Escola Nacional de Formação e Ação Comunitária Panafricanista
A Escola
A Escola Nacional de Formação e Ação Comunitária Winnie Mandela foi pensada e construída por mulheres e homens Pretas da Organização Política Reaja ou Será Morta, Reaja ou será Morto. Organização esta que durante onze anos atuou em forma de campanha de denúncia e intervenção em relação a guerra racial de alta intensidade a qual o Povo Preto está submetido nos seus territórios racialmente e socialmente apartados. Desde 2005 tomamos a decisão de que a morte não deve fazer parte do nosso cotidiano, que não caminharíamos mais sobre corpos pretos em silêncio. Na cidade em que “pretos morrem feito baratas” - como destacado por Hamilton Borges - a Reaja se insurge rompendo o silêncio ensurdecedor diante de nossas mortes, tendo como regra e prática o não retrocesso ou nenhum passo atrás, diante do nosso genocídio. É nesse sentido que torna-se necessária a criação de estruturas organizadas de serviço ao nosso povo que visem a reconstrução da nossa humanidade. Estruturas autônomas de combate ao genocídio que é perpetrado de diversas formas pelo Estado, não somente através da .40 (ponto quarenta) disparada pela corporação da polícia, mas por um complexo maquinário de destruição interna e externa das nossas vidas. Desta maneira, em 29 de agosto de 2016 criamos o nosso primeiro quilombo: A Escola Nacio nal de Formação e Ação Comunitária Panafricanista Winnie Mandela. Sob os princípios de autonomia financeira, ideológica e política, em nossa luta de resistência, mantemos um espaço coletivo há quase um ano, abominando qualquer relação de submissão ao Estado e seus governantes, partidos políticos ou ONGs, ao nosso povo que sim, é possível realizar a determinação do honorável Marcus Garvey e nos reerguer enquanto povo. A EWM recebe este nome tendo como referência a respeitável Winnie Mandela, mulher africana que se destacou pela luta contra o Apartheid na África do Sul,
sendo importante militante até os dias atuais na defesa do seu povo contra a supremacia branca, promovendo a construção da autonomia para o povo negro naquele país. A Escola Winnie Mandela se materializa como resultado do amadurecimento e luta de pessoas negras organizadas comprometidas com a luta do povo negro e que acreditam que a sua libertação virá através de sua auto-organização e não por meio de migalhas deixadas pelo opressor. Lembrando Paulo Freire, no livro Pedagogia do Oprimido: ” Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida.”(p.31)(grifo nosso)
SOBRE AS AÇÕES FORMATIVAS DESENVOLVIDAS O
reforço escolar acontece com o objetivo de fortalecer o aprendizado que é apreendido pelas crianças na escola regular, através de um processo de acompanhamento dos conteúdos escolares padrão, entendendo que o desempenho dos mesmos em sala de aula pode ser melhorado, utilizando como parte da metodologia estratégias de consolidação dos conteúdos trabalhados nas escolas regulares, além da apresentação de informações complementares que possam auxiliar na performance e desenvolvimento do currículo escolar. O processo de alfabetização apresenta-se como uma grande urgência e necessidade para as crianças da comunidade, uma vez que a maioria delas não recebem o acompanhamento necessário durante a educação básica fornecida pelos governos municipal ou estadual, indicando um déficit pedagógico histórico instaurado pelo estado colonial branco e racista, que consequentemente limita e dificulta o aprendizado real das crianças negras. A recreação torna-se recurso estratégico e necessário para a transmissão de conhecimento e a possibi-
lidade de garantir diversão para nossas crianças, que fogem de manhãs monótonas e maçantes carregadas de conteúdos e informações engessadas, distante de suas realidades e que levam ao bloqueio do processo de construção de saberes. Assim, partimos de uma perspectiva africana de educação a partir de nossos mais velhos que transmitem jogos e brincadeiras que sempre fizeram parte da infância de nossas crianças negras. Brincar também é educar, e por esse enfoque atuamos ativa e exaustivamente assegurando a saúde, o bem estar, o sorriso, a gargalhada, o cansaço, a gritaria e acima de tudo o respeito e a compreensão do viver em comunidade, de ser negro e fazer parte de um povo.
CINE UHURU:
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Cine Uhuru é um dos momentos de formação bastante esperados pelas crianças da Escola, familiares e comunidade. Compreende-se que através do audiovisual pode-se construir uma prática de crítica reflexiva da realidade que se vive e apreende. Aberto a toda comunidade, o cine ocorre quinzenalmente às quartas-feiras , a partir das 18h30min. Trata-se de um momento pensado e construído para desenvolver a imaginação das nossas crianças, devolver a possibilidade do sonho, além de provocar a reflexão crítica através da apresentação de filmes, documentários e curta-metragens. Além do cinema, o Cine Uhuru conta com um conjunto de atividades, como literatura, palestras, rodas de conversas com profissionais das mais diversas áreas que tratam dos mais diversos temas, desde que relacionados com o desenvolvimento do povo negro e com o papel de cada membro da comunidade negra enquanto parte de um coletivo.
AÇÃO E FORMAÇÃO
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espaço da Escola Winnie Mandela é utilizado para inúmeras atividades de formação, como palestras com psicólogas, juízes, pessoas ligadas a luta de libertação do povo preto. Essas ações são de grande relevância para formação política das crianças, da comunidade e da própria militância da organização que participa construindo os debates. São debates que fogem aos limites das elucubrações acadêmicas da maioria dos movimentos de Linha Auxiliar*. A partir de nossa prática panafricanista discutimos sobre nossa realidade com a comunidade e como podemos transformá-la. Nesse sentido, formar crianças negras é prepará-las conscientemente para a vida que as espera enquanto mulheres e homens negras e negros, preparando e instrumentalizando mentes combativas e cientes de seu poder enquanto. Africanas e africanos, herdeiras de um legado espiritual, emocional, cultural de grandes tecnologias que se espalharam pelo mundo. E tudo se dá a partir da ação comunitária que é instituída como base e princípio crucial da militância da Organização Política Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto! *Linha auxiliar é um conceito criado nos âmbitos da Reaja para designar a pseudo-militância negra que estabelece uma relação de consumo com os problemas que assolam o povo negro, a exemplo da ineficiência da educação pública formal, buscando a mediação junto ao Estado ou representações dele que resultam invariavelmente em benefícios pecuniários próprios.
ATIVIDADES EXTERNAS A
s atividades externas compreendem passeios ao cinema, zoológico, mesquitas, teatro, museus, etc. São momentos de grande aprendizado coletivo, uma vez que todos os nossos passeios tem como objetivo a articulação de um tema apresentado e debatido em aula com a sua realidade, potencializando momentos de compreensão de um determinado fato ou acontecimento. Visitamos espaços de luta, lugares importantes da cidade, contamos a história das ruas de Salvador, destacando locus marcados por terem sido palco do processo de luta pela libertação dos povo africano. Entendemos as atividades externas como exercício do nosso direito fundamental, o direito fundamental a cidade que deve ser exercido plenamente pelas crianças enquanto donas de todos os espaços em que apresentam-se como corpos políticos.
HIP HOP
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Hip Hop é um movimento de resistência sociocultural que surge nos EUA na década de 70 denunciando a realidade dos pretos norte-americanos. O movimento surge no Brasil no fim dos anos 80 com o mesmo caráter insurgente e permanece até hoje com a missão de denúncia e defesa de seu povo. Assim, o Hip Hop e principalmente o Rap, assumem papel fundamental na dinâmica da escola e na formação das crianças, uma vez que cumpre sua tarefa histórica de resgate ancestral, conscientização e preservação da auto-estima e união do seu povo. Através dos “Encontros com o HIP HOP” que ocorrem semanalmente, nossos MC’s militantes atuam diretamente na formação das crianças sendo mais do que orientadores, mas sim exemplos de pessoas pretas conscientes, atuantes e orgulhosas de si mesmos. O HIP HOP é apresentado aos estudantes da Escola Winnie Mandela como caminho, orientação, referência, um modo singular e negro de fazer e exercitar a arte e política ou utilizar a arte como instrumento político. Rimar, fazer beat, grafitar, dançar são elementos que estão presentes em todos os momentos na Winnie Mandela.
JIU JTSU
C
onsciência corporal, disciplina, respeito, saúde. Quatro elementos que convergem para o fortalecimento do corpo e consciência coletiva. As aulas de Jiu Jitsu ocorrem duas vezes por semana com a missão de ensinar as nossas crianças o cuidado com o próprio corpo, a autodefesa e a defesa de seu povo. O Jiu Jitsu nos ensina o quanto a disciplina, o respeito e o cuidado são fundamentais para a harmonia entre nós.
FOTOGRAFIA A
s aulas de fotografia acontecem no sentido de colocar as crianças como sujeitos, mostrando o quanto é importante ver o mundo a partir das nossas experiências e olhares. Através das lentes tecemos a interdisciplinaridade escolar, que é de grande importância para driblarmos o fracasso da escola padrão, na qual o conhecimento é engavetado e a arte não é estimulada. Nessas aulas, além de estudarmos conceitos de química e física para compreender o funcionamento das câmeras, trabalhamos com o resgate ancestral e oralidade quando transformamos nossas comunidades em territórios cheios de história e resistência que pode ser transmitida através desta técnica. A reciclagem e imaginação são ingredientes fundamentais das aulas de fotografia. Construímos caixa mágica (onde simulamos uma câmera fotográfica a partir de caixas de papelão construídas pelos estudantes) e Foto na Lata (onde transformamos latas vazias em câmeras fotográficas capazes de capturar lindas imagens). Trata-se, enfim, de aulas divertidas e muito ricas em conteúdos.