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CARTAS DA ILHA... DA PEQUENA HISTÓRIA E HISTÓRIAS DE VIDA NA HISTÓRIA DA MADEIRA ALBERTO VIEIRA CEHA_MADEIRA

ESCRITAS DAS MOBILIDADES, Centro de Estudos de História do Atlântico ISBN: 978-972-8263-74-4, Funchal, Madeira (2011), pp. 751-771


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Não vos escreverei muito porque ele partirá dentro em pouco. William Bolton, 13 de Março de 1698. “...uma mensageira fiel que interpreta o nosso ânimo nos ausentes, em que lhes manifesta o que queremos que eles saibam de nossas cousas, ou das que a eles lhe revelam.” Francisco Rodrigues Lobo (1573-1621) em Corte na Aldeia (1619)

O

porto assume um papel fundamental na vida de uma cidade portuária. É quase sempre ele que comanda o ritmo do quotidiano. Por ele, entram e saem homens; por ele, entram e saem mercadorias, doenças, esperanças, desejos e notícias em forma de carta ou memórias. Todos os olhares estão alerta, pousados na linha do horizonte que domina o espaço da baía do Funchal. As torres avista-navios erguem-se um pouco por todo o lado e têm esta missão. A chegada ou partida de embarcações despertava muitos interesses e gerava a natural ansiedade entre os distintos intervenientes na atividade portuária. Hoje, sabemos com antecedência a data das chegadas e partidas mas, noutros tempos, tudo era uma incógnita. Daí esta ansiedade. O burburinho do porto anima-se sempre que chegam e partem os navios de fora. Nem sempre estas situações ocorrem dentro do ritmo programado e, de forma inesperada, era preciso completar uma carta ou reduzir o seu enunciado para que não se perdesse a oportunidade da partida. Às cartas já escritas, que aguardam a embarcação que as conduza ao seu destino, juntam-se adendas e novas informações, ao sabor da conjuntura, que medeiam entre a primeira intenção e escrita da missiva e a oportunidade de a pôr em marcha rumo ao destino. As chegadas e partidas raras vezes são certas e, por isso, é necessário ser preciso e conciso na escrita, de forma a aproveitar a oportunidade e ter as missivas preparadas. A carta quase deixou de pertencer ao nosso quotidiano. Fizemos a sua substituição pelo correio eletrónico. A missiva chega no imediato ao destinatário e temos a certeza da sua entrega, recebendo, no retorno, caso solicitado, o aviso de entrega. Noutros tempos, porém, o processo era distinto. Até ao aparecimento dos correios, as cartas circulavam de forma lenta e insegura pelas tripulações das embarcações oceânicas. Uma carta entregue a bordo tinha, muitas vezes, um destino incerto e moroso. Estava sujeita às contingências da viagem: um naufrágio, um assalto de piratas poderiam desviar a missiva do seu destinatário e implicar a sua não entrega. Para obviar estas incertezas, apostava-se no envio de diversas cópias, entregues a distintas embarcações, com destinos também diversos. Só assim se teria a certeza


753 que o destinatário iria receber algumas destas cópias. Mas a confirmação poderia tardar muito ou nunca acontecer. Só a resposta era a confirmação da sua entrega e da materialização de um interesse comercial ou pessoal. Com a mala-postal, a regularidade desta forma de comunicação favoreceu a circulação das informações e dos negócios1. Por outro lado, esta situação dependerá da forma como se estabelecem os circuitos de distribuição. Todavia, neste campo, a Madeira usufruirá de uma situação privilegiada em relação ao mundo britânico, pois os barcos e serviços da Royal Mail tinham escala na ilha2. A epistolografia tem ganho interesse, nos últimos anos, como tema de estudos, a diversos níveis do conhecimento3. Também se publicaram diversas compilações de cartas, algumas mais célebres e referenciadas que outras, umas que valem pela forma da escrita e cariz literário, outras que se afirmam pelos conteúdos diferenciados e que, por vezes, aclaram ou completam o discurso histórico4. Muitas tiveram destinatário mas nunca chegaram às suas mãos. Outras nunca o tiveram mas, felizmente, chegaram até nós e fazem parte do nosso património documental. Há muito que a epistolografia é valorizada na construção do discurso histórico.5 O nosso percurso sobre a epistolografia na História da Madeira abarca os séculos XVII a XX, nos diversos campos da emigração, comércio, política, ciência, e indústria. Não queremos reunir toda a documentação sobre o tema para estes períodos, mas e apenas transmitir, através de análises pontuais de múltiplos aspetos de expressão da epistolografia, quão importante esta é para o conhecimento da nossa História, quão importante se pode revelar , no esclarecimento de situações menos claras das 1

REIS, Célia, “Os correios nas ilhas atlânticas. Notas sobre a sua existência na primeira metade do século XIX , in Islenha, nº. 9, 1991,70-75.

2

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3

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4

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5

Serrão, Joaquim Veríssimo,1972, A historiografia portuguesa: doutrina e crítica, Volume 2, Lisboa, Editorial Verbo; Marques, António Henrique R. de Oliveira, 1981, Guia de história da 1a. República Portuguesa, Editorial Estampa; Marques, António Henrique R. de Oliveira, 1988, Guia do estudante de história medieval portuguesa, Editorial Estampa;


754 expressas na documentação oficial. Não podemos esquecer que a carta, tal como os diários, revelam-nos, frequentemente, a outra face de um quotidiano ou realidade que os testemunhos materiais e a documentação oficial, por vezes, nos negam. Aqui daremos conta das cartas mas não podemos esquecer outras formas de testemunho particular, como a literatura de viagens e os diários. Neste último caso, temos a destacar alguns diários como o de Lucas Rem6, que permitem reconstituir a sua ação, entre 1503-1508, ao serviço dos Welsers, nos arquipélagos da Madeira, Açores, Cabo Verde e Canárias. Hoje, trazemos ao debate este conjunto de fontes privadas e queremos chamar a atenção de todos para a sua importância na História, como forma de revelação e testemunho que realça aspectos muitas vezes ignorados pela documentação produzida pelas instituições que, normalmente, tem direito a preservação e figura como prova da nossa memória colectiva.

1. EPISTOLOGRAFIA E HISTÓRIA. Hoje, a História faz-se a partir de uma multiplicidade de fontes, quer públicas, quer privadas. Cada vez mais nos tempos que correm, a História tradicional deu lugar à Pequena História ou à História do Quotidiano e vida privada. Estamos perante uma valorização das fontes de informação aquém da oficial, elaborada pelas instituições públicas. Desta forma, os arquivos privados ganham cada vez mais importância na escrita da História. Na reconstituição do quadro da correspondência, pudemos distinguir três tipos: a oficial, a privada e a comercial. Apenas a primeira se torna pública e alvo privilegiado dos historiadores. Para as duas restantes, o acesso restringe-se quase só aos seus interlocutores. A nossa presença e acesso sai fora do seu circuito e é, sem sombra de dúvida, uma forma de devassar a intimidade e privacidade, ou então de penetrar em alguns segredos dos negócios. Aqui, temos acesso, não autorizado, à outra História que se apresenta como um espelho ou retrato do quotidiano, a expressão de algumas formas de intervenção ilegais, como o contrabando ou o jogo de influências. Uns dos domínios que tem cativado particular interesse prende-se com esta correspondência privada e as informações que podem testemunhar sobre aspetos inéditos do quotidiano7. A carta é um elo que prende dois interlocutores e que testemunha um movimento de ideias, produtos e gentes. Ela foi, durante muito tempo, um meio de contacto entre dois interlocutores, servindo para transmitir afetos, noticiar aspetos pessoais do quotidiano, um instrumento comercial que une dois portos e dois intervenientes, num processo de compra e venda de produtos. A informação destas missivas apresenta um carácter intimista, alheio aos protocolos da correspondência oficial e institucional. Nestas últimas, o formalismo quebra essa intimidade e desumaniza o conteúdo. Já nas primeiras, quer o remetente, quer o destinatário são humanos e, como tal, na carta, 6

Lukas Rem, B. Greiff; Tagebuch des Lucas Rem aus den Jahren 1494-1541: Ein Beitr. zur Handelsgeschichte der Stadt Augsburg. Mitgeteilt, mit erl. Bem. und e. Anh. von noch ungedr. Briefen und Berichten über die Entdeckung des neuen Seeweges nach Amerika und Ostindien versehen, Hartmann, 18618; GREIFF, B. (ed.). (1861): Tagebuch des Lucas Rem Zeitschr, des hist. Vereins für Schwaben und Neuburg. Augsburg, pp. XX-110; Shorer, Maria Thereza, 1977, Notas para a História das relações dos Banqueiros alemães...., Revista de História, XV, S. Paulo, pp.277-355; CERTÍN, Anne Marie, 2008, “Relations professionelles et relations fraternelles d’aprés le Journal de Lucas Rem, marchand d’Augsburg (1481-1542)”. Médiévales , 54, pp. 83-89.

7

FERRO, João Pedro,1993, “A epistolografia no quotidiano dos missionários Jesuítas nos séculos XVI e XVII”, in Lusitania Sacra. 2.ª série, 5, pp. 137-158.


755 em qualquer circunstância transparece esta realidade. De acordo com o grau de parentesco ou de relação entre ambos os interlocutores, a escrita ganha maior ou menor intimidade, podendo mesmo ser expressa de forma codificada. O segredo, um dos importantes caminhos de sucesso nos negócios é, muitas vezes, contornado pela necessidade de socorrer-se de um tradutor, pelo desconhecimento da escrita. Para muitos, esta situação complica-se, por falta do domínio, não só da língua, como da escrita. É preciso buscar alguém capaz de a escrever, alguém com quem temos de partilhar os nossos sentimentos e desejos, alguém que seja capaz de passar para a escrita aquilo que pretendemos comunicar aos nossos parentes. As cartas que escrevemos encontram-se quase sempre junto dos destinatários. Raros serão os casos em que alguém decide preservar uma cópia da sua missiva. O registo fica na memória de cada um e a resposta ganha sempre sentido, sem necessidade de confronto com uma qualquer cópia. A expressão dos sentimentos, desejos e outros anseios perdura na nossa memória. Já para o mundo institucional e dos negócios, a realidade é distinta. É necessário um copiador de cartas para registo do que se enviou e para o confronto com a resposta. Aqui, os interesses saem do domínio pessoal e necessitam de outra forma de registo. Desta forma, seremos confrontados, muitas vezes, com uma situação particular em que as cartas originais e pessoais de que dispomos se encontram,quase sempre, do lado do destinatário. Já nas outras situações assinaladas, ao original do destinatário, temos a felicidade de encontrar o registo da sua cópia no remetente. Hoje, a nossa atenção será direcionada para esta correspondência que tem registo em copiadores. É dentro do mundo dos negócios que esta prática será corrente, permitindo o acesso a muitos destes documentos, com maior facilidade, no sentido em que estão organizadas e registadas, de forma ordenada. Já do outro lado, aparecem avulsas e sem critério de organização, o que dificulta, muitas vezes, a nossa avaliação atual. Para a Madeira e o espaço atlântico, no período dos séculos XVII e XVIII, temos um acervo significativo de cartas comerciais que permite, em muitas situações, reconstituir a História e o quotidiano das instituições, a que falta documentação oficial. Esta situação tem continuidade no século XIX, com o sector do vinho8. A falta de documentação oficial permite, em certa medida, reconstituir algumas das teias da rede comercial e de negócios atlânticos nesta época, com origem ou não na Madeira.

8

VIEIRA, Alberto, 1986, “Os arquivos particulares e a História da Madeira. Cossart Gordon & Co”., in Diário de Noticias a 20 de Novembro de 1986.


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NOME

SITUAÇÃO

PERÍODO cartas

João Serrão de Oliveira1

Judeu, mercador

1646-1656

Diogo Fernandes Branco (????/1683)2

mercador

1649-52

João de Saldanha Albuquerque (1640- Governador (Madeira-1672-76, gão-1693-98) e mercador 1723)3

Maza- 1673-1694

William Bolton4

Mercador, capitão de navio

Luís César de Meneses (-/1720)5

Governador do Rio de Janeiro (1690 — 1697-1701 1693), Governador e Capitão-General de Angola (1697 — 1701), Governador-geral do Brasil (1705 — 17106) Mercador

Duarte Sodré Pereira (1666/1738)7

Mercador, Governador (Madeira 1704-12, 1710-1712 Mazagão 1719-24, Pernambuco. 1727-37)

João Higino Ferraz (1884-1946)8

técnico-industrial

João Abel de Freitas (1893-1948)9

Médico, Governador Civil (1928, 1947-48), 1935 Presidente da Junta Geral (1935-47)

1

2 3 4

5 6 7 8 9

1695-1714

1898-1937

BOXER, Charles, 1975, “The commercial letter-book and testament of a Luso-Brazilian merchant, 1646-1656”, in Boletín de Estudios Latino-Americanos y del Caribe, n.º 18 (Junho), Amersterdão, pp. 49-56. Cf. Lilly Library (Indiana University, Bloomington). 1972, Brazil from discovery to independence : an exhibition commemorating the 150th anniversary of the declaration of Brazilian independence on September 7, 1822. Lilly Library, Bloomington. O Referido manuscrito pertence à Lilly Library/Indiana University/ USA, tendo a seguinte referência: 1646-1656 Portugal History MSS. Portuguese Commercial Letterbook. Cf. Curto, José C., 2002, Alcool e escravos: o comércio luso-brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e Benguela durante o tráfico atlântico de escravos (c. 14801830) e o seu impacto nas sociedades da Africa Central Ocidental, Editora Vulgata. Edição 3 de Tempos e espaços africanos; Dutra, Francis A., 1980, A guide to the history of Brazil, 1500-1822: the literature in English, ABC-Clio. VIEIRA, Alberto, 1996, O Público e o Privado na História da Madeira, Funchal, CEHA. VIEIRA, Alberto, 1998, O Público e o Privado na História da Madeira, Funchal, CEHA. SIMON, A. L.,1928, The Bolton Letters- 1695-1714, vol. I. Londres, t. Werner Laurie, Ltd. (republicado em português por Aragão, António, coordenação, a Madeira vista por Estrangeiros, Funchal, DRAC, pp.225-394, Republicado em SILVA, António Marques, 2008, Passaram pela Madeira, Funchal, Funchal 500 Anos, pp.40-47); SIMON, A. L., 1960, 1960, The bolton Letters.The Letters of an English Merchant in Madeira. 1701-1714, vol. II, Funchal, Produced by Graham Blandy. Cf. Curto, José C., 2002, Álcool e escravos: o comércio luso-brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e Benguela durante o tráfico atlântico de escravos (c. 1480-1830) e o seu impacto nas sociedades da Africa Central Ocidental, Editora Vulgata. O seu filho Vasco Fernandes César de Meneses, conde de Sabugosa, foi Governador do Brasil(1720-1735). SILVA, Maria Júlia de Oliveira e, 1992, Fidalgos-mercadores no século XVIII. Duarte Sodré Pereira, Lisboa. Reporta-se a um copiador de cartas de Duarte Sodré, com 187 páginas e 160 cartas de 30 de Julho de 1710 a 30 de Abril de 1712. VIEIRA, Alberto (coordenador) e SANTOS, Filipe, 2005, João Higino Ferraz, copiadores de cartas (1898-1937), Funchal, CEHA. FREITAS, João Abel de, 1935, Carta ao Dr. Oliveira Salazar, 28 de Março de 1935, in Vieira, Alberto, 2001, História da Madeira, Funchal, pp.335-336, Disponível na integra em VIEIRA, Alberto (coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001 (DVD).

Por outro lado, podemos ainda associar a este acervo epistolar outras missivas particulares relacionadas com atividade científica, como é o caso da correspondência de João Higino Ferraz, que cobre o período de 1898-19379, ou então as missivas trocadas entre o Dr. João Abel de Freitas (1893-1948) e António de Oliveira Salazar, em 193510. Por fim, temos ainda outras missivas que, pelo carácter de combate político que as enforma, são públicas e querem-se divulgadas, para que tenham impacto na 9

VIEIRA, Alberto (coordenador) e SANTOS, Filipe, 2005, João Higino Ferraz, copiadores de cartas (1898-1937), Funchal, CEHA.

10

FREITAS, João Abel de, 1935, Carta ao Dr. Oliveira Salazar, 28 de Março de 1835, in Vieira, Alberto,2001, História da Madeira, Funchal, pp.335336; SALAZAR, António Oliveira, 1935, Carta ao Dr. João Abel, 23 de Maio de 1935, in Vieira, Alberto, 2001, História da Madeira, Funchal, pp.336-340.


757 sociedade e política. Estas apresentam-se às autoridades11, publicam-se, desde 1821, na diversa imprensa que se publicou na ilha ou então, de forma separada, em folhetos8. A maioria dos grupos de cartas acima referenciados é constituída por corpus únicos, resultantes de copiadores das mesmas, não havendo qualquer intencionalidade na sua existência e disponibilidade atual. Aquilo que foi feito e organizado em copiadores, de forma normal, e apenas para servir de registo a uma atividade, na sua maioria dedicada ao comércio, está hoje disponível, da mesma forma que os seus interlocutores as criaram e usaram. Não se denota nenhuma intenção de selecionar ou de apagar algo, no sentido de que foram feitas apenas para uso dos próprios e a nenhum dos dois interlocutores assistia qualquer objetivo, para além do que presidiu ao uso deste meio de comunicação. A informação das cartas privadas e comerciais completam, muitas vezes, a informação da documentação oficial e permitem, em muitas situações, revelar comportamentos desviantes da intervenção dos seus interlocutores, nomeadamente através do contrabando. Por vezes, esta informação de índole privada assume o papel de oficial, colmatando as lacunas que sempre existem na nossa documentação oficial. Desta forma, aquilo que estava escondido no segredo do círculo familiar ou comercial revela-se e torna-se público, fornecendo-nos dados para uma visão diferente da sociedade e dos seus vários intervenientes. É assim que se descobrem o contrabando e, mais próximo de nós, o tráfico de influências e o jogo de interesses e influências dos bastidores da política ou da imprensa. São cartas privadas, apesar de , em muitas delas, se misturarem o público e o privado. Raras vezes sabemos - quando ambos se separam- quando estamos a lidar com autoridades que exercem, ao mesmo tempo in situ, o papel de Governadores e de mercadores. Em que medida estas duas atividades serão compatíveis e poderão ser exercidas de forma adequada, em simultâneo? Os nossos registos apontam quatro casos, mas outros poderíamos assinar. Ao final de tudo isto, como compreender os lamentos de alguns, relativamente a uma atividade de Governador, entendida como um serviço à coroa e ao império ?

2. CORRESPONDÊNCIA DA EMIGRAÇÃO Um outro universo está presente nas cartas de emigrantes e tem sido o motivo de múltiplas recolhas e estudos sobre escritas das mobilidades12. Os madeirenses, não obstante o elevado analfabetismo, 11

AAVV, 1969, 1994, Carta a um Governador. 22 de Abril de 1969, Funchal, ed. António Loja.

12

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758 também escreveram as suas missivas aos familiares mas, porque cumpriram a sua função, muitas se perderam com o tempo ou ainda permanecem guardadas como recordação ancestral. Entre nós, faz falta um trabalho de recolha e tratamento das muitas que certamente jazem em baús e espólios particulares13. Para a Madeira, o acervo é reduzido e resume-se àquelas que, no século XIX, foram usadas como meio de propaganda e publicadas na imprensa madeirense, com o objetivo de combater a emigração clandestina e denunciar os problemas e dificuldades do destino. Eram um meio de propaganda e combate a este fenómeno. Algumas destas cartas de emigrantes testemunham a ilusão das promessas, à partida da ilha, apontam as condições difíceis em que vivem os madeirenses em Demerara14. A todos responde Diogo Taylor, cônsul inglês e agente da emigração para estes destinos15. Duas destas cartas são de 184116 e provêm de Demerara, na época, um dos principais destinos de emigração. Em ambas, os testemunhos são pouco abonatórios da situação vivida no destino, daí a sua utilização como meio de propaganda contra a emigração. Noutra carta de1851,17 do Rio de Janeiro, é desfeito o mito da riqueza fácil e apresentado outro quadro do trabalho duro:... nesta terra para se ganhar alguma cousa é necessário trabalhar muito de dia e até ás 10 horas da noite, e os domingos e dias santos; porque as despezas são muitas. (...) A respeito das felicidades desta terra não é o que se julga, porque as febres tem feito fugir daqui os homens de maior negocio e muito mais a falta de escravatura;....Aqui é necessário que o homem se trate muito serio e não se meta em bebidas de qualidade alguma; porque a pessoa que se habitua a tal vicio, fica desacreditada, e até os negros fazem escárnio dela. Saibam que o Brazil é uma terra de muito luxo e de muita censura não se vestindo á moda do paiz. Enfim é o que eu não julgava. Isto que eu aqui digo é a realidade.” Associaram-se à campanha outros jornais, sendo de realçar as de o Echo da Revolução18, Correio da Madeira19 e o Progressista20, onde este movimento emigratório surge sob o epíteto de “escravatura y CONGOST, Rosa, 2000, «La família Rosés i les seves cartes», in AAVV, M’escriuràs una carta?, Girona, Museo d’Art de Girona, pp. 102-111; MATAS, Josep, PRAT, Enric y VILA, Pep, 2002, Les cartes de les famílies Roger i Rosés. Notícies de Palafrugell dels segles XVIII i XIX, Palafrugell, Arxiu Municipal de Palafrugell; MURILLO, María Dolores Pérez, 1999, Cartas de emigrantes escritas desde Cuba, estudio de las mentalidades y valores en el siglo XIX, Cádiz/Sevilla, Aconcagua Libros/Universidad de Cádiz; OTTE, Enrique, 1988, Cartas privadas de emigrantes a Indias, 1540-1616, Sevilla, Junta de Andalucía-Consejería de Cultura; SÁNCHEZ RUBIO, Rocío y TESTÓN NÚÑEZ, Isabel, 1989, El hilo que une. Las relaciones epistolares en el Viejo y el Nuevo Mundo (siglos XVI-XVIII), Cáceres-Mérida, Universidad de Extremadura-Junta de ExtremaduraEditora Regional; SOUTELO VÁZQUEZ, Raúl, 2001, De América para casa. Correspondencia familiar de emigrantes galegos en Brasil, Venezuela e Uruguai: 1916-1969, Santiago de Compostela, Consello da Cultura Galega. 13

.Cf. CASTILLO GÓMEZ, Antonio y Monteagudo Robledo, José I., 2000, Los archivos europeos de la escritura popular, Revista Archivamos, nº 38: p. 5-25; CASTILLO GÓMEZ, Antonio, Sierra Blas, Verónica, Martínez Martín, Laura, Pereda Martín, Jaime y Colotta, Pablo A., 2006, Bibliografía sobre escrituras populares y cotidianas (siglos XIV-XXI), Alcalá de Henares; MESTRE SANCHÍS, Antonio, 1999-2000, «La carta, fuente de conocimiento histórico», Revista de historia moderna. Anales de la Universidad de Alicante, 18, Alicante, Universidad de Alicante, pp. 13-26; SIERRA BLAS, Verónica, 2005, «Olvidos epistolares. Luces y sombras en la epistolografía contemporánea», Revista de Historiografía, n. 3, II/2, Getafe, Universidad Carlos III de Madrid, pp. 55-68; SOUTELO, Raúl, 2005, “La documentación epistolar de los emigrantes gallegos: posibilidades de recuperación y utilización en el estudio de las migraciones” XIII Jornadas Mar por medio: a parroquia de Acolá, Arquivo da Emigración do Consello da Cultura Galega y el Dto. de Cultura del Ayuntamiento de Ribadeo; SOUTELO, Raúl, 2005, “Fragmentos da memoria: as cartas familiares dos emigrantes e a memoria social da emigración” Actas das Xornadas de Cultura e Patrimonio de Lira (Carnota), Santiago de Compostela: Museo do Pobo Galego; SOUTELO VÁZQUEZ, Raúl, Cómo recuperar las cartas familiares de los emigrados y qué hacer con ellas, disponível na Internet em www.euskosare.com. Consulta em 23-07-2009; MESTRE SANCHÍS, Antonio, 1999-2000, «La carta, fuente de conocimiento histórico», Revista de historia moderna. Anales de la Universidad de Alicante, 18, Alicante, Universidad de Alicante, pp. 13-26.

14

O Defensor, n,” 96 (1841), p. 2.

15

O Defensor, n.O72 (1841).pp.2-3; n,” 97 (1841), p. 1-3. Ele é citado entre 1854-59, como consignatário de navios com emigrantes para Demerara e S.Kitts, veja-se, ARM, G.c.. n.” 465, 467.

16

In O Defensor, nº.96, p.2.

17

O Progressita, nº.23, p.3.

18

Nº.3, 6, 7, 10.

19

Nº. 73 (1850), p. 96.

20

Nº. 28 (1851), 32, 36, 39, 46.


759 branca”. De acordo com o cônsul português em Demerara, os emigrantes “são tratados como verdadeiros escravos, e mesmo pior do que são os negros da costa d’ África”21. A resposta a esta carta não se fez esperar pela voz do cônsul, que realça os mútuos benefícios da emigração22. A isso se junta o testemunho abonatório de um grupo de portugueses residentes na Guiana inglesa. Em oposição a este último, tivemos cartas de Demerara23 e do Rio de Janeiro,24 a dar conta da dura realidade da vida dos emigrantes. No primeiro destino, muitos madeirenses sucumbiram sob o efeito da febre-amarela25. Para combater esta campanha contra a emigração, os agentes do Brasil e colónias inglesas travaram uma luta sem tréguas. Para além dos desmentidos constantes, não se cansavam de anunciar os seus projetos aliciantes. Neste caso, deve incluir-se a propaganda feita em O Imparcial26 e a Revista Semanal27. Acresce, ainda, os folhetos de promoção da emigração para as ilhas Sandwich (Hawai)28 ou Uruguai. Tendo em conta o papel que essas cartas cumpriram, podemos perguntar-nos se as mesmas são verdadeiras ou foram forjadas, com a intenção de servir de meio de propaganda e combate à emigração clandestina. Mesmo assim é a única informação de que dispomos e que merece ser reforçada, com o apelo a uma recolha de distintas origens, no sentido de preservar esta memória dos desejos e sentimentos dos nossos antepassados que, embora distantes, mantiveram o elo de ligação à ilha e aos seus.

3.A CORRESPONDÊNCIA COMERCIAL As cartas comerciais obedecem a outra lógica que não as dos emigrantes, em que se dá lugar às múltiplas expressões dos afetos, das intimidades, dos desejos e saudades. Já no caso das missivas que servem de base à atividade comercial entre distintos mercadores e os seus agentes, a lógica da escrita é distinta. A carta atua como um instrumento fundamental do processo de trocas comerciais. Muitas vezes, o sucesso deste sistema de circulação de produtos depende da forma expedita como as mesmas circulam e chegam ao destinatário. A sua utilização na construção da História tem sido múltipla, buscando-se os dados que inferem sob as mercadorias em troca, os portos de destino e os meios de pagamento mas, raras vezes, se olha para estas de outra forma, na busca da intimidade e vivências dos seus interlocutores29. Decidimos, então, retomar a leitura destas cartas já publicadas para os séculos XVII e XVIII e tentar reconstituir um outro discurso, em que o homem, os seus anseios particulares estarão presentes. A presença das embarcações no porto era sempre uma incógnita. Nunca se sabia quando chegavam as embarcações consignadas. Contingências diversas poderiam alterar o tempo da rota. Para o 21

Correio de Madeira, n.” 73 (1850), P 2. Testemunho enviado pelo correspondente em Pernambuco da “Revista Universal Lisbonense” e publicado também por O Progressista 33 (1852), 35 (1852), pp. 3-4.

22

Correio de Madeira, nº.96, suplemento, carta de 26 Julho 1850. O Progressista, nº.28 (1851), p. 2-3. O Progressista, nº.45(1852), p.4, carta de João José Basílio Pereira de 14 de Maio. O Amigo do Povo, n.º 78 (1852), p.3, carta de João José Gonçalves de 27 de Janeiro 1852.

23 24 25 27

nº.236, p.4 refere-se a beleza da ilha, a comodidade do clima e a proposta de um salário elevado na safra do açúcar. N.º 20, p. 159, nº. 21, p. 167, nº. 47, p. 369.

28

1878, Breve noticia acerca das ilhas de Sandwich e das vantagens que elas oferecem à emigração que nOS procura, Funchal.

29

SILVA, J. Gentil da, 1959, Marchandises et Finances, II, Lettres de Lisbonne 1563-1578, Paris; RUIZ MARTÍN, Felipe, 1965, Lettres marchandes échangées entre Florence et Medina del Campo, Paris, SEVPEN.

26


760 mercador, a ausência de barcos no porto era desesperante. A 1 de Dezembro de 1699,30 W. Bolton é peremptório: não há nenhum barco no porto. Nenhum barco chegou aqui nem daqui partiu,.... A 29 de Julho de 1700,31 o problema prendia-se com a ausência de barcos da sua nação: Não há nenhum barco inglês no porto. Portanto, as esperanças de negócio ficam nesta ansiedade permanente da presença ou chegada das embarcações. Finalmente, aparecem sinais de movimento no mar. Resta saber se são as embarcações desejadas e se trazem notícias pelo correio. A ansiedade volta a dominar o espaço das torres avista navios e os escritórios comerciais, até que o retorno do correio se concretize e anuncie: Acaba de chegar um navio de Londres, destinado à Jamaica: se receber alguma carta vossa, responderei pelo mesmo navio de guerra.32 Mas nem sempre esta alegria da chegada se confirma com notícias e cartas: Todos estes vieram de Londres, mas não recebi nenhuma carta vossa33. Aqui, mais do que o desânimo, resta a esperança de novas chegadas e partidas. Enquanto se questiona a razão desta situação: Chegaram tantos navios de Londres para as Antilhas e outros lugares que eu me interrogo por não ter recebido uma única carta vossa, durante tantos meses. Sinto-me confuso, porque não sei se recebestes as minhas cartas....34 Um dos aspectos que se destaca destas escritas é o facto de, muitas vezes, serem realizadas momentos antes da partida da embarcação que a conduziria ao seu destinatário. Daí a forma apressada da sua escrita, manifesta na própria missiva.A 28 de Janeiro de 1696,35 refere-se que “não temos tempo para prolongar esta carta...” A justificação é dada muitas vezes por causa da azáfama do embarque: não há tempo para prolongar esta carta pois temos alguns barcos a carregar...”36. Ou, então, o tempo é curto para escritas alongadas, pois a embarcação cedo se fará ao mar: não vos escreverei muito porque ele partirá dentro em pouco...”37. Noutras situações, a falta de tempo obriga a uma escrita breve, sem pormenores: não temos tempo para escrever uma carta mais pormenorizada...”38 As situações reportadas anunciam que se escreve muitas vezes em contra-relógio para aproveitar a estância da embarcação no porto. Noutros casos, as cartas já estão escritas e aguardam por mensageiro e navio que as conduza ao seu destinatário. Mas, no momento da entrega, surgem novas situações e acrescentos à versão inicial, fruto de novas noticias ou da necessidade de responder a missivas entretanto recebidas39. Estas e outras situações revelam uma realidade comum das cidades portuárias em que todo o movimento se anima, com a chegada dos barcos, voltando depois à calma e pacatez habitual, com o apito da partida. Por norma, o correio fazia-se transportar em barcos de conhecidos, normalmente da mesma nação. Todavia, nem sempre sucede assim, podendo recorrer-se a embarcações de países amigos que trilhem os mesmos percursos e cujo destino seja o mesmo. A necessidade de fazer chegar informações, 30

Aragão, António, coordenação, 1982, a Madeira vista por Estrangeiros, Funchal, DRAC, p.370.

31

Aragão, António,1982, p.381. A situação repete-se em 2 de Dezembro de 1702: No English vessel in porte ( SIMON, A. L., 1960, 1960, The bolton Letters. The Letters of an English Merchant in Madeira. 1701-1714, vol. II, Funchal, Produced by Graham Blandy, p.23).

32

Aragão, António,1982, p.371: carta de 30 de Janeiro de 1700.

33

Aragão, António,1982, p.351: carta de 04 de Setembro de 1698.

34

Aragão, António,1982, p.371: carta de 25 de Janeiro de 1700.

35

Aragão, António,1982, p.313.

36

Aragão, António,1982, p.317: carta de 04 de Novembro de 1696. A 24 de Fevereiro de 1699 diz_se: … e portanto não nos podemos alongar mais. (Aragão, António,1982, p.359).

37

Aragão, António,1982, p.347: carta de 13 de Março de 1698.

38

Aragão, António,1982, p.350: carta de 01 de Junho de 1698..

39

Sucede assim com W. Bolton na carta de 28 de Janeiro de 1686 (Aragão, António,1982, p.313), com acrescentos de 3 de Fevereiro, entretanto outra de 19 de Abril (Aragão, António,1982, p.313-314) tem continuidade a 27 e 30de abril, 1 de Maio. A carta de 19 de Março de 1703 (SIMON, A. L., 1960, 1960, The bolton Letters. The Letters of an English Merchant in Madeira. 1701-1714, vol. II, Funchal, Produced by Graham Blandy, p.25) apresenta acrescentos de 21, 30 e 31 de Março.


761 de forma rápida e expedita, aos agentes e interlocutores, obrigava a esta procura de distintas formas e meios de envio da correspondência, até que o correio postal se implantasse. Outra das situações que gerava grande apreensão quanto a este expediente prendia-se com a chegada ou não da carta ao destinatário. A partida era uma incerteza, mas a entrega ao destinatário poderia ser adiada ou nunca acontecer, por contratempos da viagem, como naufrágios e assaltos de corsários. A 12 de Maio de 1696,40 W. Bolton refere: esta segue por uma barca portuguesa pela qual vos escrevemos a 19, 27 e 30 do mês passado e a 1 do corrente. Deparando com forte vento leste, regressou a Porto Santo.(...)Envio uma segunda, via Barbados, visto as ligações estarem incertas” São estas certezas da partida mas incertezas do percurso e da chegada ao destino que obrigam a diferentes estratégias para que as missivas cheguem ao seu destino. Por diversos meios e percursos, seguem segundas e terceiras vias da missiva original para que haja a certeza na sua entrega, em tempo útil41. O movimento do porto e os destinos das embarcações ditam a rota das cartas que, para chegar a Londres, poderiam fazer uma rota direta, como escalar Tenerife, Lisboa, Cádis, ou seguir o percurso para Barbados e, no retorno, serem entregues ao destinatário na Grã-Bretanha42. Uma análise comparada das cartas comerciais em questão revela distintas posturas no mundo dos negócios. As cartas de W. Bolton, para o período de 1695 a 171443, indicam uma estrutura sólida e fundamentada desta forma de intervenção na lógica dos negócios da época. De uma forma geral, estamos perante cartas eminentemente comerciais, onde se fala quase só de barcos, produtos, letras de câmbio, cartas de seguro, situações e segurança das rotas comerciais. Raras vezes se lhes atribui um cunho pessoal, porque aquilo que liga o remetente ao destinatário é apenas o interesse comercial. Raras são as vezes em que se denota alguma intimidade, a saída dos padrões e modelos instituídos para este tipo de missiva. O discurso muda quando entramos nas cartas dos mercadores portugueses44. Quebram-se os formalismos da escrita comercial e entra-se no campo da intimidade, porque os interlocutores se conhecem, são familiares ou a lógica dos interesses comerciais é distinta. Aqui, a pequena história, os aspetos que poderão ajudar a construir a História de Vida estão presentes, quase diria omnipresentes. A informação de letras de câmbio, produtos, ordens de compra e venda misturam-se com aspectos da vida familiar ou pessoal. Abre-se, quase sempre, a carta querendo-se saber sobre o estado de saúde: paçem com boa saude. Fazem-se votos para que tudo esteja e continue bem e tenha uma vida longeva: Deos goarde muitos anos45. Já em W. Bolton, esta intimidade fica-se na despedida pelos desejos de um feliz ano novo, embora por vezes tardio46, ou então por uma formal despedida: saudamo-vos com simpatia e permanecemos, vossos humildes servidores47. 40

Aragão, António,1982, p.317.

41

Em 28 de Janeiro de 1696 (Aragão, António,1982, p.312-313) refere-se: enviamos agora um duplicado das nossas cartas remetidas por duas vias anteriores, a primeira através de um barco de Flushing em viagem de regresso e a última por Lisboa. Incluso seguem em terceira vias as letras...”

42

A carta de 14 de Setembro de 1697 (Aragão, António,1982, p.339.) foi enviada por Cádis e a 22 e 25 de Junho outra cópia via Lisboa. Os mesmos percursos foram atribuídos a outra carta de 7 de Dezembro de 1697(Aragão, António,1982, p.343). A 25 de Março de 1698 (Aragão, António,1982, p.348) a carta segue via Barbados e uma cópia via Irlanda, já a 18 de Janeiro de 1700 (Aragão, António,1982, p.370) outra carta segue a via de Barbados e de Tenerife.

43

SIMON, A. L.,1928, The Bolton Letters- 1695-1714, vol. I. Londres, t. Werner Laurie, Ltd. (republicado em português por Aragão, António, coordenação, a Madeira vista por Estrangeiros, Funchal, DRAC, pp. 225-394. Republicado em SILVA, António Marques, 2008, Passaram pela Madeira, Funchal, Funchal 500 Anos, pp.40-47). SIMON, A. L., 1960, 1960, The bolton Letters.The Letters of an English Merchant in Madeira. 1701-1714, vol. II, Funchal, Produced by Graham Blandy,

44

SILVA, Maria Júlia de Oliveira e, 1992, Fidalgos-mercadores no século XVIII. Duarte Sodré Pereira, Lisboa, VIEIRA, Alberto, 1996, 1998, O Público e o Privado na História da Madeira, 2 vols., Funchal, CEHA.

45

Cf. VIEIRA, Alberto, 1996, O Público e o Privado na História da Madeira, Funchal, CEHA, p.131-132, passim.

46

Aragão, António,1982, p.312.

47

Aragão, António,1982, p.311.


762 Isto não quer dizer que não se acautelem alguns interesses. O segredo comercial é um dos elementos fundamentais nesta realidade. Desta forma, deverá haver certeza na seriedade que transporta a missiva, como a mesma ser escrita de forma que o seu destinatário seja capaz de a ler, sem recurso a outro, quebrando assim a cadeira de comunicação e do segredo profissional. Desta forma, a 6 de Dezembro de 1649,48 Diogo Fernandes Branco insiste com António Alaire que escreve as suas cartas em português “por escuzar de buscar interprete que me traduza as cartas mormente coando delas rezultar segredo que de fazelo patente talvez resulta dano.” A ansiedade que dominava os britânicos com a chegada e partida das embarcações, o medo da perda e extravio não são preocupação, pois o ritmo da vida comercial gira noutro ritmo. Raras são as vezes em que a carta é escrita em cima do acontecimento e com as pressas que a situação implica para a sua entrega atempada a bordo49. Outra diferença formal também é assinalada neste confronto. Assim, enquanto as cartas de W. Bolton estão encerradas e novas informações provocam acrescentos, já as de Diogo Fernandes Branco são escritas de forma lenta e atempada, mas nunca se encerram até ao momento e à decisão da sua entrega a bordo50. As dificuldades de circulação destas missivas e o receio de se perderem no caminho não eram preocupações tão evidentes. A forma de as solucionar passava pela compilação de cartas, em outras posteriores51. São escassas as missivas em duplicado ou triplicado52. Mais do que o medo da perda destas missivas, estava a ausência de embarcações, no porto do Funchal, que é o mesmo que dizer as dificuldades para o negócio, acumuladas, de forma permanente, pelos conflitos políticos internacionais e a sucedânea guerra de corso. Desta forma, em carta de 26 de Novembro de 1650 a João Thomas Villa, está patente esta constante apreensão: … com a falta das carregaçoins esta tudo em casa. Queira Deus livrarnos de tantos ynemigos coantos perceguem esse reino e abrir o caminho por bem ao negocio...”53 Nas cartas de João de Saldanha Albuquerque, vemos algum tráfico de influências, de forma evidente, quer no estabelecimento de relações com os governadores doutras províncias, como com os Governadores do Rio de Janeiro, Pernambuco, o provedor da Fazenda do Rio de Janeiro, quer nos pedidos privados, como o que fez, em 1677, com a alçada de Manuel Soares Dormundo para favorecer o seu amigo Domingos Campos Soares54. Recorde-se que, em carta de 18 de Maio de 1676, a Francisco Ribeiro da Costa, quando se preparava para regressar ao reino, afirmava: ...e em toda terra vossa merce a minha merce as suas ordens para o que o puder servir.”55 A mesma situação poderá assinalar-se em relação a Duarte Sodré Pereira, mercador e governador da Madeira entre 1703 e 1711. Recorde-se que este, enquanto Governador da Madeira, nos anos de 1703-1711, manteve atividade comercial. Embora muitos destes negócios estivessem a cargo de Domingos da Silva Carvalho, não será de todo inteligível que alguém que detém o poder exerça este tipo de atividade. De acordo com as cartas em questão, o mesmo, nos anos de 1710 a 1712, atuou a partir da Madeira, mantendo relações comerciais com os Açores, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Baía, 48

Cf. VIEIRA, Alberto, 1996, p.129.

49

Em W. Bolton esta situação repete-se por inúmeras cartas em Diogo Fernandes Branco acontece apenas uma vez. Cf. VIEIRA, Alberto, 1996, p.179: ...e porque a brevidade do tempo não dá lugar a mais...”.

50

Cf. VIEIRA, Alberto, 1996, p.106, 198.

51

VIEIRA, Alberto, 1998, p.39, 66, 119, 120, 121-122, 133.

52

VIEIRA, Alberto, 1998, , p.33.

53

VIEIRA, Alberto, 1998, , p.183.

54

VIEIRA, Alberto, 1998, p.55, carta de 09 de Abril.

55

VIEIRA, Alberto, 1998, , p.40.


763 Filadélfia, N. York, Curaçau, Barbados, Jamaica, Angola, Hamburgo, Amesterdão e Liorne56.

4.A CORRESPONDÊNCIA INDUSTRIAL E CIENTÍFICA A outro nível, as cartas de João Higino Ferraz, para o período de 1898 a 1937,57 abrem o caminho a uma outra realidade que envolve tanto os interesses científicos como políticos, no sentido de firmar uma estratégia de crescimento de uma indústria e atividade em torno da produção do açúcar. O conjunto de 9 livros referentes às cartas abarca um período crucial da vida do engenho do Hinton [1898-1937], marcado por profundas alterações na estrutura industrial, por força das inovações que iam acontecendo. A partir deste acervo de cartas, é possível saber tudo isso, mas também induzir algo mais sobre o funcionamento desta estrutura. Ao mesmo tempo, ficamos a saber que João Higino Ferraz era, em Portugal, uma autoridade na matéria, prestando informações a todos os que pretendessem montar uma infraestrutura semelhante. Assim, em 1928, acompanhou a montagem do engenho Cassequel em Lobito, onde a família Hinton tinha interesses e esteve, em Junho de 1930, em Ponta Delgada, nos Açores, a ensinar a fermentar melaço, na Fábrica de Santa Clara de açúcar de beterraba. Harry Hinton surge em quase toda a documentação como um interveniente ativo no processo, conhecedor das inovações tecnológicas e preocupado com o funcionamento diário do engenho, nomeadamente com a sua rentabilidade. E certamente que João Higino Ferraz não o ludibriava, no sentido de que, de uma forma quase diária, o informava de tudo o que se passava. Da correspondência com Harry Hinton transparece uma perfeita sintonia entre os dois que favoreceu o processo de permanente atualização tecnológica e química. Ambos partilhavam a mesma paixão pela indústria e afirmação do engenho do Torreão. João Higino Ferraz não receia em manifestar, por diversas vezes, a amizade que o prende ao patrão. Em 1917,58afirma:“Harry Hinton é um dos meus melhores amigos”. Passados dez anos, confessa que a viagem a África sucede apenas “para agradável ao senhor Hinton a quem devo amizade e reconhecimento.”59 Em 1902, a fábrica Hinton experimentou um novo sistema para o fabrico de açúcar, por intervenção de León Naudet, que ficou conhecido como sistema Hinton-Naudet, que consistia em submeter o bagaço a uma circulação forçada num aparelho de difusão, conseguindo-se um ganho de mais 17% e a maior pureza da garapa, evitando as defecadoras. Esta intervenção pioneira é sublinhada por inúmera bibliografia da especialidade. O engenheiro León Naudet esteve no Torreão, nos dias 21 e 22 de Junho de 1907, combinando com João Higino Ferraz a instalação do sistema de difusão, o triple-effet e a caldeira “freitag”. Todavia, a montagem do novo maquinismo começou apenas em meados de Setembro, após a conclusão da safra. Até 1909, o técnico do Hinton manteve correspondência assídua, no sentido de esclarecer pormenores sobre a instalação dos diversos mecanismos. Na sequência, João Higino Ferraz deslocou-se a Paris para novo encontro com Naudet e visitou a fábricas de açúcar de beterraba.60 A viragem da centúria implicou com a situação sacarina da ilha. A conjuntura económica mun56

SILVA, Maria Júlia de Oliveira e, 1992, Fidalgos-mercadores no século XVIII. Duarte Sodré Pereira, Lisboa, pp.80-81.

57

VIEIRA, Alberto (coordenador) e SANTOS, Filipe, 2005, João Higino Ferraz, copiadores de cartas (1898-1937), Funchal, CEHA.

58

João Higino Ferraz, [Copiador de Cartas. 1917-1919], fl.76, 19 de Junho de 1918.

59

João Higino Ferraz, [Copiador de Cartas. 1927-1929], 14 de Maio de 1927.

60

João Higino Ferraz, Copiador de Cartas [1905-1913], fls. 53, 65-78.


764 dial pôs em causa as condições privilégio conseguidas com a entrada do melaço, por força do aumento do preço e das diferenças cambiais da moeda. A “lei que tantos benefícios trouxe á Madeira”61 , aguardava por renovação. Para poder afirmar-se, a fábrica Hinton vai montar uma estratégia de aliciamento de políticos e uma campanha para limpar a imagem junto do público, através de textos e entrevistas publicados nos principais jornais do Funchal, como o Diário de Noticias, Diário da Madeira e Diário do Comércio. Paulatinamente, estabelece-se uma teia de interesses que integra políticos locais e continentais, funcionários alfandegários e mesmo o próprio Governador Civil. Nesta estratégia, a função de João Higino Ferraz foi fundamental, como a de Harry Hinton, em permanente rodopio entre o Funchal e Lisboa. A família Hinton conseguiu singrar na indústria açucareira a muito custo. A conjuntura política conturbada condicionou a capacidade de persuasão. A visita de El Rei D. Carlos à ilha, em 1901, poderá ter sido um momento crucial nesta estratégia de afirmação do engenho do Hinton. Em 1901, João Higino Ferraz lança o primeiro grito de alerta de crise para o setor, em carta ao Visconde de Idanha. Conta da perda dos privilégios e contrapartidas da importação do melaço da lei de 1895 e, por consequência, a impossibilidade manter os preços da cana pagos ao agricultor. A solução estava na diminuição do imposto de importação do melaço:”…tenho certeza que a coadjuvação do meu bom amigo nos será muito util, e o seu nome não será esquecido n’este bocadinho da Patria.”62 Noutra carta de 8 de Outubro, seguem novos artigos para a imprensa e importantes recomendações para a defesa intransigente do decreto ora publicado: “...exerça toda a vigilancia para não apparecer cousa alguma contra evidencias em qualquer jornal, se for precisa qualquer despeza para isso é faze-la.(…) O decreto deve deixar bem gente, mas no caso de haver alguem que por inveja ou qualquer outro motivo queira levantar difficuldades na imprensa ou della, combine com o Romano a melhor maneira practica, directa ou indirecta, de os calar até a minha chegada”63 Passados dois anos, a casa Hinton apostava numa campanha na imprensa local, servindo-se do Diário de Noticias e Jornal Comércio64. Harry Hinton, em carta de 18 de Setembro, anunciou a publicação do novo decreto e recomendou a J. Higino Ferraz os textos e o telegrama ao Presidente do Concelho, que enviou também aos jornais65. Na carta, é evidente uma certa familiaridade com o Ministro da Fazenda e a possibilidade de ter sido necessário mover algumas influências. A parte final carta é comprometedora: “Falla com o Lemos e diga-lhe que é conveniente não abaixar por hora o preço do alcool, sem lá chegue. Tem havido despezas grandes com o decreto, e tenho certos compromissos em que elle tambem tem de entrar.66 No intervalo, publicou-se, a 18 de Julho de 1903, a lei sobre o fabrico dos açúcares açorianos e teme-se maiores prejuízos, pelo que “é bom enquanto está ahi [Lisboa] ver bem essa lei não nos vá prejudicar.”67 A campanha na imprensa havia dado fruto, mas nada estava ainda garantido e outro percalço com a vistoria das autoridades à fábrica implicava todo o cuidado, porque mudando o governo a lei que

61

João Higino Ferraz, Copiador de Cartas [1898-1905], fls.44, 5 de Fevereiro de 1901.

62

João Higino Ferraz, Copiador de cartas [1898-1905], fls. 44-48, 5 de Fevereiro.

63

Arquivo Particular de João Higino Ferraz, carta avulsa, 8 de Outubro de 1903, de Harry Hinton.

64

João Higino Ferraz, Copiador de cartas [1898-1905], fls. 203-204, 29 de Agosto e 5 de Outubro.

65

O texto intitulado “Providências Governativas” para ser publicado no Diário de Notícias, o “Novo regimen economico” para “Noticia importante” para o Diário Popular. Aí dava indicações sobre a forma de publicação: “O telegrama deve ser publicado normando no logar marcado a tinta vermelha em cada artigo”. Juntam-se ainda mais artigos para O Popular, O Commercio.

66

João Higino Ferraz, documento avulso, de 18 de Setembro de 1903.

67

João Higino Ferraz, Copiador de cartas [1898-1905], fls. 97, 24 de Julho de 1903.


765 regula pode-nos ser bastante prejudicial quanto ao pagamento da contribuição industrial.”68 Por outro lado temia-se a matrícula de novas fábricas. A situação estava tensa entre os vários industriais69. A primeira década da centúria foi fundamental para a consolidação do engenho do Torreão. Entre 1898 e 1907, investimentos avultados na modernização do engenho do Torreão que obrigaram uma investida junto do poder, no sentido de garantir as regalias para se poder rentabilizar o investimento . Em Janeiro de 1907, Harry Hinton estava jogar a última cartada: “ ou João Franco attende ao seu pedido justo e que interessa bastante e a toda a Madeira não attende, e nesse caso não posso prever quais as consequências desastrosas de sua maneira de ver.”70 A República não terá sido muito favorável aos objetivos da família Hinton. O ambiente parece que era de tensão pois, segundo J. Higino Ferraz: “o senhor Hinton disse-me que em nada pode influir em Lisboa junto do governo sobre questões d’assucar, porque o nome Hinton é sempre visto com maus olhos.”71. Todavia, pelos decretos de 1911 e 1913, conseguiu-se segurar o monopólio do fabrico do açúcar e regalias na importação de açúcar das colónias. Em 1914, reclamava uma indemnização ao Estado, pelo facto de ter sido aumentado o açúcar bonificado das colónias que entravam no continente. A resposta veio por parte dos competidores. Em 1917, parece que os ânimos haviam serenado e tudo estava bem encaminhado, apostando-se numa nova fábrica. A demanda de álcool prenunciava um período de prosperidade72. A prorrogação do contrato nas mesmas condições era de toda a conveniência. Apenas os distúrbios políticos poderiam fazer perigar a situação de privilégio73. Estava-se em período de revisão da lei e referia-se até a possibilidade de vinda ao Funchal do Ministro da Agricultura, situação considerada má para o Hinton, pois como refere J. H. Ferraz: ”Não tenho confiança alguma nestes nossos amigos de cá, e temos como sabe, fartura de inimigos”74. A 31 de Dezembro de 1918, acabava a situação de favorecimento estabelecida por quinze anos. Entretanto, só a 9 de Abril do ano seguinte, o Governo interveio, tornando livre a “faculdade de laboração da cana sacarina com destino à produção de açúcar”. O decreto de 2 de Maio define uma nova realidade. Assim, para além da liberalização da produção de açúcar e da isenção de direitos alfandegários de maquinaria para novos ou reforma dos engenhos existentes, estabeleceu-se uma nova política agrícola, promovendo-se a substituição dos canaviais pela vinha. Desde 1927que se mediam forças entre os chamados “aguardenteiros” e a casa Hinton75. Harry Hinton, em Lisboa, recomenda nova campanha na imprensa, valorizando as iniciativas modernizadoras empreendidas pelo engenho76. A entrevista de João Higino Ferraz ao Diário da Madeira de Reis Gomes enquadra-se na estratégia. Tal como refere o entrevistado, em carta a H. Hinton “o meu principal fim foi provar que somente Torreão pode moer toda a cana mesmo no maximo em 3 mezes. (…) Falei sobre as modificações importantes na fabrica do Torreão, mas sem dizer que era para augmentar a capacidade, mas somente para abreviar o trabalho e produzir melhor. Se falassemos em augmento de capacidade, os nossos inimigos teriam um para dizer que o Torreão não estava habilitado a fazer a Labo68

João Higino Ferraz, Copiador de cartas [1898-1905], fls. 104, 5 Setembro de 1903

69

João Higino Ferraz, Copiador de cartas [1898-1905], fls.110, 118, 9 de Outubro e 16 de Novembro de 1903.

70

45 Idem, Copiador de cartas [1905-1913], fl.34.

71

Idem, Ibidem, fl.126, 6 de Setembro de 1911.

72

João Higino Ferraz, [Copiador de cartas. 1917-1919], 4 e 6 de Julho de 1918.

73

João Higino Ferraz, [Copiador de cartas. 1917-1919], 26 de Maio de 1917.

74

João Higino Ferraz, [Copiador de cartas. 1917-1919], fl.62-68, 4 e 6 de Junho de 1918.

75

João Higino Ferraz, [Copiador de cartas. 1927-1929], 11 de Outubro de 1927.

76

Arquivo Particular de João Higino Ferraz, carta avulsa de Harry Hinton, de 12 de Outubro de 1927.


766 ração do maximo o que so agora é que queria estar n’essas condições, o que não é verdade segundo, verá pela entrevista.”77 Harry Hinton, em 1929, sente-se cansado e aborrecido com todas as contrariedades que lhe acarretam o engenho, fruto do enfrentamento constante, na ilha, com interesses adversos dos demais industriais e as mudanças da conjuntura politica. A intenção parecia ser a venda da fábrica mas, certamente, a pressão do amigo João Higino Ferraz contribuiu para mudar de opinião. A carta que escreveu a Georges Lefebvre, em França, é bastante expressiva: “il est riche et peut repouser…Et moi…”78 João Higino Ferraz afirma-se como o perfeito conhecedor da realidade científica do engenho. Opina sobre agronomia, sobre mecânica e química. E mantém-se sempre atualizado sobre as inovações e experiências na Europa, nomeadamente França. Da sua lista de contactos e conhecimentos, fazem parte personalidades destacadas do mundo da química e mecânica, com estudos publicados. Assim, para além dos contactos assíduos com Naudet, refere-nos, com frequência, os estudos de Maxime Buisson, M. E. Barbet, M. Saillard, F. Dobler, M. D. Sidersky, Luiz de Castilho, M. H. Bochet, M. Effort, M. Gaulet A leitura destas cartas vem revelar e confirmar, mais uma vez, que a Madeira marcou um passo decisivo na História da cana-de-açúcar, entre os séculos XV e XX, estando na linha da frente das inovações tecnológicas. Nos séculos XV e XVI, acresce função de distribuição da cultura e técnica em todo o espaço atlântico. Para finais do século XIX e princípios do seguinte, ficaria reservado papel pioneiro no ensaio de algumas técnicas e sistemas de fabrico de açúcar e aguardente que revolucionaram todo o processo industrial. Para isso, foi importante a ação de João Higino Ferraz que, na qualidade de gerente técnico do engenho do Torreão, conseguiu manter contactos estreitos com os ensaios feitos em França, de que o sistema de Naudet é exemplo. Foi na ilha que se ensaiaram alguns processos tecnológicos e químicos que, depois, adquiriram um papel de relevo no processo de industrialização do fabrico de açúcar e aguardente. Por outro lado, a permanência desta estrutura industrial dependeu de ativas manobras de bastidores junto dos políticos em Lisboa, assim como na imprensa local , no sentido de manter esta situação de favorecimento que serviu de respaldo para a manutenção, evolução e adequação do engenho do Hinton. Tudo isto só é possível saber e testemunhar , a partir do acervo privado e das cartas trocadas entre João Higino Ferraz e Harry Hinton.

5. CORRESPONDÊNCIA POLÍTICO-INSTITUCIONAL Normalmente, a correspondência oficial apresenta um cunho impessoal, obedece a modelos pré-determinados e apenas enuncia as situações que estão na sua origem e que implicam quase só um relacionamento institucional. Nada de informação pessoal ou intimista, mesmo quando os dois interlocutores se conhecem e têm bom relacionamento. Fora deste quadro, teremos, em 1935, uma troca de correspondência pessoal entre o Dr. João Abel de Freitas e o Dr. António Oliveira Salazar, que suplantam esta relação institucional. São duas missivas pessoais em que se tratam questões relacionadas com a política da Madeira79. 77

João Higino Ferraz, [Copiador de cartas. 1927-1929], 26 de Outubro de 1927

78

João Higino Ferraz, [Copiador de cartas. 1927-1929], 10 de Julho de 1929

79

FREITAS, João Abel de, 1935, Carta ao Dr. Oliveira Salazar, 28 de Março de 1935, in Vieira, Alberto, 2001, História da Madeira, Funchal, pp.335-


767 Os anos trinta foram muito difíceis para o arquipélago e o Dr. João Abel de Freitas, ao ser nomeado Presidente da Junta Geral, tendo em conta a amizade que o unia ao Dr. Oliveira Salazar não se coíbe de falar, de forma franca ,sobre a situação da Madeira e da necessidade de apoios: Peço pelos meus filhos; peço por todos os madeirenses: peço por todos os portugueses porque o engrandecimento da Madeira será um reflexo da prosperidade de Portugal.80 Porque, na verdade, a Madeira precisa de medidas e apoios, pois caso contrário: A continuarem as coisas como estão em breve a Madeira seria como já referi, teatro duma tragédia, a maior que a tem assolado em todos os tempos. Aqui quem fala não é o Presidente da Junta Geral, mas o homem, o cidadão, o médico. Aquele médico que serve de confidente ou consegue ver no olhar dos seus pacientes e das doenças que os acompanham, os problemas da ilha como o palpitar quotidiano da cidade. O testemunho das diversas situações que descreve e o seu apelo por medidas é de um madeirense que luta e labuta pela sua terra e não de um político. A resposta é, no entanto, fria e distinta. Salazar é alguém que se esconde por detrás do discurso político e não quer ver a realidade quotidiana, mas sim os seus projetos e ambições políticas. É certo que o próprio Salazar diz distanciar-se do discurso oficial, mas aquilo que vemos escrito é distinto81. Não sente a realidade da ilha, embora a tivesse visitado já nestes anos de dificuldade, preocupa-se antes com a contestação política ocorrida em 1931, contra a qual tece algumas ameaças:...porque se o fizeram, é conveniente não esperar a doçura da repressão usada da outra vez. E podem continuar dizendo à vontade que os abandonam. O recado estava dado e a concretização da ameaça não se fez esperar, em 1936, com a chamada revolta do leite. Aqui se apresenta aquilo que será a postura do Presidente do Conselho de Ministros, em relação à Madeira e que continuará até à sua morte.

CONCLUSÃO Para trás, ficaram diversas missivas que percorrem a história da ilha, entre 1649 e 1935. São discursos, perceções, escritas e testemunhos particulares, privados mas com remetente e destinatário que, hoje, acabaram por se tornar públicos, fruto do mero acaso ou porque a sua importância os obrigava a estar presentes no discurso historiográfico. São textos, sem modas e alheios aos estilismos, mas reais e verdadeiros, porque escritos sem qualquer outra intenção senão aquela que os moveu, pois entre amigos, parceiros comerciais deve imperar a verdade, a franqueza e a mútua confiança. A epistolografia privada cumpre, cada vez mais, um papel de aclarar e preencher os vazios que a oficial não foi capaz de preservar para testemunho e memória. O discurso e testemunho particular interliga-se ao oficial e preenche, aclara e denuncia alguns dos vazios e intervalos da nossa memória coletiva. A construção da História, de forma despretensiosa, como o recurso a todos os tipos de informações e com distintas formas de tratamento é o caminho da busca da verdade e do pleno conhecimento do passado. 336, SALAZAR, António Oliveira, 1935, Carta ao Dr. João Abel, 23 de Maio de 1935, in Vieira, Alberto, 2001, História da Madeira, Funchal, pp.336-340. Disponível na integra em: 1935. Maio. 23: resposta do Dr. Oliveira Salazar. in VIEIRA, Alberto (coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001 (DVD). 80

FREITAS, João Abel de, 1935, Carta ao Dr. Oliveira Salazar, 28 de Março de 1935, in Vieira, Alberto, 2001, História da Madeira, Funchal, p.335

81

A começar refere: Esta carta é uma carta particular embora trate de questões da Madeira que a V. Exa. Interessam por se encontrar à frente da Junta Geral. Escrevo-a despreocupadamente, sem a menor ideia de que redijo alguma coisa parecida com documentos oficias,...”


768

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