I Love Aveiro - Heróis de Aveiro

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HERÓIS

AVEIRO

DE

by AGORAAVEIRO


NEM TODOS OS HERÓIS USAM CAPA O QUE É A AGORA AVEIRO?

O QUE FAZEMOS?

A Agora Aveiro é uma associação de jovens que trabalha na promoção da cidadania ativa e participativa. Acreditamos que para que as mudanças surjam, temos de as fazer acontecer. Questionamos paradigmas, mudamos mentalidades e, mais importante, atuamos na comunidade.

Na Agora Aveiro desafiamos cada um de nós a ser um elemento de mudança. Para isso incentivamos o desenvolvimento de uma atitude crítica, proativa e criativa.

Mantendo um espírito crítico, inspiramo-nos no mundo, combatemos o conformismo e concretizamos ideias com impacto. Desafiamos a comunidade a tornar-se uma força catalisadora de transformação do mundo à sua volta.

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Criamos pontes e ligações e juntamos o potencial de cada um dos elementos da sociedade. Fortalecemos sinergias e colaborações entre associações, instituições de ensino, entidades públicas, empresas e tecido comercial em torno de um objetivo comum, a mudança. Apoiamos causas sociais, promovemos a sustentabilidade, divulgamos arte e cultura e intervimos nas ruas da nossa cidade. Fazemos a mudança acontecer!


ÍNDICE 01. A Agora Aveiro e o “Heróis de Aveiro” 03. Rosa Gadanho, Professora 05. Manuel Barbosa, Chefe dos Bombeiros 07. Margarida Gonçalves, Psicóloga 09. João Henriques, Animador 11. Ondina Pereira, Enfermeira 13. Rui Figueiredo, Agente Principal 15. Micaela Oliveira, Médica de Família

O “HERÓIS DE AVEIRO” Neste booklet prestamos homenagem aos homens e mulheres que, embora não usando uma capa, salvam vidas! Bombeiros, médicos, polícias e enfermeiros, mas também professores, vizinhos e amigos. Pessoas que dedicam o seu tempo

e capacidades a melhorar a nossa cidade. Pessoas que não se vêm a si próprias como “heróis”, mas que o são para a comunidade. Reconhecemos assim o trabalho destes profissionais e, ao mesmo tempo, mostramos como cada um de nós também pode ser um herói.

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Estamos cá para fazer coisas! ROSA GADANHO PROFESSORA Centro Escolar de Santiago

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O saber transforma o lugar Rosa não se considera um herói, mas admite que conheceu vários. “Com alguns deles aprendi muito”. Rosa Gadanho, recentemente aposentada, foi durante mais de quatro décadas professora. Esteve ainda envolvida na criação das bibliotecas escolares no Município de Aveiro e foi bombeira, em tempos em que só homens exerciam a atividade. “Não queremos cá saias!”, foi a mentalidade que enfrentou e superou. Atualmente, Rosa faz voluntariado no Estabelecimento Prisional de Aveiro. Sempre preocupada com problemas sociais na comunidade, realça “estamos cá para fazer coisas!”. Começou a sua carreira na educação especial, área em que trabalhou durante 36 anos. Acompanhou de perto a transição das crianças das CERCI’s (Cooperativa para a Educação, Reabilitação, Capacitação e Inclusão) para as escolas regulares. Rosa defende que “o lugar dos miúdos é ao pé de outros miúdos. A forma das pessoas se aceitarem umas às outras é viverem em comunidade”. Foi árduo, as escolas não estavam preparadas para estas crianças. “Algumas ficavam fechadas, sozinhas e isoladas enquanto os pais trabalhavam. Estamos melhor, mas ainda nos falta muito (...) ainda estamos muito longe de um lugar digno para elas”. Foi na Escola Básica de Santiago que durante mais tempo trabalhou e se dedicou. “Foi uma batalha”, relembra. Uma escola, criada para responder às necessidades de um bairro “problemático” aos olhos de muitos. Um bairro preenchido com famílias com dificuldades, económicas e não só. “No início, as crianças do bairro foram frequentar a Escola da Glória e o impacto foi muito perturbador. Então os poderes instituídos juntaram-se e rapidamente criaram a Escola de Santiago. Toda a gente nos perguntava “porque querem ir para essa

escola?””. A luta contra o estigma e a imagem negativa atribuída ao estabelecimento foi algo que se mostrou frutífero. A criação do jardim de infância e da biblioteca, o foco nas questões ambientais e o esforço coletivo, ajudaram a fortalecer a ligação entre a escola e as famílias. Hoje, a Escola de Santiago nem consegue dar resposta a tanta procura. E o que é um herói aos olhos de quem já viu muitos? “Para mim, os verdadeiros heróis são aqueles que, apesar das dificuldades, do desprezo e do preconceito, conseguem levantar a cabeça e ter uma vida digna. É muito difícil”. Rosa guarda consigo imensos momentos marcantes ao longo de tantos anos de trabalho. Relembra episódios atrozes que ninguém espera confrontar, mas foi nesses momentos que sentiu as “sinergias da comunidade” a intervir. “Nunca vi tanta gente a tentar encontrar resposta sem comprometer as crianças”, afirma acerca de um desses episódios.

Os verdadeiros heróis são aqueles que, apesar das dificuldades, do desprezo e do preconceito, conseguem levantar a cabeça e ter uma vida digna

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Perante o fogo o homem é um ser frágil MANUEL BARBOSA CHEFE DOS BOMBEIROS Bombeiros “Velhos” de Aveiro

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A chama que não se extingue Manuel Barbosa demonstra um grande dever cívico. Considera que ao ajudar qualquer pessoa, está apenas a fazer o que lhe compete. “Quando uma pessoa se coloca em risco para ajudar o outro, sem ter conhecimentos ou meios, será sempre um herói”.

conseguiram controlar o fogo e cessar o mesmo, “foi complicado chegar ao local e encontrar os corpos carbonizados de colegas com quem tínhamos acabado de estar a trabalhar lado a lado. Fica sempre aquele sentimento de que poderia ter sido qualquer um de nós. Perante o fogo o homem é um ser frágil”.

Manuel Barbosa é Chefe dos Bombeiros “Velhos” de Aveiro desde 2000. Tendo começado o seu percurso como bombeiro em maio de 1979, completa 41 anos de serviço. “Desde que comecei a exercer a função, verifiquei uma grande evolução nas condições [do quartel, equipamento e serviços]”.

Apesar de todas as adversidades, momentos complicados e horas longas que a atividade de bombeiro acarreta, o Chefe Barbosa não deixa o quartel tão facilmente. A sua filha e genro são também bombeiros. O sentido de camaradagem e espírito de equipa está fortemente enraizado. “É como uma família!”.

Como Chefe, Manuel começa o seu dia a orientar a equipa, garantindo que os serviços não se acumulam. “Temos a prestação de socorro que tem que ser gerida. Tenho que garantir que não há nenhum congestionamento nestes serviços, seja de pessoal, equipamento ou tempo de resposta”. Ao longo dos muitos anos de missão, já passou por diversas ocorrências, desde incêndios a prestação de primeiros socorros. “Nunca ninguém está completamente preparado para isso”. De modo a se proteger e poder prestar auxílio, teve que aprender a não se apegar muito a uma situação, porque, segundo o próprio, “logo a seguir vem outra”. “Não é de todo fácil. O que mais me afeta é chegar ao local da ocorrência e haver crianças. É a parte mais emocional para qualquer bombeiro, porque as crianças nunca têm culpa. Muitos de nós somos mães, pais, avós e torna-se sempre algo emocional”. Até hoje, o episódio que mais o marcou foi o incêndio florestal, de 2016, em Águeda. “Começámos a operação por fazer um briefing sobre o modo como iríamos proceder e dividimo-nos em grupos. Infelizmente, o incêndio cercou alguns de nós... Perdemos 13 bombeiros. O fogo foi mais rápido.” Quando

Quando uma pessoa se coloca em risco para ajudar o outro, sem ter conhecimentos ou meios, será sempre um herói

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É necessário sermos humildes, gratos, olhar para a pessoa no seu todo e termos compaixão MARGARIDA GONÇALVES PSICÓLOGA Unidade Clínica da Borralha

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Ler as entrelinhas do silêncio Para muitos, a ideia fantasiosa de um herói é a daquela pessoa que consegue fazer tudo e mais alguma coisa. Porém, Margarida Gonçalves pensa de outra forma. “Um herói, na vida real, não deve ser quem faz tudo, mas quem está presente naquilo que faz, com humildade, gratidão e compaixão”.

Natal ou não, em que não tinha a família em seu redor. “O meu coração tem muita tristeza”, continuou ele, momentos antes de lhe virem as lágrimas ao olhos. “Foi um banho de humildade. É necessário sermos humildes, gratos, olhar para a pessoa no seu todo e termos compaixão”, algo que a psicóloga reconhece estar em falta na sociedade.

Margarida é psicóloga, com bastante experiência no contexto comunitário, social e com idosos. Atualmente, trabalha como psicóloga clínica, não perdendo, no entanto, o contacto com o ambiente social da psicologia, área que lhe interessa desde os tempos de faculdade. Afirma que o seu objetivo é “trazer a psicologia à rua, à comunidade”. Psicologia “sem estigmas e sem preconceitos, que tanto existem ainda hoje”, lamenta.

Porém, nem tudo corre como planeado e há casos em que não se consegue ajudar. Quem faz a mudança “é a própria pessoa e esta pode não querer mudar”. Aqui destaca a influência da sociedade, a crítica e os olhares. Ao início, Margarida sentia uma revolta interior, mas “a prioridade são as emoções da pessoa, dar espaço e ter noção que a mudança de comportamento não é imediata”. Mesmo não resultando como planeado, o importante é “chegar ao final do dia e pensar se fiz o melhor que podia fazer. Se a resposta for sim, ótimo. Se não, amanhã é outro dia”.

“Só quem é louco é que vai para o psicólogo”, continua a ser um dos principais preconceitos existentes. A desvalorização da doença mental e a dificuldade em pedir ajuda são fatores que dificultam o trabalho dos profissionais. A forma como a sociedade analisa e se comporta é também um fator determinante para a evolução dos comportamentos. “Todos nós somos agentes de mudança!”, afirma. Margarida acredita que “todos nós temos algo de novo a aprender com todas as pessoas com quem nos cruzamos”. Coleciona na memória valiosas lições, fruto da experiência e do contacto, da ligação e da empatia. “Nem todos têm de sentir o que estamos a sentir naquele momento, naquele contexto”, aprendeu num dos episódios mais marcantes do início da sua carreira. Era Natal no lar, época em que todos se reúnem, família e amigos, e o lar se enche de animação. Porém, nem todos se sentiam assim. Margarida recorda como se aproximou de um dos idosos, sozinho e desanimado, “doutora, a festa é exterior, não interior”. Para o homem, era mais um dia,

O que faz Margarida mais feliz? A resposta é simples: conseguir “fazer ver à pessoa que pode ser muito mais do que aquilo que acha que é” e ao final do dia, saber que “naquele momento, naquela situação, eu estive lá”.

Todos nós temos algo de novo a aprender com todas as pessoas com quem nos cruzamos

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Isto não é sobre nós, é sobre as pessoas JOÃO HENRIQUES ANIMADOR Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes

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Ouvir contra a indiferença Esta história, como o próprio fez questão de realçar, não é só sobre João Henriques, Assistente Social e Animador no Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM). É sim sobre todos aqueles que ajuda diariamente e aos quais quer dar voz. Há três anos e meio que João trabalha no CLAIM, e é aqui que todos os dias presta serviço a migrantes e refugiados. Com vista à sua integração e autonomização no país, presta atendimentos, apoio social e promove atividades culturais. “A minha abordagem no dia-a-dia é, acima de tudo, a de escutar”, explica sobre o seu trabalho. Acredita que só assim poderá realmente colmatar as necessidades daqueles que procuram o seu apoio. Sobre o que o levou a escolher a profissão, afirma não saber explicar, talvez tenha sido por influência da mãe e irmã, também elas assistentes sociais, “quando tenho consciência de mim, já era o que eu queria ser”, confessa. Relatos de vidas turbulentas não faltam a quem lhe recorre, pessoas que parecem “por vezes invisíveis”, que, por não estarem integradas na comunidade, acabam por ter dificuldade no acesso aos serviços de saúde, educação e cultura. Pessoas que “precisam apenas de facilitadores que os possam apoiar na concretização dos seus objetivos”. É para estas que João trabalha, escutando os seus problemas e celebrando as suas conquistas. Por estar tão por dentro das dificuldades que enfrentam, sente a responsabilidade de lhes dar visibilidade, “isto não é sobre nós, é sobre as pessoas”. As dificuldades não se sentem só no acesso a serviços básicos. Também se ouvem nas conversas racistas e xenófobas que, embora desiludindo João, permitem-lhe ter uma melhor compreensão sobre a sociedade para que nesta consiga intervir.

“Enquanto não houver uma maior abertura por parte da comunidade para integrar essas pessoas, estamos a promover a exclusão social”. Assim, a história de João é a de um aveirense que quer dar protagonismo a todas as pessoas que, de algum modo, sofrem discriminação, tendo sempre plena consciência de que “não é através de um clique que as coisas mudam. É um trabalho de continuidade”. João afirma não ser um herói, “parece-me um pouco exagerado”. Mas os heróis não usam capas nem têm superpoderes, são pessoas que na sua humildade nem se apercebem que para todos aqueles a quem dão a mão, não têm outro nome senão esse.

Enquanto não houver uma maior abertura por parte da comunidade para integrar essas pessoas, estamos a promover a exclusão social

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Às vezes, a nossa missão como enfermeiros ultrapassa as paredes do hospital ONDINA PEREIRA ENFERMEIRA Centro Hospitalar do Baixo Vouga

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Um coração que bate sem preconceitos Quando questionada sobre o que é um herói, Ondina enaltece os “heróis das coisas pequenas”. Se cada um fizer a sua parte, se cumprir com excelência a sua missão, então “cada um é um pequeno herói naquilo que faz”. Enfermeira há 25 anos, Ondina Pereira trabalha no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental (DPSM) do Centro Hospitalar do Baixo Vouga. Apesar de ter estado alguns anos no serviço de ortopedia, há 10 anos que integra a Unidade de Intervenção Comunitária, um dos serviços do DPSM. Aqui faz parte de uma equipa multidisciplinar que realiza visitas domiciliárias e presta apoio a utentes referenciados pela Unidade Hospitalar. “É um cuidado de proximidade”, refere sobre o seu trabalho, onde faz o acompanhamento e reabilitação de doentes mentais, visando a sua autonomia e integração na comunidade. “Queria fazer algo que me permitisse estar perto das pessoas”, explica sobre o que a levou a escolher enfermagem. O gosto por esta profissão fez com que nunca se tenha arrependido ou duvidado da carreira que escolheu e afirma ser “enfermeira por vocação, na psiquiatria por paixão”. Contudo, não é apenas o interesse por esta área que faz de Ondina uma boa profissional, mas também o facto de valorizar cada utente como uma pessoa individual que vai para além do rótulo da doença que enfrenta. “O cuidado de tratar os outros como pessoas, independentemente de terem uma doença mental, seja ela qual for”, é o mais importante para a enfermeira. Neste ponto, denuncia o estigma ainda existente na sociedade perante os doentes mentais e psiquiátricos, reforçando a necessidade da sua desmistificação. Defende que todos “vivemos numa balança entre a saúde e a doença mental”, e apesar de “encontrarmos mecanismos de defesa”, todos podem ter os seus momentos de desequilíbrio, pois “a

doença mental é de todos”. Por trabalhar e viver em Aveiro, é natural deparar-se com alguns destes antigos utentes na rua, depois de regressarem à vida em comunidade. É nestes encontros ocasionais e despropositados que, por vezes, se depara com utentes que se encontram instáveis. É sua responsabilidade sinalizá-los e encaminhá-los novamente para os serviços de psiquiatria. “Às vezes, a nossa missão como enfermeiros ultrapassa as paredes do hospital”. Outra ideia que pretende desmontar é a imagem de uma “psiquiatria agressiva” com utentes violentos. Afirma que “a nossa maior arma é a comunicação”, realçando a importância de tratar com dignidade cada utente, de lhes prestar atenção, de os compreender e, com isso, acalmá-los. Para o conseguir fazer, não se deixa influenciar pela opinião que outros têm sobre os seus pacientes, independentemente de os considerarem violentos ou agressivos. “Somos nós que estamos ali naquele momento, não são os outros, somos nós”.

O cuidado de tratar os outros como pessoas, independentemente de terem uma doença mental, seja ela qual for

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O nosso trabalho é estar presente e intervir RUI FIGUEIREDO AGENTE PRINCIPAL Polícia de Segurança Pública

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A serenidade de uma luz de presença Para Rui Figueiredo, “um herói é alguém que faz um serviço para o qual não lhe pagam. Que cumpre a sua missão porque tem amor à causa”. Fazendo o seu trabalho por gosto, Rui certamente já ganhou o título de “Herói” para muitos daqueles que o encontraram pelo caminho. Rui Figueiredo é agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) desde 1998. Iniciou a sua carreira em Lisboa, tendo sido depois transferido para Espinho, onde começou o percurso pelo qual se iria diferenciar. Aqui fazia o acompanhamento de idosos, trabalho que continuou quando se mudou para a esquadra de Aveiro. Quando iniciou a sua função, os números de acompanhamento eram escassos, com apenas 4 casos sinalizados. Atualmente, o grupo conta com 90 casos, o que demonstra o impacto que Rui teve. Com uma apetência e um talento natural para ajudar o próximo, Rui lida também com vítimas de violência doméstica. Dada a fragilidade dos grupos de atuação, a preparação emocional é de extrema importância. Rui confidencia: “Tenho que ter bastante controlo emocional. Nunca sabemos como vai ser o nosso dia”. O papel de um polícia é o de tentar amenizar as situações, “em casos de violência doméstica somos como que o controlo do agressor e a salvação da vítima”. Após 22 anos de serviço com grupos de saúde mental delicada, Rui deparou-se com inúmeras situações que o marcaram. No entanto, destaca um episódio que envolveu uma criança vítima de violência doméstica: “A menina vivia com a mãe numa casa sem condições. Dada a situação de emergência, a criança foi retirada e encaminhada para a esquadra”. Dali a criança sairia para uma instituição. Contudo, a mãe advertiu a menina de que a assistente social a levaria para um

lugar horrendo. Perante o medo que a menina sentia, Rui explica, “fiquei com ela até que o transporte chegasse”. Rui teve que se ausentar por momentos, mas ela recusou-se a ir embora sem se despedir dele. “Fez-me um desenho, que ainda hoje guardo. Abraçou-se a mim quando se foi embora. Fui para casa o caminho todo a pensar nisso”. Apesar de nem sempre ser fácil e de muitas destas ocorrências acabarem por ficar consigo, Rui Figueiredo não trocaria o seu trabalho. Quer seja zelar pelos outros, encontrar um idoso que a família não sabe o paradeiro ou apoiar vítimas de violência doméstica, “o nosso trabalho é estar presente e intervir”.

Todos aqueles que salvam a vida de alguém, vão ser sempre um herói para aquela pessoa

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Um herói é alguém que consegue fazer a diferença na vida dos outros MICAELA OLIVEIRA MÉDICA DE FAMÍLIA Extensão de Saúde de Oiã

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O peso de um ombro amigo No meio de uma crise pandémica, “médico” e “herói” são termos quase sinónimos. Apesar de concordar, Micaela Oliveira, médica de família, defende que “não é preciso ser médico para se ser um herói”. Para si, um herói é “alguém que consegue fazer a diferença na vida dos outros. Pessoas que, com gestos maiores ou menores, conseguem melhorar o dia de alguém”. Acredita que qualquer um pode ser um herói, “quer na sua profissão, quer com o vizinho do lado”, o importante é “perceber que alguém está a precisar de nós” e ajudar. Com o seu dia a dia “virado do avesso”, Micaela refere as mudanças sentidas no trabalho, despoletadas pela pandemia. “Para além das consultas presenciais, temos também as consultas por telefone e email”. É ainda da sua responsabilidade o acompanhamento telefónico de doentes COVID-19, tanto confirmados como suspeitos. “O trabalho aumentou para o dobro”, explica a médica. A situação atual trouxe ainda outras mudanças no seu quotidiano a um nível mais emocional. Não acredita que “o trabalho acaba na porta do centro de saúde”, por isso, inevitavelmente, as emoções de um dia de trabalho permanecem no seu pensamento. Afirma que agora é mais difícil, “estamos continuamente em risco. Venho para casa a pensar: será que eu estou a contaminar a minha família?”. Micaela refere existir ainda alguma disparidade de opiniões no que diz respeito ao trabalho dos médicos de família, nomeadamente no reconhecimento da importância desta especialidade. “Quem tem uma boa relação com o seu médico de família, reconhece a importância do nosso trabalho, mas infelizmente há ainda a perspetiva de que só os médicos do hospital é que resolvem os problemas”.

Sobre o que a levou a escolher a sua especialidade, revela que procurava algo “generalista e abrangente”, no qual tivesse a oportunidade de contactar com crianças. Mas refere que a escolheu principalmente pelo facto de poder interagir com diferentes gerações de uma família e acompanhar a sua construção e crescimento. No entanto, existe ainda o outro lado, o dos idosos que começam a estar sozinhos. “Temos de tudo, pais que quando o filho nasce nos mandam fotografias a dizer que correu tudo bem, e filhos a lamentar “infelizmente o meu pai acabou de falecer””. “É um trabalho de extremos”, conclui. Apesar de acompanhar várias famílias, Micaela confidencia “não guardo uma família em especial, vou guardando histórias”.

Temos de tudo, pais que quando o filho nasce nos mandam fotografias a dizer que correu tudo bem, e filhos a lamentar “infelizmente o meu pai acabou de falecer”

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O apoio da Comissão Europeia à produção desta publicação não constitui um aval do seu conteúdo, que reflete unicamente o ponto de vista dos autores, e a Comissão não pode ser considerada responsável por eventuais utilizações que possam ser feitas com as informações nela contidas.

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COMO É QUE VAIS SER UM HERÓI?

© AGORA AVEIRO, 2020

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