Excerto cultura do mirtilo

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CULTURA DO MIRTILO

Prefรกcio Sr. Engยบ. Pedro Brรกs de Oliveira


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O género Vaccinium, ao qual pertence o mirtilo, encontra-se distribuído por várias regiões do globo, nomeadamente em Portugal, onde ocorrem, no estado selvagem, pelo menos quatro espécies, todas elas comestíveis e tradicionalmente utilizadas, em maior ou menor extensão, pelas populações locais. Referimo-nos às espécies Vaccinium padifolium e V. cylindraceum, nativos do arquipélago da Madeira e dos Açores, respetivamente, e das espécies V. myrtillus e V. uliginosum, sendo estas as duas espécies endémicas de Portugal continental. O Vaccinium myrtillus, bastante comum nas serras do Alto Minho, estende a sua distribuição até ao centro do país, recebendo o nome tradicional de arando, designação que antigamente tinham em Portugal os mirtilos, muito semelhante ao nome dado em Espanha, onde são chamados de arandanos. Curiosamente, foi com a introdução do mirtilo americano e das suas cultivares comerciais, feita, primeiramente e sobretudo, a partir da França, de onde os recebemos por influência de compatriotas aí emigrados conhecedores do fruto, que este foi rebatizado, no final do século XX, para a genérica designação de mirtilo, do francês mirtille que hoje, em Portugal, é utilizada quer relativamente ao fruto quer à planta que o produz.


Origem e História

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vários concelhos do país, mas sem retirar àquele concelho o título da Capital do Mirtilo, fruto que entrou na cultura e gastronomia local. Em 1994 é constituída, em Sever do Vouga, a primeira organização de produtores, a Mirtilusa, que começa a exportar nesse ano a produção dos vários pequenos produtores aderentes à “primeira geração” do final dos anos 80. Como curiosidade refira-se que, apesar do grande crescimento do cultivo de mirtilos em todo o mundo, e especialmente notável na República Popular da China, o crescimento da área atenuou-se em países como a Holanda, França e Reino Unido, por se tratar de uma cultura muito dispendiosa em termos de mão de obra, estando, sobretudo, a derivar para países de mão de obra mais barata. Trata-se de uma cultura na moda, que só na Europa duplicou a sua área em apenas 5 anos (Tabela 1), seguindo uma tendência global generalizada, acompanhando um idêntico, se não maior, incremento da procura pelos mercados consumidores. Tabela 1 – Evolução da área plantada com mirtilo em alguns países e regiões durante 5 anos, em hectares (Brazelton, 2011)1.

2005

2007

2008

2010

Área em Hectares França

300

328

340

360

Espanha

200

750

850

1052

Portugal

40

129

134

194

Itália

180

218

243

275

Alemanha

1600

1780

2048

2144

Polónia

2600

2711

2792

3156

Europa

3939

6759

7298

8189

Marrocos

0

69

73

182

Turquia

0

0

49

61

China

260

1325

1173

3498

Chile

4499

9184

10887

13048

Argentina

2799

3803

4410

3844

América do Norte

28757

34641

38683

44623

1 Brazelton, C. (2011) - World Blueberry Acreage & Production. Brazelton Ag Consulting.


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CULTURA DO MIRTILO

10º

1 Mar

42º

42º

Melgaço

C

15 Jul 1 Jul

15 Fev

V. do Castelo

C

T

1 Mai

1 Jun

T

Montalegre

C

Bragança

1 Mar

C

Mirandela

INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA E GEOFÍSICA

1 Abr

M. do Douro

Braga

15 Fev

Vila Real

15 Fev

15 Mar

C

1 Fev

Porto S. Pilar

41º

Última geada (data média)

S. Jacinto

Viseu

C

15 Fev 15 Mar

T

41º

T

Guarda

C

Anadia

1 Mar

15 Abr

F. C. Rodrigo

T

C

1 Abr

P. Douradas

Coimbra

C

40º

1 Mai

Zebreira Cast. Branco

T

R. da Murta

15 Mar

M. Grande

1 Mar 15 Fev

1 Mar

C

T

C. Carvoeiro

40º

15 Abr 1 Abr

Portalegre Santarém 15 Fev 1 Mar

Dois Portos

39º

S. de Magos Mora

LisboaC

15 Fev

C. Roca

T

Águas de Moura Setúbal

1 Fev 15 Fev

Sesimbra Maça

15 Mar

T

Sines

1 15 C cedo T tarde

C

1 Mar

15 Abr

Beja

S. Cacém

38º

1 Abr

Évora

15 Fev

39º

Elvas

C

38º

Mértola

Alvalade

15 Mar

Ameixial

15 Fev

T 15 Fev

V.R.S.to António Sagres 37º 10º

C P. da Rocha

Faro 37º

Figura 12 – Data média da última geada de primavera16.

16 Bettencourt, M. (1980) - O Clima de Portugal fascículo XX - Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica.


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CULTURA DO MIRTILO

e a carga. Normalmente este tipo de poda tem como objetivo fundamental a melhoria da qualidade da fruta, promovendo o crescimento em peso e diâmetro desta e não da produção total em si, por vezes, até, elevando a qualidade com sacrifício da produtividade. Alguns produtores recomendam a aplicação de caldas ricas em cobre, como a bordalesa, após a poda das plantas de mirtilo para que se garanta uma proteção invernal das feridas criadas face ao ataque de fungos que podem aproveitar estas “portas” como entrada na planta, parecendo-nos cautela muito sensata. De referir que nos EUA, além das caldas cúpricas, são indicadas aplicações invernais da calda sulfocálcica, para uma proteção mais completa, pela ação do enxofre complementar ao cobre, contra certos fungos do lenho.

1,8

1,5

1,2

0,9

0,6

0,3

(m)

Figura 18 – Poda corretamente realizada.

Poda de verão A poda de verão pode ser tão subtil como a simples passagem pelo pomar com eliminação de ramos ladrões, crescimentos anómalos e mal inseridos, ou tão severa como a passagem de uma máquina “corta-sebes” em todo o pomar.


Colheita

-20 -40 -60

-100 Mai

Uma linha de gotejadores Duas linhas de gotejadores Jun

0

Jul

Ago

Set

Colheita

-20 -40 -60 -80

-100 Mai

30-cm emitter spacing 45-cm emitter spacing Jun

Jul

Ago

Set

0

Out

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Colheita

-20 -40 -60 -80

-100 Mai

Out

Tensão potencial do solo (kPa)

-80

Tensão potencial do solo (kPa)

0

Tensão potencial do solo (kPa)

Tensão potencial do solo (kPa)

Água

Uma linha de gotejadores Duas linhas de gotejadores Jun

0

Jul

Ago

Set

Out

Set

Out

Colheita

-20 -40 -60 -80

-100 Mai

30-cm emitter spacing 45-cm emitter spacing Jun

Jul

Ago

Figura 27 – Comparação entre a utilização de um e dois tubos gotejadores e entre emissores a 0,3 e 0,45 cm entre si. (Adaptado de Bryla e tal., 2012).

Com este tipo de emissores mantêm-se as vantagens da rega gota-a-gota como baixo débito, economias de água e energia e a possibilidade da fertirrigação, porém, é: – Mais difícil manter na posição correta; – Não deve ser usado em plantações em que se aplica plástico como cobertura. Existe ainda a possibilidade de se usar um sistema gotejador enterrado (10 centímetros de cada lado da planta). Neste caso reduz-se a erosão, garante-se uma maior área molhada e uma dispersão de sais (normalmente é onde se encontra o emissor que a concentração é menor), apresentando ainda a vantagem de haver menos humidade na coroa da planta, podendo assim limitar o aparecimento de fungos das raízes e, em jovens plantas, sendo sem dúvida mais eficaz do que os restantes sistemas gotejadores. Neste caso há ainda que ter cuidado com a utilização de emissores que sejam próprios para enterrar e que, entre outras características, não podem permitir a entrada de raízes que obstruam os gotejadores.


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CULTURA DO MIRTILO

Como exemplo de tubagem enterrada dá-se como exemplo o sistema KISSS (Kapillary Irrigation Sub-surface System), sendo este o sistema de rega que tem garantido melhores resultados em ensaios com a cultura de mirtilo. Neste caso, a água é difundida através de um tubo gotejador munido de umas “aletas” de tecido geotêxtil que mantém a humidade uniforme ao longo da linha, sendo a água e nutrientes repartidos de uma forma mais homogénea lateralmente e menos em profundidade. Este tipo de rega de subsuperfície é também chamado de rega por capilaridade, pois a água difunde-se em contínuo pela tubagem e pelos difusores e não em gotas concentradas num só ponto como nos gotejadores clássicos, enterrados ou não, e que normalmente apresentam alguns problemas com concentração de salinidade do solo e, sobretudo, uma zona sobreirrigada com frequentes momentos de anaerobiose.

Solos sobresaturados criam ambiente anaeróbios

Irrigação capilar cria melhores condições de humidade

A superfícies mantém-se mais seca pelo que se reduz drasticamente as condições para infestastes e fungos.

Figura 28 – Comparação da rega tradicional enterrada e pelo sistema de rega por capilaridade. Adaptado de KISSSAmerica.

Embora seja ainda informação resultante de poucos ensaios, é interessante constatar que são já alguns os estudos de longa duração em que se verificou que, apesar de a rega gota-a-gota ser a que garante um melhor estabelecimento inicial da cultura (primeiros 3 anos), a médio prazo (> 4 anos) e pelo menos até ao 7º ano, as produções de fruta nas variedades Elliot e sobretudo Duke, poderão ser maiores quando se utiliza o sistema de microaspersores.


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CULTURA DO MIRTILO

Quando regar O mirtilo, ao contrário de outras culturas como o milho, não manifesta rapidamente de forma visível uma situação de stress hídrico, de modo que quando este é detetado já é muito tarde e já houve uma grande perda de produção. Existem diversos métodos à disposição do produtor que podem auxiliar na determinação do momento certo. Todavia, o que se encontra mais facilmente ao alcance do produtor é o tensiómetro (Figura 30). Este equipamento, que todos os produtores devem ter e utilizar, é constituído por um cilindro poroso equipado com um manómetro. Para funcionar deverá encher-se de água e enterrar parcialmente de modo a que a ponta porosa fique ao nível das raízes. Como o cilindro é poroso podem estabelecer-se pressões negativas e positivas de troca de água com o solo, de modo que o manómetro indica a pressão de vácuo dentro do cilindro, que é tanto maior quanto menos água exista no solo.

bolhão

tampa

manómetro

tubo selado

solo

água ar

cápsula de cerâmica porosa

água no solo

Figura 30 – Tensiómetro no solo e pormenor da cápsula cerâmica.

De acordo com a literatura, a rega do mirtilo deve fazer-se quando a pressão medida nestes aparelhos atingir a gama dos 20-40 centibares em solos leves e entre os 60-80 centibares para solos pesados (o equipamento perde alguma eficiência nesse tipo de solos).


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CULTURA DO MIRTILO

Crocância

Cor 30 25

Suculência

20

Intensidade de odor Odor a mirtilo

15 Firmeza

Intensidade de gosto

10

Duke1

5

Duke2

0

Legacy1 Legacy2 Gosto doce

Flavor a bolor Flavor a terra

Palmeto Camelia

Gosto ácido Flavor Gosto amargo a mirtilo Adstringência

Figura 36 – Exemplo dos resultados do perfil sensorial de amostras de mirtilo por um painel de provadores. Adaptado de Fonseca e tal. 201249.

Pós-colheita Depois de a fruta ser colhida é de todo o interesse baixar o mais rapidamente a temperatura que a fruta traz do campo. Deste modo, reduz-se a respiração do fruto e, assim, a sua perda de qualidade e de água (realizaram-se estudos que indicam que a fruta pode adquirir alguma cor se mantida a 21 ºC durante uma noite, caso esteja com os ombros verdes porém, a conclusão foi no sentido de que o ganho de cor não era eficiente e não compensava as perdas de conservação associadas). As empresas que têm os mais altos padrões de qualidade promovem o arrefecimento da fruta no máximo em duas horas. No entanto, é admissível que a entrada na primeira câmara de arrefecimento seja feita em cerca de 4 horas, sendo este intervalo de tempo mais crítico quanto maior for a temperatura ambiente.

49 Dados parcialmente obtidos no número 3 do suplemento Pequenos Frutos do número 7 da Revista AGROTEC (2013), Justino Sobreiro – Atmosfera Controlada para Pequenos Frutos.


Sanidade

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A introdução desta praga, que causa danos muito severos nas variedades mais tardias, quando as populações são mais elevadas, tem levado à utilização de alguns inseticidas na cultura do mirtilo com resultados pouco positivos na preservação dos auxiliares, podendo, portanto, vir a ser causa da desestabilização do ecossistema do pomar de mirtilo, pelo que se deve agir com redobradas cautelas.

Figura 43– Drosophila suzukii. Primeira linha: à esquerda, um macho (em vista dorsal) e uma fêmea (vista ventral mostrando ovipositor), respetivamente; à direita, vista de topo do díptero. Gary J Steck, Florida Department of Agriculture and Consumer Services, Division of Plant Industry, Gainesville FL, USA. Segunda linha: características morfológicas que permitem a identificação de Drosophila suzukii.

Rhagoletis mendax – Esta pequena mosca, semelhante à mosca da cereja, é uma praga chave nos EUA. Está ausente na Europa. Tal como na cereja, a mosca põe os seus ovos nas bagas de mirtilo, destruindo-os. Após a queda prematura do fruto, a larva pupa no solo, reiniciando o ciclo. Vespas – Embora não possam ser elevadas ao nível de “pragas”, pelo reduzido impacto, pode referir-se aqui que algumas vespas, sobretudo a Vespa germânica, aparecem nos nossos pomares perfurando com as suas mandíbulas a pele dos mirtilos mais doces. Os ataques dão-se, sobretudo, na segunda metade do verão, quando as populações são mais elevadas e a disponibilidade de alimento alternativo


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