AGROS Edição nº 100 - O Papel da Agricultura em Tempos de Crise

AGROS G edição n.º 100

ANO MMXX

O Papel da Agricultura em Tempos de Crise

Revista Técnico-científica da Associação dos Estudantes do Instituto Superior de Agronomia

Editorial A

pandemia assombrou o país, a Europa e o Mundo. Será sem dúvida um marco da nossa história recente. Não vai ser risonho para muitos, e a leviandade como se idealiza a nossa recuperação e se prevê a tempestade que aí vem, é ainda mais assustadora. A falta de revisionismo histórico, da análise criteriosa dos setores que já atravessaram períodos semelhantes, a arte de pegar na história e aprender com ela é de certeza uma das grandes falhas que estamos a ter enquanto sociedade, tecido empresarial e decisão governativa.

A bazuca europeia que aí vem pode ser uma grande ajuda, mas faz-me lembrar aquela imagem de várias escadas empilhadas na horizontal e uma pessoa a tentar subir a cerca sem sucesso. Será que vamos saber utilizar os recursos escassos que aí vêm, que na verdade não são nossos e vamos ter que os pagar? Será que vamos ser capazes de virar a escada na vertical e subir esta cerca que cada vez é mais alta?

O setor primário há muitos anos que o faz, historicamente já o fez e esperemos que pelo bem do setor agrosilvopastoril o faça! A resiliência do setor e a importância que tiveram no passado foi determinante para superar crises económicas, sociais e sanitárias sendo sempre um setor com pouca volatilidade na procura, já que a necessidade de alimentos é vital para o ser humano. A verdade é que com as margens de lucro baixas como temos tido no setor, nos últimos anos, os agricultores souberam reinventar-se, ou noutra perspetiva, a seleção natural fez o seu efeito deixando na sua maioria os bons agricultores e as boas práticas. É certo que a inevitabilidade das dificuldades que o setor enfrenta não vão divergir muito daquilo que sempre foi e daquilo que os produtores já se acostumaram, é sem sombra dúvida uma vantagem distintiva dos outros setores e sinal da resiliência, inovação e capacidade de adaptação que a agricultura tem.

Será que é agora que o país vai olhar com outros olhos para o mundo rural? Será que a perspetiva dos consumidores mudou? Será que a nova PAC vai corresponder às expetativas dos produtores? Será que a luz ao fundo do túnel está no setor primário?

Posto isto, deixo-vos com esta edição centenária que aborda O Papel da Agricultura em tempos de crise para refletirmos o passado, avaliarmos o presente e perspetivarmos o futuro, que conjugado com muito trabalho, planeamento e boas políticas sustentadas em factos e ciência seremos capazes de pular a cerca, enfrentarmos a tempestade e encontrar a bonança.

Boa leitura a todos,

Francisco Palma Vice-presidente da Associação dos Estudantes do ISA -1-

AGROS Ano MMXX N.º1

FICHA TÉCNICA Fundada em 1917 por Artur Castilho Coordenação | Francisco Palma e João Tavares Redação | Francisco Palma e João Tavares Edição | Francisco Lopes Projecto Gráfico | Francisco Lopes Entrevistadores | Francisco Palma Colaboração | André M. de Almeida, Francisco Avillez, Francisco Gomes da Silva, José Diogo Albuquerque, Pedro Lains, Pedro Santos

Índice 4

A Zootecnia em Portugal: limitações, oportunidades e tendências para as próximas décadas André M. de Almeida

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Licções económicas e políticas da resiliência da agricultura portuguesa ao longo dos séculos Pedro Laíns

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Entrevista a José Diogo Albuquerque

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Agricultura e Covid-19: de uma prova de vida à fraqueza política Francisco Gomes da Silva

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A Agricultura portuguesa no rescaldo da pandemia Francisco Avillez

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A reforma da PAC. No rescaldo da pandemia Francisco Avillez

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Os momentos de crise são momentos de oportunidade Pedro Santos

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A ZOOTECNIA EM PORTUGAL: limitações, oportunidades e tendências para as próximas décadas André M. de Almeida Professor Auxiliar, DCEB, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, Lisboa, Portugal. aalmeida@isa.ulisboa.pt

INTRODUÇÃO

A

agricultura, incluindo a pecuária, a silvicultura e a aquacultura, é um sector primário chave para a nossa economia e contribui de forma significativa para a alimentação da população portuguesa e para o mercado de exportação. De forma notória, até, em alguns sectores mais específicos. Existem várias características inerentes à própria agricultura portuguesa que limitam muito o seu potencial e o seu desenvolvimento. Uma das mais importantes é sem dúvida, o predomínio da pequena propriedade que, principalmente a Norte do Tejo, dificulta o crescimento e o desenvolvimento das empresas agrícolas

de forma bastante substancial. Porém, outros aspetos poderão ser apontados: fraca capacidade de organização e de associativismo, fraca capacidade de investimento, baixos preços pagos ao produtor, elevados custos de mão de obra para a capacidade dos produtores, entre muitos outros. Isto claro, para além de dificuldades inerentes ao clima, geografia e orografia portugueses que tornam a atividade agrícola um desafio permanente. Nos últimos anos, tem surgido também a necessidade de maior sustentabilidade ambiental da atividade agrícola e pecuária. Todo este cenário enquadra um contexto aparentemen-

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te difícil, dando quase sempre a impressão, junto da opinião pública, de que a agricultura portuguesa vive num estado imutável de permanente crise.

No entanto, o avanço da agricultura e da pecuária portuguesa desde os anos 1990 do século passado tem sido notável, principalmente no campo técnico, mas também no campo organizacional e ao nível da formação dos próprios agricultores. Existem inclusivamente vários sectores no âmbito da agricultura portuguesa que se têm vindo a destacar de forma notável ao longo dos últimos 30 anos, sendo reconhecidos pela opinião pública, também, por esse dinamismo: a cortiça, a atividade vitivinícola ou o olival são dos exemplos mais notáveis, existindo, porém, outros, como a produção bovina ou a produção de monogástricos Para tais avanços, para além da natureza dinâmica da agricultura portuguesa e dos seus intervenientes, muito têm contribuído Instituições Académicas como o Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa, onde se formaram muitos dos profissionais, técnicos e decisores políticos, fundamentais para um desenvolvimento sustentado da agricultura.

O ISA apresenta um legado de muitas décadas, com créditos firmados no sector e na génese de outras Instituições de Ensino agrícola nacionais. Tal importância é reconhecida pelo setor que emprega grande parte dos nossos licenciados e mestres em Eng. Agronómica, Eng. Zootécnica, Eng. Florestal ou Eng. Alimentar.

Na altura em que se escreve este texto ( julho de 2020) e ainda a recuperar de forma lenta da crise da dívida soberana dos anos 2010, mergulhámos desde há alguns meses, numa nova crise.

Esta foi (ou é) primeiramente de Saúde Pública, mas que, por via dos confinamentos impostos, rapidamente resultou numa quebra da atividade económica, afetando todos os sectores, incluindo a agricultura e a pecuária.

Neste contexto, e a propósito da edição nº 100 da revista Agros, a AEISA, a Associação de Estudantes do ISA, propôs-me a escrita de um pequeno texto sobre o futuro da pecuária para os próximos anos, face aos condicionalismos ditados pela crise. É esse

o objetivo deste artigo. Procurei ser o mais objetivo possível, ainda assim, é impossível não ser uma opinião personalizada e dada em função das minhas experiências.

PRINCIPAIS DESAFIOS PARA A PRODUÇÃO ANIMAL NAS PRÓXIMAS DÉCADAS A produção animal enfrenta vários desafios, tanto a nível nacional como a nível global. Desde logo, a competição é cada vez maior e os produtores nacionais estão em competição com os seus vizinhos, com os de outras regiões do país e principalmente com os de outros países da União Europeia e do resto do mundo. Nestes, muitas vezes as condições de produção são muito mais fáceis, seja sob a forma de custos de produção mais baixos, legislação mais permissiva ou políticas fiscais e de subsídios mais generosos.

Tudo isto leva a uma redução das margens, difícil de comportar, principalmente para os produtores de menor dimensão. Outro aspeto muito limitativo prende-se com os elevados custos de fatores de produção essenciais para a atividade pecuária: energia e matérias-primas usadas na alimentação animal.

Por outro lado, um mercado concentrado em poucas empresas de distribuição, faz com que, para muitas

O ISA apresenta um legado de muitas décadas, com créditos firmados no sector e na génese de outras Instituições de Ensino agrícola nacionais. empresas do setor agrícola (e alimentar), a negociação de preços em termos mais favoráveis para o produtor seja muito difícil. De igual forma, mas muito especificamente para este subsector, temos o facto de a produção animal ser talvez das atividades agrícolas mais escrutinadas e aquela que mais debate gera no seio de uma opinião pública, nas suas mais diversas vertentes: minimização da poluição, diminuição da

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emissão de gases de efeito de estufa, sustentabilidade e bem-estar animal. Finalmente, a crise motivada pela pandemia COVID19 será um desafio muito difícil de ultrapassar pela Sociedade Portuguesa e no que respeita à agricultura e pecuária não constitui uma exceção. Ainda assim, ao longo dos últimos meses, foi notória a necessidade de se aumentarem os níveis de autossuficiência do nosso país, na vertente industrial e agrícola/pecuária. Estes desafios afetarão de uma forma distinta as diferentes áreas dentro da produção animal. Como tal exigem um enquadramento distinto, assim como respostas diferentes. Serão, pois, abordadas de formas distintas nas secções subsequentes deste artigo.

PRODUÇÃO DE AVES E SUÍNOS A produção de monogástricos, aves e suínos, é talvez dos sectores mais bem-sucedidos da pecuária portuguesa. Com efeito, é um sector muito dinâmico e possui uma estrutura organizacional em regime de integração que permite o acesso facilitado a fatores de produção, genética, know-how técnico, processamento e mercados. Esta organização leva a balanços de aprovisionamento bastante elevados, da ordem dos 70-75% para a carne suína, e 85-90% para a carne de aves. Estes balanços, porém, são relativamente ilusórios, na medida em que a alimentação destes animais (baseada em milho e bagaço de soja) é maioritariamente importada de outros países, nomeadamente de gigantes como o Brasil, a Argentina ou os Estados Unidos da América que abastecem também todo o mercado mundial. A competição com outras regiões com grandes consumidores de carne suína ou de aves, e um aumento previsível dos custos de transporte, poderão levar a um aumento de preços destas matérias primas, o que poderá, por sua vez, levar a um encarecer dos custos de produção. Neste sentido, o evoluir da produção de monogástricos estará fortemente dependente do acesso a estas matérias primas ou, alternativamente, no surgir de outras fontes de matérias primas (por exemplo farinhas de insetos, subprodutos da indústria alimentar, algas, etc.) produzidas localmente e a menores custos, e que possam ser usadas na alimentação animal. A investigação nestas áreas é das mais apoiadas pela Comissão Europeia.

Outro dos grandes desafios, prende-se com a perceção da opinião pública sobre a produção de monogástricos. Esta indústria é muitas vezes vista como um poluente crónico e em conflito permanente com as populações vizinhas por causa dos maus cheiros, contaminação das águas, etc. Paralelamente, é das que mais oposição gera ao nível do bem-estar animal (corte do bico e alojamento em baterias em poedeiras; o corte das caudas e castração em suínos, ou mesmo os elevados Ganhos Médios Diários que estes animais alcançam hoje em dia). Neste sentido, será expectável que num período próximo, a legislação europeia sobre estes aspetos, se torne mais restritiva e a pressão da opinião pública mais premente. A adaptação a esta realidade passará necessariamente por alterações no sistema de produção, sobretudo ao nível das instalações e equipamentos (figura 1), operações de maneio, transporte dos animais, etc. É possível igualmente, que ao longo dos próximos anos se intensifique a ação do lobby manifestamente contrário à produção de carne, o que levará a decréscimos do consumo interno, principalmente junto da população mais jovem. Este aspeto poderá, no entan-

Figura 1 – Alojamento para marrãs em unidade de produção de leitões. Fotografia do Autor.

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É também de destacar a problemática da sanidade na produção de monogástricos, principalmente em suínos, e de sobremaneira, em animais em sistemas de produção alternativos.

to, gerar um maior dinamismo junto das empresas do setor, no sentido duma maior aposta na exportação, principalmente para mercados emergentes, tal como o asiático, onde a procura é de dimensão considerável. Com efeito, existem vários países que conheço bem, como a Austrália, a Nova Zelândia ou vários países europeus, que face a uma procura interna reduzida, se tornaram grandes exportadores especializados em produtos pecuários.

Por outro lado, uma maior exigência dos consumidores poderá potenciar o surgimento de sectores ditos ‘alternativos’ na produção de monogástricos: porco em extensivo (por exemplo o Alentejano ou o Bísaro), produção de frangos autóctones, ‘do campo’ ou em sistemas de produção biológico. A associação destas práticas de produção a uma maior sustentabilidade e maior respeito pelo bem-estar animal, contribuirão seguramente para o desenvolvimento deste sector e será uma área com uma tendência para o crescimento nas próximas décadas. Este tipo de produtos tem, porém, um preço ao consumidor extremamente elevado (a título de exemplo, um frango em sistema biológico é vendido por 40€ enquanto o preço de um frango do tipo standard com o mesmo tamanho é vendido a 7-15€). Este aspeto faz com que dificilmente se possa considerar uma escolha mainstream para a generalidade da população portuguesa que, previsivelmente, continuará a ter um poder de compra relativamente reduzido, por comparação, por exemplo, com países do Norte da Europa onde este género de produtos é de uso mais generalizado. É também de destacar a problemática da sanidade na produção de monogástricos, principalmente em suínos, e de sobremaneira, em animais em sistemas de produção alternativos. Com efeito, um dos aspetos que mais irão definir a produção suína nos próximos anos é a ocorrência de um possível surto de Peste Suína Africana na Península Ibérica. Conhe-

cemos bem o efeito destruidor desta doença pois, esteve presente em Portugal entre os anos 60 e 90 do século passado. Já este século, tem progredido no Cáucaso de onde se espalhou para a Rússia e Europa Central, ameaçando presentemente a Europa Ocidental.

Se chegar à Península Ibérica, terá efeitos devastadores no comércio de produtos suinícolas e o seu controlo, ao nível da exploração, passa forçosamente por fortes medidas de biossegurança para as quais nós, como profissionais, teremos de estar preparados.

PRODUÇÃO DE LEITE A produção de leite é dos sectores mais técnicos que existem na Zootecnia. Com efeito, é dos sectores mais desenvolvidos, mais recetivos à inovação e em que mais desenvolvimentos técnicos são postos à disponibilidade dos produtores (figura 2), desde equipamentos de alimentação (TMR/Unifeeds), salas e robots de ordenha, programas de alimentação, sistemas de monitorização (por exemplo podómetros, bolos ruminais, etc.) ou sistemas de arrefecimento dos animais. Isto para não falar do permanente desenvolvimento genético e dos notáveis progressos em termos de inseminação artificial e transferência de embriões que se têm estabelecido ao longo dos últimos anos. A produção de leite bovino nas três grandes regiões leiteiras de Portugal tem características diferentes, porém a produção combinada resulta em níveis de autoaprovisionamento muito próximos dos 100%, sendo um sector com uma notável capacidade de desenvolvimento e de exportação.

No Continente, e ao longo dos últimos anos, tem-se assistido a um aumento do número de animais por exploração e ao fecho das explorações de menores dimensões. As explorações de maiores dimensões têm-se pautado por um aumento do investimento, por exemplo, em genética, em instalações e

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Figura 2 – Vacaria de produção de gado de leite.

Fotografia do Autor.

Possivelmente, a grande nuvem negra sobre a produção leiteira nacional é um permanente baixo preço pago ao produtor, fruto da concentração das empresas de transformação. equipamentos e em recursos humanos, o que tem justificado a sua competitividade e sucesso. Nos Açores, porém, a realidade é muito distinta, predominando as explorações de pequena dimensão e com escassos recursos e investimento em termos de instalações, equipamentos ou alimentação dos animais, em grande medida à base de pastagem natural. Ainda assim é de destacar que em algumas ilhas, como São Miguel, se tem assistido a alguma intensificação principalmente ao nível da alimentação, a uma concentração de efetivos e a uma maior produção de leite por animal. Neste contexto, provavelmente ao longo das próximas décadas assistiremos a duas evoluções

distintas. Por um lado, a produção de leite no Continente continuará a sua trajetória no sentido da intensificação e de um crescente desenvolvimento técnico, capaz de competir no mercado europeu com outros países com muito mais aptidão para a produção leiteira (Irlanda, França, Alemanha ou o Norte de Espanha). Por outro, a produção de leite Açoriana que se afirmará pelo sua sustentabilidade e imagem positiva junto dos consumidores. Em ambos os casos, será um sector muito interessante e estimulante para o Eng. Zootécnico/Agrónomo formado no ISA. Com efeito, a progressiva tecnicização da produção leiteira no Continente necessitará de técnicos especializados ao nível das empresas de produção leiteira e de distribuição/produção de equipamentos, alimentação etc., enquanto que na produção Açoriana, a implementação de medidas de certificação e de boas-práticas será certamente importante.

Possivelmente, a grande nuvem negra sobre a

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produção leiteira nacional é um permanente baixo preço pago ao produtor, fruto da concentração das empresas de transformação. Estas por sua vez, estão limitadas pela competição com empresas de outros países europeus que produzem leite a preços mais competitivos e com melhores condições de produção. Recentemente, tem também surgido a concorrência de outros produtos (bebidas vegetais), que têm aparecido recentemente no mercado e que pela sua natureza challenger se posicionam contra a produção leiteira. É de destacar que as conjugações destes diferentes fatores, acima mencionados, têm levado ao desenvolvimento em Portugal da produção de leite de espécies de pequenos ruminantes. Este tipo de produções é muito especializado e direcionado para a produção de leite, usado por sua vez na produção de queijo. Sistemas tradicionais/intensivos de produção de leite ovino existem há bastante tempo em algumas regiões especializadas do país (Serra da Estrela, Distrito de Castelo Branco, Península de Setúbal, entre outras). No entanto, em anos recentes, tem-se assistido também ao surgimento de unidades

de produção de leite caprino de grandes dimensões, principalmente nas zonas mais próximas de Lisboa.

Será previsivelmente um setor com um potencial de crescimento bastante grande e com uma natureza bastante tecnicizada, necessitando como tal de técnicos especializados.

PRODUÇÃO DE RUMINANTES DE CARNE A produção especializada de bovinos de carne no sul de Portugal está tradicionalmente associada a sistemas de produção em que as vacas aleitantes se encontram em sistemas de produção extensivos (figura 3) com grandes flutuações em termos de condição corporal ao longo do ano. Nestes, os novilhos são depois engordados ou pelo menos acabados em sistemas mais ou menos intensificados com abates dos animais entre os 18 e os 24 meses. No Norte de Portugal, os sistemas de produção tradicionais de carne bovina privilegiam muitas vezes o abate de animais mais jovens (6-12 meses). Em ambos os casos se utilizam muitas vezes raças autóctones para as

Figura 3 – Bovinos de raça Alentejana e Mertolenga (Distrito de Évora). Fotografia do Autor.

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vacas aleitantes que são por sua vez cruzados com animais de raças seletas (Charolês, Limousine e em anos recentes o Angus). Em anos recentes, temos assistido a uma intensificação da produção, principalmente ao nível das engordas/acabamentos. Estes sistemas, ainda que em expansão, têm alguma contestação em países como os Estados Unidos da América, da Austrália ou do Norte da Europa, sendo muitas vezes associados a emissões de gases de efeito de estufa, à semelhança do que acontece para a produção intensiva de leite bovino. Neste sentido, é provável que ao longo dos próximos anos se aumente a pressão sobre a produção bovina no sentido de uma maior sustentabilidade (leia-se produção à base de pastagens). As indicações do grupo focal da Comissão Europeia sobre produção de carne bovina sustentável, de que faço parte, são claramente nesse sentido.

Este posicionamento levará provavelmente ao desen-

volvimento paralelo de dois sectores na produção de carne bovina. Por um lado, os sistemas intensificados que competirão ao nível dos preços baixos e com a carne produzida noutros países da União Europeia; e por outro os sistemas extensivos, diferenciados baseados em pastagem e possivelmente em raças autóctones, cuja carne será um produto gourmet e de elevado valor, ainda assim com uma presença crescente que beneficiará muito da imagem positiva associada a este tipo de produção. Em ambos os casos, a necessidade de técnicos será premente, tanto para a própria produção como para a comercialização, a certificação, etc.

O panorama dos pequenos ruminantes de carne em Portugal é muito particular. Em grande medida, tem estado em regressão ao longo dos últimos anos à medida que o consumo de carne e os efetivos de pequenos ruminantes diminuem de ano para ano.

Figura 4 – Cabras de raça bravia, Parque Nacional do Alvão, distrito de Vila Real. Fotografia do Autor.

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O corolário tem sido bastante prejudicial ao país, sobretudo na forma de incêndios estivais, particularmente devastadores ao longo da última década e agravados pelo aquecimento global.

A este decréscimo não é estranha a natureza sazonal da disponibilidade da carne de pequenos ruminantes (Natal e Páscoa).

Com efeito, um produto que não está disponível ao longo de todo o ano, não possui uma procura estável e o consumidor nunca ganha (ou perde) o hábito e o gosto desse consumo. O decréscimo dos efetivos de pequenos ruminantes em Portugal, em especial nos distritos do interior a Norte do Tejo (figura 4), teve como efeito pernicioso a sua substituição por sistemas de produção silvícolas de natureza improvisada e muito pouco planificada em zonas de minifúndio e com proprietários maioritariamente idosos ou ausentes. O corolário tem sido bastante prejudicial ao país, sobretudo na forma de incêndios estivais, particularmente devastadores ao longo da última década e agravados pelo aquecimento global. É, pois, urgente reverter esta situação o que será um grande desafio para esta e para as próximas gerações de Engenheiros Agrónomos/Zootécnicos/Florestais formados no Instituto Superior de Agronomia.

tante que assim continue a ser, também para as gerações que agora se estão a formar, e para as futuras.

Nesse sentido serão, na minha opinião, muito importantes os seguintes pontos:

O ENSINO DA ZOOTECNIA NO ISA: ALGUMAS REFLEXÕES PARA O FUTURO Sou Professor no ISA há aproximadamente três anos e meio, sem nunca antes ter tido uma ligação à instituição. Paralelamente, a minha vida profissional levou-me a conhecer outras instituições de ensino agronómico em Portugal (nomeadamente a Universidade de Évora e a Universidade de Trás os Montes e Alto Douro) e no estrangeiro (África do Sul, Espanha, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Caraíbas). Esta experiência permite-me ter uma visão objetiva sobre o que considero serem mudanças convenientes/necessárias para o ensino da zootecnia no ISA. O ISA possui particulares responsabilidades a nível nacional: é a mais antiga escola de agricultura (e de zootecnia) do país, possui um dos cursos de agronomia e de zootecnia mais prestigiados a nível nacional e tem um corpo docente com uma reputação de excelência a nível nacional e internacional. É impor- 11 -

1. Aumentar a componente de ensino de zootecnia nas Licenciatura e Mestrado em Engenharia Agronómica do ISA. Se assim o pretender, um Mestre em Engenharia formado no ISA pode terminar os seus graus com apenas uma unidade curricular nesta área. Trata-se da UC de Zootecnia, ministrada no segundo semestre do segundo ano da licenciatura em Engenharia Agronómica e que apresenta, de forma sumária, os principais sistemas de produção para as principais espécies pecuárias. Esta quase ausência da produção animal no currículo de Eng. Agronómica é, em meu entender, uma lacuna grave. Com efeito, raramente se encontram, na atividade profissional, explorações exclusivamente de produção vegetal, sendo que na maioria dos casos ambas as disciplinas coexistem e se complementam. Julgo, pois, necessário ampliar esta UC de Zootecnia, dividindo-a em duas, uma sobre produção de monogástricos e uma sobre produção de ruminantes. De igual forma é importante assegurar ao Eng. Agrónomo formação obrigatória na área de nutrição e alimentação animal sob a forma de uma UC que junte estas duas temáticas; 2. Aumentar a componente prática no ensino de Zootecnia. A Tapada da Ajuda é um espaço extraordinário. Propicia um excelente ambiente de trabalho, ensino e estudo, e os alunos que aqui se formam são verdadeiramente privilegiados, por comparação, com os colegas de outras instituições da Universidade de Lisboa. Em termos agrícolas

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e de produção vegetal possui folhas de terreno, uma vinha, um pomar, um olival e um parque de máquinas que, no seu conjunto, permitem aulas práticas bastante completas. Infelizmente a Tapada não possui efetivos animais em permanência, não contando obviamente com os garranos ou os pavões. A presença de bovinos na tapada terminou nos anos 1970 (figura 5). Creio que é de sentido comum que muito dificilmente se poderia estabelecer um efetivo permanente de ruminantes, suínos ou aves na Tapada. Seria difícil do ponto de vista financeiro e traria problemas com a vizinhança. Assim sendo, e falo como Professor de Produção de Ruminantes, a solução passa muitas

vezes por visitas a empresas do sector. Estas são sempre interessantes e permitem ao aluno tomar contacto com a realidade. Porém são de uma utilidade prática relativamente reduzida. Assim sendo, seria de sugerir o estabelecimento de protocolos entre o ISA e outras instituições de R&D (por exemplo o INIAV em Santarém) que permitissem aos nossos estudantes tomar mais contacto com animais e com a realidade pecuária, fundamental para a sua formação.

3. Ensino de aquacultura. A produção de peixe em aquacultura é dos sectores que mais se tem

Figura 5 – Fotografia de 1939 com um funcionário do ISA com vaca leiteira do tipo Parda Suíça com a vacaria ao fundo.

O edifício é onde presentemente funciona a secção de produção animal do ISA. A Janela imediatamente à direita do telheiro é atualmente a do gabinete do autor. Fotografia do autor de um painel alusivo ao ISA exposto no pátio do Quercus, desde a comemoração dos 100 anos do edifício principal (2017).

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desenvolvido na última década. Várias espécies de peixe são hoje em dia produzidas em grande escala em aquacultura (salmão, truta, dourada, etc.).

Dado que a formação dos nossos alunos nesta área é praticamente nula, seria importante introduzir a temática no curriculum de Eng. Zootécnica e possivelmente no de Eng. Agronómica.

cemos. Os profissionais formados e a formar no ISA deverão estar atentos a estas mudanças por forma a antecipar e acompanhar estas mudanças. Tal apenas é possível com um ensino de qualidade e de nível internacional que todos almejamos.

4. Internacionalização do ensino de zootecnia no ISA – ensino em inglês. O ensino de ciências agrárias é cada vez mais internacional, sendo que as escolas de alto nível da Europa como a Universidade de Wageningen (Países Baixos) ou a Universidade de Aarhus (Dinamarca) têm licenciaturas, mestrados e doutoramentos em língua inglesa.

Tais programas são muito atrativos para estudantes de fora da União Europeia e o poder de atração internacional destas universidades é grande, também, por este facto. Se o ISA implementasse esta prática poderia beneficiar e ter acesso a estudantes internacionais, para além dos nacionais e dos países de expressão portuguesa.

5. Estabilidade e reposição urgente do corpo docente na área científica de Zootecnia e de Agronomia. A área disciplinar de Eng. Zootécnica do ISA possui apenas 4 Professores, sendo que um deles estará em idade de reforma num prazo de 1-2 anos, o que perfaz um corpo docente muito reduzido para as necessidades do ISA e dos seus alunos. Por outro lado, as perspetivas de reforço não são as mais animadoras. Esta situação é insustentável e terá consequências muito graves para a qualidade do ensino de zootecnia no ISA. É de todo o interesse que seja alterada a muito breve prazo, sob pena do caminhar para a irrelevância, a nível nacional, no ensino desta tão importante componente das ciências agrárias.

Nota Biográfica sobre o autor André M. de Almeida (Lisboa, 1974) é Engenheiro Zootécnico (1998, Universidade de Évora), Mestre em Medicina Veterinária e Zootecnia Tropicais (2000, Universidade Técnica de Lisboa) e Doutorado em Biologia (2005, Universidade Nova de Lisboa).

Trabalha em diversos temas relacionados com a Produção e a Nutrição Animais tendo trabalhado na África do Sul, Espanha, Guiné-Bissau, Austrália, Nova Zelândia e Caraíbas, para além de Portugal. É Prof. Auxiliar no ISA desde Janeiro de 2017, sendo coordenador das UCs de Alimentação Animal, Nutrição Animal, Nutrição Animal Avançada, Produção de Bovinos, Ovinos e Caprinos e Sistemas de Produção Animal nos Trópicos, sendo igualmente o coordenador do Mestrado em Engenharia Zootécnica – Produção Animal.

CONCLUSÕES A Zootecnia é uma área fundamental para a agricultura, a economia e o abastecimento alimentar da população portuguesa. Mudanças na sociedade afetarão de forma significativa a agricultura e a produção animal ao longo das próximas décadas que serão necessariamente diferentes daquilo que hoje conhe- 13 -

Fotografia do autor na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Zagreb (Croácia), em fevereiro de 2018. Tal como o ISA, esta instituição tem uma possibilidade de ter animais de grande porte muito reduzida dado estar localizada no centro da cidade e rodeada pela malha urbana.

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Lições económicas e políticas da resiliência da agricultura portuguesa ao longo dos séculos Pedro Lains Instituto de Ciências Socias, Universidade de Lisboa pedro.lains@ics.ul.pt

INTRODUÇÃO

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m momentos de crise e incerteza sobre o futuro, é importante olharmos para o passado para procurar respostas. Paradoxalmente ou não, um olhar informado sobre a evolução ao longo dos séculos da agricultura portuguesa dá-nos uma perspectiva positiva sobre a resiliência e capacidade de mudança da actividade económica em Portugal. A agricultura nem sempre foi vista sob este prisma, sobretudo porque muitos concluíram, de forma precipitada, sabemos hoje, que o sector se arrastou atrás da modernização ou industrialização da economia portuguesa.

Todavia, interpretações baseadas em análises fundamentadas na observação das transformações do sector ao longo dos tempos e na devida quantificação da produção, dos factores de produção e da produtividade desses mesmos factores, mostram o contrário. Mostram, em particular, uma elevada capacidade de inovação, de investimento, de resposta a politicas económicas que lhe foram dirigidas, e às mudanças do quadro económico mundial.1 Acrescente-se que esta alteração de interpretação se introduz num quadro internacional mais geral em que as agriculturas

Para Portugal, ver o resultado de dois projectos em que estive envolvido, assim como os capítulos dos autores que colaboram nos projectos e a vasta bibliografia por eles citada. Os projectos foram publicados em: Pedro Lains e Vicente Pinilla (orgs.). Agriculture and Economic Development in Europe since 1870. Londres: Routledge, 2009; e Dulce Freire e Pedro Lains (orgs). An Agrarian History of Portugal, 1000-2000.

Economic Development on the European Frontier. Leiden: Brill, 2017

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do passado, afinal, tiveram melhor desempenho do que se havia pensado quando sob perspectivas unidireccionais que tomaram a industrialização como única forma de progresso no passado mais ou menos recente.2 Assim a capacidade de desenvolvimento e adaptação do sector agrícola é um bom campo de análise da resiliência da actividade económica em Portugal.

... a agricultura portuguesa foi capaz de alimentar uma população em crescimento e adaptarse às mudanças internacionais, ...

Para o quadro internacional, ver sobretudo Giovanni Federico. Feeding the World: An Economic History of Agriculture, 1800-2000.

Princeton: Princeton University Press, 2015

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O MUITO LONGO PRAZO Se tomarmos uma perspectiva muita longa, hoje tornada possível, podemos concluir que, no decorrer do segundo milénio, a agricultura portuguesa esteve distante da fronteira dos níveis de produtividade e de avanço da agricultura do resto da Europa ocidental, mas que essa distância variou ao longo dos séculos, dependendo de diferentes elementos, como o tipo de recursos naturais, a capacidade de poupança, de investimento e inovação, e as circunstâncias políticas, nacionais ou internacionais, mais ou menos favoráveis. Todavia, ao consideraromos os períodos da Reconquista cristã, da recuperação do sector, na segunda metade do século XIV, depois das gravosas consequências da peste negra, da resposta à globalização do Renascimento e ao desenvolvimento dos mercados europeus do século XVIII, assim como à industrialização do século XIX, podemos concluir que a agricultura portuguese mostrou em todos esses episódios mais críticos uma grande capacidade de dinamismo. O facto de se ter mantido atrasada, no contexto europeu, já não é a parte mais importante

dessa longa história. Na verdade, nesse muito longo prazo, a agricultura portuguesa foi capaz de alimentar uma população em crescimento e adaptar-se às mudanças internacionais, explorando as oportunidades de novos produtos exóticos e de novos mercados de exportação.

DESDE O SÉCULO XIX Se tivermos em consideração períodos mais curtos e mais facilmente estudados com medidas quantitativas, verificamos igualmente uma grande resiliência do sector. No século XIX, o século da industrialização, alguns sectores da a agricultura portuguesa conseguiu taxas de crescimento do produto e da produtividade superiores aos de alguns sectores manufactureiros. Um exemplo bem conhecido, é o conseguido sucesso das exportações de vinho que superaram o que aconteceu com os têxteis, sabendo nós que os níveis de intensidade de uso de capital e de inovação do primeiro não eram necessariamente inferiores aos

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do segundo. O mesmo veio a acontecer na primeira metade do século seguinte, quando o trigo alentejano alcançou uma elevada capacidade de crescimento da produção, substituindo importações, assim aliviando a pressão sobre a balança de pagamentos, e alimentando a crescente população urbana do país. Este sector soube introduzir novas formas de produção, com grandes aumentos de produtividade, incluindo os adubos químicos (embora estes com problemas ecológicos algo sérios), a maquinaria agrícola, sobretudo debulhadoras movidas a vapor, e aproveitou a nova rede de transportes proporcionada pela extensão dos caminhos de ferro. Neste período, também a indústria teve um crescimento grande de produção e de produtividade, pelo que podemos concluir que os dois principais sectores da economia portuguesa de então não competiam necessariamente pelos mesmos recursos e podiam ser complementares, sendo então o resultado final na economia portuguesa altamente favorável. Pela

primeira vez, no período entre as duas guerras mundiais, os níveis de rendimento do país tiveram uma forte aproximação dos níveis médios europeus, muito graças a essa complementaridade.

E há uma lição para os agentes políticos: não inventem estratégias, baseadas em teorias não comprovadas, mas perguntem, isso sim, a quem está no terreno o que é necessário fazer.

Apesar desses lados positivos, dada a desproporção de investimento público em infra-estruturas, como estradas, saneamento urbano, escolas, servi-

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ços públicos, os níveis de vida na agricultura de nos campos persistiram substancialmente abaixo dos da indústria e das cidades. Mas isso foi um problema de escolhas públicas, não do sector. Esse problema de diferenças de investimento público – e do privado que recorrentemente acompanha o primeiro – continuou pelos anos 1950 a 1970 fora. Nessas décadas, a agricultura, por razões ideológicas e ideias erradas de “modernização”, foi claramente desprezada pelos governos da ditadura. O contraste com o que se passava nas Comunidades Europeias, que instauraram logo desde o início a Política Agrícola Comum, ou com a ditadura vizinha espanhola, é muito grande e ainda não foram bem exploradas as verdadeiras razões desse constraste. De qualquer modo, o problema era, mais uma vez, político e não estrutural. Assim que a corrente de pensamento político mudou, o que aconteceu com a adesão do país às Comunidades Europeias e à PAC, a muito positiva resposta do sector não se fez esperar.

CONCLUSÃO Em conclusão, a resiliência e capacidade de adaptação do sector agrícola em Portugal é seguramente

uma das suas principais características. Isto é mais fácil observar num sector com tantos anos de história, do que na indústria ou nos serviços. Mas podemos sem problemas concluir que o que aconteceu na agricultura ultrapassou o próprio sector, sendo ele apenas uma excelente montra da capacidade de adaptação e resiliência de toda a economia. Embora o passado não ilumine necessariamente o futuro, neste caso trata-se claramente de um elemento estrutural e persistente e nada indica que não esteja presente nos dias de hoje e ainda venha a estar no futuro mais ou menos próximo. Podemos, assim, estar algo optimista sobre a capacidade futura de adaptação da economia portuguesa aos grandes problemas que estão à nossa porta. Um aspecto apenas aflorado aqui, mas que terá um grande peso nos tempos que aí vêm, é a questão das escolhas políticas, que têm de ser acertadas. Se assim o forem, podemos contar com boas respostas económicas. O conhecimento do terreno económico ajudará seguramente a fazer escolhas políticas mais acertadas. E há uma lição para os agentes políticos: não inventem estratégias, baseadas em teorias não comprovadas, ma perguntem, isso sim, a quem está no terreno o que é necessário fazer.

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Entrevista a José Diogo Albuquerque Qual foi o papel que o Agroportal teve de assumir durante estes tempos de confinamento?

Informação. Centrámos o papel que já fazemos da agregação de informação e de sugestão diária ao leitor durante o estado de emergência associado à COVID-19. Aumentámos, para isso, o número das nossas “Sugeridas”, e criámos um grupo Facebook Agricultura e o Coronavírus - COVID-19 - Agroportal, que teve bastante adesão (389 membros). Fizemos, também, um vídeo de apoio aos agricultores e explicação do que estávamos a fazer. Vimos o resultado através do número de utilizadores que cresceu significativamente ultrapassando todos os recordes, tivemos dias a chegar aos 9 000 utilizadores por dia.

Nesta crise ficou evidenciado o papel que a informação tem na vida e nas decisões dos agricultores, e por isso crescemos. Temos recebido várias mensagens a parabenizar o papel que temos tido, de agregação e disponibilização rápida e de sugestão diária. Como exemplo, a flexibilização do greening, no âmbito do

pedido único, foi de extrema importância para o agricultor saber o mais rapidamente possível se eram ou não obrigados à diversificação de culturas, importante por exemplo para poder aumentar a área a sementeira de milho. Aqui a rapidez na informação foi crucial.

Sente que os agricultores estão cada vez mais ligados entre si graças ao Agroportal?

Sim. Sentimos isso por diferentes vias: Primeiro, pelo aumento crescente de utilizadores: por exemplo este mês de abril tivemos 132 000 utilizadores, para referência o ano passado tínhamos tido 30 000, alcançámos em abril mais de 1% da população portuguesa! Segundo, pelas interações nas páginas das Redes Sociais do Agroportal, em que os comentários e as partilhas são muitos e têm vindo a aumentar; Terceiro, pelo feedback que vou tendo dos agentes do setor. Já é cada vez mais recorrente as discussões sobre o setor serem feitos em tono a informações do Agroportal.

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Qual a estratégia que o setor agrícola tem de tomar para que se mude a visão que a sociedade tem sobre este setor?

Tem que fazer uma aposta em meios diferentes do que tem sido a comunicação tradicional (seminários, eventos, feiras) em que comunica mais para dentro do que para fora. A aposta tem que ser em meios de comunicação diferentes: Redes Sociais, Influencers e Escolas. Estes meios atingirão os mais novos que são os mais importantes na formulação de opinião.

E a aposta também que ser no conteúdo, a comunicar o que o setor faz bem, e na sustentação científica.

Temos de saltar da reação para a ação.

Como avalia o papel do Governo, mais propriamente do Ministério da Agricultura quanto às medidas que tem desenvolvido para aumentar o consumo de produtos nacionais?

Apenas falando nas medidas de comunicação para o aumento de consumo de produtos nacionais parece-me positivo a campanha que foi criada. Esse tipo de campanha, como a do Portugal Sou Eu, são sempre positivas. O setor tem de voltar a ter a visibilidade que já teve quando ficou na “moda”, isso também passa por uma ação positiva dos governantes junto dos media no terreno.

Também, a plataforma Alimente quem o Alimenta, foi positiva, e vem dar resposta a um aumento da procura nos mercados de proximidade, devido às restrições de aglomeração de pessoas e mesmo, do medo. É diferente ir a um supermercado, onde a probabilidade de contactar com um infetado é maior, do que deslocar-se ao produtor que tem a exploração a 5, 10, 15 km de si e levantar a encomenda. Aqui o privado já respondeu a esta procura também, e AgriMarketPlace criou o Bairro, uma plataforma de compras online que liga diretamente produtores, comerciantes e consumidores.

Que responsabilidade tem a agricultura no combate à crise que aí vem?

Produzir alimentos, sem parar, de forma responsável. Que é o que está a fazer. O setor foi implacável no comportamento que teve. A Sociedade deve orgulhar-se do setor que tem. Mas como a gratidão nestas coisas não aparece, será o próprio setor a ter de mostrar o que fez pelos consumidores e cidadãos neste período.

Será que os responsáveis políticos percebem agora que a economia não se pode sustentar no turismo ou vão continuar a descurar o setor primário?

A política de esquerda não tem sido uma política de aposta no setor primário, ou o montante investido no Programa de Desenvolvimento Rural não teria sido reduzido no Governo anterior, e o Ministério não teria perdido o ambiente, nem descido na Hierarquia Governativa. Mas a (in)segurança alimentar que se sentiu, e que vai existir daqui a poucas décadas com o crescimento demográfico vêm demonstrar a importância do setor primário para a soberania alimentar, não só do país, mas da Europa, e do Mundo.

Acha que o alto desemprego pode fazer com que muita gente aposte na agricultura?

Em relação aos desempregados a procurar trabalho na agricultura não me parece. Não aconteceu no passado, nem vejo porque vá a acontecer no futuro. Com subsídio de desemprego, as pessoas preferem ficar desempregadas a ter que ir para longe trabalhar numa exploração agrícola, em que o trabalho é duro.

Em relação a eventuais futuros empresários agrícolas que possam vir a instalar-se na agricultura, por ser uma alternativa aos negócios que faliram durante a crise, eventualmente pode acontecer. Embora creio que esse efeito seria muito maior se as medidas de instalação aos jovens agricultores estivessem abertas e com dinheiro.

“Nesta crise ficou evidenciado o papel que a informação tem na vida e nas decisões dos agricultores, e por isso crescemos.”

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Agricultura e Covid-19: de uma prova de vida à fraqueza política Francisco Gomes da Silva

Vivemos hoje tempos de exceção, caraterizados por enorme incerteza e insegurança. Como em todas as crises, o mais importante na sua refrega é procurarmos extrair delas conhecimento que nos torne melhores e mais bem preparados como Homens, como Organizações e como Sociedade. E é isto, certamente, o que acontecerá.

No meio desta crise, fui desafiado, há dias, para uma conversa com o Miguel Freitas e o Pedro Santos moderada pelo Joaquim Pedro Torres (já divulgada na newsletter da Agroglobal). Essa conversa motivou-me uma breve reflexão sobre a Agricultura, enquanto atividade económica, e sobre os seus atores (agricultores, seus fornecedores, clientes, parceiros e instituições) e o que esta crise pode, para todos eles, significar. É dessa reflexão, dispersa, sobre diferentes aspetos que então me vieram à cabeça, e cheio de dúvidas, que vos dou conta.

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1. OS AGRICULTORES NÃO PARAM – PORQUÊ?

Se as nossas cidades, hoje fechadas em casa (e muito bem), conseguissem espreitar por cima do muro do medo para o que se passa no campo, não iam acreditar. Por estes dias, de norte a sul do país, a agricultura está a mexer “como se não houvesse amanhã”. Com cuidados redobrados por causa dos riscos de transmissão do vírus, com receios justificados pelos riscos em que incorrem... mas a mexer. Alguém, menos familiarizado com as lides do campo, me perguntava “porquê?”. Quem é agricultor sabe bem as duas respostas que saltam imediatamente.

Primeiro porque não podem parar. Para a maioria dos agricultores parar dois ou três meses nesta altura do ano, significaria um rombo económico de que dificilmente se recomporiam. Nas fileiras das frutas, das hortícolas e hortoindustriais, da carne, do leite, do olival, da vinha, dos cereais, do milho, do arroz, da cortiça…, em todas elas estes próximos 2 ou 3 meses são meses essenciais, e cada agricultor sabe-o bem. Assim como o sabe a esmagadora maioria dos trabalhadores agrícolas. Parar é um luxo a que não se podem dar.

Mas há uma segunda razão que escapa, em tempos normais, ao comum dos mortais: os agricultores sabem perfeitamente que são a base de toda a cadeia de abastecimento alimentar que abastece a nossa sociedade. Isso é assim em tempos de bonança (quando são olimpicamente ignorados ou maltratados por muita da opinião publicada), mas também é assim (ou ainda é mais assim) nos tempos de tempestade como aqueles que agora atravessamos. E sim, é com receio (por vezes mesmo com medo) que, diariamente, milhares de agricultores, de trabalhadores agrícolas e de técnicos continuam a sair de casa para mais um dia de trabalho, conscientes que deles depende haver comida para aqueles que estão (e muito bem, repito) fechados em casa para travar esta pandemia.

Não perdi ainda a esperança de ver a sociedade portuguesa ter uma palavra formal de agradecimento a estes homens e mulheres que contribuem para que seja verdadeira a afirmação tantas vezes difundida de que “as cadeias de abastecimento de alimentos estão asseguradas”. Tal como tem tido (e muito bem) para com os médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, polícias, motoristas e tantos outros.

Aguardemos pois.

2. O RENOVADO DESAFIO DA SEGURANÇA ALIMENTAR (FOOD AVAILABILITY) Este era, até há poucas semanas, um problema dos países pobres, e não um problema do mundo ocidental dito civilizado. Agora é um problema de todos.

Esta crise irá reabrir, em força, a discussão sobre a segurança alimentar em Portugal e na Europa. Contra o que sempre se admitiu como plausível, as fronteiras fecharam, total ou parcialmente, durante um período que ninguém sabe ao certo quanto tempo durará. A circulação de mercadorias, nomeadamente de alimentos ou matérias-primas alimentares, vai encontrar novas barreiras ao longo destes dias. Como reagirão, no final, os diversos países da Europa? E como reagirá a Europa face ao resto do mundo, e o resto do mundo face à Europa? Esta questão é, aliás, muito relevante em relação a outros produtos, como se viu com algum material e equipamento médico.

Não tenho nenhuma resposta, mas tenho sério receio que esta crise vá acentuar as tendências “nacionalistas” nestes diversos domínios, criando-se a falsa sensação de que se estivermos todos fechados no “nosso quintal”, num regime de pseudo-autossuficiência, estaremos mais protegidos. Mas as questões da “food availability” terão que ser seriamente reequacionadas: o que deverá ser a “reserva alimentar estratégica”, qual o papel dos ativos agrícolas localizados em solo nacional, como poderão ser mobilizados? E as respostas terão que ser inovadoras, para se fugir à tentação de um “planeamento centralizado” da produção de alimentos. E aí, uma vez mais, os agricultores portugueses serão uma peça chave para a solução.

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Os agricultores sabem perfeitamente que são a base de toda a cadeia de abastecimento alimentar que abastece a nossa sociedade.

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3. A CRISE E OS PREÇOS DOS PRODUTOS AGRÍCOLAS Outros poderão responder melhor a esta questão.

Mas partindo do princípio que o pós-crise se caraterizará, ao nível das relações e acordos de comércio internacional, pelo regresso à situação “normal”, os preços dos produtos agrícolas observarão um comportamento a vários tempos.

Um primeiro impacto, que já se faz sentir em casos muito concretos, é a enorme quebra nos preços dos produtos que eram diretamente escoados pelo canal HORECA. Com o encerramento de muitos restaurantes, a procura de certos produtos caiu estrondosamente. Veja-se o que se estará certamente a passar com os “leitões” que eram escoados para os restaurantes de zonas como a Bairrada e outras.

Este fenómeno é já uma realidade em muitos produtos frescos, com escoamento quase exclusivo neste tipo de canal. De igual modo, alguns produtores que abasteciam diretamente pequenas indústrias artesanais que encerraram por estes dias (queijarias, etc…) viram, de um momento para o outro, o seu mercado

desaparecer e o seu produto “valer zero”. Em ambos os exemplos dados, com uma agravante: sendo produtos de origem animal, todos os custos (de alimentação e maneio) permanecem e permanecerão ao longo do tempo.

Por outro lado, com um ligeiro desfasamento, e em resposta à quebra de rendimento que inevitavelmente existirá nas famílias a nível mundial (apesar de todos os esforços que os governos estão a fazer para apoiar famílias e empresas), e nas portuguesas em particular, é natural que se observe uma retração na procura maior do que a correspondente retração na oferta (esta porque algumas empresas agrícolas ou de transformação verão, também, seriamente afetado o seu potencial produtivo), o que tenderá a pressionar os preços das matérias-primas agrícolas para baixo. Esta quebra será, no entanto, amparada pela relativa rigidez da procura de alimentos, enquanto bens de primeira necessidade.

Num momento seguinte, a evolução poderá ser

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diferenciada de produto para produto. Se as fronteiras permanecerem pouco permeáveis durante muito tempo (porque a crise se prolonga ou porque os países se fecham), tenderá a assistir-se a uma subida dos preços dos produtos para os quais Portugal é país importador (em que a oferta interna é insuficiente para satisfazer o consumo), e a uma quebra de preços dos produtos para os quais Portugal é um país exportador.

A médio-prazo, tudo dependerá muito da “nova normalidade” que venha a ser criada em matéria de relações comerciais, nacionais e internacionais, ao longo das cadeias de abastecimento alimentar. E nesse domínio, como noutros, certamente que muitas coisas irão mudar. Assumirão mais peso as chamadas “cadeias curtas de distribuição”? Não poderá ser isso também uma arma que alguns utilizarão para tentar “fechar” as economias? Saberemos resistir à tentação das soluções simplistas de curto-prazo que se mostrarão impotentes para lidar com estas realidades complexas?

Uma última nota sobre os preços de produtos agrícolas neste contexto. Poderá assistir-se, no curtíssimo prazo, a movimentos especulativos com impactos nos preços de alguns produtos alimentares, provocados por cenários de pânico e ansiedade que levam a picos irracionais de procura. Quando tal acontece, esses aumentos de preço raramente estão associados a aumentos nos preços dos produtos agrícolas, ocorrendo normalmente junto da distribuição final.

4. DIFICULDADES PARA OS MESES QUE SE AVIZINHAM As dificuldades para os agricultores, ao longo dos próximos meses, vão ser inúmeras. Se é verdade que, como acima referia, os agricultores não pararam, não é menos verdade que, para não virem a parar mais à frente dependem daquela que vier a ser a circunstância dos seus fornecedores (sementes, plantas, adubos, agroquímicos, material de rega, prestadores de serviços diversos, etc…) e dos seus clientes.

Esta dependência absoluta introduz uma enorme incerteza: um agricultor que esteja hoje a preparar terra para plantar, por exemplo, tomate está a contar (ou pelo menos a esperar) poder, ao longo do ciclo, adquirir tudo aquilo de que necessita para a condução da cultura. E conta igualmente que, mais

à frente, as indústrias com quem contratou a produção esteja abertas, a laborar e, consequentemente, a receber tomate.

E se assim não for? Esta garantia ninguém a pode dar ao agricultor. Não tenho dúvida que todos os agentes envolvidos nas cadeias alimentares tudo farão para manter o seu “normal” funcionamento, mas os agricultores estão bem conscientes de que nem tudo depende da vontade individual. Esta é, para mim, a maior dificuldade para os próximos meses: avançar dia-a-dia sem ter a certeza do que é que se vai encontrar no dia seguinte.

Note-se que, como seria de esperar, existem já hoje obvias dificuldades na circulação de mercadorias vindas de fora, havendo a tentação de apenas dei-

Um primeiro impacto, que já se faz sentir em casos muito concretos, é a enorme quebra nos preços dos produtos que eram diretamente escoados pelo canal HORECA. xar circular os bens “ditos essenciais”. Pergunto: será que as autoridades competente têm (ou virão a ter) a noção de que um cardan pode ser uma peça essencial para que uma exploração agrícola não pare?

Para tudo isto, necessitaríamos de um Ministério da Agricultura forte e muito informado e atuante, que liderasse o acautelar de diversas situações que, sem dúvida, se colocarão a cada dia que passa. Não se avizinham tempos nada fáceis.

5. QUE MEDIDAS, PARA ALÉM DAS QUE JÁ FORAM ANUNCIADAS? Foram já anunciadas diversas medidas pelo Governo, que visam apoiar as empresas (e as famílias) a

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atravessar esta crise minimizando os danos. Algumas dessas medidas dirigem-se especificamente ao setor agrícola, tais como a dilação de prazos (execução de projetos PDR, número e prazos para pedidos de pagamento, candidatura ao PU, etc…) e a antecipação de pagamentos oriundos da PAC. Tudo medidas positivas e, a seu tempo se verá, se suficientes ou não.

Há, no entanto, uma medida que estranho que não seja tomada de imediato: a derrogação de todos os compromissos assumidos pelos agricultores em matéria de condicionalidade, de Greening e de medidas agroambientais, sem penalização nos valores a receber por cada agricultor. Poderão dizer-me que este tipo de medidas introduzem um grau de facilitismo que pode gerar oportunismo. E então? É esse o maior problema com que nos confrontamos hoje?

Só quem tenha a mínima noção do que é a vida dos agricultores é que conseguirá perceber o enorme conjunto de constrangimentos que estes compromissos causam no seu dia-a-dia. Em tempos normais, esses constrangimentos são ultrapassados, graças à disponibilidade física, mental e financeira que carateriza essa normalidade.

No meio da situação que vivemos hoje, seria do mais elementar bom senso libertar os agricultores destas amarras, e deixar que cada um se concentre naquilo que é verdadeiramente essencial: manter as suas explorações em funcionamento, concentrar-se nas produções essenciais, relegando ao acessório (como por exemplo a regra da diversificação de culturas para cumprimento do Greening, a burocracia associada ao modo de produção integrada, etc…).

Dir-me-ão que tal medida depende de autorização de Bruxelas. Certo. E então? Já foi pedida essa autorização? E alguém acredita que Bruxelas não autorizará?

Se quem decide não conseguir entender o quanto esta carga burocrática consome recursos numa exploração agrícola, estamos todos muito mal governados. Haja esperança que tal seja possível.

6. O (NÃO) PESO POLÍTICO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DAS SUAS INSTITUIÇÕES A Agricultura é, neste Governo, um peso-pluma.

Para quem tivesse alguma dúvida, basta ler o texto

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da Resolução do Conselho de Ministros do passado dia 19 de Março (pós-declaração de estado de emergência). Sim, porque é no Conselho de Ministros que melhor se mede a relação de forças que existe entre os diversos Ministros que o compõem.

Nesta RCM nem uma palavra sobre a Agricultura (apenas uma referência ao comércio a retalho de flores, sementes e adubos), apesar de muitos outros setores de atividade merecerem referências específicas e repetidas no mesmo texto. Nem uma remissão para a responsabilidade da Ministra da Agricultura em matéria de definições futuras, enquanto diversos dos seus colegas (por exemplo o Ministro da Economia) receberam (e bem) incumbências dignas de realce.

O grave de tudo isto, e sem prejuízo das medidas que foram e que venham a ser tomadas em apoio do tecido empresarial agrícola, é que a Ministra, se teve a noção da importância da agricultura naquele momento, não teve força nem peso político para gravar nessa RCM a especificidade de tratamento que terá forçosamente que ser dada a um setor vital para a segurança alimentar das populações em tempos de crise como os que vivemos. Veja-se, por oposição, o texto “homólogo” que foi aprovado pelo Conselho de Ministros em França.

Dir-me-ão que, dois dias depois, a mão foi emendada, e que na legislação aprovada (Decreto d Governo) já há uma referência à necessidade de se manter a atividade de produção de alimentos.

Pois…não faltaria que alguém não desse pela coisa. Porventura até foi a própria Ministra.

Mas depois, não na primeira linha de decisão. E, sim, a garantia de alimentos é uma necessidade “de primeira linha”.

Um mal, nesta matéria, nunca vem só. Em qualquer crise, seja ela de saúde pública ou de outra natureza qualquer, aquilo que os cidadãos esperam é que as Instituições Públicas funcionem, tenham lideranças fortes e estratégias seguras e definidas. Nesta crise, nós cidadãos, não necessitamos apenas que o SNS e a DGS funcione bem e se superem (embora precisemos muito disso). Precisamos que TODAS as instituições públicas o façam naquilo que são as suas competências, apesar das limitações que possam ter. No Ministério da Agricultura, mais do que nunca, precisamos de um IFAP afinado a pagar e a decidir, de uma AG-PDR que se supere na capacidade de resposta, bem como das outras Direções Gerais a fazer melhor do que aquilo que se achariam capazes. Todas elas superando-se a si próprias, lado a lado com os agricultores. Mas é isso que vemos e sentimos? Não, não é. Sem prejuízo da boa vontade dos dirigentes e funcionários, como pode o IFAP ser uma referência de solidez nestes tempos conturbados, quando tem dois presidentes em simultâneo no Conselho Diretivo (um de facto, o outro indigitado)?

Como pode a Autoridade de Gestão do PDR superar-se na capacidade de resposta (essencial para libertar dinheiro para as empresas agrícolas) quando a sua Presidente sabe (não porque alguém lho tenha dito previamente e em 1ª mão) que vai ser substituída por outra Presidente (já indigitada)? Não, nada disto contribui para um Ministério sólido, de liderança forte e organismos articulados no sentido de tudo fazerem para minimizar impactos desta crise sobre os agricultores. Antes pelo contrário!

A única reação que obtive sobre este assunto foi lapidar e reveladora: estes assuntos não são urgentes, pois urgente é combater o Coronavírus. Quem assim pensa, bem pode ir para casa.

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A Agricultura portuguesa no rescaldo da pandemia Francisco Avillez Professor Catedrático Emérito (ISA, UL) ◆ Coordenador Científico da AGRO.GES

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ão enormes as incertezas quanto à dimensão do impacto sobre a economia portuguesa e o seu sector agroalimentar das medidas de combate à crise sanitária que têm vindo a ser adoptadas a nível nacional e internacional, o qual se tem feito sentir de forma dramática na procura e na oferta de produtos agrícolas e alimentares.

Quanto à procura, têm-se verificado quebras muito significativas, quer na procura de origem externa (as exportações), quer na procura de origem interna (a procura associada à restauração e hotelaria).

Quanto à oferta de origem interna, as quebras têm resultado das alterações sofridas pelas procuras de origem interna e externa, as quais, podendo ser parcialmente compensadas por reduções na oferta de origem externa (as importações) e por uma substituição de parte da alimentação nos restaurantes por alimentação em casa, vão ter um impacto tanto mais negativo quanto menos resiliente for o tecido empresarial agrícola e alimentar nacional.

Se é verdade que o sector agroalimentar português está a ser, no seu conjunto, menos penalizado do que muitos outros dos sectores económicos para os quais a procura praticamente desapareceu de um

dia para o outro, não é menos verdade que são significativamente diferentes as dimensões dos impactos sofridos por diferentes ramos de actividade agroalimentar, em função da sua maior ou menor dependência das componente da procura mais penalizadas e da respectiva “saúde” económica e financeira.

Neste âmbito, subscrevo inteiramente as considerações que constam de um recente artigo, de Francisco Gomes da Silva, cuja leitura recomendo, que se intitula “Agricultura e Covid-19: de uma prova de vida à fraqueza política”.

Ainda é muito cedo para se poder quantificar a dimensão destes diferentes tipos de impactos no curto prazo sobre os resultados económicos e financeiros de âmbito sectorial e empresarial desta crise, uma vez que não se sabe quanto tempo é que ainda vai decorrer até ao “regresso à normalidade”, factor este determinante para se poder avaliar, não só as perdas de produção agrícola e alimentar verificadas, como também a situação económica e financeira que as empresas agrícolas e alimentares apresentarão à “saída do túnel” em que, actualmente, nos encontramos.

Já no que respeita a previsões quanto ao médio-longo prazo para o sector agroalimentar nacional,

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vai ser indispensável, para além de se avaliar qual a sua situação à “saída do túnel”, antecipar o modo como se espera que venham a evoluir aqueles factores que nestes últimos anos foram determinantes para o seu comportamento, ou seja, a abertura ao exterior dos mercados agrícolas nacional e da UE, a evolução quantitativa e qualitativa da procura alimentar em Portugal, o ritmo e amplitude da difusão no tecido empresarial agrícola e alimentar nacional das inovações tecnológicas e não tecnológicas que, nestes últimos anos, têm caracterizado a sua componente mais dinâmica e as medidas de política agrícola e rural que venham a ser adoptadas. É muito provável que nos próximos anos se venha a verificar um atraso nas negociações em curso no âmbito do comércio internacional de produtos agrícolas e alimentares e, consequentemente, um ritmo menor do que o até agora esperado na abertura dos mercados agrícolas e alimentares da UE em relação ao resto do mundo. Já no que diz respeito comércio de produtos agrícolas entre Portugal os diferentes EM da UE, o que muito provavelmente irá acontecer, vai ser uma maior pressão sobre os preços no produtor em consequência do aumento da oferta de origem externa de produtos cujo futuro tenderia a ser o dos mercados de exportações da UE. No que se refere ao comportamento futuro da procura de bens alimentares, ela vai ser influenciada do ponto de vista quantitativo pela evolução do turismo nos próximos anos e pela forma como vier a alterar-se a dieta alimentar nacional, cujo impacto não será, no entanto, quantitativamente significativo no médio-longo prazo.

A introdução de inovações tecnológicas e não-tecnológicas no sector agroalimentar português tem sido uma das características mais relevantes da evolução da componente mais dinâmica do respectivo tecido empresarial. A sua difusão, ainda relativamente lenta, vai tender a acelerar nos próximos anos se

forem criadas as condições políticas ou institucionais adequadas, ou seja, se viermos a assistir a um reforço significativo na implementação de um sistema integrado de investigação, experimentação e divulgação.

A evolução futura da produtividade económica e da sustentabilidade ambiental dos sistemas agrícolas e alimentares nacionais, irá, em grande parte, depender do sucesso deste processo de mudanças tecnológicas, cujos impactos económicos, ambientais e territoriais irão exigir, no entanto, um conjunto coerente e integrado de medidas que venham a ser aplicadas em Portugal no contexto da PAC. Em minha opinião, os anos muito difíceis porque iremos passar no rescaldo desta pandemia em que fomos inesperadamente apanhados, vão-nos obrigar a pensar o futuro da PAC de uma forma necessariamente diferente daquela que até agora havíamos concebido.

De facto, às justas preocupações com a competitividade futura da nossa agricultura, com uma maior equidade na repartição dos apoios aos produtores agrícolas, com uma gestão mais sustentável dos recursos naturais e com uma contribuição positiva para a neutralidade carbónica e para a coesão económica e social dos territórios rurais, vai ser imperioso acrescentar opções favoráveis a uma maior resiliência da capacidade produtiva instalada e uma maior contribuição para a autossuficiência alimentar.

Neste contexto, sou de opinião que o Plano Estratégico da PAC (PEPAC), actualmente em elaboração em Portugal, deverá levar em consideração de forma integrada e coerente o conjunto de orientações estratégicas que procurei enunciar num recente artigo técnico intitulado “A reforma da PAC no rescaldo da pandemia”, as quais deverão, na medida do possível, ser aplicadas, desde já, no período de, pelo menos, dois anos que ainda decorrerá até ao início da implementação da nova PAC. 21 Abril 2020

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A reforma da PAC

No rescaldo da pandemia As principais estratégias orientadoras em prol do desenvolvimento sustentável do setor agroalimentar nacional

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Francisco Avillez Professor Catedrático Emérito (ISA, UL) ◆ Coordenador Científico da AGRO.GES

Os anos muito difíceis por que iremos passar no rescaldo desta pandemia em que fomos inesperadamente apanhados, vão-nos obrigar a pensar a PAC pós2020 de uma forma necessariamente diferente daquela que até agora havíamos concebido. De facto, às justas preocupações com a competitividade futura da nossa agricultura, com uma maior equidade na repartição dos apoios aos produtores agrícolas, com uma gestão mais sustentável dos recursos naturais e com uma contribuição positiva para a neutralidade carbónica e para a coesão económica e social dos territórios rurais, vai ser imperioso acrescentar opções favoráveis a uma maior resiliência da capacidade produtiva instalada e uma maior contribuição para a autossuficiência alimentar.

este contexto, consideramos ser indispensável que, no Plano Estratégico da PAC (PEPAC), atualmente em elaboração por Portugal, se leve em consideração de forma integrada e coerente o seguinte conjunto de orientações estratégicas.

Primeiro, uma maior equidade na repartição dos apoios aos produtores, que vai exigir, quer um processo de convergência interna total (“flat rate”) dos pagamentos base (PB), quer uma modulação na aplicação dos pagamentos redistributivos (PR) em favor das explorações de menor dimensão. Para minimizar os impactos negativos de uma opção por uma “flat rate” dos PB sobre os rendimentos e a capacidade produtiva das explorações agrícolas mais penalizadas, vai ser necessário, não só aumentar as verbas disponíveis para financiar os PB e PR, como também alterar a composição do sistema de pagamentos ligados à produção (PLP).

Segundo, o aumento das verbas disponíveis para financiar os PB e PR poderá vir a ser concretizado, quer através de uma transferência de verbas do 2º para o 1º Pilar, quer através de uma redução das verbas globais a atribuir aos sistemas de PLP. Quanto às transferências de verbas do 2º para o 1º Pilar, admitimos que elas deverão, no mínimo, ser da ordem dos 15% (ver ponto seguinte). No que diz respeito à redução das verbas globais a atribuir aos PLP, propomos que estas resultem de uma eliminação dos prémios às vacas aleitantes e às ovelhas e cabras, eliminação essa que, como veremos à frente, será devidamente compensada por via dos

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pagamentos associados aos eco regimes.

Terceiro, a transferência de 15% das verbas do 2º para o 1º Pilar, como atrás referimos, que poderá ser obtida pelo desmantelamento de algumas medidas agroambientais (MAA), cujo esvaziamento se tornará inevitável em consequência, quer das novas condicionalidades, quer da introdução de práticas ambientalmente positivas no âmbito dos pagamentos dos eco regimes.

Quarto, uma redução das verbas a atribuir ao sistema de PLP obtida a partir de uma eliminação dos prémios às vacas aleitantes e às ovelhas e cabras, irá exigir a sua compensação através da adoção de um sistema de pagamentos eco regime prioritariamente orientado para a promoção de sistemas de pastoreio extensivo, capazes de contribuir para um aumento sustentável do teor de matéria orgânica do solo e para a melhoria das respetivas produtividades, capacidade de sequestro de CO2 e de retenção de água pelos solos. O principal objetivo desta profunda alteração nos apoios à pecuária extensiva é de âmbito ambiental e social, e visa substituir apoios à produção de produtos pecuários por apoios aos respetivos sistemas de ocupação e uso do solo, pelos benefícios que poderão vir a garantir para a sustentabilidade dos recursos naturais, para o combate às alterações climáticas, para a promoção de biodiversidade e para a ocupação dos territórios rurais mais fragilizados.

Quinto, uma alteração na composição dos sistemas de PLP que se justifica pela necessidade de se vir a contribuir, quer para uma maior resiliência da capacidade produtiva das explorações agrícolas mais

penalizadas pelas alterações previstas no contexto da reforma da PAC pós-2020, quer para assegurar uma melhoria do grau de autossuficiência dos produtos alimentares mais sensíveis. Para o efeito, irão ser necessários, não só reforços significativos dos PLP às vacas leiteiras, arroz e tomate para indústria, hoje em dia já apoiados, como também a introdução de apoios adequados aos cereais de outono/inverno e ao milho.

Sexto, um reforço da viabilidade económica dos sistemas de produção vegetal mais penalizados pela adoção da “flat rate” e uma sua indispensável adaptação aos objetivos ambientais e climáticos visados pela PAC pós-2020, o que irá implicar uma afetação de parte dos pagamentos eco regime para a promoção de tecnologias e práticas características das chamadas agriculturas de precisão e de conservação.

Sétimo, uma atribuição aos pagamentos eco regime de uma verba equivalente a 25% do total dos PDP do 1º Pilar, que se considera ser indispensável para que estes pagamentos possam responder de forma eficaz às necessidades de apoio aos sistemas de produção animal e vegetal, anteriormente identificados.

Importa, finalmente, sublinhar que um futuro desenvolvimento sustentável do sector agroalimentar nacional vai implicar, para além do conjunto de orientações estratégicas em causa, um pacote coerente e integrado de medidas complementares no âmbito do reforço das OP e da posição dos produtores agrícolas no contexto da fileira agroalimentar, de medidas eficazes de gestãode riscos e de estabilização de rendimentos e de incentivos adequados à inovação, ao investimento produtivo e à internacionalização.

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AGROS

Os momentos de crise são momentos de oportunidade “Não me digas que este problema é difícil; se não fosse difícil não seria um problema.” - Ferdinand Foch

D Pedro Santos Diretor-Geral da CONSULAI

Pequena nota inicial A Revista AGROS é uma referência para qualquer ex-aluno do Instituto Superior de Agronomia. Por isso, aceitei com bastante entusiasmo o desafio que me lançaram. Espero estar à altura do mesmo…

ificilmente conseguimos comparar a atual crise pandémica com outra crise anterior, mas temos todos consciência que iremos viver uma crise económica e social aguda e prolongada no tempo. Alguns setores, como o turismo, estão a atravessar momentos de grande agonia, enquanto outros, como o setor agrícola e agroalimentar, continuam a trabalhar e, nalguns casos, a crescer a sua atividade. Mas uma crise global gera uma quebra em todas as economias, com impactos diretos no rendimento das empresas e das famílias, que inevitavelmente todos os setores serão afetados.

Para o setor agrícola europeu, esta crise coincide com uma reforma da Política Agrícola Comum (PAC), cujo desenvolvimento mais recente tem sido assente na valorização de políticas ambientais em detrimento de políticas de promoção da produção.

Nos últimos anos, o valor estratégico da agricultura, para a União Europeia e para os Estados Membros, estava centrado sobretudo no seu papel ecológico e ambiental e, bastante menos, no seu papel associado

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à independência da balança comercial relativamente a países terceiros, ou como o setor que garante o fornecimento de alimentos.

No início da crise, e com receios de escassez de alimentos ou de interrupção de cadeias de abastecimento, existiram alguns países, alguns deles tradicionalmente abastecedores da UE, que limitaram, ou cancelaram, as suas exportações. Nessa altura, alguns previram (eu incluo-me nesse grupo…) que isto poderia ser um importante sinal para que os decisores políticos europeus dessem mais valor ao papel das políticas públicas na garantia da soberania alimentar e a da importância de uma cadeia agroalimentar mais resiliente a crises. Felizmente esta crise não foi suficientemente profunda para que obrigasse a que essa reflexão conduzisse a uma inversão da tendência anterior.

No passado recente a Europa foi, de forma mais célere ou menos célere, sempre capaz de encontrar políticas públicas capazes de responder aos mais diversos desafios societais. Não nos podemos esquecer que a PAC foi introduzida no tratado fundador (Tratado de Roma) da Comunidade Económica Europeia

(CEE) como resposta ao facto da Europa se encontrar devastada pelos efeitos da II Guerra Mundial e em que a agricultura tinha sido destruída e em que não existia garantia de fornecimento de alimentos às populações. E Europa passava fome, e isso foi há pouco mais de 60 anos! Nessa altura, foram cria-

“Não nos podemos esquecer que a PAC foi introduzida (...) como resposta ao facto da Europa se encontrar devastada pelos efeitos da II Guerra Mundial e em que a agricultura tinha sido destruída e em que não existia garantia de fornecimento de alimentos às populações.”

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AGROS

dos incentivos à produção através de um sistema de suporte de preços aos agricultores, combinado com a proteção das fronteiras e apoio à exportação, com o objetivo de incentivar a produtividade na cadeia alimentar, a estabilização do mercado e garantir a disponibilidade de alimentos a preços razoáveis.

Estas políticas públicas foram um sucesso. A Europa passou a produzir excedentes e, rapidamente, os europeus passaram a estar cada vez mais preocupados com a sustentabilidade ambiental da agricultura.

Por isso, foi possível passar de uma lógica de apoio ao mercado (através de preços) para apoio ao produtor (através de apoio ao rendimento), procurando melhorar a competitividade, garantindo a segurança alimentar, diversificando a produção, protegendo o ambiente e estabilizando as despesas orçamentais da PAC. Estas políticas foram igualmente um sucesso e, atualmente, a Europa é, sem qualquer sombra de dúvida, a referência mundial na produção de alimentos baratos, seguros e com grande respeito pelo ambiente.

Quem “vive” todos os dias o setor agrícola sabe

que a finalidade da produção agrícola é produzir alimentos de qualidade e que satisfaçam as necessidades e os desejos dos consumidores. Obviamente que o ambiente e a sustentabilidade não podem (nunca!) ser desligados da produção, pelos benefícios produtivos a longo prazo e pela responsabilidade geracional do setor, mas é absolutamente indispensável garantir a dignidade e a segurança dos agricultores, porque em última instância, é a segurança do país que fica ameaçada (“hinc patriam sustinet” – “os que a pátria sustentam”, como tão bem representa o lema da nossa escola).

O aprofundamento do papel “ambiental” da agricultura, implica que seja possível encontrar políticas públicas que permitam compatibilizar a necessidade de aumentar a nossa soberania alimentar, com maior produção de alimentos, com a necessidade de preservar bens públicos, como o solo, a biodiversidade e a paisagem. Isso significa que sejam incorporadas medidas de remuneração dos serviços prestados pelos agricultores, e o que o mercado não está disposto a pagar, para que seja possível sinalizar o

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“E para que esta equação seja mais “favorável” ao setor é necessário que sejamos capazes de comunicar com novos públicos e com uma linguagem mais “fresca” e descomplexada.” caminho sem condicionar a capacidade produtiva e a rentabilidade da produção alimentar. É uma equação difícil, mas desafiante e estratégica para o futuro da Europa.

E para que esta equação seja mais “favorável” ao setor é necessário que sejamos capazes de comunicar com novos públicos e com uma linguagem mais “fresca” e descomplexada. Temos de ser capa-

zes de ter uma voz junto das redes sociais e de passar, de forma sustentada e credível, a imagem do que somos atualmente: um setor moderno, capacitado, tecnologicamente evoluído e com fortes preocupações ambientais e sociais. Temos de renovar o contrato-social com os consumidores para que seja valorizado o nosso papel na sociedade e para que tenhamos mais força negocial na definição de agendas ambientais ou económicas.

Em todas as crises há oportunidades. A “nossa” passa por reforçar a importância do setor a nível económico, social e ambiental, e por se (re)afirmar como um setor estratégico para o país e que garante que todos tenhamos o que comer em casa todos os dias.

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AGROS

Conclusão e Agradecimentos A

pesar de ter sido um ano atípico, foi possível concretizar mais uma edição da mítica AGROS. Este ano focamo-nos nas dificuldades existentes na agricultura e produção animal, tornando esta revista única e atual aos tempos que vivemos.

São inúmeros os desafios ultrapassados pelos portugueses que se dedicam ao sector primário e é nosso dever, como futuros engenheiros agrónomos e zootécnicos, defender e dar uma voz à nossa área, usando qualquer meio possível.

Como referido anteriormente, este foi um ano insólito, que trouxe muitas adversidades aos portugueses e trará, infelizmente, ainda mais, pelo que esta edição sirva para apelar ao consumo de produtos nacionais, ajudando os nossos produtores nestes tempos difíceis e permita ao leitor conhecer melhor a realidade do nosso setor e reconheça a sua importância.

Esperemos que a AGROS deste ano tenha sido do agrado de todos.

Obrigado a todos que contribuíram para a edição nº 100 da AGROS, com os seus artigos e conhecimento e a todos que ajudaram na edição e produção da mesma.

João Adriano Tavares Secção AGROS

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