX. Primeiramente, as raízes eram limpas (descascadas e lavadas). Na roda, a mandioca era ralada e triturada até se transformar em uma massa branca; depois, na prensa, essa massa era colocada dentro de um cesto conhecido como tipiti e espremida até a retirada do líquido venenoso (o chamado leite de loba, conhecido também como mandiquera). Só então, a massa era levada ao forno para ser torrada ou para fazer o beiju, uma espécie de pão enrolado na folha de bananeira17.

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Caetano Evangelista, em uma crônica escrita em 197818, afirma que a farinha de mandioca produzida no Valadares era a “melhor do mundo”. A produção era pequena e comercializada duas vezes por semana, aos sábados e domingos, no Mercado. Aos poucos, a produção da farinha na ilha perdeu o seu espaço e apenas uma família continua a produzi-la, seguindo as antigas tradições.

Poucas pessoas conhecem a história da família Pedroso, residente no Valadares há mais de 50 anos, no Sete de Setembro, vindos da Costeirinha. A família que Nelson Pedroso (77 anos) e Adir Miranda Pedroso (75 anos) formaram é composta por nove filhos (dois já falecidos), mais de doze netos e seis bisnetos. A herança cultural da família foi transmitida pelo saudoso Dorico Pedroso, pai do senhor Nelson.

A família Pedroso vem salvaguardando a cultura da mandioca na ilha, herança familiar do conhecimento do ‘saber fazer’. Adir mesmo já cansada, persiste na produção, contando sempre com a ajuda dos filhos e noras.

Sr. Nelson Pedroso já não tem mais forças para tal atividade, mas insiste que se preserve a herança do seu pai e faz questão de afirmar sua preocupação em preservar a tradição familiar.

O pai deixou aqui, não quero terminar a coisa que ele deixa né. Então eu tenho tudo isso aí. [...] Sou uma pessoa que não quer que acabe as coisas do meu pai, quando morrê eu quero que meus filhos também continuem.

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Nelson Pedroso na fábrica de farinha, construída no mesmo terreno do seu domicílio. Ano: 2012.

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A Sra. Adir relata que todos os seus filhos aprenderam o processo da produção da farinha. Um dos filhos do casal, não se alimenta de outra farinha que não seja a produzida pela família.

A fábrica de farinha da família fica ao lado da residência do casal, equipada com a prensa, a roda a motor19 e o forno, onde se produz a farinha de mandioca, beiju (biju), cuscuz e o pé de burro20. Adir nos explica sobre o processo de produção do beiju:

A massa da mandioca é espremida na prensa até ficar seca, sem água.

Para fazer biju de cuscuz tem que por no forno prá secar a massa né, pra não ficar muito molhado senão as crianças não gostam porque fica rijo sabe.

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Peneira, para coar a farinha antes de torrar. Colher de pau para mexer a farinha no forno.

Para a produção do beiju (biju) e também do pé de burro é necessário temperar a massa da mandioca, com uma pitada de tempero doce ou salgado, coco ralado, e colocá-la na folha de bananeira para assar. Requer muitos cuidados que começam logo no processo da lavagem e raspagem da mandioca. A farinha de mandioca, ao gosto da Sra. Adir, não pode ficar ‘grossa’, por isso usa uma peneira no processo. A fase de torrar a farinha, apenas uma fornada, dura em torno de 3 a 4 horas, mexendo manualmente até ficar no ponto. A boa farinha, a seu gosto é “Fina e branca. Torrada e crocante”.

Não se tem conhecimento de outra família no Valadares que produza a farinha atualmente. Entretanto, o casal Pedroso se recorda que no Valadares muitas pessoas produziam a farinha de mandioca: “aqui em casa tinha um ralando, outro pedindo a fábrica, era assim, um pedia a fábrica, outro tava fazendo, outro esperando, às vezes, era a luta (risos)”.

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As roças de mandioca ficavam concentradas no Sete de Setembro “era o Valadar inteiro, meu senhor, aquele alto lá, era tudo mandioca que tinha, agora é só casa”. Um dos terrenos utilizados pela família para a plantação da mandioca acabou sendo transformado em cemitério, como relata Sr. Nelson: Numa roça lá fizeram o cemitério. A dona da roça vinha aqui e falava pra mim: Seu Nelson vá arranca a mandioca lá, que vai sair um cemitério lá, aí eu ia lá, arrancava, arrancava, arrancava pouco né, daqui a pouco ela vinha novamente e voltava aqui e falava pra mim: Seu Nelson vá arranca o resto da mandioca que vão fazer um cemitério lá. Só que eu não acreditava né. E fui indo, fui indo, vinha aqui, vinha aqui, então terminemos. Aí quando foi um dia ia plantar lá, já puseram unzinho morto lá.

Hoje em dia não se planta roça de mandioca na ilha em função da falta de espaço, o que encarece o produto. Sra. Adir, com a ajuda dos filhos, continua produzindo, em pequena quantidade, a farinha de mandioca, o beiju e o pé de burro, que são comercializados na passarela. Basta uma hora no local, para vender tudo! Enquanto isso, o Sr. Pedroso se orgulha ao saber que a tradição de sua família ainda vive21.

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Fotografia. Fábrica de farinha Família Pedroso, amigos ajudam na produção da farinha. Acervo: Família Pedroso. Anos 90.

Fotografia. Dona Dica no processo de torrar a farinha de mandioca. Arquivo: Família Pedroso. Anos 1990.

A pesca artesanal

Fotografia: Foto do peso de rede. Marcos Gernet, s/d.

A pesca é uma atividade desenvolvida no litoral paranaense desde o período Holocênico (últimos 11.000 anos de história da Terra), prova disto são os vestígios encontrados nos sambaquis22, como anzóis e pontas de arpão feitos de ossos, poitas e outros instrumentos feitos de pedra23. Possivelmente materiais de origem vegetal como remos e canoas eram também utilizados pelos homens pré-históricos, mas com o passar dos anos acabaram não sendo preservados24.

A primeira alteração da tecnologia pesqueira da qual temos registros ocorreu a partir do contato dos indígenas do litoral paranaense com os portugueses durante os séculos XVI e XVII25. Dentre os novos equipamentos introduzidos pelos europeus nas atividades pesqueiras encontramos os chamados “Pandulhos”, um termo português para designar pesos de rede feitos de barro, cujo formato pode remeter à origem Luso- Romana ou Troiana26.

A pesca é o terceiro elo da cultura caiçara ou caipira do litoral, que aqui aceitamos como uma das culturas tradicionais brasileiras. A atividade pesqueira associada aos grupos populacionais do litoral paranaense era complementada pelo roçado, especialmente baseado na cultura da mandioca e seus derivados. A tradição dessas comunidades esteva voltada para o mar desde sempre. O trabalho da pesca era majoritariamente uma atividade masculina na divisão social do trabalho, tratavam-se de pescadores-lavradores. Sabe-se que a pesca mercantil já compunha esse universo há muito tempo, mas é uma modalidade pesqueira baseada na pequena escala, por isso denominada artesanal27.

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O litoral paranaense possui uma ampla gama de ambientes aquáticos, considerado como o terceiro maior celeiro mundial de reprodução de animais aquáticos28. Diferenciados entre si, tais ambientes exigiram das comunidades pesqueiras o desenvolvimento de técnicas complexas. Nas áreas de baías, como a de Paranaguá, o conjunto de práticas pesqueiras e o volume de conhecimentos acumulados pelos pescadores foi ainda maior.

Embora essas comunidades preservem muito de suas práticas ancestrais, sabe-se que desde a segunda metade do Século XX, entre as décadas de 1960 e 1970, novas tecnologias começaram a ser incorporadas sob incentivo governamental.

A motorização dos barcos foi a primeira grande inovação e ampliou significativamente o alcance da atividade pesqueira. A introdução das fibras sintéticas também ocorreu no mesmo período. A durabilidade maior das redes sintéticas reduziu o tempo de confecção, como também aumentou o tempo de colocação na espera dos cardumes. Por fim, ocorreu a substituição das canoas tipicamente caiçaras de um pau só, por embarcações de tábua, o que permitiu ampliar a capacidade de carga das embarcações.29 Fotografia: Carlos Weiner. Pescadores. Janeiro de 2010.

Na Ilha dos Valadares a pesca artesanal ainda é expressiva. No final dos anos 1990, Andriguetto Filho considerava as características físicas dela como uma típica vila de pescadores30. A formação da comunidade pesqueira da Ilha também foi decorrência da migração de outras ilhas ao redor. O pescador Sadi Veiga dos Santos, hoje com 77 anos, trabalha na pesca desde os 15, é nascido na Vila Maciel e reside no Valadares há quase 60 anos. Ele nos conta como era a ilha no período em que migrou para o local: “A ilha aqui era pouquinha gente né?

Tinha mais ou menos umas 15 casas, aí foi aumentando, aumentando virou uma cidade já né? Ah pra pescar era poucas pessoas também. A pesca pra mim, me criei na pesca né? A pesca pra mim significa muita coisa, muita coisa mesmo...”

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A prática do pescador artesanal começa desde cedo, jovens iniciam o aprendizado que se consolida com o tempo. Sadi Veiga iniciou a pescar na ilha antes mesmo da introdução do motor: “Pescava pra todo o lado, ia a remo, naquele tempo não tinha motor, ia lá pra fora, até a Vila Fátima, pra lá de Guaraqueçaba... Saia de manhã, levava um dia e no outro dia voltava. Dois dias de viagem ...”

O sistema de pesca da baía de Paranaguá é caracterizado pelo fundeio e deriva, além da pesca de espinhel31, envolvendo vários tipos de cercos e a adoção do lanço e da tarrafinha.32 De acordo com Sr. Sadi: Temos de tudo aqui, trabalha de linha, trabalha de espinhel, de rede, trabalha de tudo aqui. Eu trabalhava de linha e espinhel, ai depois comprei uma redinha e comecei na rede, o espinhel tem mais ou menos uns 400 anzol, é uma linha com bastante anzol, mais ou menos mil braços de corda mais ou menos...

Fotografias : Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Embarcações de pescadores da Ilha dos Valadares.

Fotografia. O casal Sadi Veiga dos Santos e Rosa Barbosa dos Santos.

Fotografia. Sadi Veiga e seus apetrechos de pesca.

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A maior produtividade, decorrente das técnicas adotadas desde os anos 1960, também parece ter contribuído para o quadro atual de escassez dos estoques. A pesca artesanal no Brasil se defronta hoje com o quadro de esgotamento de várias espécies, dentre elas o camarão rosa e a sardinha33.

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

A escassez do pescado já se reflete no cotidiano dos pescadores da Ilha, segundo Sr. Sadi: bom de vender... tá mais ou menos, porque tem muito pescador né? Agora tem demais... todo mundo tem rede, tem pescador e pescadora né? O pessoal que pesca e não são pescador, não é como nós, nós somos pescador desde o começo.... antes tudo era mais fácil né? Agora tá mais difícil... É muito pescador demais...

Fotografia. Artesão Nivaldo Luiz confecciona a rede. Fevereiro de 2016.

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A prática da pesca artesanal é influenciada por muitos fatores e no caso da Ilha dos Valadares a legislação é muito importante. Além da legislação pesqueira que se aplica a todos os pescadores, existem aquelas que se relacionam às Unidades de Conservação do Litoral do Paraná. O uso dos recursos florestais está sob muita restrição, impedindo práticas que eram tradicionais na pesca, como a utilização de madeiras da floresta e do mangue para construção de embarcações, casas, utensílios, apetrechos e mesmo como combustível34. O manguezal que é recurso muito acessível ao pescador do Valadares é completamente proibido.

Já prenderem rede minha, porque não pode pescar na beira do mangue. Se chegar no meio do mangue e botar a rede pra pescar eles já vem prender a rede, tem que ser 50 metros do mangue. Eu tô com advogado lá mas não achei a rede, falaram que não sabem onde que tá...

Era, tudo pescador... por aqui tudo nós pescava, agora não dá muito pra pescar por aí porque os homem tão batendo em cima né? A força verde. Agora não dá prá pescar mais...

Fotografia. Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Pescador em atividade. Ilha dos Valadares, abril de 2016.

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A ocupação recente

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e as questões

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socioambientais

Fotografia : Janelize Nascimento, 2016.

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Valadares é uma ilha fluvial situada no Complexo Estuarino de Paranaguá (CEP). Localizada a 290 m do continente, apresenta forma alongada e relevo irregular, possui 4,2 km de comprimento e sua largura varia de 0,5 km a 2 km, considerando a área de manguezal.

Fotografia. Rio Itiberê.

Fotografia. Rio Itiberê.

Fotografias : Janelize Nascimento, 2016.

A ilha tem influência do rio Itiberê que margeia seu lado direito, e o rio dos Correias à margem esquerda.

Na face norte está a Ilha da Cotinga e no extremo Sul, o canal do Cidrão. A profundidade desses rios varia entre 1 e 5 metros e estão sob constante influência de maré, o que significa que as áreas mais baixas são permanentemente suscetíveis a inundação.

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A área com relevo mais elevado está situada no lado sul, com aproximadamente 5 metros de altura em relação às margens do rio, e as que mais sofrem com as inundações são as localizadas ao norte, onde os terrenos estão no nível do rio, em ambiente de manguezal.

A ocupação recente na Ilha dos Valadares, especialmente a partir dos anos 1980, provocou vários impactos ambientais. A moradora Leonor relata que na parte interna da ilha existiam pequenos rios: “Nós morava ali né [Itiberê]? Daquele lado lá era só coisa verde, e nós morava ali perto desse riozinho, era só mato aqui, só mato... ele passava aqui e corria pra cá... era larguinho assim sabe? Acabou tudo, secou tudo”.

Fotografia. Rio Correias, 2015.

Ivete, moradora no Sete de Setembro, relembra que passava um rio nos fundos da sua residência “aqui era um rio que tinha, passava canoa até adentro, agora não tem mais, foi aterrado, agora colocaram manilha e fizeram casa já, tá tudo cheio de casa já”. Hoje, não é mais possível encontrar pequenos rios na parte interna da ilha.

Fotografias : Janelize Nascimento, 2015/16.

Fotografia. Rio Itiberê, 2016.

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Fotografia. Canal do Cidrão, 2012.

Fotografias: Janelize Nascimento, 2012.

Fotografia. Erosão no canal do Cidrão, 2012..

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Fotografia. Áreas alagadas no lado norte, 2015.

Fotografias: Janelize Nascimento, 2015.

Fotografia. Áreas suscetíveis a alagamento, lado norte, 2015.

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A flora Não há registros sobre a formação vegetacional original da ilha, mas pelas características da vegetação remanescente, é possível afirmar que houve predominância de restinga e manguezal. No que se refere às áreas de manguezal, observa-se em alguns pontos da ilha, locais mais preservados, outros degradados pela ocupação e por despejo irregular de lixo.

No processo de ocupação do Valadares, aproximadamente 90% da vegetação original foi suprimida para dar lugar às moradias1. A ocupação foi tão rápida e intensa que a moradora Leonor se espanta ao dizer que “tinha um morro aí menina, um morro alto. E a gente nem percebeu quando sumiu”. Atualmente, a parte mais preservada está situada no lado sul, no caminho que nos leva até o canal do Cidrão. Ivete, outra moradora do lugar, descreve como era a ilha no Sete de Setembro, há 40 anos: Ali prá cima era lotado de araçá, nós pegava cestada de araçá pra vender no mercado. Hoje você vai prá lá não tem um pé de araçá mais, cortaram tudo.

Agora não tem mais caju aqui, mas antigamente... [...] era só roça. Minha mãe chegou a roçar aqui, minha mãe aposentou-se na lavoura, ela fazia farinha. [...] agora acabou porque roçaram tudo, tá tudo cheio de casa.

Fotografias: Janelize Nascimento, 2016.

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Fotografia. Manguezal localizado as margens do rio dos Correias. Vila Bela.

Fotografia. Manguezal. Rio dos Correias. Sete de Setembro.

Na ilha são observadas espécies nativas, mas também algumas exóticas. As espécies exóticas encontradas foram transportadas de outras regiões e plantadas pela população que ali residiu e reside, a exemplo dos cajuzeiros, jaqueiras, abacateiros, mangueiras e guapezeiros, dentre outras espécies encontradas nos terrenos. Além dessas, há eucalipto, bambu-amarelo e até pinheiro (araucária). As espécies frutíferas são cultivadas nos terrenos dos moradores: “Todo ano eu planto caju aí, tem uns pezinho ali ó”, menciona Pedro.

Fotografia: Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Cajuzeiros são comuns nos terrenos.

Caminhando pelo Sete de Setembro, sentido canal do Cidrão, conhecido também como barranco, foram identificadas 20 (vinte) espécies nativas: Jurubeba (Solanum paniculatum), Spatódea (Spathodea campanulata), Carobá (Jacarana puberula), Jacarandá-lombriga (Andira anthelmia), Aroeira (Schinnus terebinthifolius), Araçá (Psidium cattleyanum), Canelinha (Ocotea pulchella), Cafezinho (Maytenus robusta), Embaúva (Cecropia pachystachia), Olho-deCobra (Abarema langsdorfii), Guamirim (Myrcia ilheosensis), Orelha-de-onça (Tibouchina heteromalla), Olho de Cabra (Ormosea arborea), Cupiuva ou peiteira (Tapirira guianensis), Guanandi (Callophylum brasiliense), Maricá (Mimosa bimocrunata), Tabucuva – lenha verde (Pera glabrata), Orquídea branca (Epidendrum latilabre), Samambaia (Rumohra adiantiformis), e Capororoca (Myrsine coriácea).

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Fotografia.Andira anthelmia (Jacarandálombriga)

Fotografia. Ocotea pulchella (Canelinha)

Fotografia.Tibouchina heteromalla (Orelha de onça)

Fotografia.Psidium cattleyanum (Araçá)

Fotografia. Myrcia ilheosensis (Guamirim)

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Fotografia. Cecropia pachystachia (Embaúva)

Fotografias: Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Solanum paniculatum (Jurubeba)

Fotografia. Maytenus robusta (Cafézinho)

Fotografia. Jacarana puberula (Carobá)

Fotografia. Spathodea campanulata (Spatódea)

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As especificidades do solo O tipo de solo que predomina na parte emersa da Ilha dos Valadares é denominado de espodossolo. Sua principal característica é seu aspecto arenoso composto por sedimentos inconsolidados, facilita a infiltração da água e apresenta baixa fertilidade. É considerado um solo sensível, pois pode ser facilmente contaminado, comprometendo o lençol freático. Além disso, é muito suscetível a processos erosivos.

O espodossolo tem baixa aptidão para a agricultura por ser pobre em nutrientes, pois concentra mais areia do que matéria orgânica. As culturas da mandioca e do caju se adaptam a esse tipo de solo e, por isso, se desenvolveram na ilha.

Atualmente, o processo de erosão é visível nas encostas da ilha, principalmente nas partes mais elevadas, como no canal do Cidrão, resultado da falta de cobertura verde. Em outras áreas, o processo erosivo é provocado pelos abrigos das embarcações “ranchos de canoa” e pelo impacto das construções das moradias.

Geraldo, morador da ilha, relata sua percepção sobre a degradação das encostas dos rios ocasionada pelos abrigos das embarcações: Hoje tá acabado tudo. Arruma um lugarzinho para colocar embarcação, então acaba com o meio ambiente [...]Agora que tem mais embarcação, antigamente tinha pouco né, [...] hoje tem muito, quem trabalha por aí quer ter para ter o seu lazer né. A maioria prá sustento.

Fotografia. Erosão encosta do canal do Cidrão.

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Fotografias: Janelize Nascimento, 2013.

Fotografia. Abrigo das embarcações.

O solo é formado por camadas horizontes2 e cada classe de solo tem um perfil diferente. Na ilha ainda encontramos a presença dos horizontes A, B e C, predominando a exposição em várias áreas do horizonte B arenoso. As diferentes colorações do perfil indicam a presença de substâncias como ferro e matéria orgânica.

Os horizontes são as camadas de transição da estrutura do solo. Na Ilha dos Valadares três foram identificadas por Flórez (2005): A, B e C. O horizonte A húmico é a parte superficial do solo (EMBRAPA, 2006, p.47), onde concentra-se a matéria orgânica em decomposição. O horizonte B apresenta a porção arenosa (fração mais grosseira). O Horizonte C é a camada onde concentra-se o material (piçarra) em processo de intemperismo da rocha que dá a estrutura para todas as outras camadas desenvolverem-se

Fotografia. Abrigo das embarcações.

Fotografia. Solo, presença do elemento ferro.

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Nas áreas de manguezais o solo é úmido devido à influência das marés, assumindo coloração acinzentada. No canal do Cidrão, estes ambientes estão mais preservados, o que está diretamente associado ao reduzido número de habitações no entorno. O inverso ocorre no lado norte, conhecido como Itiberê.

Em função da urbanização, a parte superficial do solo (conhecido cientificamente como Horizonte A Antrópico) em algumas ruas e becos é constituída por bloquetes e asfalto.

Nas vias sem pavimentação são utilizadas pedras, sobras de construções ou aterros (areia mais grossa) como medidas emergenciais para conter a lama, poças de água e estabilização do solo arenoso.

Fotografia. Área de manguezal – canal do Cidrão.

Fotografias: Janelize Nascimento, 2013.

Fotografia. Área de manguezal – canal do Cidrão.

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O aterramento de algumas áreas resolve temporariamente o problema, porém quando chove, a lama aumenta, visto que o material dificulta a drenagem rápida da água depositada no solo. Além disso, as pedras em pedaços medianos são desconfortáveis e relativamente perigosas para pedestres e ciclistas.

Fotografia. Área de manguezal. Rio Itiberê.

Fotografia. Poças de água e muita lama.

Fotografia. Pedras para conter a lama e estabilizar o solo.

Fotografias: Janelize Nascimento, 2016.

A quem pertence a Ilha?

Até o ano de 2011, a Ilha dos Valadares pertencia integralmente à União Federal, portanto, o município de Paranaguá não tinha autorização para planejar, ordenar e urbanizar o território. O governo municipal atendia a população com infraestrutura e serviços urbanos e nenhum morador possuía título de posse do terreno.

Houve um primeiro projeto para urbanizar a ilha, elaborado em agosto de 1966, sob a gestão do Prefeito Nelson de Freitas Barbosa, mas nada poderia ser feito enquanto a ilha não pertencesse ao Município3.

Gradativamente, ao longo da década de 2010, a ilha foi passando a pertencer juridicamente ao município de Paranaguá. Em 2010, a União repassou ao município de Paranaguá a concessão4 de duas áreas por regime de aforamento e no ano de 2012, outras duas áreas5. Com a concessão das 04 áreas a União repassou integralmente a Paranaguá o total de 4.513.227, 51 m².

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Áreas da Ilha dos Valadares concedidas pela União ao Município de Paranaguá ANO

PORTARIAS

áREAS

2010

n. 40

1

1.195.466,40

2

880.497,75

3

405.791,00

4

2.031.472,36

2012

n. 298

TOTAL DE áREA CONCEDIDA

EXTENSãO DAS áREAS (EM M2)

4.513.227,51

Fonte: Diário Oficial da União. Portarias 40/298

Agora, o próximo desafio da Prefeitura de Paranaguá será concluir o processo da regularização fundiária e, finalmente, beneficiar a população residente com o registro de posse das propriedades e realizar obras de melhorias na infraestrutura para minimizar os impactos socioambientais.

Vista aérea de Paranaguá e Ilha dos Valadares (em destaque). Fotografia Aérea. Fonte: Studio Master Vídeo e Foto, 2012.

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A organização territorial Valadares é considerada um dos maiores bairros de Paranaguá. Internamente está dividida, pela população local, em três sub-bairros: Itiberê, Vila Bela e Sete de Setembro. Há quem considere a divisão da ilha em mais dois sub-bairros: Vila Nova e Rocio.

Alguns espaços são conhecidos somente pela população local, caso te digam para ir até o Canarinho, pergunte a um morador local, sem orientação, certamente, você também não vai chegar ao beco do óleo, mangue seco e dois postes. A denominação “dois postes” vem da instalação de dois grandes postes no Sete de Setembro, já o “mangue seco” faz menção ao despejado de sedimento na área de manguezal.

No processo de ocupação dos espaços livres, a população foi dando forma à ilha, que hoje é um complexo emaranhado de ruas, vielas, becos e caminhos de areia. As ruas são denominadas por números, exemplo rua 21, 29. Com a implantação do anel de mobilidade, em 2014, algumas ruas receberam nomes6.

Fotografia. Beco, os labirintos.

Fotografia. Dois Postes.

Fotografias: Janelize Nascimento, 2016.

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Quem reside na ilha?

A população da Ilha dos Valadares teve crescimento significativo de 1980 a 2010. De acordo com Censo Demográfico do IBGE7, em 19808 a população residente era de 4.340 pessoas. No ano de 1991, passou para 7.619 pessoas e no início do século XXI foram registrados 11.471 habitantes. Logo no ano de 2010, a ilha era um bairro de morada para 13.798 pessoas.

Os dados do município para o ano de 2010 consideravam que Valadares estava com a população de quase 25 mil habitantes, portanto, bem superior à estimativa do IBGE. Acredita-se que de fato houve subestimação, pois, considerando o número de domicílios que recebiam energia elétrica formal em setembro de 2014 (5.224), com a estimativa de 04 moradores por domicílio, chegamos à contagem de 20.896 pessoas9.

A densidade populacional é equivalente a aproximadamente 3.365 moradores por quilômetro quadrado, considerando a população de 13.798 habitantes. Vale ressaltar que a população habita os espaços de forma heterogênea, uns ocupam terrenos maiores, outros menores dividindo com familiares. .

Fotografia. Passarela. Janelize Nascimento, 2016.

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Fotografia. Terreno com mais de uma residência. Janelize Nascimento, 2016.

O crescimento demográfico no Valadares, desde início dos anos 1960, se deu através do processo de migração da população das localidades do litoral do Paraná, além de pessoas vindas de outros estados. No início dos anos 1980, dentre os moradores da ilha pouco mais 50% eram nascidos em Paranaguá ou no próprio Valadares, 20% haviam nascido em Guaraqueçaba, os demais eram provenientes de Antonina e ilhas da Baía de Paranaguá10.

Fotografias. O cotidiano na Ilha. Janelize Nascimento, 2016.

Valadares continua recebendo pessoas procedentes das outras ilhas próximas, de áreas rurais dos municípios e mesmo de outros estados. A migração é o processo de mudança do lugar de origem em busca de melhores oportunidades em Paranaguá. As ilhas e áreas rurais do litoral paranaense são lugares que oferecem baixas oportunidades e estrutura para os cidadãos.

Consideramos que alguns fatores são responsáveis pelo crescimento significativo da população da ilha: 1) localização próxima ao centro de Paranaguá; 2) baixo preço dos aluguéis e terrenos em relação a outras partes da cidade e a possibilidade de invasão das áreas ociosas; 3) familiares residentes no bairro; 4) construção da passarela; 5) existência de infraestrutura e serviços; 6) proximidade com o mar; 7) sentimento de familiaridade com o lugar. Além dos fatores que motivaram a migração existe o crescimento vegetativo.

89

Há certo equilíbrio entre homens e mulheres no período de 1991 a 2010, mas a população masculina é maior que a feminina. Essa diferença é inferior a 500 indivíduos.

8000 7000

6000 5000

Mulheres

4000

Homens

3000 2000 1000

0

1991

2000

2010

A estrutura populacional foi se transformando, principalmente ao longo da década de 2000, como podemos ver nas pirâmides etárias. Em 1991 tínhamos uma população com mais crianças, portanto sua base era mais robusta. No ano 2000, a população jovem aumentou, engordando o centro da pirâmide. Já em 2010, ocorreu uma redução da base. Isto é, o número de crianças já era menor do que o de jovens, indicando a redução da natalidade.

Pirâmide etária - Ano 1991 80 a mais 75 a 79 anos 70 a 74 anos 65 a 69 anos 60 a 64 anos 55 a 59 anos 50 a 54 anos 45 a 49 anos 40 a 44 anos 35 a 39 anos 30 a 34 anos 25 a 29 anos 20 a 24 anos 15 a 19 anos 10 a 14 anos 5 a 9 anos 0 a 4 anos

Mulheres Homens

600

Fonte: IBGE.

90

400

200

0

200

400

600

800

Pirâmide etária - Ano 2000 100 ou mais anos 95 a 99 anos 90 a 94 anos 85 a 89 anos 80 a 84 anos 75 a 79 anos 70 a 74 anos 65 a 69 anos 60 a 64 anos 55 a 59 anos 50 a 54 anos 45 a 49 anos 40 a 44 anos 35 a 39 anos 30 a 34 anos 25 a 29 anos 20 a 24 anos 15 a 19 anos 10 a 14 anos 5 a 9 anos 0 a 4 anos

Mulheres Homens

800

600

400

200

0

200

400

600

800

Fonte: IBGE.

Pirâmide etária - Ano 2010 100 ou mais anos 95 a 99 anos 90 a 94 anos 85 a 89 anos 80 a 84 anos 75 a 79 anos 70 a 74 anos 65 a 69 anos 60 a 64 anos 55 a 59 anos 50 a 54 anos 45 a 49 anos 40 a 44 anos 35 a 39 anos 30 a 34 anos 25 a 29 anos 20 a 24 anos 15 a 19 anos 10 a 14 anos 5 a 9 anos 0 a 4 anos

Mulheres Homens

800

600

400

200

0

200

400

600

800

Fonte: IBGE.

91

O urbano No Valadares há muitas famílias caiçaras e caboclas, que saíram do seu lugar de origem e encontraram na ilha um bom lugar para continuar realizando sua atividade econômica ou de lazer, pela facilidade do acesso ao mar. Outros, porque era possível plantar. Por que migraram para a ilha? A explicação é que por mais difícil que seja a vida na cidade é possível acessar serviços básicos e emprego.

A população que veio para o Valadares, a partir dos anos 1960, encontrou no lugar a oportunidade de se “sentir em casa”, pois o percebiam como um ambiente rural. “Pois é, a gente morava no sítio, aqui também é sítio”, comenta o morador Pedro, que reside há 50 anos no local.

Os tempos mudaram e hoje, a ilha é um misto da cultura tradicional remanescente dos antigos moradores com a cultura globalizada, da população jovem. Do fandango ao sertanejo universitário. Da brincadeira de rua aos jogos digitais. Da exibição da pipa (papagaio) mais bonita à exibição do celular mais moderno.

Durante o dia, as crianças dão vida aos espaços públicos. Pelas ruas crianças brincam, transformando-a em palco de diversão e brincadeiras. E se divertem com brincadeiras populares como soltar pipa, futebol na rua ou no campo, banho nos rios Itiberê e dos Correias, pedalar, correr, jogar bolinha de gude.

Fotografia. Janelize Nascimento, 2016.

92

Fotografia. Futebol das crianças. Janelize Nascimento, 2012.

Fotografia. Canal do Cidrão, Janelize Nascimento, 2013.

Fotografia. Rio Itiberê. Janelize Nascimento, 2013.

E não é somente as crianças que gostam de jogar bola, muitos jovens e adultos encontram-se nos diversos campos de areia para jogar futebol. As mudanças recentes e o crescimento da população acabaram se atrelando às típicas doenças sociais das cidades brasileiras atuais. Moradores antigos relatam sua preocupação com a violência e com o uso de drogas na ilha. Leonor, moradora desde a década de 1970, demonstra a situação da violência na Ilha dos Valadares: Um dia eu tava aqui fazendo crochê e ouvi tiros, fui ver tinham matado um homem tava lá o corpo metade na água e metade na terra. [...]. A gente anda com medo, já pensou levar uma bala na cara?

A gente fica inseguro. Faz pouco tempo isso, até um tempo desse aí a ilha era tranquila. Dá medo de andar pra lá, é só nóia, só nóia11! Se continuar assim é daqui pra pior, não dá mais pra consertar não! Eles pegam as coisas na cara dura! Eu tinha uma caixa de cebola ali na rente, não carregaram na cara dura? Eles entram na cara dura, se você brigar capaz de levar uma cacetada ainda!

As mudanças de comportamento e hábitos são reflexos da sociedade que estamos inseridos. Diferentemente dos moradores antigos que chegaram à ilha nos anos 1960, 70 e até os 80, os jovens já nasceram no ambiente urbanizado, e, são os propulsores do processo de transição do modo de vida rural para o urbano.

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A heterogeneidade das moradias Os moradores que chegaram por volta da década de 1960 vieram do campo para a cidade e identificaram no Valadares um lugar seguro e barato para habitar e com características rurais. Os primeiros a chegarem, escolheram o tamanho do terreno. A população era pequena, e o processo de ocupação da área foi tímido até o anúncio da construção da passarela.

Fotografia. Habitações múltiplas. Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Ambiente com característica rural.

Janelize Nascimento, 2016.

Entre 1980 e 2010, o número de domicílios passou de 836 para 3.698. No Valadares é comum encontrar mais de um domicílio no mesmo terreno, ou seja, habitações múltiplas em um único lote. Muitos moradores antigos, proprietários de grandes terrenos, parcelaram o lote, para ceder parte aos filhos ou netos, quando formaram suas próprias famílias. Uma prática típica do modo de vida das colônias rurais.

No bairro Sete de Setembro ainda se vê um ambiente característico do campo, seja pela arborização (incluindo as frutíferas) ou pela presença de animais domésticos, como galinhas e gansos. Os terrenos não possuem calçamento, são cobertos apenas com areia e grama, e as propriedades não costumam ser muradas.

A heterogeneidade das construções contrasta na paisagem da Ilha dos Valadares. Observam-se desde as construções mais simples, às mais sofisticadas. Além disso, existem também algumas residências secundárias, construídas para lazer e descanso.

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Fotografias. Domicílios na ilha. Janelize Nascimento, 2016.

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Saneamento básico e os problemas ambientais Até 1977, ano em que foi inaugurada a rede de distribuição de água, os moradores faziam o abastecimento por meio de poços e muitas famílias faziam uso compartilhado. A CAGEPAR era a empresa responsável pelo abastecimento de água, que a transportava por adutora subaquática, distribuída por uma linha mestra de duas polegadas de diâmetro12.

Francisco, morador desde início dos anos 1970, relembrou como realizava o abastecimento de água na sua residência antes da chegada da água tratada:

A água de poço aquela bomba de fazer assim oh (gestos), bomba mesmo que tira a água do chão, puxa da terra assim. Quanto eu vim aqui conheci um homem, acho que era parente nosso, polaco, ele era vermelho e tinha o cabelo bem branco, um homem forte, nós íamos pegar água lá na casa dele, Napoleão, aí ia lá, e puxava aquela água.

Fotografia. Bomba de água para poços artesianos. Janelize Nascimento, 2015.

A canalização da água potável quando foi instalada era submersa no rio Itiberê, conforme menciona o morador João Carlos: Água, quando nós se mudamos para cá, que era um cano por dentro da água, por baixo do mar, era só estourando, estourando. Eu cheguei aqui fiz um reservatório ali de 5 mil litros da água, tá ali. Naquele tempo então, nós acumulava água, que quando estourava lá, tudo mundo ia para a cidade buscar água, e atravessando naquele sacrifício.

Fotografia. Bomba de água para poços artesianos. Janelize Nascimento, 2015.

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Atualmente, mais de 80% da população tem o abastecimento de água potável em suas residências. Mas, ainda há famílias que utilizam poços para abastecimento das propriedades, são praticamente 17% dos moradores nessa condição13. Em função da intrusão salina no lençol freático, a qualidade da água tende a ser alterada, apresentando característica salobra. Além disso, cabe ressaltar que o adensamento do solo combinado ao uso da fossa rudimentar aumenta a probabilidade de contaminação do lençol freático14.

O esgotamento sanitário também é preocupante na ilha, já que não existe nenhum sistema eficiente de tratamento de dejetos. Em 2014, a Companhia de Águas de Paranaguá chegou a iniciar a instalação de uma Estação de Tratamento, mas o bate-estaca15 da construção causou rachaduras na estrutura dos domicílios do entorno. A obra estava sendo realizada em ambiente de manguezal que recebeu aterro há aproximadamente 20 anos. Essa área é denominada pela população como mangue seco.

Sobre o andamento das obras da Estação de Tratamento, o morador Pedro relatou que “fizeram esgoto aí ó, fizeram só o encanamento, mas, esgoto que é bom... E tá sendo despejado lá no mar”.

Um problema recorrente são as ligações do esgoto doméstico na rede de drenagem (ou direta no rio) que têm ligação direta com os rios Itiberê e dos Correias, causando sério impacto ambiental ao ecossistema de manguezal e dos rios, como também, à saúde da população que se apropria dos rios para o lazer, tornando-se mais vulnerável às doenças.

Fotografia. Rede de drenagem Rio Itiberê. Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Cano de esgoto doméstico sobre a área do manguezal, Rio Itiberê. Janelize Nascimento, 2016.

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Pessoas que residem na parte baixa da ilha, lado norte, nas áreas de manguezal, são as mais prejudicadas pelo despejo irregular do esgotamento sanitário. Isso porque, em período de maré alta, a água contaminada invade seus terrenos e domicílios, colocando em risco a saúde das famílias.

O despejo do esgotamento sanitário no rio ainda é uma prática adotada por alguns moradores, fato registrado no processo de observação e confirmado através da moradora Ana: “eu não tenho, vai direto, tem uma manilha daqui, desde daqui até lá em baixo, lá no rio [...], lá nesse rio, fidido que tá ui”. O esgoto gerado na casa da entrevistada era despejado no rio dos Correias.

O serviço público que mais se expandiu na ilha foi a coleta de lixo16, ainda assim, não tem como caminhar pela Ilha dos Valadares sem prestar atenção na quantidade de lixo/resíduo despejado nas vias públicas e amontoados nas esquinas, em frente aos domicílios, às margens dos rios. Uma realidade triste que obscurece a beleza da Ilha dos Valadares. Parte do problema é culpa da administração pública, outra da própria população.

Fotografia. Entulho despejado na esquina da via pública. Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Despejo de lixo às margens do Rio Itiberê. Janelize Nascimento, 2016.

“Eu falo pra minha filha, de primeiro que a gente morava aqui não tinha lixeiro, mas você não via o lixo jogado assim na rua né essa lixarada, nós queimava ou enterrava o lixo. Agora tudo quanto é cantinho tem um monte de lixo”, conta a moradora Leonor. Lembrando que a prática da queima do lixo não é ambientalmente correta.

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Porque, [...] nós temos que respeitar o ambiente que nos moramos, não é caso da prefeitura. Eu desde que me mudei, era terra, era barro, era areia, mas todo dia eu varria, o lixo que jogam pra lá, para tudo aqui em frente, sabe que eu varro tudo, e todo dia eu tiro areia, pego o carrinho, vou lá e varro, ponho pra dentro (João Carlos).

Fotografia. Placa. Janelize Nascimento, 2016.

Na ilha existia um lixão que foi desativado há aproximadamente 20 anos e atualmente o lixo coletado pelo serviço urbano é transportado via balsa para ser destinado ao aterro sanitário no continente. No terreno onde estava o antigo lixão observa-se lixo acumulado proporcionando a emissão de gases17, além da presença de animais e pessoas. Como a área não é cercada, crianças circulam em meio ao lixo pegando objetos para brincar.

Sobre essa questão, o morador Geraldo relata:

Fotografia. Acumulo de detritos no antigo lixão. Janelize Nascimento, 2016.

Fotografia. Cemitério. Janelize Nascimento, 2016.

[...] a prefeitura não tinha onde jogar o lixo, então jogavam lá, faziam o buraco, e depois veio uma proibição, proibiram né. Não tinha caminhão de lixo. Era coleta em carretinha, em caçamba, nas coisas assim, então a maioria na carretinha. Tinha uma carretinha, era coletado assim, e jogado lá, o pessoal da reciclagem, reciclavam e vendiam pro pessoal que vinham buscar.

O cemitério público municipal “São Francisco de Assis”, está em funcionamento desde a década de 1990. A área foi desapropriada pela prefeitura em 1963 e os sepultamentos ocorrem em túmulos de alvenaria e covas abertas diretamente no solo. O procedimento de covas é preocupante porque existe uma contaminação pelo excesso de necrochorume, provocado por diversas substâncias orgânicas, inorgânicas e micro-organismos patogênicos.

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Considerações Finais No início do século XX, o escritor Mario de Andrade propôs um mergulho no Brasil profundo, intitulado “Missão de Pesquisas Folclóricas”, em busca do que considerava ser as raízes da cultura brasileira, particularmente no campo da música. Entendia que a fragilidade da cultura popular e sua base na tradição oral, combinada à permeabilidade de nosso modo de vida às influências externas projetava sua completa extinção, sem que as gerações futuras pudessem sequer conhece-la.

Nem de longe tivemos essa pretensão de nos aproximarmos da jornada dos folcloristas enviados por Andrade ao sertão brasileiro, nas primeiras décadas do século passado. Ainda assim, essa Missão nos inspirou a projetar a pesquisa com base na fala dos moradores da Ilha dos Valadares. Ouvir os antigos moradores, suas histórias e percepções sobre hoje e ontem guiou a discussão que fizemos.

Podemos dizer que o livro se traduz em registros e resgates, mas também nos alerta para a rapidez das transformações e como elas vão reconfigurando, e, ao mesmo tempo, sem o devido cuidado com o patrimônio cultural e ambiental vão nos colocando em risco. A Ilha dos Valadares está em condição de risco, posto que seu patrimônio ambiental e cultural está sofrendo os reveses do ritmo acelerado de ocupação e da ausência de políticas de valorização cultural.

Esperamos que as questões apontadas aqui sejam inspiração para novos estudos, ainda mais aprofundados e que sirvam de alerta à população do litoral sobre a relevância de suas ilhas e de seus habitantes.

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NOTAS DO CAPÍTULO “Ilha dos Valadares: sobre suas origens e percursos” 1 Ver Manoel Viana texto “Domingos Peneda e Gabriel de Lara”, In: Paranaguá na história e na tradição. Conselho Municipal de Cultura, 1976. p. 17-18.

2 MARTINS, R. História do Paraná. Curitiba: Editora Guairá Limitada, 1939. p. 117.

3 SCHEIFER, B. Paranaguá, cidade portuária: entre a cidade “sonhada e a cidade real”. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História, Poder e Práticas Sociais, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNOESTE), Marechal Cândido Rondon, 2008.

4 NASCIMENTO JÚNIOR, V. O Itiberê (1943). In: Coisas Nossas I, 1966. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá.

5 Segundo Manoel Viana, Alfredo Alves da Silva foi professor do historiador Vicente Nascimento Júnior. (Paranaguá na história e na tradição. Conselho Municipal de Cultura, 1976).

6 NASCIMENTO JÚNIOR, V. História, Crônicas e Lendas. Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1980. p. 116.

7 Em 1831, foi sancionada a primeira lei que visava proibir o tráfico de africanos, e de acordo com Romário Martins somente em 1850 a atividade começou a ser fiscalizada pela Inglaterra (História do Paraná. Curitiba: Editora Guairá Limitada, 1939).

8 Ver José Augusto Leandro “Do Tráfico Ilegal de Africanos”. In: Gentes do grande mar redondo: riqueza e pobreza na comarca de Paranaguá, 1850-1888. Tese (Doutorado em História) - Programa de Doutorado em História – UFSC, Florianópolis, 2003. p. 30-66.

9 SANTOS, A. V. dos. Memória histórica de Paranaguá. Vol. I. Curitiba: Vicentina, 2001. Instituto Geográfico e Histórico de Paranaguá (IGHP), copiado e digitalizado P/316FF 20090502. p. 239.

10 NASCIMENTO JÚNIOR, V. História, Crônicas e Lendas. Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1980. p.115.

11 Ibid., p. 238-240.

12 SANTOS, A. V. dos. Memória histórica de Paranaguá. Vol. II. Curitiba: Vicentina, 2001. Instituto Geográfico e Histórico de Paranaguá (IGHP), copiado e digitalizado P/316FF 20090502. p. 269.

13 Ibid., p. 33.

14 LEANDRO, J. A. Gentes do grande mar redondo: riqueza e pobreza na comarca de Paranaguá, 1850-1888. Tese (Doutorado em História) - Programa de Doutorado em História – UFSC, Florianópolis, 2003. p. 162-167.

15 LEÃO, E. Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná. Volume VI. Curitiba: Edição do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1968. p. 2434.

16 NASCIMENTO JÚNIOR, V. A Ilha dos Valadares. Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá. Revista Trimestral. Ano 1, janeiro/março de 1932. n1. p. 8-11. Acervo IHGP. 17 Ver Nascimento Júnior (História, Crônicas e Lendas. Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1980) p. 115.

18 Neste capítulo, os nomes dos entrevistados são fictícios.

19 Ver Nascimento Júnior (História, Crônicas e Lendas. Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1980) p. 300.

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NOTAS DO CAPÍTULO “Fandango, farinha e pesca: a cultura caiçara na Ilha dos Valadares” 1 SILVA, L.G.S. Caiçaras e jangadeiros: cultura marítima e modernização no Brasil. São Paulo: CEMAR/Universidade de São Paulo, 1993, p. 145 2 BRASIL. IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Departamento de Patrimônio Imaterial. Dossiê de Registro do Fandango Caiçara. Brasília: IPHAN, 2011.

3 Ibid., p.21.

4 Ibid., p.35-36.

5 Ver José Augusto Leandro. Gentes do grande mar redondo: riqueza e pobreza na comarca de Paranaguá, 1850-1888. Tese (Doutorado em História) - Programa de Doutorado em História – UFSC, Florianópolis, 2003, p. 311.

6 Ibid., p. 312.

7 BRASIL. IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Departamento de Patrimônio Imaterial. Dossiê de Registro do Fandango Caiçara. Brasília: IPHAN, 2011.

8 BRASIL.IPHAN, 2011. Op. Cit. 9 BRASIL.IPHAN, 2011. Op. Cit. 10 BRASIL.IPHAN, 2011. Op. Cit. 11 PINTO, I.C. Fandango do Paraná. Curitiba: Ed.UFPR, 1992, p.6.

12 Essa parte visa homenagear Mestre Romão, um dos grandes responsáveis pelo ressurgimento do Fandango Parnanguara. Infelizmente, em função de seu estado atual de saúde as entrevistas não puderam ser realizadas e as falas são baseadas em diálogos realizados pelo pesquisador Carlos Weiner de Souza em 2010. Estão publicadas originalmente em: SOUZA, Carlos W.M. Fotografias da Imaginação: experiências para além do olhar no Projeto Vila Educação e Arte. (Dissertação) Programa de Pós-Gradução em Artes Visuais, Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

13 BONAMIGO, Z. M. Mestres relatam o resgate do fandango no litoral do Paraná. IN: Paraná Online, Curitiba/PR. Publicado em 10 de fevereiro de 2003.

14 A Vila do Maciel também chamada apenas de Maciel pertence atualmente ao município de Pontal do Paraná, que se desmembrou de Paranaguá em 1995.

15 VIANA, M. Paranaguá na história e na tradição. Conselho Municipal de Cultura, 1976. p. 14.

16 LEANDRO, J.A. A roda, a prensa, o forno, o tacho: a cultura material e farinha de mandioca no litoral do Paraná. In: Rev. Bras.

Hist.[online]. 2007, vol.27, n.54, p.261-278.

17 LEANDRO, J.A. Viver e sobreviver da farinha de mandioca no litoral do Paraná no século XIX. IN: DENARDIN, V.F. & KOMARCHESKI, R. (Orgs). Farinheiras do Brasil – tradição, cultura e perspectivas da produção familiar de farinha de mandioca. Matinhos: UFPR Litoral, 2015.

18 EVANGELISTA, C. Crônicas. Curitiba: Conselho Municipal de Cultura, 1980.

19 No passado a roda era manual, sendo doada pela família a um projeto social na África, junto com uma prensa do tempo do pai (in memoriam) do Sr. Nelson Pedroso.

20 Biju pequenino, de formato redondo, com coco, conforme definição da Sra. Adir.

21 A entrevista com o Sr. Nelson Pedroso foi realizada no ano de 2012. Atualmente, foi diagnosticado com Mal de Parkinson, estando impossibilitado de participar ativamente do processo da fabricação da farinha de mandioca.

22 Sambaquis são formações artificiais constituídos na sua maior parte por conchas de moluscos utilizadas na alimentação dos povos pré-históricos que habitaram o litoral paranaense.

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23 GERNET, M.V. & BIRCKOLZ, C.J. Fauna malacológica em dois sambaquis do litoral do Estado do Paraná, Brasil. Biotemas, Santa Catarina, v. 24, n°3, 2011. p. 39-49.

24 GASPAR, M. D.; TENÓRIO, M. C.; BUARQUE, A.; BARBOSA-GUIMARÃES, M.; OLIVEIRA, J. C. & SCHEEL-YBERT, R. Histórico e principais resultados do projeto de investigação: O aproveitamento ambiental das populações pré-históricas do Rio de Janeiro. Arquivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 62, n.2, 2004. p.103-129.

25 LANGOWISKI, V. B. R. Contribuição para o estudo dos usos e costumes do praieiro do litoral de Paranaguá. Cadernos de Artes e Tradições Populares, Paranaguá, v. 1, p. 77101, 1976.

26 FIGUEIREDO, A. M., Contribuição para a história da pesca em Portugal na época LusoRomana. In: Archeólogo Português, v. IV, n. 1-6, Lisboa, 1898.

27 ADAMS, C. As populações caiçaras e o mito do bom selvagem: a necessidade de uma nova abordagem interdisciplinar.

IN: Revista de Antropologia, v.43, n.1, São Paulo, 2000.

28 FUNDAÇÃO PROZEE; SEAP/PR;IBAMA. Relatório Técnico sobre o Censo estrutural da Pesca Artesanal Marítima e Estuarina nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Itajaí: Convênio SEAP/IBAMA/PROZEE, 2005.

29 ANDRIGUETTO FILHO, J.M. A mudança técnica e o processo de diferenciação dos sistemas de produção pesqueira do Litoral do Paraná, Brasil. IN: Desenvolvimento e Meio Ambiente, Editora UFPR, n.8, p.43-58, jul./dez. 2003.

30 ANDRIGUETTO FILHO, J.M. Sistemas Técnicos de pesca e suas dinâmicas de transformação no litoral do Paraná, Brasil. Tese. Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Curitiba: UFPR, 1999.

31 Na pesca de fundeio ou caceio, o pescador entra na água com a rede estendida e com boias na parte superior, um cabo colocado fora da água mantém a rede esticada. No Paraná é muito utilizada para a pesca do camarão branco, mas também para Tainha.

O espinhel já é um tipo de instrumento que permite a colocação de vários anzóis simultaneamente, enquanto as tarrafinhas é uma modificação da tarrafa para a prática de pequenos arrastões.

32 ANDRIGUETTO FILHO, J.M., A mudança técnica e o processo de diferenciação dos sistemas de produção pesqueira do Litoral do Paraná, Brasil. IN: Desenvolvimento e Meio Ambiente, Editora UFPR, n.8, p.43-58, jul./dez. 2003.

33 SANTOS, T. C. & CÂMARA, J. B.D. GEO Brasil 2002: perspectivas do meio ambiente no Brasil. Edições Ibama, 2002.

34 ANDRIGUETTO FILHO, J.M. Sistemas Técnicos de pesca e suas dinâmicas de transformação no litoral do Paraná, Brasil. Tese. Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Curitiba: UFPR, 1999.

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NOTAS DO CAPÍTULO “A ocupação recente e as questões socioambientais” 1 FLÓREZ, W. V. Caracterização Hidrogeológica da Ilha dos Valadares Paranaguá –PR. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2005.

2 Os horizontes são as camadas de transição da estrutura do solo. Na Ilha dos Valadares três foram identificadas por Flórez (2005): A, B e C. O horizonte A húmico é a parte superficial do solo (EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação do Solo. 2ed; BrasíliaDF, 2006, p.47), onde concentra-se a matéria orgânica em decomposição. O horizonte B apresenta a porção arenosa (fração mais grosseira). O Horizonte C é a camada onde concentra-se o material (piçarra) em processo de intemperismo da rocha que dá a estrutura para todas as outras camadas desenvolver.

3 CONSENTINO, A. et al. Ilha dos Valadares (baia de Paranaguá). Curitiba: Imprensa da UCP, 1982. Trabalho efetuado por um grupo de alunos do Curso de Administração de Empresas da UFPR. p. 11.

4 BRASIL. Portaria Interministerial nº 39; Processo nº 04936.003627/2009-69.

5 BRASIL. Portaria Interministerial nº 298 (BRASIL); Processos nº 04936.009519/2011-14 e nº 04936.009520/2011-49.

6 PARANAGUÁ. Lei Ordinária nº 3430/2014. Dispõe sobre a denominação e descrição das ruas do anel de mobilidade da Ilha dos Valadares.

7 O Censo Demográfico é realizado a cada 10 (dez) anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Dados agregados por setores censitários 2000/2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br> acesso em 20 de fev.2012.

8 Os dados do Censo Demográfico do ano de 1980 foram extraídos do trabalho de Consentino et.al., 1982.

9 Em função do conflito de informações não se pode afirmar precisamente o total de habitantes no Valadares, para a presente pesquisa considerou-se os dados censitários do IBGE. 10 CONSENTINO, A. et al. Ilha dos Valadares (baia de Paranaguá). Curitiba: Imprensa da UCP, 1982. Trabalho efetuado por um grupo de alunos do Curso de Administração de Empresas da UFPR. 11 Termo popular utilizado para se referir aos usuários de drogas.

12 CONSENTINO, A. et al. Ilha dos Valadares (baia de Paranaguá). Curitiba: Imprensa da UCP, 1982. Trabalho efetuado por um grupo de alunos do Curso de Administração de Empresas da UFPR. p. 18.

13 IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico, 2010.

14 Hindi et al. (Caracterização hidrogeológicas do aquífero costeiro da Ilha dos Valadares, PR (Brasil) e sua utilização para abastecimento público. Revista Latino- Americana de Hidrogeologia, 2003, n.3, p.19-31) realizou análise em 12 poços sobre o sistema aquífero da Ilha dos Valadares, constatando que muitos poços-ponteira apresentavam “contaminação por coliformes fecais e totais, causada por efluentes domésticos.

15 Instrumento de perfuração profunda no solo para inserção de fundações para grandes construções.

16 De acordo com dados do IBGE (2010), 99,08% das habitações eram atendidas pelo serviço da coleta do lixo.

17 O chorume produz um odor desagradável, o líquido da decomposição do material orgânico é absorvido pelo solo e os gases são emitidos para atmosfera, como é o caso do metano, altamente poluente.

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“PROJETO REALIZADO PELA LEI MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA - FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA DE PARANAGUÁ E PREFEITURA MUNICIPAL DE PARANAGUÁ”.

INCENTIVO:

REALIZAÇÃO: