Super Man XXI - O Conflito de Kal-El

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Super Man XXI – O Conflito de Kal-El Daniel Alencar & David Quadro Capas: Pink Ghost Revisão Contextual: Pink Ghost

Críticas, elogios e sugestões: agibiteca@gmail.com


Super Man XXI – O Conflito de Kal-El 1° Edição – Agosto de 2014 Todos os personagens são de propriedade da DC Comics e utilizados sem a intenção de auferir qualquer valor a título de lucro direto ou indireto. As histórias são de autoria exclusiva do autor e podem ser copiadas, divulgadas e disponibilizadas à vontade. O autor se reserva ao direito de pedir que as histórias não sejam alteradas. Este livro virtual está disponível gratuitamente na Internet pelo site: http://agibiteca.blogspot.com E em diversos parceiros como: http://novapatopolis.blogspot.com http://chutinosaco.blogspot.com http://quadradinhospatopolis.blogspot.com http://gibisclassicos.blogspot.com

Proibida a venda deste e-book ou sua versão impressa.


Para a minha saudosa av贸 Paula. Espero de cora莽茫o que a senhora esteja em paz. Todos n贸s sentimos muito a sua falta.


Agradecimentos Engraçado como em nossa vida, temos tantas pessoas a agradecer e ao mesmo tempo só lembramos-nos delas quando paramos para pensar a respeito. No inicio dessa nova trilogia, quero agradecer diretamente a: - David Quadro que me inspirou, apoio e deu ideias para que essa história nascesse. E escreveu em conjunto comigo alguns trechos e capítulos. - Pink Ghost, que como sempre revisa o livro e opina sobre a continuidade, as sequências e as palavras utilizadas. - Alessandra, que ouve minhas ideias, aprimora algumas, suprime outras e se comporta como meu "pé no chão". - Minha querida mãe que vibra com a notícia de que estou escrevendo e fazendo um relativo sucesso. - Todo o pessoal do Facebook que está curtindo, comentando, compartilhando e entrando em contato, pedindo que eu libere logo o livro. Por hora é isso e vamos continuar sempre em frente. Um abraço a todos, Daniel Alencar


Índice - Reflexões do Autor - Prólogo - Capítulo 01: Super-Herói - Capítulo 02: Krypton - Capítulo 03: Adaptação - Capítulo 04: Primeira Diretriz - Capítulo 05: Interação - Capítulo 06: Afeto - Capítulo 07: Desonra - Capítulo 08: Anjo da Guarda - Capítulo 09: Lois Lane - Capítulo 10: Princesa - Capítulo 11: Conflito - Capítulo 12: Loucura - Epílogo


Reflexões do autor E aqui estou eu em mais uma incursão por um universo tradicional, clássico e com fans no mundo todo... O universo do homem de aço, o maior dos heróis, o escoteiro. Na realidade, a ideia inicial de Super Man XXI veio do meu grande amigo e mentor David Quadro. Claro que no começo não havia nada vinculado a um universo já existente, mas a medida que a história se desenrolava, decidimos que poderíamos adaptá-la aos personagens tão conhecidos e queridos. Um dos itens que eu sempre achei interessante na DC é o conceito do Multiverso, onde a Terra Ativa somos nós, a Terra Paralela possui os heróis da era de ouro, a Terra 3 só possui vilões, as Terra S, X, Primal e tantas outras foram criadas a medida que fossem necessárias. Até que o mega evento Crise nas Infinitas Terras mudou tudo. E depois Zero Hora, Crise Infinita, Crise Final, Flashpoint, o jogo Injustiça – Deuses Entre Nós e finalmente, o reboot dos Novos 52. Mas o conceito permanece. Em outra Terra, que está em outro universo, um pequeno detalhe pode mudar completamente todos os eventos, pessoas e situações. Tudo continua parecido e ao mesmo tempo, tudo é diferente. Mas por que Super Man XXI? É um trocadilho duplo, pois podemos dizer que estamos no século XXI e ao mesmo tempo, indicar que se passa na Terra 21. Com isso, não existe a possibilidade de estarmos ofendendo a integridade, ética ou mesmo a castidade de algum personagem. O quê acontece na Terra 21 não interfere com o nosso universo conhecido. Como fã e leitor, eu sempre adorei imaginar minhas próprias histórias. E com os Ebooks, consegui coloca-las para fora. Primeiro com o “Nova Patópólis”, agora com o Super Man. E a história? Na verdade, prefiro não falar nada a respeito do enredo, pois quero que seja uma surpresa (nas reflexões do volume 02, eu farei citações ao enredo do 01). Mas alguns pontos podem ser comentados. A princípio Super Man XXI será uma trilogia: – O Conflito de Kal-El – A Ascensão de um Herói – Campo de Batalha: Metrópolis E como foi em Nova Patópolis, diversos flashbacks e pequenas histórias serão contadas simultaneamente, cada uma em seu período de tempo.


Teremos personagens convidados do universo DC, cada um com sua personalidade bem definida e explicada. Não esperem reações básicas deles, e sim, reações realistas. Neste primeiro livro, também teremos contato com um outro universo bem interessante. Creio que os personagens não-DC serão convincentes e darão um charme especial a história. Para mim, é uma homenagem a dupla que eu acompanhei por muito tempo. No segundo livro, focaremos mais no passado, explicando diversos itens. E finalmente no terceiro, fechamos a história no presente, com a definição do futuro dos personagens. Mas o quê poderemos esperar de Super Man XXI? Simplesmente uma bela releitura de um mito. Uma versão que poderia ter acontecido, caso os eventos anteriores a chegada de Kal-El tivessem tomado o rumo que tomaram. Admito que estou adorando escrever esta história em parceria com David Quadro, e espero, de coração, que vocês a apreciem tanto quanto eu. E qual a minha personagem favorita desta história? Kara-El, a prima de Kal-El, que na nossa realidade, viria a ser a Super Girl... Tentem descobrir o motivo... Um grande abraço e boa leitura... Daniel Alencar


Prólogo Aquela segunda-feira havia começado como qualquer outra em Metrópolis. Amanhecer com um sol agradável era algo comum durante o verão e nada indicava qualquer grande mudança que merecesse atenção de seus habitantes. Mindy havia saído de casa há poucos minutos, pois seu trajeto até a escola era curto e podia ser feito a pé. O fato dela ter apenas dez anos não tornava sua vida mais fácil. Além da escola e as provas, existia o curso de natação (que ela gostava) e o de balé (que ela odiava, mas sua mãe fazia questão). Seu pouco tempo livre era distribuído assistindo programas no Disney Channel e lendo gibis. Apesar de gostar muito das peripécias do Tio Patinhas e Pato Donald, a medida que sua idade avançava, os seus gostos evoluíam também. Recentemente, estava acompanhando alguns gibis de Super-Heróis. Ás vezes ela se pegava pensando em como seria legal voar ou simplesmente ter uma identidade secreta. Totalmente distraída e já avistando a escola, Mindy ouviu a sua direita um miado bem fraco. Ao virar a cabeça, viu um gatinho muito pequeno no meio da rua. Antes de conseguir pensar em qualquer coisa, ela ouviu o barulho de um caminhão a sua esquerda. Ao olhar, notou que o caminhão se aproximava rapidamente de onde estava o gatinho. Se tivesse tido tempo para refletir, Mindy nunca teria saído correndo em direção ao meio da rua. Nem o grito de uma mulher que estava mais adiante teria passado despercebido. Se ela tivesse pensado, não teria caído junto ao filhote e não estaria vendo o caminhão chegando nela ao mesmo tempo em que o motorista tentava frear desesperadamente. Mindy fechou os olhos no momento em que agarrou o gatinho. Ela iria protegê-lo de qualquer forma. Em menos de um instante, ela sentiu um impacto. Foi tão rápido, que tudo ficou em silêncio. Alguns segundos depois, o silêncio permanecia e Mindy decidiu abrir os olhos. E foi aí que ela o viu.


Ele parecia uma estátua grega, poderoso, imponente e lindo de morrer, com olhos azuis da cor do céu que contrastavam perfeitamente com os cabelos negros, formando um conjunto de rara beleza. E olhava para ela com um sorriso. Mindy começou a tremer. Quando começou a comprar os gibis, seu pai a deixara bastante chateada dizendo com todas as letras que Super-Heróis não existiam. E agora Mindy podia confirmar que ele estava completamente errado. Duas horas depois desta ocorrência, o Cabo Sawyer batia receosamente na porta do General Lawliet, localizada na ala quatro do Pentágono. - Entre - resmungou o General sem sequer levantar os olhos em direção a porta. - Com licença, senhor - pediu o Cabo educadamente. - A vontade, Cabo - respondeu o General, olhando diretamente para o rapaz que havia adentrado. - Senhor, eu vim lhe comunicar que temos outro avistamento confirmado - disse o Cabo, com a voz pausada. - Outro, outro... Já é o quinto esta semana... - resmungou o General. O Cabo estava torcendo para que o General o dispensasse em seguida, mas não foi o quê aconteceu. - E quantas testemunhas nós temos desta vez? - perguntou o General, imaginando no trabalho que teria em seguida, o de convencer as pessoas que tudo foi um engano ou uma ilusão. Esta era a pergunta que o Cabo não queria responder. - O avistamento ocorreu perto de uma escola, senhor, bem no momento da entrada. O General arregalou os olhos. Por um momento, desejou que o Cabo só tivesse feito um comentário ao invés de estar querendo justificar uma péssima notícia. - Não foi isto que eu perguntei, Cabo - disse o General se levantando e cerrando os punhos. - Cerca de ce-ce-cento e trinta testemunhas, s-s-senhor - respondeu o Cabo, gaguejando um pouco. O General respirou fundo e com toda a força, deu um murro na mesa ao mesmo tempo em que gritava: - O QUÊ???


O Cabo se retraiu, abaixou a cabeça e ficou quieto aguardando a próxima ordem. Ainda respirando com raiva, o General disse: - Dispensado. - Sim senhor, com licença senhor - balbuciou ele enquanto saia quase correndo pela porta. - Cento e trinta. Cento e trinta - pensava o General, imaginando que isto estava decididamente fora de controle. Em seguida ele voltou a se sentar e olhou para a pasta fechada em cima da mesa. As palavras "TOP SECRET" em destaque indicavam o quanto o conteúdo dela era importante. Em uma etiqueta branca colada na parte frontal, podia-se ler o seguinte texto: "Protocolo Órion – E.B.E. 03" O General respirou fundo novamente. Ele sabia que o E.B.E. 03 era completamente diferente dos E.B.E. 01 e E.B.E. 02 e que ele teria que resolver tudo sozinho. Com esta certeza, ele pegou o telefone e se preparou para falar com o alto escalão do Exército. Eles não ficariam nada felizes com este último evento. Alguns segundos antes de teclar o número, um último pensamento passou por sua cabeça: - Escória alienígena...


Cap铆tulo 01 Super-Her贸i


Metrópolis, Estados Unidos, terça-feira, 10:25 hs A 58º Avenida costuma ser uma via tranquila em Metrópolis. Como está longe do centro da cidade, quem a utiliza normalmente está indo de um bairro residencial para outro. Seu limite de velocidade não ultrapassa os 60 KM/H e alguns radares garantem que os mais apressados se lembrem disso. Mas naquela manhã, um carro branco com quatro ocupantes não se preocupava em manter a velocidade dentro do limite. Na verdade o velocímetro estava marcando mais de 150 Km/H. Após assaltar a agência do Banco de Metrópolis situada na esquina da 9º Avenida com a 21º, três de seus ocupantes correram e entraram neste veículo, onde o quarto elemento os aguardava com o motor ligado. Além do quase um milhão de dólares levado, eles deixaram para trás um vigia baleado no ombro, dois clientes espancados e muitas mulheres chorando. Mas no momento eles não pensavam nisso, simplesmente tentavam despistar uma viatura que os perseguia quase na mesma velocidade. A vantagem dos ladrões aumentava com manobras arriscadas e perigosas. - Carro VT045 em perseguição a suspeitos de assalto a banco na 9º Avenida – falava o policial James Smith que estava sentado no banco do passageiro da viatura. Seu parceiro, Scott Reaves, dirigia totalmente concentrado, preocupado em desviar de carros inocentes e manter o controle. - Estamos na 58º e pedimos reforço. Câmbio. – concluiu ele. - O reforço está a caminho, continuem na perseguição. Câmbio – foi a resposta. - Confirmado – respondeu o policial, desligando o rádio. - Vamos pegar estes desgraçados – disse o policial James. - Com certeza – respondeu Scott. Quatro segundos depois desta frase, o reforço chegou. Apesar de não ser da forma que eles esperavam. Um borrão azul apareceu por cima do carro que estava em fuga. Quase que imediatamente, eles viram as rodas girando em falso acima do asfalto, como se estivesse flutuando. Antes que pudessem falar ou entender qualquer coisa, o carro voador fez um rápido giro, ficando de ponta cabeça. Era possível ver o borrão azul sob o teto do carro, quase encostado no asfalto.


Em seguida, o borrão sumiu e o carro caiu no asfalto, causando um imenso barulho. Na velocidade em que estavam, demorou um bom tempo para eles finalmente pararem. Em seguida a viatura se aproximou e parou ao lado do que havia sobrado. Sem falar nada e com os olhos arregalados, eles se abaixaram, olharam para dentro do carro e viram os quatro ocupantes desacordados e bem machucados. Os dois policiais se entreolharam até que Scott conseguiu finalmente quebrar o silêncio: - O quê aconteceu? James Smith não conseguiu responder. Ele simplesmente não conseguia entender ou formular qualquer teoria a respeito do quê havia visto.

Oceano Pacífico próximo a Polinésia Francesa, terça-feira, 15:38 (horário local) A pequena embarcação com algumas dezenas de turistas havia saído para um passeio há cerca de trinta minutos. A promessa era ver as águas límpidas e transparentes de um lago natural formado no meio de um recife distante alguns quilômetros da ilha do Taiti. O problema começou quando alguns remendos feitos no casco começaram a ceder. O peso da embarcação estava excedendo o limite de segurança, mas a agência que vendeu o passeio não atentou para este detalhe crucial. O capitão Frans estava no rádio pedindo ajuda. Ele havia parado o barco para diminuir o ritmo de entrada de água pelo vazamento que insistia em aumentar. Os turistas já haviam recebido seus coletes salva-vidas e aguardavam apreensivos. Sabiam que não iriam se afogar, mas o medo de um ataque de tubarão era bem mais terrível. - Mamãe, estou com medo – disse Riley, um menino australiano que estava andando de barco pela primeira vez. - Calma, meu amor. Vai dar tudo certo – respondeu sua mãe, tentando acreditar nisso e o abraçando fortemente. Enquanto era abraçado, Riley ergueu seus olhos. A distância, ele viu um ponto azul que se mexia no céu e estava se aproximando. - Mamãe, o quê é aquilo? Um pássaro? – perguntou ele curioso. Hannah virou-se um pouco e respondeu sem muita certeza: - Parece um avião.


Ambos continuaram seguindo o ponto azul que ficava cada vez maior. As opções de ser um avião ou um pássaro se tornaram impossíveis quando ele mergulhou direto no oceano em altíssima velocidade. Alguns segundos depois, todos os passageiros sentiram um leve tremor no barco. Ele se levantou um pouco e começou a seguir viagem de volta a ilha. Gritos de alívio começaram a ser ouvidos a medida que todos imaginaram que o capitão havia resolvido o problema, fechado o vazamento, e os levava em segurança para terra firme. Já o capitão, que estava na parte inferior, não entendeu nada, pois o barco estava em movimento com o motor desligado. Por alguns instantes, imaginou que estava sendo rebocado, mas precisava confirmar. Ao subir as escadas e aparecer no convés, foi recebido com gritos, abraços e tapas nas costas. Ainda sem entender, ele viu que não estava sendo puxado. O susto de notar isso o impedia de falar qualquer coisa. Hannah abraçava Riley e falava com alegria: - Eu não disse? Vamos ficar bem meu amor. Riley ouvia sua mãe, mas continuava pensando no quê havia mergulhado no oceano um pouco antes do barco começar a se mexer. Não haviam se passado nem cinco minutos quando a proximidade com a praia fez a proa encalhar na areia. O barco estava a apenas alguns metros de onde haviam saído e os passageiros podiam descer facilmente. Quem estava a bordo só não entendeu por que algumas pessoas na praia estavam apontando para baixo da embarcação e correndo em direção a ele. Em seguida o primeiro banhista aproximou-se do navio e gritou: - O quê era a coisa azul que estava embaixo do barco? Os passageiros não entenderam, mas estavam tão felizes que nada mais importava. Só uma pessoa a bordo sabia o quê tinha acontecido realmente. Riley era o único que via o mar por estar abraçado em Hannah que olhava para a praia. Nesta posição, ele assistiu um homem vestido de azul aparecer flutuando por trás do navio. Um pouco antes de desaparecer, este homem fez um rápido aceno para Riley. Ele voou tão rápido que não foi visto por ninguém.


O menino só conseguiu balbuciar uma palavra: - Legal...

Rodovia I-15, 23 Kms de Las Vegas, Estados Unidos, quarta-feira, 09:11 hs Há cerca de 29 minutos atrás, um caminhão vermelho com o baú lotado de grãos era apenas mais um em uma rodovia que desemboca em Las Vegas. Seu motorista, Carl Presser, era um veterano com mais de trinta anos de estrada. Nesse mesmo momento, um utilitário preto seguia em alta velocidade pela mesma rodovia, estando mais ou menos três quilômetros atrás do caminhão de Carl. Dentro do carro estavam John Valiant que dirigia, sua esposa Elisabeth no banco do passageiro e a filha deles, Madelyn de apenas cinco anos, que dormia no banco de trás. Ambos conversavam amenidades e planejavam o quê fariam quando chegassem em Vegas. Na realidade pesavam os prós e contras de cada cassino que desejavam visitam. Há 27 minutos, a vida de Carl e John se cruzaram de forma trágica. Ao mudar rapidamente de faixa durante uma ultrapassagem, o utilitário se descontrolou e acertou a lateral do caminhão com muita força. O susto fez Carl mexer o volante para o lado oposto e esse movimento que ocorreu junto á colisão, virou o caminhão, tombando a caçamba por cima do carro. Após pararem o cenário era desolador. E é agora nesse instante, que o chefe de bombeiros da 4º brigada de Las Vegas estava chegando ao local do acidente, sabendo que seria um resgate bem difícil. O major Wilson já presenciou inúmeros acidentes, mas até para ele era impossível não se abalar com a visão de um carro amassado debaixo de um caminhão. A parte mais dolorosa era imaginar como estariam as pessoas dentro do veículo. Ele fora informado que seus subalternos haviam conseguido conversar um pouco com o motorista, que estava consciente e com muita dor. Também lhe falaram que havia mais dois passageiros, sua esposa que estava desmaiada e uma criança deitada no banco de trás. Wilson havia requisitado um guindaste para erguer o caminhão, mas naquela hora não existia um disponível. Na melhor das hipóteses ele chegaria após três ou quatro horas, o quê poderia ser tarde demais para os infelizes ocupantes do carro esmagado. Enquanto olhava fixamente para o caminhão tombado, procurando uma alternativa que não existia, ele mal notou que algo se aproximava pelo lado sul.


Alguns segundos depois, com um sobressalto, Wilson viu um homem vestido de azul aparecendo ao lado do local do acidente. Foi tão rápido que ele não conseguiu definir de onde ele veio. Antes que ele conseguisse falar qualquer coisa, viu esse homem colocando a mão no caminhão. Em questão de um segundo, Wilson abriu a boca sem conseguir emitir uma sílaba. Com um movimento rápido e delicado, o caminhão foi colocado na posição normal, liberando o carro que estava embaixo. Ainda sem conseguir falar nada, o major não conseguiu mais ver o homem e a única prova do quê havia acontecido era o local livre para ser feito o resgate. Sem reação, Wilson olhava para os lados e notava os olhares incrédulos de outras pessoas. Foi só aí que conseguiu balbuciar uma frase: - Meu Deus...

Sicília, Itália, quarta-feira, 17:27 hs (horário local) O Etna é um vulcão localizado na Itália, na região oriental da Sicília, entre as províncias de Messina e Catânia. Sua altura e circunferência garantem a ele o posto de maior vulcão da Itália e da Europa. Além de ser consideravelmente grande, ele está ativo e é objeto de estudos constantes para entender e prevenir suas destrutivas erupções. Normalmente as erupções são localizadas e não oferecem risco a população que vive nos arredores. Ocasionalmente um tremor mais violento exige um monitoramento cuidadoso, visando uma possível evacuação. E é nesse cenário que o grupo do geólogo Andrea Baggio se encontra na encosta sul do Etna, a cerca de 600 metros do cume. Formado por quatorze especialistas, o grupo M.E.V. (Monitoraggio Etna Vulcano) acompanha de longe o comportamento de uma erupção considerada moderada. No momento, uma coluna de fumaça saía do Etna e um pouco de lava começava a surgir pelas bordas. Alguns tremores de terra indicavam que a erupção estava piorando lentamente. O grupo se encontrava espalhado, fotografando, observando e fazendo anotações. Após escrever algumas linhas, uma das geólogas olhou para Andrea. - O quê você acha, chefe? – perguntou Lucilla Radice, se aproximando. - Não acho nada, eu tenho é certeza que essa erupção vai ficar bem mais forte. Já vi esse comportamento antes – foi a resposta em um tom preocupado.


- Mas não será suficiente para atingir a cidade, não é? - Não, mas nós estamos perto demais. Vamos chamar todo mundo e se distanciar um pouco. - O senhor é quem manda – respondeu Lucilla contrariada. Era sua primeira erupção do Etna e a posição onde se encontrava tinha uma ótima visibilidade. Ela não teve tempo de falar mais nada. Um tremor de terra muito mais violento que os anteriores a fez se desequilibrar. Um instante depois, o barulho de uma grande explosão vindo do centro do vulcão cuspiu para fora uma grande quantidade de rochas, cinzas e magma. Á medida que as pedras incandescentes caiam com grandes estrondos, os geólogos começaram a correr montanha abaixo. Eles não foram atingidos, mas a lava com mais de 1000º Célsius começava a descer de forma inclemente e nenhuma força na terra seria capaz de detê-la. Repentinamente um tremor de terra chamou a atenção deles, pelo simples motivo que houve um barulho bem alto, como se pedras fossem quebradas. Ainda correndo, eles olharam para trás rapidamente. O quê viram não podia ser explicado. Um fosso se abria entre eles e a lava, como se o chão partisse ao meio. Esse buraco crescia em linha reta, em direção a encosta norte, onde não havia ninguém. Se fosse um terremoto, essa linha não seria tão reta. Parecia mais que uma escavadeira estava abrindo caminho no meio do solo vulcânico. Alguns segundos depois, a lava alcançou o fosso e começou a ser desviada, garantindo a segurança de todos do grupo, que assistiam a tudo boquiabertos. Assim que o buraco parou de crescer, um borrão azul saiu de dentro dele e alçou voo, desaparecendo rapidamente. A única comprovação do quê ocorreu era a lava que descia suavemente para o lado oposto. Lucilla se aproximou novamente de Andrea, mas não conseguiu falar nada. Mas mesmo que falasse seria inútil, pois ele estava tão em choque quanto ela. E demoraria um bom tempo para Andrea aceitar como real o quê tinha presenciado.


Metrópolis, Estados Unidos, quinta-feira, 07:08 hs Aquela manhã era apenas mais uma na rotina da Sra. Michelle Salvatti. Com 35 anos e dois filhos cursando respectivamente o 2º e o 4º ano do colegial, sua vida durante a semana se resumia a acordá-los, aprontá-los para a aula, fazer o café da manhã, preparar as lancheiras, levá-los até a escola e voltar para fazer o almoço. No início da tarde ela tinha que buscá-los, levá-los para casa, insistir por um banho, dar o almoço, insistir pela lição de casa e dezenas de outras pequenas tarefas domésticas, que mesmo não sendo difíceis de serem realizadas individualmente, tendiam a cansar a medida que a semana avançava. Nesse instante, ela só pensava que a primeira parte estava concluída. Os meninos haviam entrado e ela podia retomar o caminho para casa, como fazia todos os dias. O detalhe é que a medida que dava os primeiros passos na calçada, a Sra. Michelle não poderia sonhar o quanto sua vida rotineira iria mudar nos próximos minutos. Ela viu uma menina bonitinha e pequena vindo em sua direção na mesma calçada, mas um pouco longe ainda. - Que boa vontade para vir para a escola – foi o pensamento irônico de Michelle ao notar a velocidade e a cara de poucos amigos da garota que se aproximava. Ela continuou seguindo a menina com os olhos e notou que ao invés dela continuar andando, ela simplesmente parou e olhou para seu lado direito, como se algo chamasse sua atenção. Os próximos movimentos foram tão rápidos que Michelle não conseguiu fazer nada exceto gritar. A garota virou a cabeça e em seguida correu para o meio da rua. Mais ou menos na metade da travessia caiu. Foi só um pouco antes da queda que Michelle viu que a menina se encontraria com um caminhão que se aproximava rapidamente. E nesse momento a única reação que teve foi gritar: - PARE!!!! Em questão de dois segundos, Michelle travou e arregalou os olhos. Ela viu Mindy caindo em frente ao caminhão que iniciou uma brecada desesperada, o quê chamou a atenção de todos que estavam em frente a escola. No instante seguinte, Mindy desapareceu. O caminhão passou com a roda exatamente onde ela estava, mas não a achou caída.


Michelle instintivamente olhava para todos os lados, e só parou quando visualizou um homem de azul, com capa vermelha segurando a menina em seus braços. Sem conseguir entender nada, Michelle acompanhou esse homem colocar a menina (e um gato que ela tinha no colo) delicadamente no chão. Em seguida ele alisou a cabeça dela e simplesmente sumiu. Além de Michelle, dezenas de olhos acompanharam toda a cena. Ninguém falava uma palavra e nem conseguia pensar em nada. Todos os adultos céticos e lógicos que estavam na entrada da escola naquele momento presenciaram um milagre para qual não havia explicação.

Distrito do Bronx, Nova York, Estados Unidos, quinta-feira, 12:57 hs A cidade de Nova York é formada por cinco distritos, Manhattan, que é o mais antigo, populoso e famoso, Queens, onde foram realizadas as feiras mundiais de 1939 e 1964, Brooklyn, com sua grande comunidade judaica, Staten Island, o único não ligado diretamente a Manhattan e o Bronx, berço do movimento Hip Hop. Por sua renda per capita e seus indicadores educacionais, é do Bronx o título de periferia da cidade. Não que seus habitantes se envergonhem de terem nascido lá. Na realidade, seus moradores possuem uma identidade cultural muito forte e um orgulho nato de suas origens. Quase no meio do condado, a Avenida Morris Park é uma das mais movimentadas. E na esquina com a Avenida Hone se localiza um prédio antigo e querido, o Miss Liberty, com sete andares, sem elevador e com uma história que se confunde com seus habitantes. Com mais de sessenta anos, muita gente nasceu nesse edifício e mora nele até hoje. No meio do dia, fica praticamente vazio, pois os adultos em sua maioria estão trabalhando e restam apenas os aposentados, as crianças e os desempregados. E foi em um apartamento do segundo andar, onde morava um casal octagenário, que tudo aconteceu. Um pequeno descuido com uma leiteira que apagou o fogo, uma certa quantidade de gás escapando e um fósforo na hora errada, causou uma explosão ambiental que atingiu os apartamentos vizinhos e começou o incêndio. Por ser um prédio muito antigo, conceitos como saída de emergência, hidrante, extintor de incêndio e alarme eram considerados luxo. O fogo se alastrou rapidamente pelo andar, inclusive na única escada que dava acesso aos andares superiores, impedindo assim, as pessoas de descerem e fugirem.


Alguns minutos após a explosão, muita gente já havia notado o problema. Como precisavam fugir da fumaça e não podiam descer, tiveram que subir para o telhado. Em cima do prédio, vinte e um adultos gritavam por socorro e onze crianças choravam ao mesmo tempo em que moradores dos prédios vizinhos ligavam loucamente para os bombeiros. O desespero não era causado pelo fogo, pois havia tempo suficiente para ser apagado antes de alcançar onde eles estavam. O problema era que a estrutura antiga do prédio não iria suportar queimar por muito tempo. Os bombeiros não chegariam antes de trinta minutos, o quê seria tarde demais para todos eles. Inevitavelmente o Miss Liberty iria desmoronar e matar a todos. Só um milagre salvaria essas pessoas e ele não tardou a acontecer. Para os moradores encurralados, houve apenas um vislumbre. Já quem estava no chão conseguiu ver um borrão azul entrando a toda velocidade no prédio em chamas. Alguns segundos depois, todos ouviram o quê parecia ser um vendaval, mesmo não sentindo vento algum. Em seguida, cinzas e vento começaram a sair pela porta de entrada, o quê não fazia qualquer sentido. Antes de terem tempo de pensar em alguma coisa, todos viram o borrão sair do prédio a toda velocidade, desaparecendo quase que imediatamente. Ninguém havia notado ainda, mas o incêndio havia sido debelado. Tanto o Miss Liberty quanto seus moradores estavam salvos. Claro que quando os bombeiros chegassem, não haveria qualquer explicação lógica para o quê havia acontecido. Nenhuma teoria seria suficientemente boa para definir aquela ocorrência. Mas para as pessoas que escaparam, uma coisa era cristalina como água. Algo ou alguém havia entrado no prédio e de alguma forma, salvou a vidas deles. E nada e nem ninguém os convenceria do contrário.

Metrópolis, Estados Unidos, quinta-feira, 19:32 hs O final de dia de qualquer cidade grande costuma ser tumultuado. Milhares de pessoas saindo do serviço e voltando para casa, turnos sendo trocados, estabelecimentos fechando, outros abrindo e muito barulho. Apesar de toda essa loucura inevitável, o homem que nesse momento virava a direita na esquina da 26º com a 31º, não aparentava ou ao menos não demonstrava qualquer nervosismo ou pressa.


Ele havia tido uma semana cheia de trabalho, mas fora entre quarta e quinta que suas ações tomaram uma proporção imensurável. Mesmo não admitindo nem para si mesmo, ele estava curioso sobre a reação que estava causando. Agora queria estar vendo algum noticiário ou qualquer programa na TV que estivesse especulando tudo que ocorreu naquela semana. Na realidade ele não sentia qualquer cansaço, mas como havia prometido para alguém muito especial que não sairia no dia seguinte, entre sexta-feira e domingo, sua atenção estaria voltada para outras coisas. Esse homem continuou caminhando tranquilamente, atravessou mais uma rua, andou dois quarteirões, virou a esquerda e após passar por mais uma esquina, parou em frente a entrada de um prédio simples e aconchegante. Sem hesitar, ele passou pela recepção acenando para o zelador, subiu a escadaria e seguiu até um dos apartamentos. Ao mesmo tempo em que chegava, pegava a chave no bolso e com um movimento rápido, abriu o trinco para finalmente entrar. Um delicioso cheiro de comida fresca invadiu suas narinas antes mesmo dele entrar, mas foi ao passar pela porta que ficou impossível resistir. - Até que enfim, hein? – foi o quê ele ouviu da voz que vinha da cozinha, em um tom pouco amigável. - Desculpe. Sei que me atrasei – foi a resposta dele, sentindo-se um pouco envergonhado. - Tudo bem, só não queria que a comida esfriasse. Fiz várias receitas novas e quero que você experimente – respondeu ela de forma animada. - Você viu algo na TV? – perguntou ele ansiosamente ao mesmo tempo em que se sentava. - Não, tinha algo para ver? – disse ela caminhando até a sala, em um tom sarcástico. - Engraçadinha... - Tá bom, falando sério. A TV não fala de outra coisa – disse ela, sentando-se no sofá ao lado dele. - Mas o quê estão dizendo? - De tudo um pouco, hipóteses e especulações mil. - Foi o quê imaginei, mas algo em especial? – perguntou ele ainda animado. - Tem uma coisa, a alcunha que você recebeu – foi a resposta com um sorriso.


- Qual foi? – disse ele arregalando os olhos. - Nem vale a pena repetir, você sabe como os terrestres são previsíveis – disse ela com desdém. - Fale de uma vez, senão eu vou fazer cócegas em você até te deixar roxa. Ela engoliu seco, pois sabia que ele estava falando sério. - Tá bom, tá bom, eu falo. Não sei quem inventou isso, mas agora toda a mídia está usando. - Qual é o apelido? - Super Man.


Capítulo 02 Krypton


Há um ano... O espaço profundo é silencioso. O vácuo não propaga o som e a nós só resta imaginar o barulho que seria causado por algum evento, desde a explosão de uma super nova até o simples motor de uma aeronave, como esta, que com apenas quatro ocupantes, singrava o espaço. Mas mesmo que houvesse som no vácuo, esta nave não seria ouvida e muito menos vista. A nau de transporte Noter-Miuh, originária do planeta Krypton e que tinha este nome em homenagem a um poderoso Recar da oitava Guerra das Dinastias, utiliza um sistema de propulsão de fusão a frio do minério Milattiun. Este processo garante uma viagem pelo hiperespaço em uma velocidade milhares de vezes maior que a da luz. Com este sistema, distâncias cósmicas são vencidas em dias ao invés de milhares de anos. Esta classe de nave que mede 220 metros de largura, 180 de comprimento e possui oito andares é extremamente confortável e confiável, sendo usada basicamente para transporte. Ela não chega nem perto dos cruzadores e destroyers de guerra, que chegam a medir dezenas de quilômetros quadrados, mas para seus passageiros, não haveria melhor escolha. A única parte tediosa é a impossibilidade de se enxergar qualquer coisa no espaço. Se os passageiros olharem para fora, só verão riscos coloridos. Seu primeiro ocupante é o Recan Tai-Mar. Ele já tem mais de 10.000 horas (em tempo terrestre) de voo pelo hiperespaço, o quê garante a tranquilidade dos ocupantes. Em suas acomodações individuais encontravam-se Kal-El, filho Jor-El e Lara, JossGai, filho de Mabe-Gai e Alessa e Kara-El, filha de Zor-El e Alura. Kal-El e Kara-El são o quê podemos chamar de primos. Um curioso item cultural da sociedade kryptoniana merece menção. Mulheres que são “solteiras”, ou seja, que não possuem um consorte, são chamadas usualmente pelo nome e sobrenome. Já mulheres com um consorte perdem o sobrenome e não utilizam o da família do homem que a acolheu. Sendo assim, podemos saber se uma mulher é “casada” apenas pelo seu nome quando ela é apresentada ou chamada por alguém. Kara-El é nomeada assim por não possuir um consorte, já sua mãe é nomeada simplesmente como Alura. De qualquer forma, chamar um homem ou mulher solteira apenas pelo primeiro nome é um indicativo de alto grau de intimidade.


Voltando aos três cidadãos do planeta Krypton, eles estavam a caminho de uma missão muito importante. Mas para um melhor entendimento, é necessário conhecer Krypton nos dias de hoje. Krypton é um dos planetas mais antigos de sua galáxia. Ele orbita uma grande estrela vermelha e seu povo tem mais de 200.000 anos de história conhecida e registrada, dividida em cinco grandes eras. A primeira era, chamada Era Kobllo ou sangrenta, é indicada pelo início dos registros históricos. O planeta inteiro vivia em guerra pelos mais diferentes motivos e a única lei que imperava era a do mais forte. Estas guerras também podem ser subdivididas em fases, começando com as Guerras Tribais, onde as primeiras sociedades de Krypton lutavam por territórios de caça, avançaram para as Guerras Étnicas, onde os grupos se formavam basicamente pelo tom da pele ou característica física e terminaram nas terríveis Guerras das Dinastias, onde os conflitos envolviam as principais famílias em busca de poder. A primeira era começou há 200.000 anos e terminou há cerca de 140.000 anos atrás. A segunda era, chamada Era Uamai ou da unificação, teve início quando o patriarca da dinastia El, Sui-El, reuniu os grandes líderes para tentar terminar com os conflitos. Após anos de negociação foi assinado um tratado que pretendia unir todas as famílias e territórios. Com objetivos a longuíssimo prazo, o planeta inteiro começou a trabalhar em prol da paz. Assim que o tratado de Uamai foi assinado, Sui-El adotou um novo símbolo para sua dinastia, um S estilizado dentro de uma figura geométrica de cinco lados. As demais dinastias também adotaram simbolos e a maioria delas sobrevive até hoje, como a casa de Gai, a casa de Miuh, a casa de Don, a casa de Jos, a casa de Mar e a casa de Ez. Esta era começou há 140.000 anos e terminou há cerca de 100.000 anos atrás. A terceira era, chamada Era Challe ou tecnológica, teve início quando o planeta estava completamente unido. Neste ponto, todos os esforços tecnológicos foram centralizados e a sociedade kryptoniana avançou como nenhuma outra. Foi na era tecnológica que se criaram os nano-robôs que constroem qualquer coisa e curam todas as doenças. Iniciou-se a seleção genética que evitaria o nascimento de crianças defeituosas ou com doenças congênitas e as plantações foram melhoradas ao máximo com a política de desperdício zero. Até o lixo foi eliminado, com robôs reaproveitando absolutamente tudo que fora descartado. Esta era começou há 100.000 anos e terminou há cerca de 40.000 anos atrás. A quarta era, chamada Era Sapallo ou espacial, teve ínicio quando os kryptonianos atingiram seu auge tecnológico. O Alto Conselho havia decidido que era hora de sair dos limites do planeta e começar a semear as maravilhas tecnológicas de Krypton


pelo universo, sendo que us sábios de Krypton imaginaram que os povos primitivos e necessitados os receberiam de braços abertos. Eles não poderiam estar mais enganados. Na maioria dos planetas os nativos os recebiam de forma totalmente hostil, tratando-os como invasores. A insistência do Alto Conselho causou milhares de guerras entre Krypton e outras culturas. Durante esta era perderam-se bilhões de vidas, tanto de Krypton e seus aliados quanto dos nativos de outros planetas. Ela começou há 40.000 anos e terminou há cerca de 25.000 anos atrás. Após muita pressão contra o Alto Conselho, feita principalmente por Bar-El, patriarca da casa de El, foi definido uma mudança de estratégia. Juntamente com seus dois principais planetas aliados, Gamon e Daxan, Krypton capitaneou a fundação do Kamter Elt, que traduzindo literalmente seria o Império Eterno. Este foi o início da quinta era que se estende até hoje, a Era Kamtei ou Imperial. Pelo acordo entre Krypton, Gamon e Daxam, haveria um rodízio para a definição do Kamterar ou Imperador. Após diversas negociações, Krypton ganhou o direito de indicar o primeiro. Como estavam cansados das guerras, o escolhido foi exatamente Bar-El, o mais ferrenho crítico da forma que os mililtares tratavam as outras culturas. Na nova forma de apresentação, os kryptonianos não apareceriam mais como superiores e donos da verdade. Ao invés disto, eles infiltrariam diversos observadores que teriam a função de entender a cultura a ser anexada. Após o tempo que fosse necessário, o Império Eterno se apresentaria para resolver os problemas detectados e fornecer os itens necessários. Cada povo anexado teria acesso á tecnologia do Império e em troca pagariam tributos que garantiria a auto-suficiência dos planetas controladores. Eles também teriam que aderir ás leis do Império. O novo sistema se mostrou extremamente eficiente e hoje o Império Eterno conta com 7.529 planetas, distribuídos em 845 sistemas e 76 galáxias. Normalmente após oferecer o quê eles mais precisam, a anexação é pacífica. Porém ás vezes é necessário convencer de forma enérgica os líderes de povos mais primitivos. E hoje, os três observadores que estão a bordo desta nave, se encaminham para um novo planeta candidato a anexação. Neste exato momento, Joss-Gai estava dormindo. Ele já havia estudado tudo que podia da cultura do planeta de destino e agora preferia não pensar em nada. Por experiência própria, sabia que a maioria das descobertas aconteceria somente quando ele estivesse lá.


Já Kara-El não conseguia relaxar. Ela estava extremamente ansiosa com o fato de sua primeira missão significar também sua primeira saída de Krypton. Ao mesmo tempo, estar viajando com Kal-El a deixava muito feliz, uma vez que ela adorava sua companhia. Quando ele partiu para cursar a academia militar, Kara sentiu seu chão desaparecer. Por mais que tenha tentado achar outras coisas com que se distrair ou mesmo outras companhias, a saudade que ela sentia de Kal sempre foi mais forte. Um ano depois, ela desistiu de procurar outras coisas e também entrou na academia na esperança de vê-lo. Curiosamente, o pai de Kal-El foi contra seu ingresso, pois acreditava que os cientistas tem muito mais a acrescentar a sociedade do quê os soldados. O pai de Kara-El também foi contra, mas nunca explicou o motivo. E o último ocupante, Kal-El, estava estudando em seu aposento. Mesmo com a mente inquieta, conseguia analisar as possibilidades de como seria sua estadia no planeta escolhido. Ele já havia sido observador duas vezes, mas agora uma novidade o preocupava. Sua prima Kara-El havia recebido a primeira missão de observação. E como eles sempre foram muito próximos, Kal pensava se conseguiria seguir a terceira diretriz do observador. Os observadores tinham total autonomia para realizar qualquer procedimento no planeta candidato. Como o Império não imaginava tudo que poderia acontecer, restrições seriam perda de tempo. Apenas três diretrizes deviam ser seguidas. A ordem delas indicava o grau de rigidez e punição em caso de desobediência: - 1º Diretriz: Um observador não tem permissão de interferir em qualquer evento do planeta. Nada que modifique a história ou a vida de um habitante pode ser realizado. - 2º Diretriz: Um observador não pode exibir sua verdadeira natureza. Qualquer interação com um habitante nativo deve levá-lo a crer que o observador também pertence ao planeta em questão. - 3º Diretriz: Um observador não pode interferir no trabalho de outro observador. Cada um dos observadores no planeta deve viver sozinho e tomar suas próprias decisões. Por ser a regra menos rígida, a 3º diretriz já foi quebrada algumas vezes, como em um caso que um observador teve que salvar a vida de outro. Já a 2º diretriz foi quebrada uma única vez e isto custou o acesso ao planeta, sendo o observador severamente punido e até o momento não existem registros de quebra da 1º diretriz.


Dentro da sociedade kryptoniana, o posto de observador é muito disputado. Afinal, o império gasta inúmeros recursos apenas para ter respostas sobre o planeta candidato. Se não fosse levada tão a sério, cada missão dos observadores seria como uma longa viagem de férias. Todos os habitantes tinham a liberdade de escolher uma "carreira" a ser seguida pelo resto da vida e como a hierarquia de Krypton é muito enxuta não havia muitas opções. No topo estão os controladores (equivalente aos políticos), sendo o mais alto o Kamterar (Imperador), seguido do Petro et Lidro (Governador da Galáxia), Petro et Mide (Governador do Sistema ou Setor) e o Petro et Sater (Governador do Planeta). Ao ser designado para o cargo, o político nomeava uma série de assessores e ajudantes para auxiliá-lo a cumprir suas funções. Logo abaixo temos os Sellaters ou cientistas. A casa de El se orgulhava de sempre ter os melhores cientistas do planeta, tradição quebrada por Kal-El ao tornar-se um militar. Para os militares, apenas quatro postos eram possíveis, o Reca ou soldado, o Recan, equivalente ao capitão e o Recar que seria o general. Além destes três que entravam em combate, restava o Miretter ou observador. Em seguida aos militares, ficavam os Dicavres ou historiadores. Abaixo destes cargos considerados de maior relevância, restava o povo em geral, que prestava serviços ou atendia demandas esporádicas. Voltando aos observadores da nave... Graças a eugenia, cada uma das casas de Krypton mantinha suas melhores características geração após geração, como a estatura de 1.70m a 1.80m para as mulheres e de 1.80m a 1.90m para os homens e a ausência de doenças ou defeitos congênitos. No caso dos observadores desta missão, podemos descrever Kal-El e Joss-Gai com 1.90 m de altura, olhos azuis da cor do céu mais claro, cabelos negros bem aparados e uma forma física trabalhada com o treinamento do exército. Apesar de terem, em idade terrestre o equivalente a mais ou menos vinte anos, suas maturidades os tornavam extremamente críticos e inteligentes. Já Kara-El tem cerca de dezesseis anos, 1.72 m de altura, cabelos longos e loiros. O detalhe é que como ela ainda está crescendo, seu corpo não tem o formato definitivo de uma mulher. Na realidade, ela se considerava muito magra. Também merece destaque o "melhor amigo" do observador. Quando completa doze anos, todo kryptoniano recebe um Adeon, que poderia ser traduzido simplesmente como Cubo.


O Adeon é um cubo com dez centímetros de altura e largura, que aparece na palma da mão, apenas com um pensamento. E após ser usado, outro pensamento o faz sumir. Na realidade o Adeon diminui até o tamanho de alguns átomos e se esconde entre as moléculas da pele do usuário. Este cubo se comporta como um computador pessoal, que fornece qualquer informação e também permite uma conversa, pois tem uma inteligência artificial básica que vai aprendendo a medida que o usuário interage com ele. Mas a maior função do Adeon é o rearranjo de moléculas. A partir de um modelo, ele pode literalmente criar qualquer coisa do zero, utilizando elementos básicos presentes no ar. Durante as missões de observação, o Adeon é útil para a criação de créditos, metais preciosos, remédios, peças como óculos, bonés e relógios, água ou qualquer outro item. A única condição é fornecer um modelo para que ele o copie. Além dos novos itens, ele permite a camuflagem da vestimenta e do usuário. A roupa básica utilizada pelos kryptonianos possui uma tecnologia de nano-robôs que consegue se adaptar a qualquer modelo, cor e textura de material. Utilizando o Adeon, é possível criar desde uma roupa de gala até um pijama. Quanto ao usuário, uma projeção holográfica permite que seja aplicada qualquer aparência desejada, desde que mantidas as proporções (um homem de 1.90 m não consegue se disfarçar de anão). Mas a cor do cabelo, pele, olhos, barba e outros itens são extremamente simples. Os três observadores já haviam recebido o histórico do planeta, as informações sobre os locais onde ficariam e um aprendizado rápido do idioma local. Uma matriz de informação foi aplicada nos Adeons, contendo uma série de itens básicos, como trajes, mapas, tipos de comida e outras coisas mais. Eles sabiam, por exemplo, que o planeta onde ficariam orbita uma estrela média amarela e que mais de 70% do seu território é coberto por água. Um detalhe importante é que seus organismos são compatíveis com a atmosfera, não exigindo produtos para a desintoxicação diária. Também sabiam que o planeta era dividido em centenas de territórios chamados países, que por sua vez, tinham novas divisões. Eles consideraram muito estranho um planeta tão pequeno ter tantas divisões. Foram escolhidas as duas maiores potências e lideranças, de forma a serem estudados os dois lados, com duas percepções da realidade. Eles também acharam curioso o nome pelo qual os nativos chamavam o planeta. Era irônico ver que apesar de ser apenas 29% do total da superfície, seu nome era Terra.


Joss-Gai foi escolhido para ficar no território nomeado Rússia, em uma divisão chamada Moscou. Já Kal-El e Kara-El ficariam no território nomeado Estados Unidos, em uma divisão chamada Metrópolis.


Capítulo 03 Adaptação


Há 11 meses... Uma manhã de segunda-feira indicava o início de mais uma semana de trabalho para a maioria dos habitantes de Metrópolis. O fato de estar ensolarada era apenas um incentivo adicional para se levantar da cama e sair de casa. Claro que uma grande parte das pessoas preferiria estar indo para outro local ao invés de trabalhar. Para o observador Kal-El isso não fazia diferença, uma vez que sua tarefa era contínua e não apenas indicada pela semana de segunda a sexta e muito menos pelo horário comercial. Como era impossível saber o momento exato de um acontecimento interessante, o observador devia estar atento o tempo todo, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. O seu “Diário do Observador” era acessado constantemente e estava sempre disponível. Após serem deixados nas proximidades da cidade de Metrópolis (a nave kryptoniana possui uma camuflagem que a torna invisível tanto aos olhares curiosos das pessoas, quanto ao radar terrestre), Kal-El e Kara-El andaram até o centro. Como o Adeon já havia produzido a moeda corrente do território onde estavam, eles podiam se hospedar normalmente em qualquer hotel. O único problema é se alguém notasse que os números de série das notas eram todos iguais de acordo com o modelo fornecido. Para evitar problemas, eles usariam este dinheiro o mínimo possível. Segundo estudos preliminares, era muito mais seguro gerar um metal precioso para os terráqueos como o ouro e trocá-lo em um local apropriado por dinheiro de verdade. Nos primeiros dias, Kal e Kara começaram a se situar, ficando fora o dia todo, olhando os arredores e dormindo em hotéis variados. Apesar de Kal lembra-la constantemente da 3º Diretiva, Kara não desgrudava dele um instante. Kal sentia que não deveria brigar com ela por causa disso, já que era sua primeira missão e primeira vez fora de casa. Por isto ele a aceitava por perto, exceto na hora de dormir, onde cada um ficava em uma cama individual. O primeiro constrangimento de Kal-El ocorreu em uma noite em que o hotel não tinha camas individuais, apenas umas que definiram como “de casal”. Kal insistiu diversas vezes que dormiria no chão, mas Kara não aceitou com o argumento de que ambos cabiam tranquilamente no colchão. Eles realmente cabiam, mas após dormir, Kara procurava insistentemente algo para abraçar e conseguiu. O fato dela ficar grudada nele a noite toda o impediu de dormir e o fez aprender a nunca mais aceitar uma cama “de casal”.


Após uma semana, conseguiram um prédio de quatro andares onde haviam dois apartamentos pequenos e mobiliados para alugar. Como pagaram um ano de aluguel adiantado, o dono dispensou qualquer burocracia ou garantia. E são nestes apartamentos, localizados no segundo andar da esquina da 23º com a 9º, que Kal-El e Kara-El se preparavam para cumprir sua missão. A segunda-feira com sol fez Kal-El se levantar animado, pois sem saber o motivo, a luz da estrela amarela o deixava muito empolgado. Apenas alguns minutos de exposição fazia-o se sentir cheio de energia e revigorado. Ele vestia um pijama de mangas compridas azul e uma calça confortável. Com esta roupa ele andou até a janela e vislumbrou a cidade se movimento abaixo dele. Em seguida, abriu a palma da mão, fazendo surgir o Adeon. Com a voz sonolenta, ordenou: - Vestimenta, dezoito. Em apenas dois segundos, seu pijama mudou para uma bermuda cáqui até o joelho e uma camiseta branca de manga curta. Vale ressaltar que as roupas de um kryptoniano só são retiradas em último caso. Além dos nano-rôbos de camuflagem, outros fazem a limpeza constante do traje, o quê garantia que ele nunca ficava suado ou com mau cheiro. Com mais um pensamento, Kal fez seu Adeon desaparecer. Mesmo sendo possível gerar toda a comida, Kal preferia viver como um terráqueo normal. Ele dizia que esta era a única forma de se fazer a observação real dos comportamentos dos nativos. Com isto em mente, Kal seguiu até a geladeira, pegou uma garrafa de leite, algumas frutas e se preparou para comer um pouco. Assim que se sentou, ouviu alguém batendo na porta insistentemente. Ele levantou-se com má vontade e foi até a porta para abri-la. Assim que virou o trinco, Kara entrou rapidamente, falando sem parar: - Kal, Kal, vamos passear hoje no Shopping que tem na 62º? Vi no jornal que está tendo uma liquidação e poderemos copiar inúmeros modelos. - Eu ainda não tomei meu desjejum, Kara – foi a resposta sonolenta. - Ah, eu espero – disse Kara totalmente á vontade, sentando-se no sofá. Ela vestia uma mini-saia vermelha e uma blusinha branca de alça.


- Kara, eu já cansei de te falar que a 3º Diretriz diz que devemos viver sozinhos – disse ele em um tom de voz não tão amigável. - Desista Kal, enquanto eu não me sentir a vontade para ficar sozinha neste planeta, você vai ter que me aguentar todo dia aqui. E fique feliz que eu aceitei dormir no meu apartamento ao invés de ficar aqui também - respondeu Kara em um tom de desaforo. Kal não respondeu, apenas deu um longo suspiro. Kara não mudou nada desde que eram crianças, ela sempre foi respondona, mal criada e mandona, fazendo somente o quê ela queria. Kal se lembrava de quantas vezes seu tio Zor-El perdia a paciência com ela. - Tudo bem, após meu café vamos ao Shopping – disse ele finalmente, sentindo-se vencido. - Oba, oba, oba! – disse ela batendo palmas - Eu vi um catálogo de roupas para dormir com umas peças lindas e eu quero que o meu Adeon copie tudo. - Tudo bem Kara, como você quiser – disse ele, sem prestar a mínima atenção no que ela dizia. - Mas, por favor, vista uma roupa com mais tecido para sairmos, tudo bem? – pediu ele, enquanto se servia da garrafa de leite. - Ai Kal, como você é careta – respondeu ela, sentida. Kal só sabia o quê significava “careta” por que ela o chamava assim constantemente e ele havia pesquisado. Para os padrões de Krypton, os habitantes da Terra andavam com roupas muito curtas. O traje básico tanto formal quanto informal sempre cobre o corpo inteiro do kryptoniano, exceto o rosto e as mãos. E desde que chegou, Kara começou a utilizar roupas cada vez menores. Após este pequeno interlúdio, com Kal sonado e Kara de mau humor, eles saíram do apartamento. O mau humor dela era causado pela utilização de uma calça jeans e uma blusa branca de meia manga. Enquanto andavam, ambos reparavam em tudo a sua volta. A área onde eles podiam andar era delimitada pelas calçadas e o vai e vém constante de pessoas era observado com atenção. Já as ruas possuíam veículos pequenos e ineficientes do ponto de vista energético. As roupas não possuíam qualquer padrão de cor, tamanho ou estilo e muito menos os brasões de família.


Algumas poucas aves podiam ser vistas pousando nas janelas ou nas árvores plantadas na calçada. Tudo era novo, mas as sensações dos dois observadores eram diametralmente opostas. Kara estava extasiada, pois ver uma nova cultura e estar em um local completamente novo mexeu profundamente com suas percepções e opiniões. Notar que existem milhares de comportamentos e pontos de vistas no universo provou a ela que nada é uma verdade absoluta. Como ela não concordava com quase nada que era falado por seu pai e desprezava a maioria das leis do Império, foi um alívio estar em um local assim, onde não existiam regras, exceto as três diretrizes. Claro que o fato dela ficar todo dia com Kal era uma quebra constante da terceira. E os costumes terrestres não eram tão ruins assim. O quê ela mais gostou é a variedade do vestuário, já que em Krypton, se utiliza praticamente três modelos de roupa (informal, formal e cerimonial) e todos com a cor padrão da casa. Mas na Terra, incontáveis combinações de estilo, cor, tamanho, formato e adereço a estavam deixando maluca. Tudo que ela gostava era copiado e seu Adeon estava se transformando em um closet portátil. O único problema era que as roupas que mais a agradavam eram as mais curtas. Em Krypton, não era costume exibir partes do corpo e as roupas atuais de Kara mostravam as pernas, costas, braços a até a barriga. Este pequeno item estava causando um pequeno conflito entre os dois primos. Mas não era apenas isto que deixava Kal incomodado. O detalhe da roupa curta de Kara era apenas um dos pontos que martelavam na sua cabeça dia após dia, mas ao menos este era facilmente resolvível com uma ordem direta ou uma ameaça. - Ou troca de roupa ou não saio com você – era a frase dele que mais rapidamente resolvia este problema. Mas o pior realmente eram algumas coisas que ele estava vendo com uma frequência cada vez maior. Como durante o dia Kara o perseguia sistematicamente, Kal começou a sair sozinho a noite para realizar suas observações. E ao fazer isto, sua angústia começara. Na noite anterior, o seu registro dizia o seguinte: “Diário do Observador Kal-El, 34º dia no planeta Terra.” “Minhas duas missões anteriores de observação foram muito tranquilas. As civilizações candidatas haviam chegado a um nível próximo ao de Krypton no sentido cultural. Não havia nenhum território, família ou grupo em guerra.”


“Agora percebo que as primeiras missões tendem a ser mais leves para adaptar o observador ao trabalho. Só fica a minha dúvida do motivo que levou Kara a ter sua primeira aqui na Terra.” “Mas voltando a missão atual, sinto que minha adaptação a esta sociedade será bem demorada. Muitas das coisas que estou vendo aqui não fazem qualquer sentido em comparação aos valores kryptonianos.” “Obviamente, se não fosse assim não seria necessário a existência do observador. Mas as atitudes e coisas que estou assistindo estão me causado um misto de raiva, pena e até náuseas.” “Um item essencial como a comida não é comum a todos os habitantes e pude testemunhar pessoas pedindo ajuda para comer, pois estavam com muita fome. Vi também alguns animais sozinhos na rua e que aparentavam estar magros e doentes. E ainda assisti gritos e agressões por causa de um movimento errado no caótico trânsito de veículos.” “Durante a noite, notei pessoas que não tinham onde ficar dormindo na rua, suscetíveis ao frio e a qualquer intempérie que possa acontecer.” “Sei que a ideia principal do império é oferecer soluções e tecnologia para as desigualdades como estas, mas pergunto-me, como eles conseguiram sobreviver até hoje. Será que eles realmente precisam de nós? Será que conseguiremos ajuda-los?” “Estas são questões que nem os sábios de Krypton devem saber responder.” “Registro finalizado. Glória ao Império e longa vida ao Imperador.” E hoje, não houvera tempo de pensar em nada, já que Kara chegou cedo e ele mal conseguiu comer alguma coisa. Durante a caminhada ao Shopping, os detalhes na rua roubavam sua atenção. Repentinamente, um grito e um puxão o fizeram voltar a realidade: - Chegamos, chegamos... Vamos Kal, sem moleza agora – disse Kara, com a felicidade contagiante de uma adolescente. É importante citar que um krytoniano é instruído desde os dois anos de idade, em locais de aprendizado em período integral. Como o cérebro das crianças é forçado desde muito cedo, em apenas dez anos, eles adquirem conhecimento equivalente há 40 anos de estudo na Terra. E com doze anos, a criança já pode decidir por sua carreira. Curiosamente, Kara havia “regredido” desde que chegou para a missão. Seu comportamento lembrava o de uma criança de dez anos (de Krypton), o quê seria mais ou menos a adolescência na Terra. Este ponto não passou despercebido por Kal-El, mas até o momento, ele não tomara qualquer atitude.


Entrando rapidamente no Shopping, Kal-El continuava observando tudo e todos. Afinal, era seu trabalho.

Por volta das 22:00 daquele dia... Naquela noite as nuvens ocultaram a lua. Kal-El estava sentado no banco de uma praça próxima ao prédio onde ficava seu apartamento. Após muito tempo no Shopping, onde Kara entrava e saia das lojas com extrema facilidade (apenas o tempo de copiar o modelo que lhe interessava), ele tentava relaxar um pouco. Sua missão de observação estava sendo realizada a risca, exceto pelo tempo passado junto com Kara. Mas ele já estava cansado de pensar nisto também. A noite um pouco escura não o incomodava e a brisa fria era reconfortante. O único detalhe que Ka-El desconhecia era que uma decisão que ele tomaria em alguns minutos mudaria completamente o rumo de sua missão e de sua vida. O parque estava praticamente vazio. Mas isto mudou em seguida. Kal ouviu passos apressados se aproximando a sua direita. Era uma moça que aparentava trinta e poucos anos, não era muito alta e tinha cabelos curtos e negros. Ela usava um vestido curto verde-escuro. Ele não entendeu o motivo de sua pressa, mas assim que ela se aproximou mais, ele reparou que três homens estavam logo atrás. Olhando mais atentamente para ela, notou que seus olhos estavam arregalados. Alguns instantes depois, ela sentou-se ao seu lado. - Por favor moço, me ajuda – pediu ela arfando. Antes que ele pudesse entender ou responder, os três homens já cercavam o banco onde eles estavam. Todos usavam jaquetas pretas, calças jeans e alguns enfeites. Aparentemente pertenciam a uma mesma gangue. - É melhor você sair daqui, cara – falou o primeiro homem. - E por que eu faria isto? – perguntou Kal com toda a tranquilidade. Os três homens começaram a rir. A moça sentada ao lado dele estava retraída e em silêncio. - Já que o retardado não entendeu, eu explico – disse o primeiro homem – Nós queremos nos divertir um pouco com esta dona que está ao seu lado. Afinal, do jeito que ela está vestida, é por que está querendo.


Ao ouvir isto, a moça instintivamente abraçou o braço direito de Kal, que realmente não entendeu tudo que estava acontecendo. Mas uma coisa estava muito clara, eles estavam querendo machucar a moça e considerando que eram três contra um, era uma grande covardia. Ele se desvencilhou dela e levantou-se. Por um momento, ela achou que Kal simplesmente viraria as costas e a deixaria a mercê dos três. - Eu acredito que isto é errado e que você deve deixa-la seguir seu caminho – disse Kal encarando o homem que falava. Ele falou isto sem nem pensar que poderia estar interferindo em eventos terrestres. Os três começaram a rir novamente. Ainda rindo, o homem empurrou Kal com força e disse: - É um retardado mesmo. Acho que terei que te bater antes de me divertir, não é? Assim que terminou de falar, o homem armou um soco e atacou Kal diretamente. Isso foi um grande erro, pois como não havia qualquer restrição para a legítima defesa, isto permitia a ele revidar. E seu treinamento na academia do exército o deixara bem preparado para estas situações. Kal simplesmente segurou a mão do homem e empurrou seu peito. Apesar de pretender apenas afastá-lo, o impacto do empurrão o jogou quatro metros para frente e o fez cair, batendo a cabeça com força. O riso cessou na garganta dos outros dois. O mais rápido pegou um canivete, armou e se jogou contra Kal, tentando furá-lo. Como não esperava este tipo de ataque, Kal foi atingido em cheio ao mesmo tempo em quê a moça gritava por achar que o tinham matado. Kal olhou para baixo e viu a ponta do canivete entortada e encostada na sua pele, entretanto a mesma não havia penetrado. O atacante arregalou os olhos e não entendeu nada. Em um segundo, Kal desferiu um soco no queixo dele. Este golpe o fez voar por cima do banco onde a moça estava sentada, fazendo-o cair próximo ao terceiro homem. Vendo seus dois amigos no chão, ele simplesmente saiu correndo. O silêncio havia retornado ao parque. A moça também não acreditava, pois aquele desconhecido se arriscou para salvá-la. Ainda tremendo, ela levantou-se e se aproximando dele, o abraçou. - Obrigada – sussurrou.


Kal ainda estava processando toda a informação. Não apenas o motivo da agressão, mas também sua força excessiva e o fato daquele aparato cortante não o ter sequer arranhado. - Creio que você já pode ir agora – ele disse para a moça, imaginando que não haveria qualquer problema. - Não, por favor, não se afaste. Eu moro á dois quarteirões daqui e estou com medo. Sei que é pedir muito, mas me leva até em casa? - implorou ela quase chorando. Kal não entendeu novamente, mas também não viu qualquer problema em acompanhar a moça até onde ela pediu. - Tudo bem – foi a resposta, enquanto seguiam o caminho, com ela segurando o braço direito dele. Kal também achou estranho este comportamento, mas preferiu deixar para poder observá-lo. Após alguns minutos andando, ele não resistiu e teve que perguntar uma coisa: - Você se importaria de tirar uma dúvida minha? - Claro que não – respondeu ela com um sorriso. - O quê aquele homem quis dizer com “do jeito que está vestida, é por que está querendo”? A moça ficou sem graça. A frase era óbvia, mas talvez seu salvador fosse estrangeiro e não estivesse acostumado com este tipo de comentário. - Como minha roupa é curta, estes canalhas ignorantes acharam que eu estava disponível para eles – respondeu ela com raiva. - Não vi uma relação. A vestimenta indica uma vontade? – perguntou Kal um pouco confuso. - Claro que não, mas para um ignorante indica. Este tipo de gente acha que as mulheres são objetos e que eles podem fazer o quê quiserem. Kal continuava sem entender. Em Krypton não havia qualquer distinção de tratamento por causa do gênero. Aparentemente, ele teria que refletir muito para compreender os eventos daquela noite. Como não disse mais nada, agora foi a moça que falou: - Você acha que minha roupa está muito curta?


Kal pensou que sim pelo simples motivo de quê em Krypton as pessoas não exibem partes do corpo. Mas não concordou de forma alguma que alguém possa ser machucado ou acuado por causa de uma coisa como esta. Com isto em mente, ele respondeu: - Não importa se está curta ou não. Ninguém pode ser ameaçado ou machucado por causa da roupa que veste. Kal disse isto com tanta convicção que ela sorriu. E foi com este sorriso que ela completou: - Que bom que você está bem. Eu pensei que ele tinha te acertado com aquele canivete. Considerando a surpresa dela, Kal não podia admitir que ele realmente foi acertado. Como nem ele entendeu o motivo de não ter se machucado, preferiu ficar quieto e sorrir apenas. Alguns minutos depois, eles chegaram a frente de um prédio. - Eu moro aqui. Muito, muito obrigada mesmo. Hoje eu estou um pouco nervosa, mas se você quiser sair um dia destes para conversar, me procure. Meu nome é Lana e moro no apartamento 303 – disse ela com outro sorriso. - Claro. Ficarei feliz em conversar com você um dia. Boa noite Lana – respondeu ele, se virando. - Espere, qual o seu nome? – perguntou ela. - Kal. - Boa noite, Kal – concluiu Lana Lang, vendo-o se afastar. Kal estava com o pensamento distante. Tantas coisas ocorreram nesta noite e quase nenhuma foi plenamente entendida. O quê ele não desconfiava, era que aquela havia sido apenas a sua primeira intromissão para ajudar uma pessoa.

Algumas horas depois... Após andar mais algumas horas, Kal estava de volta ao apartamento. A dificuldade em entender aquela noite o fazia ficar angustiado. Nenhum dos comportamentos vistos naqueles homens fazia qualquer sentido e ele teria que compreender primeiro para depois registrar as motivações no diário do observador. Talvez uma nova conversa com Lana o fizesse compreender melhor.


Cinco segundos após Kal sentar-se no sofá, ele ouviu a porta batendo. - Ela de novo – ele pensou com certa má vontade. Assim que abriu a porta, Kara entrou rapidamente, já falando: - Onde esteve Kal? Eu nem consegui te mostrar as roupas novas que eu copiei. - Eu estava observando. E você? - Eu também. Observando os detalhes de cada roupa e uma é mais linda que a outra. Senta aí que eu vou te mostrar. Kal suspirou e preferiu não falar nada. Simplesmente obedeceu. - Você vai ver os meus favoritos – disse ela, estendendo a mão e fazendo o Adeon aparecer. - Vestimenta, cento e vinte e oito. Em dois segundos, Kara vestia uma camisola de seda rosa claro, quase transparente. - Que tipo de vestimenta é esta, Kara? – perguntou Kal surpreso. - É uma roupa de dormir. As terráqueas valorizam o conforto e a maciez, não é linda? – dizia ela enquanto girava o corpo. - Sim, bonita – respondeu Kal, pensando sobre o vestido daquela moça. - Vestimenta, cento e vinte e nove. Ela havia acabado de mudar para um baby-doll branco, com a barriga a mostra e uma calcinha de rendas. - E esta? - Este é muito bonito – respondeu ele com convicção. Kara finalmente havia chamado sua atenção. - Vestimenta, cento e trinta. Agora ela havia mudado para uma blusinha azul e um short da mesma cor. - Kara, deixa eu te contar uma coisa – pediu Kal. - Claro.


- Hoje eu notei que os terráqueos não se importam em usar roupas que exibem o corpo, mas para alguns deles, ao fazer isto a pessoa que usa o vestuário está dando indicativos de alguma coisa. E outros, imaginam que isto lhes dá o direito de machuca-las. - Que absurdo Kal. Então como estou te mostrando estas roupas de dormir, eu te daria o direito de me machucar? – perguntou ela surpresa. - É algo assim. Eu não entendi, mas vi na prática que realmente acontece. - Que sociedade primitiva e estranha – comentou Kara, perdendo o gosto de exibir as roupas que copiou. Ela sentou-se no sofá e deitou a cabeça no colo de Kal. - Assim eu vou ficar com medo de sair na rua sozinha – falou ela em um tom receoso. - Eu acho que não precisa ter medo. - Por quê? - Eu acredito que nossa força e resistência são maiores que a dos terráqueos. Eu notei que além de golpear muito forte sem querer, uma arma afiada deles não conseguiu nem me arranhar. Temos que tomar cuidado se tivermos que nos defender. - Que legal – respondeu ela, voltando a ficar animada. - Mas deixa eu te mostrar mais uma roupa então. Vestimenta, cento e quarenta e sete. Desta vez, os seios de Kara estavam cobertos por uma fina faixa, e uma peça minúscula da mesma cor fazia conjunto abaixo da cintura. - Esta também é roupa de dormir? – perguntou ele espantado. - Não, eles chamam de biquíni – foi a resposta. Naquela noite, Kara mostrou para ele mais quarenta e três peças diferentes. Ele se distraiu, tentando esquecer os fatos que ainda o perturbavam. Por volta das três horas da manhã, o cansaço falou mais alto e Kal dormiu sentado no próprio sofá. Pela primeira vez desde que chegaram, Kara não foi para seu apartamento. Vestindo o baby-doll cento e vinte e nove (o mais bonito, segundo Kal), ela adormeceu no sofá, com a cabeça no colo dele. Quando crianças, eles dormiram juntos inúmeras vezes. E agora repetiam o ritual, longe de casa, vivendo em um planeta estranho e violento.


CapĂ­tulo 04 Primeira Diretriz


Há 11 meses, 09:34 hs... Kal abriu os olhos repentinamente naquela manhã de terça-feira. Um pequeno raio de sol entrava por uma fresta da janela e parava exatamente sobre seu olho esquerdo. Com isso, ele acordou de uma vez e demorou alguns segundos para se situar. Ele estava no sofá e Kara dormindo no seu colo. Após relembrar os últimos acontecimentos que culminaram naquela situação, Kal pegou uma almofada, levantou delicadamente a cabeça de Kara e a apoiou. Com ela ainda dormindo, ele levantou-se e seguiu até o banheiro. Kal só dormira algumas horas naquela noite e em uma posição ruim. Ele andava cambaleando e com uma dor intensa no pescoço. Como Kara dormiu deitada, possivelmente ela estava melhor que isso. Após lavar o rosto, se esticar e perder mais um tempo no banheiro, Kal voltou para a sala. Ao se aproximar novamente do sofá, ele ouviu a respiração de Kara soando como uma gatinha. A aparência frágil e indefesa dela o fez sentar-se novamente, com a intenção de aguardar o seu despertar. A única preocupação de Kal no momento era sobre sua ação na noite anterior. Ele realmente não conseguiu deixar de ajudar aquela moça. – Lana – lembrou ele. Ele imaginava se não havia quebrado a primeira diretriz do observador. Salvar uma nativa era uma clara interferência aos eventos naturais do planeta. Mas qual opção ele tinha? Deveria deixar que aqueles animais machucassem uma inocente apenas por causa da roupa que ela vestia? Toda esta situação não fazia qualquer sentido para Kal. Em Krypton algo parecido pode até ter acontecido, mas havia sido há mais de 100.000 anos. Isso demonstrava o quanto esta cultura era atrasada. Kal estava tão cansado que enquanto pensava e aguardava Kara acordar, ele acabou dormindo novamente. E só voltaria a acordar duas horas depois, quando Kara o abraçou com sua típica empolgação adolescente. Ela não poderia ajuda-lo nestas questões que martelavam sua cabeça e que ainda o incomodaria por muito tempo.


11:57 hs... Kal e Kara estavam sentados a mesa. Uma porção de panquecas e um bule de café estavam a disposição naquela manhã. - Sabe Kal... Estamos tomando nosso café da manhã quase na hora do almoço – comentou Kara enquanto cortava uma panqueca. - Se você não tivesse me mantido acordado tanto tempo me mostrando suas roupas, acordaríamos mais cedo – respondeu Kal com um olhar de reprovação. - Ah, eu me empolguei, é que ficar aqui com você me deixou tão feliz. Dormir sozinha naquele apartamento é muito chato. - Eu vi como ficou feliz. Assim que acordou me abraçou com tanta força que eu acordei também – respondeu ele balançando a cabeça. - Desculpa, vai. É que acordar ao seu lado me lembrou de quando dormíamos juntos. A gente brincava até não aguentar mais e então sua mãe Lara nos carregava até sua cama. E quantas vezes eu acordei abraçada com você. - Eu sei, só não se acostume – sentenciou Kal. Kara não respondeu. Se dependesse dela, ela dormiria com ele todo dia, mas agora não era a hora certa de insistir nisso. O detalhe que ela desconhecia era que o próprio Kal não estava mais achando tão ruim dela estar lá, quebrando a terceira diretriz. Como ele próprio quebrou a primeira na noite anterior, não se considerava digno de censurá-la. Mesmo enquanto comia, ele se preocupava com este item. Ele tinha certeza que precisava de um tempo sozinho para refletir e com esta convicção disse para Kara: - Kara, após comer, por favor volte para o seu apartamento, pois eu preciso ficar um pouco sozinho. - Sim senhor, General – foi a resposta em um tom mais sarcástico do quê Kal levaria na boa. - Posso saber o motivo deste tom de voz? - Nada. Estou apenas terminando de comer para ir embora. Não é o quê você quer? – perguntou ela em um tom ofendido. - Não Kara, eu só preciso ficar sozinho um pouco. Se preferir pode ficar aqui no apartamento que eu vou dar uma volta. - Prefiro sim – foi sua única resposta, com um sorriso.


Kal respirou e suspirou. Ele se lembrava de Kara como uma menina mimada que só aceitava as coisas do jeito dela. Aparentemente ela não mudou nada após tantos anos. Mas nem Kara sabia o motivo dela ter se ofendido com o comentário dele. Afinal, ele só queria ficar sozinho um pouco e ela levou isso para o lado pessoal. Kara andava tendo algumas sensações confusas desde que eles chegaram a este planeta e ela sentia-se mais carente do quê o normal. Apesar disso, tinha a consciência que deveria fornecer o espaço que ele precisava. - Você pode sair e ficar fora à vontade. Quando voltar eu estarei aqui te esperando, tudo bem? Enquanto isso eu vou aprender a cozinhar alguns pratos que vi em um canal de TV especializado em culinária – disse ela de forma espontânea. - Como quiser – respondeu ele, sabendo que qualquer outro argumento seria inútil. O restante da refeição foi em silêncio. Kal estava um pouco constrangido de imaginar que tinha ofendido Kara. Já ela por sua vez estava preocupada dele manda-la embora de novo. Os próximos dias seriam um tanto agoniantes para ambos. Kal não entendia o motivo de ter ajudado aquela moça e Kara não entendia o quê andava sentindo quando estava na companhia dele. O quê nenhum dos dois imaginava era que estes conflitos internos, iriam culminar em uma mudança total e absoluta na forma em que eles enxergavam a vida, a missão no planeta e até um ao outro.

Dois dias depois, 21:18 hs... Kal estava andando despreocupadamente pelas ruas. Naquele dia Kara havia ficado com ele praticamente o tempo todo. Mas um pouco antes de sair, ele a acompanhou até seu próprio apartamento, deixando-a lá. Claro que ele notou que Kara ficara um pouco contrariada, mas nada diferente de qualquer situação em que ela não conseguisse o quê queria. Kal estava tentando se convencer que não fizera nada demais ao pedir um pouco de privacidade. Aquele tempo sozinho no meio da rua o fazia refletir e o ar frio batendo no rosto era revigorante para seu corpo e mente. Kal já não pensava tanto em Lana, a moça que ele ajudou, só estava com vontade de aceitar o convite dela para sair e conversar. Com certeza um pouco de interação com um nativo poderia responder algumas das questões que ainda não estavam claras em sua mente.


E foi pensando nela que Kal ouviu o quê a princípio parecia um grito distante e abafado, mas a medida que ele se concentrava no barulho, as palavras se tornavam claras e nítidas. Ele não atentou ao fato que estava ouvindo perfeitamente bem um som que vinha de um local distante. - Anda logo, entrega tudo – foi o quê ele ouviu claramente. - Não, por favor... Não... – era a resposta. Sem nem pensar, Kal começou a andar rapidamente em direção ao som. Atravessou a rua e encontrou um beco fino e um pouco escuro. Bem na entrada ele podia ouvir alguns sons que vinham de lá. Não hesitando um minuto, ele entrou e ao fazer isso, viu um homem de pé, esbofeteava uma mulher caída à medida que gritava com ela. A mulher tentava se defender e chorava. - Ei, pare com isso – quase gritou Kal a medida que avançava na direção dele. O ladrão se assustou e virou-se com uma arma na mão. - Cai fora herói – gritou ele engatilhando. - Deixe a moça ir embora – ordenou Kal. - Já mandei cair fora – respondeu o ladrão apontando para ele. Kal não disse mais nada. Uma fúria cega se apoderou dele ao ver aquela covardia. Sem pensar duas vezes, ele avançou para acertar o bandido. O ladrão não esperava isso e por puro reflexo atirou no peito dele. Um segundo depois, Kal gritou ao mesmo tempo em que caiu ajoelhado. Pensando que o havia matado, o bandido decidiu fugir. Ele tinha certeza de quê a justiça não teria misericórdia de um assassino. A moça no chão se levantou rápido e correu em direção ao seu salvador. Se ajoelhando na frente dele, disse: - Tudo bem moço? - Sim – foi a resposta de Kal, tirando a mão da frente do peito. A garota olhou rapidamente e não viu qualquer sangramento. Para ela, o ladrão havia errado. - Graças a Deus ele errou – disse ela – Acho que foi o susto que o fez gritar, não é?


- Sim – respondeu Kal, tentando disfarçar um gemido. O ladrão não errou, foi o tiro que não penetrou na pele dele apesar do impacto e da dor. - Fique aí sentado que eu vou chamar a polícia, tudo bem? Eles vão querer nosso depoimento – disse ela se levantando e indo em direção a saída do beco. Kal não poderia esperar. Uma das coisas que ele devia evitar ao máximo era chamar atenção das autoridades locais. Ainda sentindo dor, ele levantou-se e caminhou com pressa para fora do beco. Chegando a calçada, pegou o caminho de volta para seu apartamento. Somente após se afastar de lá ele conseguiu raciocinar. Mais uma vez ele interferiu com um evento terrestre, foi ferido e ainda arriscou-se a chamar uma atenção indesejada. - O quê está acontecendo comigo? – pensava ele, andando mais rápido. Após alguns minutos, Kal já estava entrando no seu prédio. Sem parar, subiu rapidamente as escadas e chegou no 2º andar. Assim que passou em frente a porta de Kara, ele se deteve. Sem saber a razão exata, ele bateu na porta dela ao invés de seguir até o seu próprio apartamento. Após alguns segundos, Kara abriu a porta e o quê viu a surpreendeu. - Kal? O quê faz aqui? - Posso entrar? – disse ele, escondendo um leve gemido. - Claro, que pergunta. Fique a vontade – respondeu ela, ainda sem entender. Kal entrou e seguiu direto para o sofá. Sem falar mais nada, sentou-se e pediu: - Eu estou com um machucado aqui no peito. Você pode ver se foi grave? - O quê? Como você se machucou? – perguntou ela, se aproximando preocupada. - Não importa – foi a resposta, enquanto tirava a camisa. Kara agachou-se para olhar de perto e o quê viu a tranquilizou. - Bom, tem um hematoma pequeno, como se você tivesse levado uma pancada. Mas está apenas roxo, nada demais – disse ela. - É que está doendo muito. O machucado pode ser pequeno, mas o tiro daquele revólver deu um tranco enorme.


- VOCÊ LEVOU UM TIRO? – gritou Kara, lembrando que de acordo com os registros terrestres que leu, tiros de arma de fogo eram uma das formas mais comuns de se matar alguém. - Calma Kara, fale baixo – pediu ele. - Como foi isso? – questionou ela, espumando de raiva. - Eu fui ajudar uma garota que estava sendo assaltada e o ladrão que a machucava atirou em mim para fugir – se justificou, imaginando que esta explicação a acalmaria. Kal nunca havia visto Kara tão nervosa e achava que a reação dela até o momento havia sido o ápice de sua raiva. Infelizmente para ele, os próximos minutos provariam seu engano nesse sentido. Kara congelou por alguns segundos, o susto que ela teve há pouco estava se transformando em uma sensação bem mais violenta neste momento. E não demorou nada para Kal sentir isso. - SEU IDIOTA, IMBECIL, LOUCO... – começou a gritar a medida que batia em Kal com as mãos. Kara ficou tão transtornada que se esqueceu do disfarce e começou a falar em Kryptoniano. - Calma Kara, o quê foi? – perguntou ele sem entender, enquanto tentava se defender. Sem nem notar, também respondeu em seu idioma nativo. - Você não tinha certeza do resultado deste impacto em seu corpo. Como pôde se expor dessa forma? – acusava ela enquanto dava tapas nos braços dele. - E se tivessem te matado? O quê seria de mim, sozinha neste planeta? O quê seria da minha vida sem você, seu IDIOTA!!! – gritou ela, batendo mais forte ainda. - Calma... calma. Não aconteceu nada – disse ele, tentando em vão segurá-la. - Mas podia ter acontecido – acusou ela novamente, dessa vez conseguindo dar um tapa no rosto de Kal. Aparentemente este último golpe a fez voltar a razão. Ela se afastou um pouco e Kal percebeu que não estava apenas com raiva. Seus olhos estavam marejados e arregalados. A possibilidade de perder Kal daquela forma fez Kara se descontrolar completamente. Ainda muito alterada, ela aproximou-se novamente e o abraçou forte. Kal gemeu baixo, mas não disse nada, principalmente por que ela começou a chorar muito. - Nunca mais faça isso. Nunca, ouviu bem? – dizia Kara em lágrimas, voltando a falar em Inglês.


- Calma Kara, eu estou bem – respondia Kal enquanto a abraçava também. - Não pode te acontecer nada, você é a pessoa mais importante da minha vida – foi a última frase, antes de desabar a chorar mais ainda. Kal não sabia o quê fazer exatamente, mas notou que palavras seriam inúteis. Ele simplesmente a abraçou e permitiu que ela chorasse colada em seu peito. E este choro durou quase dez minutos. Do lado de fora, um casal de vizinhos passava e ouviu a maior parte dos gritos de Kara. A mulher fitou seu marido e comentou baixo: - Estão brigando. Eu não disse que eles não eram daqui? Eu não entendi nada. - É, devem ser Russos – respondeu o marido sem dar muita atenção. - Será que ele a traiu com outra mulher? – perguntou ela, já pensando na fofoca. - Acho que não, ele tem cara de bobão. Nem sei como conseguiu ficar com uma moça tão linda – respondeu o marido com toda a sinceridade. A esposa se surpreendeu com essa resposta e preferiu mudar de assunto. Após o choro, Kara se acalmou, mas continuou abraçada em Kal. E ela acabaria ficando assim por mais de uma hora. Daquele dia em diante Kal tomaria muito mais cuidado ao andar por aquele planeta. Realmente algumas pessoas eram violentas e perversas. Quanto a Kara, sua reação sem controle iria fazê-la refletir muito nos dias seguintes.


Capítulo 05 Interação


Há 10 meses, sábado, 10:17 hs... Aquele sábado não diferia em nada em relação aos dias anteriores. Kal acordou sozinho em seu quarto. Os únicos barulhos que entravam eram os da rua, mas isso não impedia seus pensamentos. Já faziam duas semanas que ele havia levado um tiro. Para sua surpresa, o machucado tinha desaparecido no dia seguinte, mas algumas questões ainda o atormentavam. O primeiro item foi sua atitude perigosa de ficar na frente do ladrão. Ele não havia pensado, apenas reagido, e isso não fazia parte de sua personalidade. Kal não entendeu o motivo que o levou a agir de forma tão temerária. Kara tinha razão, ele podia ter sido morto. E depois de chegar a esta conclusão, ele evitou sair novamente a noite. O segundo item era exatamente Kara, pois a reação violenta que ela tivera o assustou. Ele percebeu uma dependência muito grande por parte dela e então começou a se afastar um pouco. A nova regra era que ela podia passar em seu apartamento, mas na hora de dormir cada um ficaria no seu. Kara seguiu esta regra até que em uma noite, uma chuva forte com trovões a assustou. Ela saiu de seu apartamento apenas de camisola (o medo a fez se esquecer de se trocar) e foi até a porta de Kal. Como ele não a ouviu bater na porta, mais ou menos na oitava pancada a fechadura foi arrombada. Ela nem se deu ao trabalho de tentar arrumar. Simplesmente entrou, correu até o quarto e dormiu abraçada com ele. Já Kal se assustou quando ela o acordou, mas não pode falar nada. Quanto a porta, realmente foi sem querer, e após o conserto, Kal dera uma chave para quando ela quisesse entrar. A regra de dormir cada um no seu apartamento, havia ganho uma exceção para os dias de tempestade. Com isso, seu impulso em ajudar as pessoas associado a dependência de Kara em relação a ele, eram questões pendentes que deveriam ser resolvidas. E aí entrava a decisão que ele havia tomado na noite anterior e que seria posta em prática naquele mesmo dia. Kal seguiu seu ritual diário. Levantou, foi ao banheiro, escovou os dentes e seguiu até a cozinha. Ultimamente ele andava fazendo um café fresco para acompanhar sua refeição. E também leite, cereal, frutas e frios. A medida que ele arrumava seu café da manhã, ele ouviu a porta abrir. Obviamente era Kara. - Kal, até que enfim acordou – ela falava a medida que seguia até a cozinha.


- Bom dia Kara. Posso saber o quê veio fazer aqui tão cedo? – perguntou sem muito tato. - Me desculpe, eu só vim te fazer companhia na hora do café. Se quiser eu vou embora – disse ela, já na porta da cozinha. - Não, não, pode ficar. Desculpe-me, é que estou com o pensamento longe. - Não, não desculpo não. A não ser que você me dê uma xicara de café – disse ela com um grande sorriso. - Tudo bem. Mas como você sabia que eu tinha acordado? – perguntou ele intrigado. - Eu presto atenção no barulho da cafeteira – disse ela naturalmente. Kal já tinha notado que sua audição estava aumentando. Com um pouco de concentração, ele conseguia ouvir vozes a distância e barulhos ínfimos. Esta era mais uma coisa que estava acontecendo desde que eles chegaram na Terra. - Muito esperta – disse ele, estendendo a xícara de café. Kara cheirou demoradamente o café. Aquele aroma lhe dava uma sensação muito gostosa. Kal sentou-se e ofereceu a outra cadeira para ela. Kara aceitou de bom gosto e ambos conversaram amenidades nos minutos seguintes. Ao final de refeição, Kal comentou: - Kara, eu vou sair daqui a pouco. Se quiser ficar por aqui, a vontade. - Fico sim. Mas o quê meu querido Kal vai fazer na rua esta hora? - Se lembra da moça que eu salvei de três homens que queriam machuca-la? - Claro. O quê tem ela? - No dia ela disse que se eu quisesse sair para conversar, bastava procura-la. Eu decidi aceitar – respondeu Kal se espreguiçando. - Entendi. Mas por qual motivo? – perguntou Kara, curiosa. - Creio que uma interação com uma pessoa daqui seja algo bom para a nossa missão. E eu também quero perguntar sobre algumas atitudes que tomei ultimamente. - Legal. Avise-me quando você for que eu quero ir junto – disse ela tranquilamente. - Posso saber por quê? – questionou ele surpreso.


- Ora, após você conversar sobre o quê quiser, eu vou aproveitar para pedir algumas dicas sobre como me vestir, adereços em roupas e outras coisas – respondeu ela de forma espontânea. - Tá bom, depois a gente vê isso – disse ele, sem argumentar mais nada. Kal sabia que era inútil.

Sábado, 11:04 hs... Kal se aproximava do seu local de destino. Naquela hora, o sol estava mais forte. Curiosamente, sempre que passava um tempo exposto aos raios solares, ele se sentia muito bem, como se recebesse uma injeção de ânimo. Sem pensar muito, caminhou até a porta de acesso do pequeno sobrado onde havia deixado Lana naquela noite. Com passos firmes, entrou e seguiu até a escadaria. Ele lembrava bem do número dela, o 303. Após chegar na porta, Kal bateu delicadamente e aguardou. Não demorou mais que alguns segundos para ele ouvir o barulho de passos se aproximando pelo lado de dentro. A porta abriu timidamente, sendo segura com uma trava em forma de corrente. - Quem é? – perguntou a voz de Lana. - Olá Lana, lembra-se de mim? – foi a resposta. - Kal – quase gritou ela, espantada. Em seguida fechou a porta. Kal não entendeu muito, mas sua dúvida durou pouco tempo. Com a porta fechada, ele ouviu um outro barulho, o da corrente sendo retirada. - Entre, entre – dizia ela com uma empolgação sincera – Eu achei que você tinha me esquecido. - Não esqueci, é quê eu não pude vir antes. - Claro, claro. Sente-se por favor, só não repare na desorganização – disse ela. Kal correu os olhos pelo apartamento e não achou que estava desorganizado. Os poucos móveis eram sóbrios e não havia nada jogado no chão ou em cima do sofá. - Posso te oferecer alguma coisa? – perguntou ela a medida que ajeitava o cabelo. Lana vestia uma calça jeans básica e uma blusinha branca. - Por que será que a Kara não pode usar roupas assim? – perguntou-se ele.


- Não obrigado, eu só vim aceitar o seu convite – respondeu. Lana sentiu seu rosto corar. Por alguns segundos, ela tentava se lembrar o quê havia falado para ele. Mas não foi necessário. - Você disse que poderíamos sair para conversar um dia – concluiu ele. Ela respirou aliviada. Por um instante ficou na dúvida se havia verbalizado algum dos seus pensamentos a respeito daquele homem alto e de olhos azuis. - Sem dúvida. E você quer sair para onde? – perguntou ela com um enorme sorriso. - Eu não sei, não conheço praticamente nada aqui em Metrópolis. Se você puder indicar um local sossegado para conversarmos, eu aceitarei de bom grado – foi a resposta. - Ele deve ser estrangeiro – foi o pensamento dela. - Claro Kal, pode deixar que eu te levo em um local super tranquilo. Que tal saírmos as 20:00 hs? - Pode ser. Então eu já vou indo e volto as 20:00 hs – disse ele se levantando. Lana não quis dizer que ele devia ir embora. Mas já que ele disse isso, ela preferiu não insistir e parecer que estava avançando o sinal. - Tudo bem – respondeu, seguindo-o até a porta. - Até a noite, Lana – falou Kal, saindo para o corredor. - Até... – respondeu um pouco decepcionada. Ela havia imaginado que eles passariam algumas horas juntos até a noite. Mas assim que fechou a porta, outro pensamento a invadiu: - Não acredito, eu tenho um encontro... Ao mesmo tempo, Kal estava descendo as escadas. Lana parecia ser uma boa moça e ele imaginava que a noite com certeza seria bem agradável.

Sábado, 19:43 hs... Kal havia ficado pronto há alguns segundos. Conforme suas pesquisas em algumas revistas, a vestimenta cento e oito era um traje informal para sair a noite. Ele usava uma calça de sarja verde escura e uma camisa polo de cor branca, com um logo engraçado de um animal verde e comprido.


Kara vestia uma saia curta também verde e uma blusinha dourada de alça. Segundo ela verificou em “dicas para se vestir” da revista NY Magazine, as blusas que exibiam a barriga não eram tão recomendadas. Estas eram para ser usadas durante o dia. Kal havia comentado algumas horas antes que sairia com uma terráquea e ela ficou muito feliz de poder conversar com alguém sobre roupas. Kara não tinha qualquer conhecida ou amiga no planeta. Ele também não via nada demais em levar Kara, pois o assunto que queria tratar com Lana não era particular. - Vamos então? – perguntou Kal. - Claro – respondeu ela, pegando em seu braço. E foi assim que ambos saíram do apartamento, a caminho da casa de Lana. Eles iriam tranquilamente e chegariam alguns minutos após o horário combinado. Claro que Kal não imaginava que a presença de Kara não era esperada. E muito menos desejada.

Sábado, 20:02 hs... Kal e Kara entraram no prédio e seguiram rapidamente para o seu apartamento. Kara ainda segurava o braço dele, fato que não o incomodava mais. Em Krypton eles nunca andariam assim, mas na Terra, era melhor seguir os hábitos dos nativos. Ao pararem em frente a porta, Kal bateu delicadamente. Lana veio quase correndo e após confirmar que era ele pelo olho mágico, abriu a porta com entusiasmo: - Olá Kal, que bom que voc... – ela começou a falar, parando imediatamente ao ver Kara pendurada no braço dele. - Olá Lana – respondeu ele com um sorriso. Lana congelou por alguns segundos. Quem era essa sirigaita com cara de sonsa? - É... então... eu achei que... íamos sair – disse ela de forma hesitante. - E vamos. Deixe eu te apresentar, Lana esta é Kara, filha do irmão de meu pai. Kara, esta é Lana. - Muito prazer, eu adorei a sua roupa – disse Kara com sinceridade. Lana usava um vestido preto semi-longo que se encaixava perfeitamente em suas curvas.


- Obrigada – respondeu ela - Por que este pateta trouxe a prima para sair conosco? – era seu pensamento. - Eu achava que você iria vir sozinho – comentou Lana com um sorriso forçado, tentando entender. - Eu ia, mas Kara ficou interessada em poder conversar com alguém. Ela não tem amigas e nem para onde ir a noite – respondeu ele com um sorriso. - Calma Lana, eles não são daqui. São apenas dois sem noção. Calma, calma... – pensava ela imaginando se valia a pena contar até 10. Ou até 100. Após uma respiração longa e um suspiro, ela falou: - Tudo bem, vamos. Em seguida Lana trancou sua porta e saiu andando contrariada e na frente deles. Ela não conseguia falar mais nada, pois era agradecida por Kal tê-la salvo. - Só uma coisa, vocês não são daqui, né? – questionou ela a medida que eles se aproximavam. - Como você sabe? – perguntou Kara espantada. - Intuição – foi a resposta curta e seca.

Sábado, 20:39 hs... O Bar do Pepe era um dos mais antigos em atividade na cidade. Além de funcionar até as 04:00 da manhã, atraia jovens que aproveitavam para paquerar e conversar. Lana já havia ido antes, mas nas duas vezes anteriores, o quê era para ser um encontro romântico acabou sendo diferente do esperado e ela acabava voltando sozinha para casa. Como nesta noite, ela acompanhava um rapaz bonito e sem noção, não havia lugar melhor para ir. Assim ela chegaria a marca de três vezes sem conseguir nada no mesmo local. Apesar de não ser tão grande, possuía um bar onde as pessoas podiam simplesmente beber e ficar sentadas em cadeiras altas e confortáveis, uma área com mesas onde podia-se comer alguma coisa e uma pista de dança com música eletrônica não muito alta. Os três estavam em uma mesa próximo a pista de dança. Como não faziam a menor ideia do quê consumir, Lana fez as honras de anfitriã e pediu para todos.


Kara recebeu um Coquetel de Laranja, um drink sem álcool, pois Lana imaginou que ela não tinha idade para beber. Já Kal viu chegar a mesa uma batida de frutas vermelhas, feita a base de Vodka. Já Lana consumia um Cosmopolitan, drink famoso em Nova York. Além das bebidas, ela pedira uma porção de batatas fritas e outra de ônion rings. Após começar a beber, ela relaxou um pouco e tentou aproveitar a noite. Com isso em mente, conversara algumas amenidades até que chegou no ponto que a interessava: - Vocês são de onde, afinal? Kal estava pronto para esta pergunta. A forma mais fácil de não ter problemas era citar um local bem longe, que seria impossível seu ouvinte confirmar. - Viemos da Lituânia, no Leste Europeu. - Que interessante – respondeu Lana. Agora estava explicado as diferenças culturais tão acentuadas. - Mas você também não é daqui, Lana. Você tem um leve sotaque em relação aos habitantes de Metrópolis – comentou Kal. - Parabéns, eu tento evita-lo ao máximo, mas não consegui te enganar – disse Lana, surpresa. Kal parecia ser avoado, e ter notado isso era muito além do quê ela esperava dele. - Eu sou do interior do Kansas, de uma cidadezinha tranquila e pouco povoada chamada Smallville. - Que legal – respondeu Kara – E quê você veio fazer em Metrópolis? - Tentar ter um emprego legal, ganhar meu próprio dinheiro e viver em um local mais civilizado. Smallville é boa para aposentados e crianças – respondeu Lana, bebendo mais um gole de sua bebida. - Lana, eu queria te perguntar duas coisas, será que eu posso? – disse Kal timidamente. - Claro Kal. Faço qualquer coisa pela pessoa que me salvou – respondeu Lana com um sorriso. Kara sentia uma coisa estranha quando a ouvia falar assim. Era uma sensação ruim, quase um incômodo, mas ela não conseguiu definir o motivo. Por isso, preferiu ficar quieta. - Desde que eu cheguei aqui em Metrópolis, eu já ajudei duas pessoas. Você e outra moça que estava sendo assaltada. Eu queria saber se você tem ideia dos motivos que nos fazem ajudar pessoas desconhecidas, mesmo quando nos arriscamos.


Lana não esperava esta pergunta. Era uma questão social ou existencial da qual ela nunca havia pensado a respeito. Este rapaz realmente era muito estranho. - Bom, acho que pessoas boas como você não conseguem ver uma injustiça acontecendo. Como no meu caso, em que três animais tentaram abusar de mim, é normal ficar revoltado com tanta covardia. Deve ser isso – respondeu ela sem pensar muito. - Entendo. Existe o impulso natural de ajudar o mais fraco, é isso? - Pode-se ver por este lado – respondeu ela, sem gostar muito de ser chamada de fraca. - Eu sempre soube que você é uma pessoa boa, Kal – disse Kara alisando o braço dele. Lana notou este carinho e achou estranho. Talvez eles apenas fossem muito próximos, então era normal ou talvez não. - A segunda pergunta envolve a Kara – comentou ele, olhando para sua querida prima. - Eu? – pensou Kara, assustada. - Esta vai ser interessante – pensou Lana. - Eu quero sua opinião por que você é mulher como ela. Desde que chegamos aqui, Kara está muito apegada a mim, quer ficar o tempo todo comigo e não sai para nenhum lugar sozinha. Você acha que se ela tivesse uma amiga, esta dependência poderia diminuir? Kara se surpreendeu. Kal estava preocupado com ela e isso a deixou muito feliz. Lana entendeu o quê ele queria dizer e a prova era ela estar lá naquela noite. Com toda a calma e com um genuíno interesse na questão, ela respondeu: - Creio que vocês se sentem sozinhos por que estão muito longe de casa. O melhor remédio para isso é companhia. - Kara, talvez se você arrumasse um namorado, fique mais fácil – concluiu ela, olhando diretamente para a sua “vela”. - Eu, eu, eu... Eu nem sei direito o quê é isso – respondeu Kara com toda a sinceridade. - Só faltava essa – pensou Lana. Kara realmente parecia muito nova, mas como era bonita, ficava difícil acreditar que ela nunca tivesse namorado.


- Já sei o quê posso fazer. Eu vou te apresentar a um grande amigo que está solteiro. Se você gostar dele, ganhará uma companhia interessante. - Tá bom, mas vamos mudar de assunto? – disse Kara, envergonhada. - Não fique assim Kara, a Lana só quer te ajudar a ter companhia – comentou Kal. - Eu sei, mas... depois... a gente vê isso – respondeu ela. Assim que terminou essa frase, Kara se levantou e começando a sair da mesa, falou: - Com licença, eu preciso ir ao banheiro um pouco. Um segundo depois, ela se afastou e desapareceu. - Ela ficou com vergonha. Creio que devemos ir com mais calma – comentou Lana. - Eu não entendi – disse Kal. - Eu sim – pensou Lana com uma pequena ponta de desconfiança. - Obrigado Lana, depois eu falo com ela. - Tudo bem. Mas vamos fazer um acordo, Kal? - Claro, o quê você quer? Lana estendeu a mão e a colocou em cima do braço de Kal. Se ajeitando na cadeira, concluiu: - Na próxima vez que formos sair juntos, só virá você, tudo bem? - Claro – respondeu Kal sem entender o motivo disso também. Lana realmente queira arrumar um namorado para Kara. Mas o motivo não era nada altruísta, ela simplesmente queria tirá-la do caminho. Após Kara voltar do banheiro, este assunto não voltou mais a mesa. O restante do tempo foi usado em conversas amenas, enquanto eles degustavam os aperitivos disponíveis.

Sábado, 22:46 hs... Aquela noite estava agradável, nem muito quente e nem muito fria. A lua cheia despontava no céu e a ausência de nuvens permitia uma boa iluminação natural. Kal fez questão de deixar Lana novamente em seu apartamento, imaginando que era a atitude correta a fazer ao invés de permitir que ela voltasse sozinha.


Kara não falou mais nada até chegaram lá. Simplesmente acompanhava os dois que continuavam conversando. Já Lana sentia uma pequena frustração. Obviamente a presença de Kara impediria que Kal entrasse em seu apartamento e prolongasse o encontro. Mas ela imaginava que isso seria resolvido em breve. Após chegarem no térreo do prédio, Lana virou-se para Kara e disse: - Kara, foi um prazer te conhecer. Depois eu combino com o Kal como vou te apresentar meu amigo, tudo bem? - Tudo - foi a resposta sem muita convicção. Em seguida, Lana aproximou-se mais e deu um beijo no rosto de Kara. Ela já havia visto isso em filmes e seriados e sabia que era um beijo, uma forma de cumprimento. Já a sensação foi algo completamente novo. Lana afastou-se e virando para Kal disse: - Gostei muito de sair com você. Espero que não esqueça do quê nós combinamos. - Tudo bem. Repetindo o ritual, Lana baixou delicadamente o rosto de Kal. Sua reação foi retesar um pouco o corpo, mas mesmo assim, ele permitiu ser tocado. Logo após, Lana seguiu em direção as escadas e subiu sem olhar para trás. Kal e Kara saíram do prédio com sensações diferentes e em silêncio. Ele tentava entender o motivo de ter gostado do breve toque em seu rosto e ela tentava entender o por que deste toque de Lana em Kal tê-la incomodado tanto.

Sábado, 23:07 hs... Os últimos minutos daquela noite foram de silêncio. Do momento que deixaram Lana em seu apartamento até chegarem na frente da porta de Kal, ambos não falaram uma palavra. Assim que Kal abriu a porta, Kara finalmente falou: - Posso entrar um pouco? - Tudo bem – respondeu ele de forma espontânea. Kara entrou e após mais alguns minutos quieta, finalmente conseguiu pensar no quê queria falar:


- Kal, sei que sua amiga tem ótimas intenções, mas eu não quero um namorado. - Qual o problema? – perguntou ele se sentando. - Você sabe o quê faz um namorado? – questionou ela, sentando-se no mesmo sofá e cruzando as pernas em posição de lótus. - Faz companhia e conversa? - Não só isso. Eu assisto a um seriado na Warner, em que tem um casal de namorados. Um namorado faz companhia, conversa e tem permissão de tocar na mulher. Ele beija, abraça e faz um monte de coisas que não quero nem falar. - Eu não sabia Kara, me desculpe – disse ele um pouco constrangido, imaginando que Kara não queria ser tocada por um nativo. - Tudo bem. O problema que está me incomodando não é esse. - E o quê está incomodando sua linda cabecinha? – perguntou Kal, se ajeitando melhor no sofá. - Eu não gostei do beijo que ela deu no seu rosto. E não sei o motivo de não ter gostado. Kal ficou receoso. Era melhor não comentar que ele gostou, ao invés disso simplesmente falou: - Ah, não é nada demais. Os terrestres costumam fazer isso com frequência. - Eu sei, só que alguma coisa nisso me incomodou muito. - Tudo bem, na próxima vez você não vai ver – disse Kal com toda a inocência possível. Se ele imaginasse como ela reagiria em seguida, com certeza este comentário não teria sido feito. - Como assim? – perguntou ela sem entender realmente. - Lana pediu que eu vá sozinho na próxima vez que for sair com ela – disse ele com naturalidade. Kara não respondeu imediatamente. Durante alguns longos segundos, seu coração acelerou, o rosto ficou vermelho e os olhos adquiriram um aspecto selvagem. Após uma respiração muito longa, ela comentou educadamente: - Você quer dizer que ela quer ficar sozinha com você? - Sim, mas qual o problema? - Como você é ingênuo Kal – começou a falar ela com ódio no olhar.


- Eu vi isso no seriado. Quando uma mulher quer ficar sozinha com o homem, é por que ela quer ser namorada dele. Essa...essa...essa... mulherzinha quer ficar com você – disse ela, quase gaguejando a última frase. - Calma Kara, qual o problema? – perguntou um pouco assustado. Ele já tinha visto Kara se descontrolando quando houve o tiro, mas agora a voz e olhar dela estavam totalmente diferentes. - Agora eu entendi por que não gostei do beijo. E por que ela quer me arrumar um namorado. Ela quer você e para isso, eu preciso ficar longe – dizia ela fechando os punhos. - No seriado a mulher que tenta afastar a outra para ficar com o homem é chamada de “vagabunda oferecida”. É isso que essa tal de Lana é, uma vagabunda oferecida. - Não consigo enten... – começou a dizer ele, antes de ser sumariamente cortado. - Você só precisa entender uma coisa, Kal – disse ela quase gritando. - Você não vai mais sair com essa mulher, está me entendendo? Nem junto comigo e muito menos sozinho. Entendeu? Como sempre Kara não admitiria ser contrariada. Com certeza não valia a pena discutir com ela naquele momento e era melhor esperar que se acalmasse. - Tudo bem, Kara. Com essa resposta, ela se levantou do sofá e se preparou para voltar a seu próprio apartamento. - Você não quer ficar mais um pouco? – perguntou Kal. - Não. Quero ficar sozinha hoje e talvez amanhã. Não sei quando vou querer vê-lo de novo. Boa noite Kal – disse ela, de costas e saindo rapidamente. - Grande Rao, juro que a entendo cada vez menos – foi o último pensamento de Kal, antes dela sair. O problema era que nem Kara estava se entendendo. Ela acabara de ter uma sensação nova e muito ruim, que na Terra era conhecida como “crise de ciúme”. O quê a incomodava era a contradição de seus pensamentos. Ao mesmo tempo em que queria ficar perto de Kal para ninguém chegar perto, queria apertar seu pescoço por ele ter saído com aquela vagabunda oferecida. E essa sensação demoraria alguns dias para sumir. Somente então ela voltaria a frequentar o apartamento dele.


Para Kal, os próximos dias sozinhos seriam tranquilos e ao mesmo tempo vazios. Sem admitir para ninguém, ele sentiria falta dela entrando por sua porta de manhã quando o café ficasse pronto.


CapĂ­tulo 06 Afeto


Há 10 meses, sexta-feira, 17:29... Kal andava despreocupadamente pela calçada que levava até seu apartamento. Aquela sexta-feira o deixara melancólico. Já fazia quase uma semana que ele saíra com Lana e Kara e até hoje, por um motivo que ele não compreendia, o relacionamento dos primos não havia se normalizado. Kara não ficava mais no apartamento dele, não o visitava mais ao amanhecer e mal falava com ele nas raras vezes em que se viram. O máximo que ela fazia eram visitas rápidas, com o intuito de confirmar se ele estava bem. Kal imaginava o quanto a tinha ofendido. Ele só não tinha certeza se a causa foi a sugestão no namorado, o comentário que ele sairia sozinho com Lana ou algum outro que ele desconhecia. De qualquer forma, o tempo sozinho lhe fora útil em uma coisa. Ele pode pesquisar a história terrestre, o comportamento humano e os valores da sociedade como um todo. Diversos filmes, livros e revistas haviam sido consumidos nos últimos dias. E foi nesta pesquisa que Kal começou a descobrir o quê o incomodava desde que chegara a este planeta. Diferentemente de Krypton, os terrestres não tinham que seguir uma carreira a vida inteira. Eles não tinham que seguir as regras da Central de Reprodução na escolha de seu par e muito menos aceitavam viver sempre da mesma forma. Esta vontade de evoluir era a inspiração que faltava em Kal. Muitas vezes ele se pegava pensando em mudar alguma coisa, mas ao mesmo tempo, concluía que isso era impossível. Já os humanos podiam mudar qualquer coisa a qualquer momento e diversas vezes ao dia. Esta flexibilidade na forma de encarar os padrões estabelecidos era invejável e principalmente desejável. Kal via a mesma coisa em Kara. A vontade de se vestir diferente, a exibição do corpo em roupas curtas, a insistência em ficar no apartamento dele, quebrando a terceira diretriz continuamente. Eles eram mais parecidos do quê aparentavam. Mas agora ela havia se afastado e ele iria respeitar isso, mesmo sentindo uma falta crescente do entusiasmo juvenil dela. Sem contar que ela estava aprendendo a cozinhar pratos cada vez mais complexos e isso satisfazia ao extremo o paladar de Kal. O quê Kal não sabia, era que nessa semana onde ficaram afastados, Kara também havia pesquisado muita coisa e estava chegando a algumas conclusões perturbadoras. E que muito em breve, ela iria falar com ele sobre esse assunto.


No dia seguinte, 13:21... Kal voltava para seu apartamento. Após o almoço, ele havia saído para dar uma volta e olhar as pessoas. Assim que terminou o lance de escadas que desembocava em seu andar, ele viu seu vizinho da esquerda, um homem chamado John que sempre o cumprimentava e tentava na medida do possível ser simpático. John tinha quase trinta anos, sempre vestia uma calça jeans surrada e camisas brancas. Não era muito alto, mas sua voz soava forte no corredor apertado do prédio: - Boas vindas Kal, tudo bem? – disse assim que o viu. Ele estava em frente a porta do apartamento de Kal. - Tudo bem, John. Alguma novidade? – foi a resposta de Kal com um sorriso, parando alguns passos antes. - Nada demais, só estou pensando em como passar o tempo hoje a noite. Você tem algum compromisso? - Não, por quê? - Podíamos sair para jogar boliche, que tal? – convidou John com toda a boa vontade. Kal sabia o quê era boliche a partir de fotos, mas obviamente nunca havia jogado. Esta era uma boa oportunidade de estudar os hábitos dos nativos. - Claro – foi a resposta dele. Um segundo após ele falar isso, a porta de seu apartamento se abriu. - Kal, que bom que você chegou – disse Kara saindo para o corredor. A única coisa que ela vestia era aquele baby-doll branco que ele achava tão bonito. - Kara, o quê faz aí? – perguntou ele surpreso. Ele sabia que havia lhe dado uma chave, mas nunca imaginaria que ela estaria lá dentro o esperando. - Eu vim conversar com você – respondeu ela com um sorriso. Neste meio tempo, John não estava prestando atenção na conversa. Ele simplesmente estava com os olhos colados no corpo de Kara, não acreditando em sua sorte de estar no local certo e na hora certa. - Tudo bem, mas hoje eu vou sair, o meu vizinho John acabou de me convidar para jogar boliche – disse Kal apontando para ele. John arregalou os olhos. Ainda muito surpreso, falou:


- Não, Kal. Você entendeu errado, eu só vou jogar boliche semana que vem. Hoje você pode conversar a vontade com a senhorita. Kal não estava entendendo. Ele tinha certeza que havia combinado para hoje a noite. Mas antes que pudesse falar qualquer coisa, Kara assumiu a frente, falando: - Que bom Sr. John. Fico muito feliz que não estarei atrapalhando nada - Claro que não senhorita. Uma pessoa tão graciosa como você nunca atrapalharia coisa alguma. Agora eu preciso ir – disse ele, andando em direção a Kal. - Até a próxima Kal – disse ele bem alto – E boa “conversa”, seu sortudo miserável – concluiu ele, cochichando. Kal realmente não entendeu a última frase, mas como John estava se afastando rápido, ele pensou que não valia a pena insistir no assunto. - Entre Kal, eu trouxe um pudim que fiz ontem. Após comermos, poderemos conversar a vontade – disse ela, enquanto o puxava sem esperar a resposta.

Algum tempo depois... Kal e Kara estavam sentados lado a lado no sofá da sala. Enquanto comiam o pudim na mesa, falaram amenidades. Mas agora, a conversa se tornaria séria. - Fico feliz por você querer conversar comigo, Kara. Eu também queria te contar algumas coisas que andei pensando e descobrindo nos últimos dias. - Que bela coincidência, Kal. Então você pode começar, estou ouvindo atentamente. Na próxima meia hora, ele comentou sobre tudo que percebeu em relação aos humanos. A forma como eles agem, suas escolhas e formas de encarar a vida. Kara ouviu cada palavra em silêncio, concordando com tudo que ele dizia. Após ele terminar de falar, ela tomou a palavra: - Kal... Eu fico muito feliz que você desabafou comigo suas dúvidas e incertezas. Talvez eu não possa resolvê-las facilmente, mas gostaria de pedir que você me ouça um pouco também. Eu gostaria de te contar uma coisa. - Claro. Pode ficar a vontade, Kara - respondeu Kal, com um sorriso. Saber que ela também precisava desabafar causou uma sensação de alívio. Ele odiaria imaginar que era o único kryptoniano que sentia-se incomodado com sua vida.


- Você disse que ver as interações humanas, as decisões, a paixão pelo novo, a persistência de melhorar sempre foi inspirador, não é? Que observar os humanos te mostrou o motivo de sensações que você já tinha e não sabia explicar, correto? Kal concordou com a cabeça. - Desde pequena, eu também sentia algo que não sabia explicar. Quando brincávamos no Holo-Parque, quando você rolava comigo no chão, quando sentávamos lado a lado durante o aprendizado e quando eu acordava abraçada em você. Eu sempre preferi sua companhia, não importando quem estivesse próximo. Você se lembra disto? - Sim. Muitas vezes eu via á sua mãe Alura te levando para perto das outras meninas e você voltava para brincar comigo. Sempre achei engraçado isto - respondeu Kal, quase rindo. - Engraçado... Na época podia até ser - respondeu Kara, mudando a voz um pouco. Kal ficou preocupado. Será que havia ofendido ela sem querer? - Enfim, depois crescemos e você decidiu não seguir a carreira de cientista como seu pai Jor-El, preferindo entrar na academia militar. E eu te segui nisto também. - Eu me recordo que Zor-El não aceitou sua decisão de entrar na academia. Pelo menos neste ponto nossos pais pensavam igual - comentou Kal. - Não exatamente Kal. Seu pai é um pacifista e não aceitou você ser um militar. Já o meu pai, tinha alguma razão que nunca me contou. Refletindo hoje, só posso concluir que ele me conhecia melhor do eu mesma. Meu pai sabia que se eu continuasse perto de você, seria impossível evitar os próximos acontecimentos. - Como assim, Kara? - perguntou Kal sem entender realmente. - Eu andei pensando a respeito de uma coisa. Você sabe que a reprodução em Krypton é controlada por exames genéticos. O casal é testado quanto a sua compatibilidade para evitar o nascimento de crianças defeituosas ou com doenças crônicas. - E daí? - perguntou Kal ainda sem entender. - E mesmo após ser aceito, o casal não tem qualquer contato físico. Os genes reprodutores são ativados, o material necessário é retirado de ambos e a criança é gerada na Câmara de Nascimento, dentro de um útero artificial. Quando a concepção termina, ela é entregue aos pais. - Com isto em mente, eu pesquisei sobre casais dentro da mesma família e descobri que um casal consanguíneo nunca seria aceito, nem pela Central de Reprodução, muito menos pela sociedade. Isto seria considerado uma afronta moral a família


envolvida - continuou Kara sem prestar atenção nele. Aparentemente ela falava consigo mesma. - Imagine então se isto acontecesse na casa mais tradicional de Krypton. A dinastia El lutou pela unificação, participou do início do império, indicou o primeiro imperador. O peso de pertencer a esta linhagem está em cima de nós sem nunca termos pedido por isto. - Imagine o quê o Alto Conselho faria se soubesse que membros da casa de El são subversivos. O quê você acha que o Imperador pensaria destas pessoas? Esta é a minha preocupação desde que chegamos aqui. A conversa se tornava cada vez mais confusa para Kal. Kara falava da reprodução em Krypton, depois de casais consanguíneos, agora sobre sua família. Ele não conseguia ligar os pontos, mas antes de conseguir argumentar qualquer coisa, ela continuou: - Enquanto estávamos em Krypton, sua companhia me bastava. Qualquer átimo de atenção me satisfazia mais do quê qualquer outra coisa. Mas aqui na Terra, tudo mudou, a paixão humana pela vida e principalmente por eles mesmos fez-me refletir Kal. - E qual a sua dúvida? - perguntou Kal, desejando que ela falasse claramente. Esta conversa estava muito estranha. - Nos últimos dias eu passei a pesquisar livros, seriados e até filmes dos terráqueos. E foi neles que eu finalmente entendi o quê sentia. Diferentemente dos kryptonianos, os terráqueos exprimem seus sentimentos com palavras e principalmente com atitudes. - E... - insistiu Kal. - Hoje eu sei o quê sinto. A minha dúvida é qual será a sua reação a respeito disto. Você acha que eu devo expressar meus sentimentos, Kal? - Claro... - respondeu ele, com certo receio. Em seu íntimo, ele começava a entender tudo que Kara havia falado. Kara não disse mais nada. Simplesmente se aproximou mais de Kal, estendeu o braço, puxou a cabeça dele em sua direção e o beijou. Kal se assustou e com um movimento rápido se afastou. - O quê... - É apenas um beijo, Kal. Sei que você o conhece e aqui na Terra é uma das formas dos casais demonstrarem afeto. - Eu sei, a Lana me deu um no rosto. Mas nunca pensei que você faria isto, muito menos na minha boca - disse ele, tentando se recompor.


- E por que não? Em Krypton o afeto é demonstrado com reverências respeitosas. Não tocamos nas pessoas e nem somos tocados. Mas aqui, o afeto é demonstrado com o contato físico. E quanto mais afeto, mais íntimo se torna este toque. Kal estava sem reação. Nos últimos dias havia percebido que a convivência com os terrestres estava mexendo com ele, só não imaginava que Kara também seria tão afetada. E com a cabeça completamente confusa, ele viu Kara se aproximando mais ainda e o abraçando. Sem reagir, ouviu ela falar baixinho em seu ouvido: - Vamos tentar outra vez? Kal não se mexeu e deixou que Kara o beijasse de forma carinhosa. Alguns instantes depois ele começou a retribuir, a princípio timidamente e em seguida com intensidade. Ele não sabia como proceder exatamente, mas milhares de anos de instintos reprimidos estavam vindo à tona naquele instante. E a sensação dos lábios de Kara em contato com os seus, estava expulsando todo e qualquer pensamento racional. Sem notar, ele já a abraçava da mesma forma que havia visto em um filme alguns dias atrás. A medida que alisava as costas de Kara por cima do baby-doll branco que ele gostava tanto, a temperatura de seu corpo ia aumentado rapidamente. Kara parou de beijá-lo para falar em seu ouvido: - Sabe o quê eu sinto, Kal? Quer saber o quê eu sinto por você desde que éramos crianças? - Quero... – sussurrou ele. - Eu te amo, Kal, essa é a razão de tudo. Por você eu entrei na academia e por você eu estou aqui hoje. Eu...te...amo... – ela falava pausadamente ao mesmo tempo em que começava a alisar as costas dele por dentro da camisa. Kal adorou a sensação e a imitou, alisando-a por dentro do baby-doll e sentindo o quanto sua pele alva era macia. Um segundo após sentir o toque de Kal, Kara parou de raciocinar também. A partir deste ponto não haveria volta para nenhum dos dois. Nas horas seguintes, Kal e Kara sentiram-se mais vivos do quê nos últimos dez anos. Sem combinar ou falar mais nada, seus corpos e espíritos estavam sincronizados e unidos de uma forma avassaladora. E após este dia, as dúvidas de Kal cresceriam exponencialmente.


CapĂ­tulo 07 Desonra


Há 10 meses, sábado, 21:47... Kal acordou sentindo um leve carinho no rosto. Kara alisava o rosto dele, ao mesmo tempo em que sorria alegremente. Nas últimas horas, ambos haviam se abraçado, se beijado, ficando juntos como nunca haviam imaginado ser possível. - Você é uma gracinha até dormindo – disse Kara de frente a ele. - Você que é linda, loirinha – respondeu Kal ainda sonado. - Hmmm. Eu nunca tinha ouvido isso de você. Posso saber por que tanta hesitação em admitir que sou linda e maravilhosa? - Não sei – respondeu ele bocejando. - Kal, o quê nós fizemos? Eu nunca pensei, nem nos meus sonhos mais loucos que isso era tão bom. Como puderam banir o contato físico em Krypton? Como puderam nos transformar em máquinas sem emoção? - Eu não sei Kara, e sinceramente, gostaria de não pensar nisso agora. Eu ainda não digeri tudo o que aconteceu – respondeu ele com seriedade. - A solução é não pensar, Kal. Mas eu queria te dizer duas coisas e espero que não se incomode. - Claro que não. - Eu te falei antes e repito agora, eu te amo Kal. Kal preferiu não responder. Ele não tinha uma visão clara do sentimento que ela afirmava possuir, então não podia falar a mesma coisa. - Você já disse isso. - Eu sei, mas eu gostei de repetir. E quer ouvir mais uma coisinha que ainda não falei? Kal acenou com a cabeça. Kara se aproximou do ouvido dele e cochichou: - Eu sou todinha sua, hoje e sempre. Assim que terminou de falar, Kara baixou a cabeça e recomeçou a beijá-lo. E igual a outra vez, ele não pensou em mais nada, simplesmente retribuiu.


Nas próximas horas, ambos não pensaram e nem se lembraram de nada e nem de ninguém. Cada movimento ou pensamento estava totalmente focado no outro e foi assim que eles passaram aquela noite.

No dia seguinte, 07:38... Kal estava acordado há mais de duas horas. Kara estava deitada de costas para ele, abraçando seu braço esquerdo. Isso o impedia de sair da cama, já que não queria acordá-la. Infelizmente não era possível evitar os pensamentos, pois com Kara dormindo e em silêncio, ele finalmente pode refletir. E nesse momento, suas sensações estavam conturbadas. Claro que ele adorou cada instante com Kara. Mas agora, estes bons momentos estavam cobrando seu preço. Como um parente mais velho, era sua obrigação proteger Kara. Tanto Jor-El como Zor-El esperavam isso dele e na cabeça de Kal, ele havia falhado com ambos. Em Krypton, um casal demora um bom tempo para ser aprovado pela Central de Reprodução. O teste genético é o primeiro item que pode reprovar quem deseja ficar junto. Não havendo qualquer restrição genética, dezenas de conversas e questionários psicológicos são aplicados, com o intuito de analisar a probabilidade de o casal vir a ter uma relação estável e duradoura. Após esta segunda aprovação, ocorre uma festa que oficializa o “noivado”, que em Krypton é chamado de Camedur, que nada mais é que uma cerimônia que indica para as famílias que um novo casal será formado e possivelmente haverá reprodução (que na verdade, não é obrigatória). Depois de seis meses (em tempo terrestre) do Camedur, o casal recebe permissão de fazer uma segunda festa, que seria o “casamento” e que tem o nome de Maquanil. Somente após esta nova cerimônia, ambos passam a viver juntos. A mulher perde o sobrenome da família e passa a fazer parte da vida de seu consorte. É importante ressaltar que ao nascer, todo krytoniano é esterilizado geneticamente e os casais que desejam se reproduzir precisam realizar um requerimento específico. Após esta última etapa, os genes reprodutores de ambos são ativados, o material necessário é recolhido e a criança é gerada no útero artificial da Central de Reprodução. Somente após o nascimento, a criança é entregue aos pais. Todo este processo foi definido a cerca de 50.000 anos atrás, durante a terceira era. Tudo começou com a Eugenia, que desejava banir defeitos e doenças e com a


criação do útero artificial, foi decidido que forçar o corpo da mulher por tanto tempo era perda de recursos. Daí para a abolição do sexo foi um passo. Se toda a reprodução é controlada, para que seria necessário o ato sexual? Na época, utilizava-se o termo “sare”, mas após tanto tempo ele caiu em desuso e foi esquecido. Com o controle total do corpo, o desligamento do desejo também foi encarado com naturalidade. Desde a terceira era, kryptonianos não faziam sexo, não se desejavam e muito menos se tocavam. O que Kara e Kal desconheciam, era que o processo de fortalecimento corporal a qual eles estavam submetidos, não estava apenas enrijecendo a pele, aumentando a força, melhorando a visão e audição. Ele também estava potencializando suas emoções e reações. Por isso Kara estava mais emotiva, mais carente e até um pouco histérica. Já Kal estava mais angustiado, preocupado e protetor. Essa gama de emoções novas e fortes também estava interferindo nos processos químicos do cérebro e naturalmente havia religado a libido de ambos. Voltando a Kal, ele pensava em como era curioso que o único termo que havia restado em Krypton em relação a sexo era “pamestar”, que literalmente significa “acasalar”, e era utilizado para a reprodução de animais irracionais. E era assim que ele se sentia no momento, um animal que havia se descontrolado e desonrado Kara de forma irreversível. Ele não pensou, simplesmente cedeu a instintos que ele nem imaginava que tinha. Esta sensação de culpa o consumia há algumas horas e repentinamente se tornou insuportável. Com todo o cuidado, Kal retirou seu braço e empurrou Kara. Ele conseguiu se levantar, vestir a calça de seu pijama e sair do quarto sem acordá-la. Ele seguiu até o banheiro, lavou o rosto e se encarou no espelho. Neste momento ele foi tomado por uma raiva imensa, a ponto de quase socar a parede. Quase no limite, Kal saiu de lá e seguiu até a cozinha. Ao entrar na cozinha, os pensamentos estavam misturados. - Desonrada – era o pior de todos. - Quem vai aceitar ser o consorte dela se souber disso? – era o pensamento seguinte. - O quê nossos pais pensarão? – também o atormentava. Kal sentou-se e em seguida colocou os cotovelos em cima da mesa e as mãos fechando os olhos.


- O quê eu fiz? Sou um animal – pensava ele. - Kara foi desonrada de forma irreversível. Desonrada, desonrada, desonrada... Sua raiva ia crescendo a medida que esta palavra se repetia, como um martelo batendo em seu cérebro. - Desonrada, desonrada... Um forte calor começou a surgir em seu corpo. Em alguns segundos, esta sensação se concentrou na cabeça e depois nos olhos. A queimação nos olhos o incomodou, mas não fez a raiva ceder. Na realidade, ela continuava crescendo, até que se tornou muito grande para ser contida. Kal tirou as mãos do rosto e socou a mesa com força, partindo-a em dois e lançando em todas as direções tudo que estava em cima. E este estrondo acordou Kara. Apesar de ver a mesa ser destruída, isso não aplacou a ira de Kal. Ele teve tempo para mais um pensamento, que terminou com um grito em seu idioma nativo: - Desonrada por você, SEU ANIMAL!!!!!!! Kal não tinha como saber, mas seus olhos não estavam mais azuis, e sim, vermelhos. Um instante após seu grito, o calor que ele sentia não pode ser controlado. Dois feixes de luz vermelha saíram de seus olhos e atingiram o chão, derretendo os ladrilhos e abrindo um buraco de quase trinta centímetros de diâmetro e três de profundidade. Por pouco, não atravessou o piso e atingiu o apartamento de baixo. O susto de ver o chão derretendo foi demais para ele e a raiva de Kal passou imediatamente, fazendo aquilo parar. Ele se mexeu muito rápido e caiu no chão, gerando um outro barulho bem alto. Kal se apoiou no braço direito e ficou sentado. Seus olhos fitavam o buraco gerado por seu raio de calor e ele não conseguia acreditar. Alguns segundos depois, passos tímidos o fizeram voltar a realidade. - Kal, o quê aconteceu? – disse Kara em um tom receoso, ao entrar na cozinha enrolada em um lençol. Ele não conseguiu responder. Simplesmente se levantou, caminhou até ela e a abraçou com força. - Calma, Kal, o quê foi? – perguntou ela no momento que retribuiu o abraço. Ele não conseguia falar. Ao invés disso, chorou.


Kara sentia as lágrimas caindo em seu pescoço, mas não conseguia entender nada. - Kal, por favor me diga o quê aconteceu – pedia ela, quase implorando. Após alguns longos minutos de choro sem explicação, ele conseguiu sussurrar no ouvido dela apenas uma coisa: - Me perdoe...


CapĂ­tulo 08 Anjo da Guarda


Há 2 meses, Metrópolis, domingo de manhã... Mais um domingo começava na grande Metrópole, com seus milhões de habitantes em suas rotinas de final de semana. A grande maioria utilizava este dia para suas atividades de lazer como jardinagem, pesca, reuniões de família ou simplesmente para dormir até mais tarde. Os pais de Dave se enquadravam nesta última categoria. Aos domingos, eles só saíam da cama depois do meio-dia. Claro que no dia anterior, deixavam feito uma jarra de suco, alguns sanduíches e um bolo, de forma que o menino não ficasse com fome até esta hora. Com dez anos, Dave já se virava razoavelmente bem. Inclusive ficava muito feliz com a confiança demonstrada por seus pais que permitiam que ele ficasse várias horas sem vigilância. Sua primeira atividade era pegar o jornal e deixar na sala para seu pai ler. Mas neste domingo, ao abrir a porta não viu o periódico. Somente após procurar muito Dave o encontrou. O entregador deve ter mirado errado e ele foi parar em cima da casa. Ele não conseguia imaginar como o entregador pôde lançar tão alto a ponto de cair lá. O pai de Dave já o tinha proibido de subir na casa por diversas vezes. Por ser um sobrado de dois andares, uma queda do telhado seria potencialmente fatal. Apesar da proibição, pegar o jornal de seu pai era questão de honra para Dave. Em alguns minutos, ele entrou na casa, subiu até o sótão, abriu a portinhola que saía no telhado e começou a pisar cuidadosamente nas telhas, em direção a borda do telhado. Em menos de um minuto e com todo o cuidado, Dave conseguiu se agachar e pegar o jornal. Ao se levantar, pensou: - O papai é exagerado, o quê pode sair errado aqui? Dave se aprontou para voltar, virando-se em direção a portinhola de onde saiu. E este foi seu erro. Ao dar um passo mal apoiado, seu pé direito dobrou, fazendo-o perder o equilíbrio e caindo lateralmente. Dave bateu nas telhas e devido a uma pequena inclinação no telhado, começou a rolar ao mesmo tempo em que gritava. Esta pancada associada com um grito fez seus pais acordarem assustados. Mas até eles conseguirem levantar, vestir um roupão e sair, já seria tarde demais para o menino que se aproximava rapidamente da borda do telhado.


Três segundos após a queda, Dave despencou de uma altura superior a doze metros, caindo com a cabeça virada para baixo. Em cerca de dois segundos, ele iria se estatelar na porta em frente a garagem. Mas não aconteceu, pois em apenas um segundo, a queda de Dave foi amparada. Com um misto de susto e medo, ele se viu seguro por braços poderosos de um homem vestido de preto. Sem dizer uma sílaba, seu salvador o colocou delicadamente no chão, virou-se e desapareceu. Trinta segundos depois, Dave ainda estava no mesmo local quando seu pai apareceu desesperado para fora da casa. Ele ouvira o grito, seguido do silêncio súbito e obviamente pensara o pior. Assim que o pai de Dave o viu sentado, correu para abraça-lo. Com ele abraçado, ele ficou perguntando insistentemente se estava tudo bem. Mas Dave não conseguiu responder, ele estava surdo e mudo para qualquer coisa. A imagem do homem que o salvou estava estampada em sua mente e não sairia dela por muito tempo. Dave havia visto seu anjo da guarda. Esta conclusão era fácil e óbvia para ele. O difícil seria convencer as pessoas de que isto realmente havia acontecido.

Há 2 meses, Metrópolis, segunda a noite... A noite daquela segunda-feira estava mais escura do quê o normal. O fato da lua estar em sua fase minguante, juntamente com algumas nuvens deixava a iluminação da cidade a cargo dos postes e lâmpadas disponíveis na rua. E uma das poucas pessoas na rua era Jean, uma secretária executiva de trinta e dois anos, de cabelo preto e curto, com um vestido social impecavelmente passado e limpo. Naquele momento ela não estava muito feliz, mas voltava para casa mesmo assim. Jean odiava voltar para casa tão tarde. Odiava ficar no escritório até ás 22:00 hs para cumprir prazos impossíveis de um chefe irascível. Odiava ouvir que qualquer sacrifício era válido para subir na carreira. Sua maior ambição era conseguir um apartamento e isto ela já tinha. Os demais itens poderiam ser conseguidos com calma e sem prazo definido. A medida que ela avançava pelas ruas, algumas com várias pessoas e outras mais vazias, seus pensamentos voavam na direção de seu chuveiro. Ela daria qualquer coisa para estar embaixo de uma ducha quente e relaxante.


Após mais alguns passos, Jean virou uma esquina e percebeu um homem vindo em direção contrária. Como ele não fez qualquer movimento ao vê-la, ela imaginou ser outro trabalhador voltando para casa. Um pouco tensa, eles se cruzaram alguns segundos depois. Ele sequer olhou para ela, o quê a deixou muito aliviada. Voltando a pensar em como odiava estar na rua aquela hora, Jean continuou andando sem pensar mais em seu parceiro noturno. Ao se aproximar de um beco, Jean ouviu um barulho atrás de si. Ao se virar, notou que o homem com que cruzara ha pouco, a seguira discretamente. Antes dela poder reagir, ele segurou seu braço esquerdo violentamente, empurrando-a para dentro do beco. - Não, não, por fav... – Jean começou a falar. - Quieta sua vagabunda – respondeu ele encostando uma faca no pescoço dela. - Se abrir a boca eu te corto, entendeu? – ameaçou, pressionando mais forte a faca. Jean travou. Ela simplesmente obedeceu e não resistiu a ser empurrada até o fundo escuro daquele beco. - O quê tem na sua bolsa? – perguntou ele sem soltar a faca. Jean não respondeu. Simplesmente estendeu o braço, entregando-a. - Quanto tem aqui? Responda – quase gritou o homem. - T-t-t-t-trin-t-t-a d-d-d-dól-l-l-ares… - disse ela baixinho e gaguejando muito. - OQUÊ??? – gritou o homem, esbofeteando Jean com força. Ela se desequilibrou e caiu sentada em frente a ele. - Eu tenho todo este trabalho por uma ninharia? Para seu bem, é melhor que tenha mais dinheiro aí, sua vaca - ameaçou ele novamente. Jean não conseguiu responder. Ela se encolheu toda e ficou sem reagir, enquanto orava em pensamento para ele levar a bolsa e depois deixá-la em paz. Aparentemente alguém escutou sua prece. Ela olhava diretamente para seu algoz e no tempo de uma piscada, ele não estava mais de frente a ela. Jean assustou-se e começou a olhar para os lados. A sua direita, o homem estava caído, aparentemente após ser jogado contra a parede e um pouco a frente, existia um outro homem. Ela não conseguiu ver com exatidão. Sua roupa escura misturava-se a penumbra e dele só restava um vulto.


No tempo de mais uma piscada, o segundo homem não estava mais lá e a única garantia de que isto havia acontecido realmente era o bandido caído á sua direita. Jean levantou-se tremendo e tratou de sair do beco o mais rapido possível. Assim que pisou fora dele, um casal a viu. O rapaz havia ouvido um grito e alguns barulhos e estava indo conferir. - Tudo bem com você moça? – perguntou ele, com certa preocupação. Jean não conseguiu responder. Simplesmente correu em direção ao casal e os abraçou chorando. Demoraria mais um tempo para ela conseguir falar alguma coisa. Mas ao falar, ela não saberia explicar o quê tinha acontecido.

Há 2 meses, Metrópolis, terça-feira de manhã... Eram cinco da manhã de uma agradável terça-feira. A pequena brisa da madrugada ainda fazia efeito, mantendo a umidade e a temperatura constante. Durante o dia com certeza esquentaria muito, então para quem estava na rua agora só restava aproveitar aquele clima. E era com esta intenção que Peter abria a porta metálica de seu local de trabalho. A banca de jornal da 7º com a 29º era uma das mais antigas do bairro e a primeira parada do caminhão de entrega número 2547 da distribuidora de jornais. Assim que ele saía da garagem com sua carga, o itinerário o levava direto para lá. Peter gostava de ser o primeiro a ler a notícia da primeira página, assim que recebia o pacote. Ele considerava que existia ao menos esta vantagem em seu serviço. Após alguns minutos, lá estava o caminhão parando em frente a sua calçada. Charles, o motorista que era seu conhecido de longa data, sempre estava animado. - Bom dia Peter – disse ele. - Bom dia Charles – respondeu com um pouco menos de ânimo. Charles seguiu até o fundo do caminhão, pegou o pacote e o levou até dentro da banca, soltando-o em cima de alguns livros expostos. - Tudo de bom, Peter. Até amanhã – despediu-se Charles bem animado. - Até – foi a resposta com um bocejo.


Peter andou até o pacote segurando sua tesoura de sempre. Cortou os barbantes e pegou um exemplar para ler a manchete. “Anjo da Guarda salva mais uma vida!” Peter leu novamente e considerou aquela matéria estranha. Este tipo de notícia cairia melhor em um jornal sensacionalista, não no Planeta Diário. Com um interesse genuíno, Peter começou a ler a matéria escrita pela jovem e proeminente repórter Lois Lane. E ao final, muitas questões não respondidas martelariam a sua mente pelas próximas horas.

Há 2 meses, Washington, quarta-feira ás 03:00 da manhã... Mulder estava recostado em sua cama, pensativo. O quarto estava escuro, com todas as luzes apagadas e a única fonte de luz era uma pequena luminosidade vinda da lua que entrava pela janela. Seu apartamento era confortável, mas um pouco bagunçado, com papéis, fotos e artigos espalhados pelos cantos. Havia também um grande mural onde ele pendurava os materiais de suas investigações. Fox Mulder é um agente do FBI (Federal Bureau of Investigation), mais especificamente chefe do departamento nomeado “Arquivos X”. Este departamento era mal visto pelos outros agentes e pelo alto escalão do FBI, pois concentrava a maioria dos casos bizarros, inexplicáveis e não resolvidos pelas vias normais. Todo caso que era considerado estranho era enviado ao “Arquivos X”. Mulder não se importava muito com a opinião dos outros, pois tinha uma mente aberta a casos ditos sobrenaturais. Ele mesmo havia presenciado em sua infância o que parecia ser a abdução de sua irmã e isto o perseguiu e o motivou por toda sua vida. Podia-se ler na parede de sua sala em letras garrafais “Eu quero acreditar”. Na escuridão do quarto seus pensamentos iam e vinham sobre os casos mais recentes dos “Arquivos X”. Sem querer olhava para o canto mais escuro do quarto, o canto não iluminado pela luz da lua. Imaginou como se algo fosse sair da escuridão, algo sobrenatural. Sua imaginação fluía. Mas, o que mais o incomodava era este último caso que o seu informante “Garganta Profunda” havia lhe passado. Diversos "milagres" ocorridos pelo mundo, onde pessoas submetidas a algum perigo iminente, milagrosamente escapavam ilesas do incidente. O que seria isto? Todos relatavam a presença de um homem que os resgatavam no momento mais crítico, como um anjo da guarda. De repente o telefone tocou. Era engano.


- Mentira! - pensou Mulder. Queriam saber se ele estava em casa. Mulder sabia que seu telefone estava grampeado, pois suas atitudes em relação ao “Arquivo X” incomodavam o alto comando do FBI. Ele era vigiado constantemente. Até enviaram uma agente federal para ser “parceira” dele, Dana Scully. Inicialmente Mulder ficou arredio a presença de Dana, mas com o tempo e convivência, Scully se mostrou uma excelente parceira. Aliás, Scully realizava um ótimo contraponto com Mulder por ser cética. Sua mente analítica de médica forense focava exclusivamente nos fatos que podiam ser provados. Já Mulder sempre acreditou em “infinitas possibilidades”.

Há 2 meses, Washington, Sede do FBI, quarta-feira ás 08:00 da manhã... - Mulder, já chegou?! Você não dorme, não? – perguntou Scully com um ar de surpresa por encontrar Mulder sentado à sua mesa. - Na verdade, nem dormi. Cheguei muito cedo. – respondeu Mulder. - Veja isto! – disse Mulder para Scully apresentando um jornal chamado Planeta Diário com a seguinte manchete “Anjo da Guarda salva mais uma vida!”, por Lois Lane. - O que você quer que eu entenda disso? – perguntou Scully com ar de descrença. - Temos um anjo da guarda à solta! – respondeu Mulder com toda a paciência do mundo. - Pelo amor de Deus, Mulder. Começou a acreditar em anjos da guarda? – disse Scully com certo ar irônico. - Por que não? Na história existem vários relatos de aparições de seres ditos “anjos da guarda” que salvam vidas e ajudam as pessoas em momentos difíceis. – respondeu Mulder sem ligar para o ar irônico de Scully. - Quer dizer que existe alguém fantasiado de anjo ajudando as pessoas? – perguntou Scully. - Não. Mas aqui a história fica mais interessante ainda. Todos os relatos fazem alusão a um homem vestido de sobretudo preto. – respondeu Mulder entusiasmado - Nomeei este caso como “Anjo da Guarda”.


- Vamos, Scully – disse Mulder pegando seu terno e vestindo-o. - Para onde vamos? – Perguntou Scully curiosa. - Para Metrópolis, onde fica o Planeta Diário é claro. Vamos conversar com esta repórter Lois Lane para descobrirmos quem é este anjo da guarda. – respondeu Mulder já de saída. Scully nem teve tempo de reagir ou protestar. Somente conseguiu pegar suas coisas e correr atrás de Mulder que a esperava no elevador.


CapĂ­tulo 09 Lois Lane


Há 2 meses, Metrópolis, quarta-feira ás 08:24 da manhã... Naquela quarta-feira, o metrô havia sido pontual como de costume. Após descer na estação da esquina mais próxima, a mais jovem e promissora repórter do periódico mais famoso e antigo de Metrópolis estava quase chegando para mais um dia. O fato do metrô não atrasar, não significava que ela não estava atrasada. Seu horário normal era as 08:00 hs e seu Editor-chefe Perry White já havia chamado sua atenção para seu “horário flexível”. Lois Lane não gostava de horários, regras, hierarquias ou qualquer coisa que lembrasse que Jornalismo era apenas uma profissão remunerada. Desde pequena, ela brincava de criar seu próprio jornal, recortando revistas e montando vários cadernos como moda, classificados, notícias, economia e outros. Com tanta paixão na arte de informar, sua escolha óbvia na faculdade foi o Jornalismo. Para ela, informar a população era uma cruzada moral e necessária e por isto, a ojeriza sobre a percepção que era apenas mais um trabalho como qualquer outro. O relógio marcava 08:27 hs quando ela adentrou o prédio do Planeta Diário, com seus trinta e dois andares e um globo dourado com o logo do jornal. Ela andava rapidamente e de forma leve. Como nunca sabia quando seria necessário correr atrás de uma notícia, Lois tentava diminuir sua vaidade ao máximo. Ela mantinha os cabelos negros com um penteado curto e moderno, quase não usava maquiagem e vestia uma calça jeans confortável e uma blusinha branca básica. Quem a notasse na rua (o quê dificilmente aconteceria), poderia facilmente confundila com uma dona de casa a passeio. Mas Lois era muito mais que isso. Ela havia saído da casa de seus pais com apenas dezoito anos, morou de favor com uma amiga em Metrópolis e em apenas dois dias, já estava empregada como garçonete de uma unidade da StarBucks Claro que agora como repórter e aos vinte e três anos, seu salário permitia pagar o aluguel de um modesto apartamento na 47º Avenida. Não era muito grande, mas permitia que ela vivesse tranquilamente. Assim que Lois desceu do elevador olhou o relógio novamente, que indicava 08:32 hs. - Trinta e dois minutos é melhor do quê as duas horas de ontem – pensou ela, passando discretamente em frente a porta do editor e seguindo até sua mesa. Ela deu sorte, aparentemente Perry não notou seu atraso.


Lois sentou-se na cadeira, ligou a tela de seu computador e foi ver nos e-mails se havia alguma novidade. O primeiro de todos havia chegado as 08:32 hs e era de Perry White. Não havia assunto. Curiosa ela abriu o e-mail sem pensar muito. Assim que a tela abriu, ela pode ver apenas uma frase: “NA MINHA SALA JÁ” Lois suspirou, pois o e-mail fora enviado no momento em que ela entrou no andar. As vezes ela se perguntava quantos olhos este homem tinha. Após se levantar e andando de cabeça baixa, Lois preparou-se psicologicamente para as frases que seriam proferidas na sequência. Mas não havia problema. Sua missão de informar a sociedade era muito mais importante do quê qualquer bronca que ela pudesse ouvir. Com esta certeza, Lois ergueu a cabeça e entrou de forma decidida na sala de Perry White.

Há 2 meses, Metrópolis, quarta-feira ás 10:15 da manhã... Lois estava em sua mesa. Após tomar um gole de café quente, estava com o pensamento distante. As palavras de Perry White haviam batido fundo nela. Além da bronca básica por causa do horário, ele queria falar sobre a matéria de primeira página que foi publicada na edição de terça-feira. Havia sido sua estreia como matéria de primeira página, mas o tom sensacionalista não havia sido do agrado dele. Por mais que ela argumentasse que o nome “Anjo da Guarda” fora dado pelas próprias pessoas entrevistadas e que se disseram terem sido salvas, a frase que ele repetiu a exaustão era apenas uma: “Estampar a manchete com este nome na primeira página soava como uma estratégia de venda”. E isto era algo que Perry White abominava. Para Lois era irrelevante o quê acionistas ou formadores de opinião pensavam a respeito do seu trabalho. Sua missão era apenas informar e descrever tudo o que aconteceu. No caso do “Anjo da Guarda”, dezenas de relatos citavam uma aparição que salvava as pessoas e desaparecia em seguida. Lois havia escutado tantos relatos parecidos,


de tantas pessoas diferentes que tudo isto só podia ser verdade ou uma fraude elaboradíssima, por um motivo obscuro. As duas opções eram ridículas. Mas como todos acreditavam no “Anjo da Guarda”, Lois estampou da forma que ouviu. E com isto, escutou Perry buzinar mais de uma hora em seu ouvido uma sequência de argumentos e palavrões (quando ela tentou se justificar). Alguns minutos depois, ficar calma era tudo que ela não conseguiria neste dia. Lois viu Perry sair de sua sala e começar a vir em sua direção. - O quê foi agora? – pensou ela com extrema má vontade. - Lane, preciso te dizer uma coisa – disse ele ao se aproximar. Perry White não tinha a aparência intimidadora. Se alguém apenas o olhasse, pensaria que se tratava de um senhor simpático de meia-idade, que sempre vestia uma camisa de manga comprida clara com as mangas dobradas, uma calça social escura e uma gravata de gosto duvidoso. Sua altura não passava dos 1.70 m e a calvície deixava sua testa mais exposta ao criar pequenas entradas. Próximo a orelha, uma pequena área grisalha completava o conjunto. Na realidade a intimidação vinha do tom de voz ao estilo “locutor de rádio” (sua primeira profissão), engrossada por anos de vício em charuto. Receber uma bronca de Perry White era equivalente a um furacão sendo jogado na sua cara. - Sou toda ouvidos, Perry – respondeu Lois assim que ele praticamente sentou-se no tampo da mesa. Esta outra técnica intimidadora era muito eficiente. O funcionário estava sentado na cadeira e ele na mesa, de forma a ficar em uma posição acima. Isto associado á voz grossa deixava qualquer um tremendo nas bases. - Após as 16:00 hs você terá visitas – disse ele em um tom que ela não conseguiu definir se era de surpresa ou raiva. - Como assim? – perguntou Lois muito surpresa. - Creio que a primeira página de ontem chamou uma atenção indesejada – disse Perry com um suspiro, indicando uma boa dose de contrariedade. Lois realmente não entendeu o quê ele disse. Mas antes de conseguir perguntar qualquer coisa, ele continuou:


- Eu recebi uma ligação de um agente do FBI que vai vir conversar com você hoje a tarde. Eu preciso que você o receba e seja a mais educada possível. Lois arregalou os olhos. - Imagino que isto seja novo para você, mas as vezes acontece. Normalmente quando uma informação não pode ser divulgada ou mesmo deve ser censurada, somos visitados. Só não entendi o quê uma matéria sobre eventos não explicados pode ter ofendido alguém. - Mas... – tentou falar Lois. - Eu ainda não acabei Lane. Como foi você quem escreveu, fale com eles, mas em nenhum momento baixe a guarda ou deixe que eles te digam o quê fazer. A primeira emenda garante nosso direito a livre expressão e não é um agentezinho que vai nos calar. Compreendeu garota? Lois não conseguiu responder. Simplesmente balançou a cabeça em sinal positivo. - Muito bem – concluiu ele, voltando a sua sala. Lois não podia acreditar. Na primeira vez que tinha uma matéria de primeira página, ela será interrogada por agentes do FBI? - Meu Deus, meu Deus... – balbuciava ela com a mão na boca. Perry estava andando em sua sala, fumando um charuto novo. Ele sabia que Lois Lane tiraria de letra os agentes do FBI, mesmo ela não tendo esta mesma certeza. Mas o motivo da visita o intrigava. - Tem algo grande acontecendo aqui – foi seu pensamento antes de dar mais uma tragada no charuto. E como sempre, seu instinto estava 100% correto.

Há 2 meses, Metrópolis, quarta-feira ás 16:35 da tarde... Enfim Mulder e Scully chegaram á Metrópolis e estavam à caminho do Planeta Diário para uma reunião com Lois Lane. Este pequeno encontro foi agendado previamente com o editor Perry White. - Scully, você não sente um frio na barriga por investigar este caso? – perguntou Mulder extremamente entusiasmado à medida que o táxi se aproximava de seu destino. - O único frio na barriga que sinto é a falta de um cafezinho – brincou Scully.


- Vamos, seja mais entusiasmada. Afinal, vamos conhecer um anjo da guarda de verdade. – brincou Mulder. - Mulder, você acredita demais nas coisas. Já parou para pensar que tudo pode não passar de uma campanha publicitária? – argumentou Scully, impaciente. - E se não for... – respondeu Mulder. Assim que o táxi parou em frente a calçada do grande prédio, Scully pagou a corrida e ambos desceram rapidamente. Já na portaria do Planeta Diário, os agentes se apresentaram e se credenciaram para entrar nas instalações do jornal. Eles pegaram o elevador e desceram no 29º andar, onde estava a redação. - Por favor, viemos conversar com a Srta. Lois Lane. – falou Mulder ao primeiro rapaz que passou por eles. Era Jimmy Olsen, fotógrafo e auxiliar de Lois. Prontamente Olsen os levou até a mesa onde estava a repórter. Ao se aproximar, Mulder viu uma moça sentada, muito jovem, de cabelo curto e roupa básica. - Curioso. Imaginava ela completamente diferente – pensou Mulder, se espantando principalmente com a idade dela. - Srta. Lane, muito prazer. Meu nome é Fox Mulder e esta é Dana Scully e somos agentes federais – foi o cumprimento dado á repórter. - Boa tarde. Sabe, até agora não entendi direito o interesse do FBI em “anjos da guarda” – argumentou Lois sem qualquer hesitação e com certa arrogância. Ela se levantou para encarar o agente nos olhos. Mulder notou a resistência dela e tratou de explicar que fazem parte de um departamento nomeado “Arquivos X”, o qual pesquisa e investiga casos de difícil solução. Mesmo assim Lois Lane continuava desconfiada. - Não me digam que o “anjo da guarda” é um alienígena que fugiu da área 51? – brincou ela. Mulder sorriu com ironia e respondeu: - Talvez, quem sabe. Lane encarou a resposta de Mulder como uma brincadeira também. - Mas, falando sério, em que posso ajudá-los? – perguntou ela de uma forma um pouco mais amigável.


- Gostaríamos de maiores informações sobre estes salvamentos que estão ocorrendo principalmente aqui em Metrópolis – disse Mulder de forma séria. - Na verdade, não existem muitos dados a respeito, pois os relatos não puderam ser comprovados. Apenas ocorreram – respondeu Lane. - A única coisa em comum em tudo isso é que existe a aparição de um homem ou um vulto que salva as pessoas do perigo iminente. Este homem é descrito como tendo quase dois metros de altura e estava sempre usando um sobretudo preto. - De resto, é pura especulação. – finalizou Lane. - Srta. Lane, poderíamos verificar suas anotações sobre este caso? – perguntou Mulder cautelosamente. - Desculpe, mas a imprensa é livre e não podemos ser restringidos por força de qualquer lei. – respondeu Lane, assumindo uma postura defensiva. Ela estava visivelmente irritada e impaciente. Mulder ainda tentava se explicar e argumentar: - Não entenda errado meu pedido. Só quero coletar maiores informações a respeito. - Sr. Mulder, por mim nossa conversa está encerrada. Se desejar maiores informações, compre o Planeta Diário e leia as notícias a respeito. – despediu-se Lane sentando-se novamente e mudando o foco de sua atenção para a tela do computador. - Mulder, vamos – disse Scully, que até aquele momento estava quieta e ouvindo a conversa. Os agentes acenaram se despedindo da repórter. Em seguida saíram em sentido ao elevador. Mulder estava visivelmente chateado. Esperava obter maiores informações para localizar o “anjo da guarda”. Scully conhecia Mulder muito bem e sabia que não era o momento certo para falar com ele. Deveria primeiro deixá-lo se acalmar. Eles entraram no elevador e pressionaram o botão para o térreo. Assim que saíram para o térreo, Mulder mudou sua atitude. - Scully, vamos! – disse Mulder retomando seu entusiasmo de sempre. - Para onde desta vez? – perguntou Scully com uma expressão de cansaço. - O quê você acha? Vamos alugar dois quartos para descansarmos da viagem. Amanhã prosseguimos com a investigação – revelou Mulder.


- Graças a Deus, meus pés estão me matando! – respondeu Scully, suspirando aliviada. Lois Lane estava em sua mesa pensando se havia agido da melhor forma. O jeito que o agente pediu e o motivo explicado eram razoáveis e ela ficara de consciência pesada por tê-lo maltratado. - Quem sabe eu possa conversar melhor com ele em outra ocasião – foi seu último pensamento a respeito do assunto. Já os dois agentes, no momento estavam no táxi a procura de um hotel. Logo eles estariam alojados em seus quartos para o merecido repouso. Mulder como sempre ficaria pensando em como chegar perto do “anjo da guarda”. E ele estava decidido a conseguir isto, custe o que custar.


CapĂ­tulo 10 Princesa


Ilha de Themyscira A brisa que vinha do mar era agradável. O sol forte e intenso fazia a maioria dos dias em Themyscira serem extremamente quentes, mas suas habitantes, as amazonas, não costumavam reclamar. Themyscira fica a cerca de 3.200 KMs da costa Americana, no oceano Atlântico Norte a meio caminho da Europa e era considerado um reino soberano. O reconhecimento de seu status lhe rendeu uma cadeira na Assembléia mundial da ONU, na qual ficava uma embaixatriz nomeada pela rainha. Se fosse aberta ao público, Themyscira seria considerada um paraíso ecológico. Além das praias com areia branca e limpa, a maior parte de sua área é coberta com vegetação nativa, onde centenas de espécies de aves e muitos mamíferos convivem em harmonia. Apesar de bem conservadas, as construções existentes datam de milhares de anos e muitas lendas são contadas de geração a geração, como guerras, visitas de deuses e toda sorte de mitologia fantástica. O mundo do Patriarcado (como era chamado o resto do planeta pelas amazonas) não interferia de forma alguma com o governo local. Na realidade, os americanos as ajudavam a se manterem a parte de tudo. A Casa Branca, utilizando-se de sua influência, garantia que nenhuma rota de avião e nenhum cruzeiro passassem próximos a ilha. E como seu espaço total não ultrapassava 800 Hectares, era quase impossível visualizá-la do alto. Em troca deste favor, os americanos pediam ajuda em determinadas situações. Quando era necessário um poder maior do quê eles podiam dispor, as amazonas eram convocadas. E era neste dia, aparentemente igual a qualquer outro, que a princesa Diana estava em um dos jardins do palácio de Hipólita, sua mãe e rainha. Ela sabia que receberia uma missão e não estava nem um pouco feliz com isso. Diana vestia seu traje normal, uma túnica branca estilo Grego antigo, uma sandália e alguns adereços. Ela tinha 1.84 de altura, o rosto de uma mulher jovem e quase três dezenas de anos. Seus olhos negros formavam um conjunto perfeito com os cabelos longos e encaracolados. A convocação de Hipólita não a surpreendeu. Ela estivera no mundo Patriarcal até uns dias atrás e acompanhou com preocupação as notícias que estavam surgindo de todos os lugares. Um homem com poderes fora do normal havia aparecido. Mesmo que aparentemente ele estivesse ajudando as pessoas, o perigo que alguém assim poderia trazer as amazonas era considerável e Diana imaginava quando Hipólita iria intervir.


E agora ela estava aguardando, sentada em um banco. Sua espera não foi muito longa, sendo que após três minutos, o barulho de passos decididos se fizeram ouvir. Hipólita era um pouco menor que Diana, mas sua presença era suficiente para deixar qualquer habitante da ilha calada. Sua roupa também não fugia da túnica básica, exceto durante cerimônias ou em batalhas. - Saudações honrada Rainha. Atendendo à vossa urgente convocação, coloco-me a seu inteiro dispor – disse Diana levantando-se e fazendo uma reverência. - Esqueça o protocolo filha, não tem mais ninguém aqui – respondeu Hipólita com um sorriso. - Desculpe mãe. Velhos hábitos demoram a morrer – disse Diana com outro sorriso. - Eu sei, eu sei. Vamos caminhar pela praia? – perguntou Hipólita, virando-se em direção a saída do jardim. - Claro – concluiu Diana a seguindo. Após alguns minutos, mãe e filha caminhavam lado a lado na uma praia particular do castelo, onde nenhuma amazona podia entrar sem ser convidada. - O dia está muito bonito hoje – comentou Hipólita, olhando para o céu. - Concordo mãe, mas gostaria que você falasse logo o quê está acontecendo – pediu Diana com ansiedade. - Jovens – pensou Hipólita durante uma respiração longa. - Tudo bem filha. Creio que você, melhor do quê eu, está ciente das notícias que vem do mundo do Patriarcado, estou certa? - Se a senhora fala sobre o aparecimento de um homem com poderes que rivalizam aos dos deuses do Olimpo, sim, eu estou ciente. Todo mundo está falando sem parar do “Super Man”. - Exatamente. Enormes poderes em alguém que ninguém sabe quem é ou quais intenções tem. - Aparentemente ele surgiu apenas em situações de emergência. Contam-se muitas vidas salvas em seis aparições até agora. Alguém assim não deve ter intenções tão ruins – comentou Diana. - É o quê penso, mas até termos certeza, estamos falando de um inimigo em potencial. E extremamente perigoso.


Diana concordou com a cabeça. Se este homem realmente cavou fossos para o escoamento de lava de um vulcão com as próprias mãos e apagou um incêndio gerando um forte vento, o quê mais ele poderia fazer se assim desejasse? - Sem contar que ele apareceu em público de repente. Isso está causando curiosidade e pânico no planeta inteiro – concluiu Hipólita. - Eu sei mãe. Por isso imaginei que a senhora iria intervir em breve – comentou Diana, olhando para o mar. O silêncio e vazio a deixavam tranquila. - Eu não precisei. Nossos aliados fizeram isso primeiro – foi a resposta. Diana se virou rapidamente para Hipólita. - Como assim? O quê os americanos farão a respeito? Hipólita suspirou. Agora é que a conversa tomaria o rumo desagradável que ela esperava. - Eles vão conceder uma oportunidade para ele aparecer e conversar e é aí que nós entramos. Mais precisamente, é aí que você entra. Diana começou a compreender o quê estava acontecendo e não gostou nem um pouco. - Eles vão tentar pegá-lo e querem o nosso apoio logístico? – foi a pergunta de forma irritada. - Não, a oportunidade é verdadeira. Será marcado um encontro em local neutro onde não haverá qualquer militar ou armadilha. Eles querem apenas conversar e descobrir as intenções deste ser. - Ser? – perguntou Diana sem entender. - Não temos certeza se estamos falamos de um humano. Segundo me informaram, existe uma grande chance de se tratar de um alienígena. Diana ficou em silêncio. Esta possibilidade nunca havia passado por sua cabeça. - E antes que você diga que é impossível, lembre-se que está andando na praia de uma ilha que guarda em seu subterrâneo o acesso ao Tártaro – disse Hipólita, praticamente lendo a mente dela. Diana olhou para Hipólita de forma engraçada. Realmente sua mãe a conhecia bem. - E o quê a senhora quer que eu faça? – questionou ela voltando a olhar para o mar.


- Diana, você é embaixatriz de Themyscira há um ano, e como tal, cumpriu diversas missões diplomáticas e esta é apenas mais uma. Vá ao encontro combinado, converse com este ser e descubra suas intenções. Apenas isto. - E caso eu descubra que são malignas? – perguntou já imaginando a resposta. - Você tem carta branca. Termine esta conversa tendo um aliado ou um inimigo. e se for inimigo, destrua-o sem piedade – sentenciou Hipólita. - Foi o quê imaginei. A senhora tem os detalhes? – perguntou Diana sem muito interesse. - Estão em uma carta recebida hoje de manhã. Acompanhe-me a meus aposentos que eu lhe mostrarei – pediu Hipólita, virando-se e andando em direção ao palácio. - Á seu dispor, honrada rainha – foi o pensamento de Diana, seguindo sua mãe.

Casa Branca, sala de pronunciamento do presidente americano, Washington, Estados Unidos, 15:57 Algo ou alguém havia aparecido do nada em vários locais, salvou muitas pessoas e em seguida desapareceu. Diversas teorias começaram a pipocar nos quatro cantos do globo, mas nenhuma palavra havia sido dita por qualquer chefe de estado. Os políticos estavam mantendo uma distância saudável do assunto “Super Man”. E seria assim pelo menos até terem certeza de quem se tratava. No dia anterior, a assessoria da Casa Branca havia marcado um pronunciamento do Presidente a nação, exatamente as 16:00 hs. Com isso, todos imaginaram que alguma resposta racional e lógica seria fornecida. A sala onde seria realizada a transmissão estava lotada de repórteres que aguardavam uma posição oficial sobre os diversos eventos sem explicação que ocorreram nos últimos dias. Após mais dois minutos, um dos assessores anunciou ao microfone: - O Presidente dos Estados Unidos. Todos se levantaram ao mesmo tempo em que o homem mais poderoso do planeta adentrava a sala. Com um leve aceno da cabeça, ele autorizou todos a se sentarem. Arrumando o terno, ele aproximou-se do microfone e falou em um tom grave: - Prezados, considerando a total falta de informação sobre o assunto, eu não estou aqui hoje para responder a qualquer pergunta que vocês possam ter. Vim apenas fazer um pronunciamento e assim que tivermos qualquer novidade, será liberada uma nota oficial.


Os repórteres se espantaram, pois a admissão de que não havia qualquer informação disponível chegava a ser assustadora. Após essa pequena introdução, o Presidente olhou para a câmera que estava de frente a ele. O homem que manipulava o equipamento sabia que esse era o sinal para começar. - Ao vivo em 5, 4, 3, 2, 1... - disse ele, preparando-se para iniciar a transmissão. Logo após, uma luz vermelha acendeu-se acima da câmera. - Meus queridos amigos e amigas, agradeço a atenção e oportunidade de conversar com vocês agora - começou ele. - Sei que todos que estão me assistindo aguardam uma notícia, posição ou ao menos um comentário sobre um assunto que está nos preocupando. - O fato é que misteriosas e inexplicáveis aparições ao redor do mundo estão se tornando mais e mais frequentes. - Nova York, Las Vegas, Metropolis, Polinésia Francesa e Itália. Tudo que ocorreu nesses locais ao mesmo tempo nos deixou felizes e apreensivos. Felizes pelas vidas salvas, apreensivos por não entender o quê aconteceu realmente. - Preferimos acreditar que os responsáveis por tudo isso sejam pessoas boas, senão não salvariam tanta gente. Mas ao mesmo tempo, não podemos ficar com essa incerteza. - Com isso em mente, gostaríamos de conversar com os responsáveis pelos últimos acontecimentos. Uma conversa neutra, sem hostilidade. Nem podemos chamar de anistia, pois não houve qualquer incidente ruim que precise ser perdoado. - Se você ou vocês estiverem me ouvindo, por favor compareçam amanhã as 13:00 hs, horário local, na base Aérea das Montanhas Rochosas, que fica no Colorado. As coordenadas estão sendo exibidas agora em seu vídeo. - Podem ir tranquilamente, não é uma armadilha. Neste local isolado e abandonado, somente haverá uma pessoa que irá nos representar e conversar com vocês. Se como imaginamos, não existir qualquer intenção ruim, não teremos motivo para desconfiança. Só queremos saber quem são vocês. - Espero poder voltar aqui depois de amanhã e falar a toda a nação o quanto somos felizardos por vocês existirem e estarem aqui. Por favor não me decepcionem. - Boa tarde a todos - finalizou o Presidente. Em seguida a câmera foi desligada. - Senhor Presidente, senhor Presidente ... - insistiram os repórteres.


- Sinto muito pessoal, sem perguntas - foi a resposta seca de um assessor, ao mesmo tempo em que o retirava da sala. Lois Lane não se conformava com isso. Ela considerava inadmissível o governo ter alguma informação e não repassá-la integralmente. Tendo em vista o teor do pronunciamento, algo era sabido ou ao menos especulado. Perry a enviou para Washington para cobrir essa coletiva, mas não adiantou nada. Ela voltaria de mãos vazias. - Eu vou descobrir tudo - pensava ela, enquanto se levantava para sair. Ao mesmo tempo, o Presidente se fechava em sua sala privativa. Pensativo, contornou a mesa e sentou-se sem qualquer pressa. - Amanhã saberemos com certeza. As amazonas irão resolver tudo - era o pensamento que o tranquilizava.

Metrópolis Kal desligou a TV. Sem falar uma palavra, levantou-se e começou a andar nervosamente na pequena sala de seu apartamento. Kara esperou alguns tensos minutos por um comentário dele. Como não ocorreu, ela decidiu falar: - Então, Kal? - Então o quê? – respondeu ele, com um pequeno susto. - Você vai ou não? – perguntou Kara irritada. - Posso pensar um pouco, por favor? – foi a “resposta”, mais irritado ainda. - Você imaginava que os líderes deste planeta ficariam impassíveis ante a sua aparição? É óbvio que estão assustados com o poder que você demonstrou – disse Kara em um tom de obviedade que incomodou Kal. - Só não imaginava uma proposta tão direta assim. E se for uma armadilha? - Você luta ou foge – respondeu ela de forma mais óbvia ainda. - Kara, você não está ajudando em nada – disse ele, voltando a se sentar. - Ah tadinho – respondeu ela, se aproximando e sentando no colo dele. Já sentada, ela o abraçou e aconchegou a cabeça em seu peito.


- Não se preocupe. O quê for acontecer, nós tiramos de letra – disse ela, alisando o rosto por cima da camisa dele. - Nós? - Claro. Você acha que eu vou te deixar ir sozinho? Vai sonhando. - Você disse que não iria interferir e muito menos participar disto tudo. Ou estou errado? – perguntou Kal um pouco surpreso. - Você está certo. Eu não vou interferir com os eventos deste planeta e muito menos te ajudar a voar por aí, salvar pessoas, evitar desastres ou qualquer coisa que envolva estes poderes que ganhamos aqui. Mas se eu não for e te acontecer alguma coisa, eu nunca me perdoaria – disse ela se aconchegando mais. - Eu não farei nada por este planeta, mas por você eu faço qualquer coisa, Kal – concluiu ela, falando doce como uma gata manhosa. - Mas como você vai se vestir? Eu estou usando o traje cerimonial da casa de El, e você? – perguntou Kal, alisando os belos cabelos loiros que estavam ao alcance de sua mão direita. - Amanhã eu decido. Hoje eu só quero pensar em uma coisa. – disse ela com a voz mais doce ainda. - E o quê seria? – perguntou Kal já tendo certeza da resposta - Adivinhe... – foi a última palavra que ela sussurrou, ao mesmo tempo em que desencostava o rosto do peito de Kal, segurava a cabeça dele com a mão direita e começava a beijá-lo delicadamente. Kal retribuiu imediatamente. Após tanto tempo angustiado sobre ficar com Kara desta forma, ele finalmente aceitara o fato que enquanto ambos quisessem fazer isto, não haveria problema algum. Claro que o quê seus progenitores em Krypton pensariam era outra coisa muito diferente. Mas esse não era o momento de se preocupar com isto. Agora ele só queria deixar Kara tão feliz quanto ele havia ficado ao saber que ela o ajudaria. No dia seguinte eles estariam na Base Aérea das Montanhas Rochosas para uma conversa com o enviado pelos terráqueos. Mas hoje, neste instante, eles existiam apenas um para o outro.


Metrópolis, no dia seguinte... Kal estava sentado no sofá de sua sala lendo um periódico. Após Kara e Kal terem ficado juntos por algumas horas na madrugada deste dia, ele aproveitava o momento para relaxar um pouco. O anúncio do dia anterior feito pelo Presidente deixou a imprensa ouriçada. Eles exigiam mais informações, mas a Casa Branca não soltava qualquer nota oficial. As especulações iam de possibilidades plausíveis até as mais ridículas, mas nada fora confirmado. A manchete de primeira página dizia tudo: “Presidente convida “Super Man” para conversar. E não explica mais nada”. Após ler a notícia, ele soltou o jornal e deitou-se no sofá. Ficou imaginando o quê Kara aprontaria com o uniforme que ela pretendia criar. Neste exato instante ela se encontrava sozinha em seu apartamento tratando disto. Em suas aparições, Kal adotou a vestimenta mais importante de um kryptoniano. O traje cerimonial de sua casa, utilizado apenas em ocasiões realmente formais e únicas. O traje cerimonial da casa de El consiste de uma roupa azul escura que cobre o corpo todo e uma capa vermelha. Na altura do peito da vestimenta, o símbolo da dinastia El em vermelho indica a importância do traje e de quem o vestia. Fora estas duas peças, existe um cinto fino, botas de cano médio e alguns detalhes nos punhos. Todos estes itens eram vermelhos, da cor da capa. Kara tem esta roupa também, mas Kal se preocupava com a resposta dela sobre se iria usá-la: - Usarei sim, com algumas adaptações. A imaginação de Kara para roupas era bem interessante. Ela descobriu que o Adeon podia mesclar peças e com isso, seu guarda-roupa portátil recebeu milhares de novas combinações. Kal estava se espreguiçando no sofá quando ela entrou, quase gritando: - Kal, Kal, ficou pronto. - Vamos ver isto. Só tranque a porta por favor – pediu ele, sentando-se no sofá. - Ah, é claro.


Como Kara ficava mais lá do quê em seu próprio apartamento, Kal dera a ela uma cópia da chave. - Pronto. Privacidade total – disse ela com um sorriso. - Vamos ver então... Com um pensamento, Kara fez surgir seu Adeon e pediu: - Vestimenta, três mil quinhentos e trinta. Em alguns segundos, o uniforme de Kara apareceu. Kal arregalou os olhos, pois nunca imaginaria que ela faria isto. - Então, gostou? – perguntou ela com um sorriso do tamanho do mundo. - Ah, então... na verdade... está... diferente... – gaguejava Kal procurando as palavras certas. Kara havia transformado sua roupa cerimonial (que era igual a de Kal, cobrindo o corpo inteiro) em duas peças distintas. Acima da cintura, uma blusa azul de manga comprida que começava três dedos abaixo do pescoço e terminava dois dedos abaixo dos seios. Com isto, a barriga e umbigo de Kara estavam descobertos. Abaixo da cintura, o resto do traje transformou-se em uma micro saia rodada também azul, que por baixo tinha um short da mesma cor, um dedo menor que a saia. Kara havia mesclado a parte inferior de seu traje com um uniforme de cheerleader. A bota vermelha, a capa e os detalhes no punho foram mantidos. Já o cinto vermelho foi substituído por um amarelo mais moderno, com fivela negra. Kara girava na frente de Kal para que ele pudesse visualizar o traje inteiro. E a saia levantava com uma facilidade incrível. - Então, não vai falar nada? – perguntou Kara parando de frente a ele. - É... tenho que admitir que é uma roupa muito bonita. Mas você pretende sair assim? – questionou ele. - Claro que sim. A não ser que você não queira que eu te ajude – respondeu Kara, cruzando os braços. - Tudo bem – pensou ele. Ela só iria em um local fechado para uma conversa, não para o meio da rua. - Kara, nunca imaginei ver outra versão do nosso traje cerimonial.


- Sorte minha descobrir que o Adeon consegue mesclar peças. Meu uniforme ficou lindo. Eu adorei muito, muito, muito... – falava ela transbordando empolgação. - Tudo bem Kara, admito que é bonito. Pode tirá-lo agora – pediu Kal de forma totalmente espontânea. Kara parou sem acreditar no que havia ouvido de seu primo querido, careta e reprimido. - Você quer que eu tire meu uniforme, seu danadinho? – perguntou ela se aproximando. Demorou alguns segundos para cair a ficha. Na verdade ele somente quis dizer que ela poderia voltar a utilizar uma roupa normal. - Não me entenda mal Kara – pediu ele, um pouco sem graça. - Claro que não. Por que você mesmo não tira? – perguntou ela ao mesmo tempo em que sentava no colo dele. Kal sabia que não teria escapatória. Quando ela falava assim, não adiantava nem responder. A única atitude dele seria agir. Eles aproveitariam mais este tempo juntos, esquecendo que no dia seguinte algo ruim poderia acontecer. Mas Kara estava decidida a não deixar ninguém machucar Kal. Ela o defenderia com sua vida de fosse necessário.

Base Aérea das Montanhas Rochosas, Colorado, dia seguinte, 12:55 hs... A forte claridade do sol atrapalhou um pouco o voo de Kal e Kara. Eles haviam acessado mapas aéreos a partir do Google Earth e com isto, sabiam exatamente como chegar ao local combinado. No momento, estavam a cerca de cinco mil pés de altura (pouco mais de 1000 m), vasculhando todos os galpões da base aérea com a visão de raios X. Com isto, queriam ter certeza da ausência de armas ou de uma armadilha. A Base Aérea das Montanhas Rochosas serviu por muito tempo como campo de teste para novas armas e novas tecnologias. Por algum motivo não registrado oficialmente, agora ela se encontrava abandonada. Olhando de cima, Kal e Kara conseguiam ver diversos prédios de quatro andares que serviam como escritórios, dormitórios e ginásios. Além disto, dezenas de galpões bem grandes eram utilizando como garagem para jatos, tanques e caminhões.


Após alguns minutos olhando, Kara quase gritou: - Ali Kal, tem alguém naquele galpão branco no centro da base. - É verdade. Apenas uma pessoa – concluiu Kal, olhando diretamente para lá. - Então eles cumpriram a promessa. Só tem uma pessoa nos esperando para conversar – comentou Kara aliviada. - É verdade. Vamos lá então – concluiu Kal também aliviado. Ambos desceram rapidamente em direção ao galpão central. Assim que se aproximaram, Diana saiu e os aguardou. Ela já os havia avistado, mas preferiu esperar pela aproximação deles ao invés de ir até lá. Ela não queria indicar qualquer atitude agressiva. Assim que pousaram, eles viram Diana. Ela vestia uma roupa formal que consistia de um terno bem cortado com um generoso decote e uma saia que chegava quase aos joelhos. Esta era sua vestimenta usual como embaixatriz de Themyscira. Kara sentiu-se intimidada por aquela mulher alta, com longos cabelos negros e olhar penetrante e Kal a considerou imponente. A princesa das amazonas tinha uma forma rara de beleza, onde um olhar endurecido por muitas batalhas se juntava a um rosto delicado. Já Diana teve uma impressão completamente oposta. Ela esperava um homem totalmente diferente do quê este que ela estava vendo. Eram apenas dois jovens, com ele tendo no máximo vinte anos e ela possivelmente nem dezoito. E utilizavam uma roupa azul colorida e espalhafatosa, que cobria o corpo dele quase todo e quase nada do dela. Eles pareciam figurantes de um show infantil. Na realidade, Diana o achou parecido com Sportacus da série LazyTown. O único detalhe que realmente impressionou Diana foi a aparência de Kara. Com a pele tão clara, cabelos loiros e olhos azuis da cor do céu, ela incorporava uma imagem da deusa Ártemis. Como todas as amazonas tinham os cabelos e olhos negros, qualquer representação dos deuses era feita com pessoas loiras de olhos azuis. Mas Diana não se deixaria intimidar. Ela era a princesa das Amazonas e cumpriria sua missão de qualquer forma. Quanto a Kal e Kara, eles estavam tranquilos imaginando que aquela moça sozinha de olhar firme e aparência frágil não representava qualquer ameaça. Eles não poderiam estar mais enganados.


CapĂ­tulo 11 Conflito


Base Aérea das Montanhas Rochosas, Colorado, 13:09 hs... Um silêncio constrangedor permeava o ambiente a medida que três pessoas se encaravam e se estudavam. Nenhum deles falou nada durante a aproximação, mas agora, uma simples palavra iria dar início aos próximos acontecimentos: - Saudações – foi a frase de Diana que quebrou a tensão de todos. Ao mesmo tempo em que falou, ela abaixava um pouco a cabeça, fazendo uma leve reverência. Antes que Kal ou Kara conseguissem responder devidamente, Diana completou: - Meu nome é Diana Prince, embaixatriz da ilha de Themyscira. Fui designada para este encontro com o único intuito de conversar com vocês. Considerando que chegaram voando, tenho certeza de que são as pessoas corretas. Kara estava realmente intimidada e não conseguiu encontrar as palavras certas. Mas felizmente para ela, Kal assumiu a conversa. - Saudações Diana, meu nome é Kal-El, filho de Jor-El e Lara e o dela é Kara-El, filha de Zor-El e Alura. Estamos aqui em resposta ao convite feito pelo governo americano. Diana gostou da forma que o estranho falou, pois foi um cumprimento muito formal considerando sua pouca idade. Já estes nomes que ele disse não pareciam com nenhum idioma que ela conhecia da Terra. - Creio que vocês estão cientes que os líderes mundiais estão preocupados com a aparição de um homem poderoso que está salvando vidas e evitando desastres. Na realidade eu esperava apenas um homem, pois não existe qualquer relato sobre uma moça – disse Diana olhando para Kara. - Eu não estou participando das atividades que a preocupam, só vim proteger meu primo – respondeu Kara ainda receosa. - Finalmente falou – pensou Diana. - Kara-El, considerando que você não está envolvida, tanto que ninguém me falou a seu respeito, te adianto que as perguntas serão apenas para Kal-El. Não precisarei te perguntar nada, tudo bem? Kara não respondeu, apenas concordou com a cabeça. - Então Kal-El, talvez as duas perguntas mais pertinentes que eu tenho são: Quem é você e o quê faz aqui? E quais são suas intenções nestas aparições ao redor do mundo? – disse Diana, indo direto ao ponto. Agora Kal se sentiu intimidado, já que esta mulher falava como se estivesse acostumada a ser obedecida.


- Diana, espero que nossa conversa seja amigável ao invés de um interrogatório – respondeu ele. - Com toda a certeza Kal-El. Até o momento, não houve qualquer motivo que fizesse a conversa não ser amigável, portanto basta que você colabore e responda as minhas perguntas – disse ela com toda a tranquilidade. - Tudo bem então, eu responderei estas – disse Kal, sentindo um pequeno incômodo que ele não sabia explicar. - Talvez você não saiba, mas existem milhares de mundos habitados pelo universo. Nós somos de Krypton, um dos três fundadores do Império Eterno, a maior federação planetária conhecida e estamos aqui como observadores, simplesmente para estudar sua cultura. Pela segunda diretiva, Kal não poderia contar isto a ela, mas considerando que já quebrara a primeira, interferindo com os eventos do planeta, não fazia mais diferença. Diana assustou-se com a confirmação de quê eram alienígenas, mas engoliu seco e tentou parecer tranquila enquanto disse: - E por que vocês desejam nos estudar? - Eu agradeço se você não me interromper e fizer uma pergunta por vez. É possível? – perguntou Kal de forma arrogante. Kara ficou sem graça. Aparentemente Kal dera uma bronca na mulher. Diana ficou mais assustada ainda, esta conversa devia ser a mais calma e leve possível. - Sim, desculpe-me a falta de modos. Pode prosseguir. - Isto responde a sua primeira pergunta. Quanto a segunda, minha intenção é simplesmente ajudar as pessoas. Diana estava respirando rápido. Ela conhecia sua própria força, mas não tinha qualquer ideia sobre a extensão total de poder deste alienígena. Ela devia pesar com muito cuidado as próximas perguntas. - Tudo bem Kal-El. Vou supor que você diz a verdade, mas qual o motivo para nos estudar? Apenas curiosidade científica? – disse ela com receio da resposta. - Isto eu não responderei Diana – disse Kal olhando direto nos olhos dela. Diana tentava se manter calma mas seu instinto de guerreira estava gritando dentro de sua cabeça.


- Kal-El, infelizmente eu devo insistir para que responda. Se o governo não tiver certeza das suas intenções, coisas ruins podem acontecer. Kara não gostou desta frase e Kal menos ainda. - Está me ameaçando, embaixatriz? – perguntou Kal com rispidez. - Não, claro que não - respondeu Diana sentindo seu coração acelerar. Ela não desejava começar uma luta naquele momento. - É, creio que não. Mesmo por que quem poderia fazer algo ruim conosco? Você? – disse Kal em um tom de desdém. Em seguida Kara riu. Diana sentiu seu rosto esquentar. Isto havia soado como um desafio e nenhuma amazona conseguia recusar um deles. Mas ela estava lá como embaixatriz, portanto, engoliu seu orgulho de guerreira e tentou responder da forma mais amena possível: - Não me entenda mal Kal-El, eu só preciso confirmar suas intenções. Se forem pacíficas como aparentemente são, creio que o governo americano conversará muito com você. - Tudo bem Diana, mas digo desde já que não trabalharei ou colaborarei com nenhum governo. Todas as minhas atitudes até agora foram pessoais e assim pretendo manter. - Não precisa trabalhar para o governo, Kal-El. Mas eles só ficarão tranquilos após eu confirmar que você não é uma ameaça. Kal não sabia explicar o motivo de não estar gostando do tom de Diana. A vontade de afrontá-la estava presente a cada frase, pois sem saber ele estava tendo uma pequena crise de orgulho masculino ferido. Uma mulher falando com tanta altivez não era algo a qual ele estava acostumado. - E se eu for uma ameaça? – perguntou ele em tom de desaforo. - Então teremos que tomar medidas contra você – foi a resposta com mais desaforo ainda. Diana estava chegando perto de seu limite. - E quem tomaria estas medidas? Você? – disse Kal novamente. Em seguida Kara riu mais alto ainda. Kal acabara de ultrapassar perigosamente o limite de Diana. Ele fez um segundo desafio e neste momento, o raciocínio de embaixatriz estava se escondendo atrás do orgulho da guerreira. - Sim, eu mesma. Como representante da ONU e do governo americano, tenho total autonomia para tomar qualquer ação contra qualquer ameaça. Então se você não colaborar, é a mim que vai responder – confirmou ela com total convicção.


Kal se surpreendeu, pois nunca imaginava que esta mulher o encararia desta forma. Como ele achou divertido, decidiu continuar. E este foi seu erro. - Creio que você não está entendendo Diana. Nem você e nem qualquer pessoa deste planeta é páreo para mim – foi a frase de Kal em um tom de soberba. - É mesmo? – respondeu Diana enquanto estralava os dedos das mãos. Em seguida, começou a se aproximar. Kal continuava se divertindo. Esta terráquea fraca e indefesa iria ataca-lo? Isto ele queria ver. E viu. Diana parou a dois passos de distância, armou um soco com o braço direito e desferiu um golpe com força no rosto de Kal. Ele esperava um carinho, mas ao invés disto, recebeu um impacto de dez toneladas. Kal voou sem controle para o outro lado da base. Ele atravessou um primeiro galpão, um segundo e um terceiro, só parando ao bater na parede do quarto. - KAL – gritou Kara ao ver isto. - Ora sua... – ela começou a falar, mas não conseguiu continuar. Diana apareceu repentinamente na frente dela e a agarrou pelo pescoço. Em seguida, começou a flutuar rapidamente, levando Kara ao mesmo tempo em que a sufocava. Kara começou a se debater, mas não conseguia se soltar. - Eu te falei no início da conversa Stefanny. Meu papo é com o Sportacus, por isso você vai ficar quietinha e parada aqui. Assim que terminou de falar, Diana mergulhou em direção ao chão, empurrando Kara. O impacto abriu uma cratera de vinte metros de diâmetro e cinco de profundidade. Em seguida Diana saiu voando deste buraco e foi atrás de Kal. Ele estava se levantando e alisando o rosto. O único pensamento a qual ele teve tempo foi: - Grande Rao, isso doeu mui... Antes que ele notasse, ela estava na sua frente. Outro soco o fez voar novamente para o lado contrário, passando por mais dois galpões. Ele não havia conseguido se levantar ou pensar e Diana já havia chegado voando por cima dele. Rapidamente ela desceu com os joelhos na sua barriga e começou uma sequência violenta de socos.


Ele não tinha como reagir e nem sair daquela posição. A velocidade do ataque combinado com uma força imensa o mantinha caído no lugar. A violência dos golpes começou a afundar o chão embaixo da cabeça de Kal. Após quase duas dúzias de pancadas, Diana levantou-se. - Então... vai perguntar de novo...quem vai dar um jeito... em você? – disse ela com raiva e arfando. Kal estava tentando se recuperar da surra, pois foi pego de surpresa e apanhou muito. Sua cabeça girava e estava difícil pensar. Seus olhos estavam inchados e até enxerga-la era um esforço. - Des...culpe...eu...sei...que...cau...sei...isto...eu...esta...va...brin...cando...com...você – disse ele pausadamente e com sinceridade, a medida que seu nariz e boca sangravam. Diana endireitou o corpo e se recompôs. Talvez ela tivesse exagerado na lição que deu a este rapaz. - Agora você vai responder devidamente as minhas perguntas? - Sim...sim...Só me dá...um minuto. Após dois minutos, ela insistiu: - Então? - Somos apenas... observadores. O Império faz isto para anexar as culturas de outros planetas... e permitir que eles ingressem na federação. Eu nunca desejei... o mal de ninguém – disse ele pausando um pouco. - Tudo bem. E por que você está aparecendo para todo mundo? - Por que eu não concordo com a minha missão – respondeu Kal, limpando o sangue do nariz. - Eu acredito que os humanos podem avançar muito sozinhos e eu quero ajudar. Apenas isto. - E seu povo vai aceitar isto? - Eu não sei. Tenho medo de que um dia Krypton invada a Terra, mas eu não quero que isso aconteça. Diana deu mais um soco em Kal, desta vez um pouco mais leve. Mas foi suficiente para que ele caísse.


- Você faz parte de um povo invasor. Você pertence a um grupo que quer nos dominar e nos dizer o quê fazer. Como espera que eu confie no que me fala? – disse ela o encarando duramente. - Eu só quero ajudar as pessoas... Acredite em mim... Diana... – disse Kal, tentando se concentrar. Diana olhou fixamente dentro dos seus lindos olhos. O azul límpido e claro a distraiu por alguns segundos e sem saber por qual motivo, ela acreditou no que ouviu. Este rapaz não podia ser uma pessoa ruim. Diana iria começar uma nova frase quando Kal gritou: - KARA, NÃO... Ela havia se esquecido da menina. Assim que Diana se virou, Kara a agarrou no ar e continuou voando a toda velocidade. Kara atravessou oito galpões utilizando o corpo de Diana como aríete. Após o oitavo, parou de repente na entrada de um pequeno prédio de quatro andares. A inércia fez Diana continuar até entrar no prédio, mas ela não conseguiu atravessar a última parede. Rapidamente Kara contornou o local e derrubou todos os cantos, abalando a estrutura do edifício. Com isto, ele praticamente implodiu em cima de Diana. Logo em seguida, ela voou em direção a Kal. - Piedoso Rao... Ela te machucou muito – disse Kara quase chorando e o ajudando a se levantar. - Vamos sair daqui, o quê eu fiz não vai segurá-la por muito tempo. O rosto de Kal estava inchado e sangrando e a tontura o impedia de raciocinar, então silenciosamente ele se apoiou nela. Rapidamente Kara o levou voando para longe dali. Ela só pararia e falaria qualquer outra coisa após chegarem em segurança ao apartamento. O silêncio voltou a imperar na Base das Montanhas Rochosas. Ao menos por alguns segundos. O monte de escombros que sobrou do prédio que caiu estava tremendo. Após mais alguns movimentos, um braço apareceu, empurrando uma laje inteira. Diana estava com a roupa toda esfarrapada, o cabelo cheio de poeira e o rosto arranhado.


- O dentista desta vadiazinha vai ficar rico quando eu pegá-la – foi seu pensamento olhando para todas as direções, procurando pelos dois. Mas era inútil. Ambos já haviam desaparecido. Como a batalha havia terminado, Diana acalmou-se. A medida que andava para sair dos escombros do prédio, um único pensamento passava por sua mente: - Louvada Athena, o quê eu fiz?

Apartamento de Kal-El, Metrópolis, 20:42 hs... Kal estava dormindo. Kara voou devagar e demorou horas até que eles conseguissem chegar. Ela fez algumas paradas e desvios por medo de estar sendo seguida, mas agora estava tudo bem. Com muito esforço Kara conseguiu leva-lo de volta ao apartamento, e ao chegar com ele praticamente desmaiado, o deitou em sua cama sem nem tirar o uniforme. Ela havia tido um treinamento básico de primeiros socorros no exército. Com isto, soube reconhecer quando Kal desmaiou e voltou a si alguns minutos atrás e também tinha certeza de quê agora ele só dormia. Possivelmente as pancadas na cabeça causaram uma concussão. Ela deveria vigiar de perto o quê ocorreria nas próximas horas e se fosse necessário, precisaria acessar a biblioteca médica para cuidar dele. Neste momento, Kara olhava para seu querido primo. Sem nem notar, fez surgir seu Adeon e trocou de roupa: - Vestimenta, cento e vinte e nove. Ela usava agora o baby-doll branco favorito dele. Mas Kal não estava acordado para ver ou elogiar esta roupa. Repentinamente, as lágrimas começaram a brotar dos olhos dela. - A culpa é toda minha – pensava Kara sem se controlar – Eu falei que daríamos conta de qualquer coisa e quê eu te protegeria. Ela se deitou ao lado de Kal e delicadamente encostou seu rosto no peito dele. Seu maior desejo era que ele alisasse seu cabelo como sempre fazia. - Me desculpe Kal – falou ela sozinha, chorando muito. Após alguns segundos, ela sentiu um leve carinho em sua cabeça.


- Como sempre... você está linda... Kara – falava Kal a medida que alisava os cabelos loiros dela. Kara levantou a cabeça rapidamente e viu seu querido primo acordado e com um sorriso. Ela não conseguiu se conter. - Kal, Kal... Graças a Rao você está bem – falava ela abraçando-o com força. - Sim, sim... Mas maneira no abraço, que eu estou meio quebrado – pediu ele com um gemido abafado. - Desculpe – disse ela, soltando o abraço e simplesmente pousando a cabeça no peito dele novamente. – Eu fiquei muito preocupada. - Tudo bem Kara. Eu só fui pego de surpresa, nunca mais vai acontecer. Como poderíamos imaginar que a Terra teria uma mulher tão forte como representante? O Império não registrou este tipo de gente aqui. - Ela é um monstro, isso sim. Poderia ter nos matado. – concluiu Kara com um arrepio na espinha. - Eu não devia tê-la provocado e nem você devia ter rido, a culpa foi minha – disse Kal fechando os olhos para descansar mais um pouco. Ao mesmo tempo, voltava a alisar o cabelo de Kara. As palavras morreram após esta frase. Kara estava feliz ao ver que ele estava bem e só queria ficar deitada em seu peito, Kal estava pensativo sobre o quê havia acontecido, ao mesmo tempo em que acariciava a cabeça dela. E foi nesta posição em que ambos dormiram naquela noite.

Ilha de Themyscira, Oceano Atlântico Norte, manhã do dia seguinte... O dia havia amanhecido a pouco mais de uma hora. As amazonas seguiam com suas tarefas rotineiras, mas a presença de uma delas na escadaria do templo de Athena fazia as demais evitarem o local. Toda vez que a princesa Diana estava sentada lá, ela estava raciocinando ou pensando sobre alguma coisa importante e odiava ser interrompida. Após algumas horas de reflexão, Diana se levantou e seguiu para o palácio de Hipólita. Nesta caminhada, não falou com ninguém e nem deu qualquer mostra de seu estado de espírito.


Depois de passar pelo portão principal, ela acessou a área interna e pediu por uma audiência. Nem Diana poderia adentrar a sala onde estava Hipólita sem ser anunciada e autorizada. - Princesa, a rainha vai recebe-la – disse a guarda da porta alguns segundos depois. Diana passou por ela sem falar nada e adentrou o salão de decisões de Hipólita. Era neste salão que as estratégias de guerra e as decisões diplomáticas eram discutidas. Apesar de existir uma grande mesa quadrada no centro do salão, Diana preferia ficar de pé para conversar. Ela normalmente andava de um lado para o outro enquanto falava. - Bem vinda filha – disse Hipólita assim que ela entrou. A rainha estava na cadeira localizada na ponta da mesa. - Obrigada mãe – foi a resposta cabisbaixa. - Imagino que o encontro a qual você foi designada não saiu da forma esperada, estou correta? - Sim. - Me conte então – pediu Hipólita calmamente. Diana passou os minutos seguintes contando todos os detalhes da “reunião”. Primeiro que são um casal de jovens alienígenas, depois sobre a futura e possível invasão do planeta Krypton e finalmente, sobre a provocação dele, a luta e o desfecho que os permitiu fugir. Após o término do relato, Hipólita levantou-se e saiu andando para fora do salão. A medida que caminhava, falou delicadamente: - Venha filha, vamos conversar no jardim. Sem falar nada, Diana seguiu a rainha, que por sua vez estava muito preocupada com o resultado do encontro. Ao chegarem no jardim, Hipólita conferiu algumas rosas e orquídeas que ela cultivava com todo o carinho. Após alguns segundos, voltou a falar: - Então, qual a sua conclusão sobre tudo que ocorreu? - Primeiro eu quero pedir desculpas. Como embaixatriz e representante do governo eu não podia ter perdido a cabeça com as provocações de um rapaz e nunca deveria têlo atacado. - Parabéns, começamos bem. E quanto às intenções dele?


- Aparentemente são boas. Se pensarmos que ele só apareceu até agora para salvar vidas, no mínimo sua índole não é de alguém que deseja o mal e meu instinto me manda acreditar nas coisas que disse. - Outro ponto positivo. Mas então o quê está te preocupando tanto, minha filha? – perguntou Hipólita finalmente. - A possibilidade de uma invasão. Pelo que entendi, ele estava aqui preparando o terreno para isto e não concordou em realizar esta missão. Mas e se seu povo decidir seguir com este objetivo mesmo assim? – questionou Diana de uma forma aflita. - Se isto ocorrer, nós e o mundo do Patriarcado iremos reagir. Não tombaremos como ovelhas e sim, como guerreiras – respondeu Hipólita seriamente. - Este é o problema mãe. Eu só consegui atingi-lo por que ele deixou e eu não pude medir sua força. Mas a menina me agarrou, atravessou diversas paredes com meu corpo e derrubou um prédio em cima de mim. E isto sem qualquer plano de ataque, era apenas uma garota desesperada para fugir. - A senhora compreendeu? Se eu não consegui conter dois jovens sem qualquer intenção de batalha, como seria um exército deste povo? Não teríamos a mínima chance contra eles. - Eu entendo sua preocupação, mas eles não conseguiram te ferir. - Simplesmente por que não quiseram, pois ela me derrubou e fugiu, mas eu senti a sua força e é muito grande. Mesmo para nós amazonas, eles estão no patamar dos deuses, mãe. E se desejarem, podem nos esmagar como formigas. Hipólita ficou em silêncio. Se Diana estava tão angustiada e assustada, ela devia ter um motivo muito forte. Mas ao pensar em um detalhe, falou: - Nem tudo está perdido, filha. Você não disse que este rapaz não concordou com a missão? Em caso de invasão, ele poderá ser um valioso aliado. - A senhora acha? – perguntou Diana com esperança. - Sim. A história está cheia de pessoas que foram contra seu povo para defender uma injustiça. Se ele for simpático aos humanos como você diz, talvez possamos contar com ele. Eu falarei com nossos amigos americanos e verei como podemos voltar a conversar com os dois. - Não sei se eles falarão comigo depois de ontem. - Não será necessariamente com você. Pode deixar isso comigo, Diana – disse Hipólita com um sorriso.


Diana ficou mais tranquila, pois talvez ainda houvesse uma chance. Caso ele estivesse falando a verdade sobre apenas querer ajudar, futuramente eles poderiam ser aliados e até amigos. Com esta certeza, Diana ficou mais um tempo no jardim ajudando Hipólita com suas flores. Ela havia contado a sua mãe e rainha tudo sobre o encontro com o casal alienígena, exceto um detalhe. A aparência dos dois havia chamado muito a sua atenção, como os olhos azuis e os cabelos loiros de Kara que a tornavam idêntica a deusa Ártemis. Mas não era em Kara que ela pensava agora. Os lindos olhos azuis da cor do céu de Kal-El, era o item que Diana não conseguia esquecer por mais que tentasse. Mas este segredo estava bem guardado, ao menos por enquanto.


Capítulo 12 Loucura


Metrópolis, segunda-feira ás 08:42 hs... Mais uma semana ensolarada, quente e normal havia começado em Metrópolis e milhares de pessoas se encaminhavam para mais um dia de trabalho ou estudo. Lois Lane estava acabando de entrar em seu andar no Diário Planeta, já se preparando para receber uma nova bronca de Perry White. Seu argumento mais recente era “não foi nem uma hora de atraso”. Já Kal e Kara ainda dormiam no apartamento de Kal. Eles costumavam deitar após a meia-noite, depois de assistir filmes e seriados na HBO e com isto, acordavam bem tarde. No aeroporto da cidade, dezenas de voos já haviam pousado e decolado desde o alvorecer. Os três terminais existentes recebiam milhões de passageiros por ano com destinos locais dentro dos Estados Unidos e voos internacionais mais comuns para a América do Sul e Europa. Neste dia, o voo doméstico AMJ-7845 da Americam Airlines, proveniente do aeroporto internacional JFK de Nova York, estava pousando na pista oito. Dentro dele havia um passageiro que fez uma conexão a partir de um voo internacional. Este passageiro havia saído de Moscou pela manhã do dia anterior. Após muitas horas, espremido em um antigo jato da Lufthansa, ele desceu em Nova York e de lá seguiu para Metrópolis. Ele não estava nem um pouco tranquilo. Em vista dos últimos acontecimentos dos quais ficou sabendo pelos jornais, sua visita a cidade não seria nada agradável. Sua principal preocupação era o motivo que deu origem a tudo e não era possível que tinha acontecido sem uma razão válida. Assim que o avião parou, este passageiro levantou e se encaminhou para a porta de saída. As comissárias de bordo pensaram como este homem alto de olhos azuis era apressado. Após conseguir sair da aeronave, ele abandonou a área de bagagem e saiu pelo portão de desembarque. Agora teria que encontrar um táxi e chegar até seu destino, um prédio na esquina da 23º com a 9º. Com passos firmes, Joss-Gai seguia imaginando o quê o aguardava e quais motivações levaram Kal-El a quebrar todas as diretivas do observador. Também havia a dúvida se Kara-El estava envolvida. Dependendo da razão, mesmo contra a vontade, Joss-Gai teria que notificar seus superiores em Krypton. Na realidade, ele só não fizera isso ainda em consideração a seus colegas. Com um longo suspiro, ele encontrou e entrou na área onde ficavam os taxis.


Metrópolis, segunda-feira ás 09:38 hs... Kara estava sonhando com alguma coisa muito agradável, já que mesmo dormindo, um sorriso estava estampado em seu rosto. Infelizmente, ela acordaria em seguida e não conseguiria se lembrar com o quê sonhava. Uma leve sensação em sua cabeça a acordou. Era Kal alisando seus cabelos loiros e lisos. - Kal? - Desculpe, eu não queria te acordar, só não resisti a te fazer um carinho – ele se justificou. - Tudo bem – foi a resposta dela, o abraçando carinhosamente. Kal-El estava bem melhor. Já haviam se passado vários dias da surra que ele levara de Diana e neste tempo todo, Kara cuidou dele como uma mãe trata de seu filho. Com tontura e todo dolorido, Kal ficou alguns dias deitado. Enquanto isso, Kara preparava sua refeição e lhe trazia na cama. A medida que melhorava, Kara continuava ajudando-o, fazendo as pequenas tarefas como manter o apartamento limpo, acompanhar as notícias do mundo e comprar alimentos. Desde a primeira vez que Kara disse que o amava, Kal preferia não pensar muito a respeito. Como não conhecia e nem entendia o sentimento que ela alegava possuir por ele, preferia ficar quieto. Mas nos últimos dias começou a compreender. Se uma parte do amor de Kara era a vontade de ficar perto dele o tempo todo, ele começava a sentir algo parecido. Quando Kara voltava para o seu próprio apartamento, ele sentia um pequeno aperto no peito, que durava até ela retornar. E de uns dias para cá, ele a convidara a dormir na cama dele, convite que foi prontamente aceito com muito entusiasmo. Quando dormia sozinha, Kara sentia falta de algo para abraçar. Um urso de pelúcia de cinquenta cm de altura havia sido escolhido para isso, mas nada se comparava a dormir junto com Kal. Daqui a vinte minutos, ela se levantaria e montaria um café da manhã completo. - Você precisa se alimentar bastante para ficar bem – dizia ela todas as manhãs.


E Kal começaria a planejar seus próximos passos. Desde o encontro com Diana, ele não apareceu mais e muito menos fez qualquer coisa, pois não estava em condições de voar e nem de fazer força. Mas nesta segunda-feira, ele estava se sentindo ótimo. Com certeza, após uma bela refeição, planos para intervenções e aparecimentos se formariam naturalmente. Mas isto tudo daqui a uns minutos. Neste exato instante, eles apenas curtiam despreocupadamente a companhia um do outro.

Metrópolis, segunda-feira ás 10:42 hs... Joss-Gai desceu do táxi. Felizmente, seu Adeon conseguiu contato com o de Kal-El e foi fácil triangular o local exato onde ele estava. Claro que Kal-El poderia ter bloqueado esta comunicação se assim desejasse, mas isso não foi feito. Andando pela calçada, Joss-Gai chegou a porta de acesso ao prédio, subiu uma pequena escada de dois degraus e entrou. Ele só não tinha certeza do andar onde Kal-El ficava. Por isto, perguntou educadamente a uma moça que estava próxima a porta: - Por favor, eu procuro por Kal-El. Ele mora neste prédio, mas não sei em qual andar. A moça se impressionou com o homem alto de olhos azuis que estava falando com ela. Com certeza só podia estar procurando o bonitão do 2º andar, pois eles tinham os mesmos olhos. - Ele mora no 2º andar, apartamento 207 – respondeu a moça. - Muito obrigado – foi a resposta dele, indo em direção a escada. - Bem que este poderia ficar por aqui também e ser solteiro – foi o pensamento dela, lembrando que Kal vivia para cima e para baixo com aquela loirinha sonsa. Joss-Gai subiu as escadas rapidamente e encontrou a porta correta. Ao tocar a campainha, se preparava para as várias surpresas que imaginava que teria, e a primeira foi imediata. Kara-El abriu a porta vestindo uma roupa quase transparente e que deixava mais da metade do corpo exposto. Antes de conseguir falar qualquer coisa, ela já havia pulado no pescoço dele: - Joss-Gai, que saudade. Que bom te ver.


Joss-Gai não respondeu ou reagiu, ficou apenas aguardando que ela o soltasse. Em alguns segundos, ouviu o convite: - Entre, entre... - Também fico feliz de te ver, observadora Kara-El – disse ele, sem saber exatamente o quê pensar da vestimenta e menos ainda da reação dela. - Mas acredito que estou no local errado. Indicaram-me este apartamento como sendo o do observador Kal-El – comentou ainda desnorteado. - Mas é sim, eu estou ajudando, pois ele está machucado. Mas fique a vontade, sentese no sofá. Posso te oferecer um chá quente? - Claro – foi a resposta, entendendo cada vez menos. Kara-El estava na casa de KalEl, o quê por si só era uma quebra da 3º diretriz. E ela vestia um traje completamente inconveniente. Kara correu até a cozinha, pegou um copo e o encheu com o conteúdo de uma pequena garrafa térmica. O chá preto havia sido feito para o Kal, mas ela poderia fazer mais depois. Ainda animada, voltou para a sala e o entregou para seu convidado. - Obrigado – foi sua única resposta. - Você veio falar com o Kal, não é? Espere aqui que eu vou chama-lo – pediu ela, virando-se rapidamente e correndo em direção a um quarto. Joss-Gai a acompanhou com os olhos até ela passar pela porta. Ainda sem saber o quê pensar, começou a bebericar o chá. Alguns minutos depois Kal-El saiu do quarto, vestindo um pijama azul de manga curta. - Observador Joss-Gai, há quanto tempo – disse ele ao vê-lo. - Saudações, observador Kal-El – foi a resposta em um tom hesitante, sem sair do lugar. Kal entrou na sala e seguiu até o outro sofá, sentando-se de frente a seu convidado. Kara não perdeu tempo e voltou correndo para ficar ao lado de seu primo. - Então, o quê o traz aqui Joss-Gai? – perguntou Kal sem qualquer cerimônia. Ele não esperava uma pergunta tão direta. Após colocar o copo de chá em cima de uma mesinha de centro e dar um pigarro, Joss-Gai respondeu com firmeza: - Vim saber o quê está acontecendo com você, mas antes disso, preciso questionar uma coisa nova que surgiu quando entrei aqui. Vocês estão morando juntos?


Kal ficou sem resposta, pois sabia muito bem que tudo que ele compartilhou com Kara nos últimos tempos era extremamente condenável do ponto de vista moral. Com isso em mente, respondeu: - Não, Kara tem seu próprio apartamento. Ela está aqui me ajudando, pois sofri um acidente e me machuquei um pouco. - Entendo – respondeu Joss-Gai, sem indicar se tinha acreditado ou não. - E quanto a você, observadora Kara-El, por que está vestida assim? - Eu simplesmente estou vestida como as terráqueas ficam em casa. Com uma roupa confortável e curta, qual o problema? – perguntou ela em um tom ofendido. - Nenhum – foi a resposta. Realmente na posição de observadora, em vários sentidos ela devia sentir-se como uma nativa. Joss-Gai só havia se assustado por que nunca imaginou vê-la com tão pouca roupa em cima do corpo. - Bom, então não temos outro problema, é apenas um – concluiu ele. Agora o problema seria colocado as claras. - Kal-El, eu estou ciente de suas aparições ao redor do mundo, salvando e ajudando os nativos. Eu reconheci a descrição da roupa cerimonial da casa de El, então só me resta te perguntar o quê você pretende com toda essa loucura. Kal respirou fundo. Ele já havia treinado o quê dizer a qualquer um do seu povo que o questionasse. - Não considero loucura, observador Joss-Gai. Afinal, estou observando o comportamento dos terráqueos e quando necessário, eu os ajudo. - Mas isso vai totalmente de encontro com a 1º diretriz. Não podemos interferir com eventos do planeta observado e você sabe disso melhor do quê ninguém, Kal-El – argumentou Joss-Gai. - Na realidade a 1º diretriz é para planetas que serão anexados pelo Império e eu não tenho certeza de quê isso ocorrerá com sucesso aqui. Se a Terra for descartada, as regras não se aplicam – respondeu Kal, com uma calma invejável. Kara até aquele momento não havia falado nada, na realidade ela estava curiosa em como esta conversa iria terminar. - Quem decide se o planeta será descartado ou não é o Alto Conselho. Sua função é apenas relatar os fatos observados – insistiu Joss-Gai. - Digamos que eu tenho certeza que será descartado, então simplesmente estou me adiantando a isso.


Joss-Gai não conseguia acreditar. O quê o observador Kal-El estava falando era de uma insanidade sem precedentes. - Kara-El, você concorda com tudo que Kal-El está falando? – perguntou ele de repente, virando o rosto em direção a ela. Kara foi pega de surpresa, mas sua resposta simplesmente seria a verdade. - Não concordo, tanto que não estou participando. Mas Kal-El é da minha família e eu não farei nada contra ele. Joss-Gai respirou aliviado, aparentemente a loucura só acometeu Kal-El. - Kal-El, eu só vim aqui para entender o quê estava acontecendo, mas não estou ouvindo uma explicação que faça sentido. Então quero te pedir que pare em definitivo com isso e podemos fingir que nada ocorreu. Eu não farei qualquer registro destas suas “façanhas” e Krypton nunca será informado. Pode ser assim? Joss-Gai agia assim em consideração a casa de El, uma das mais tradicionais do planeta. Ele tinha certeza que assim que Kal-El retornasse a Krypton, alguns exames e um tratamento colocaria a cabeça dele no lugar. Kal se ajeitou melhor no sofá e após refletir por alguns segundos, respondeu: - Joss-Gai, eu agradeço sua preocupação e consideração, mas o quê eu faço ou deixo de fazer diz respeito exclusivamente a mim. Portanto não assumirei qualquer compromisso com você. O observador Joss-Gai não esperava esta resposta. Ele havia imaginado que conseguiria um acordo razoável com Kal-El, mas ao invés disso, teve uma resposta atravessada. - Observador Kal-El, eu realmente não entendo o motivo pelo qual você está fazendo isso, então preciso refletir sobre tudo. Por enquanto, eu irei embora. - A vontade, observador Joss-Gai – foi a resposta de Kal. Joss-Gai levantou-se e sem falar mais nada, dirigiu-se para a porta. Kara passou na frente dele e tratou de abri-la educadamente. - Até breve observadora Kara-El. Fico muito feliz que você não esteja envolvida nisso – foi sua última frase, já saindo pela porta. - Foi um prazer revê-lo, Joss-Gai – respondeu ela, fechando a porta. Ela teve uma sensação estranha após ele sair, quase um pressentimento de quê muito em breve as coisas iriam tomar um rumo inesperado. - Kal, o quê será que ele vai fazer? – perguntou, voltando a se sentar no sofá com ele.


- Não sei, mas não importa Kara. A única coisa que importa é que está tudo bem agora. - Venha cá, eu ainda não te agradeci por cuidar tão bem de mim – disse ele, estendendo os braços para dar um forte abraço em Kara. - Por você eu faço qualquer coisa, Kal – foi a resposta dela enquanto era abraçada. Neste mesmo instante, Joss-Gai estava chegando ao térreo. Ele deveria pensar muito sobre o quê ouviu antes de tomar uma séria decisão.

Metrópolis, segunda-feira ás 16:57 hs... Neste momento o observador Joss-Gai estava sentado em uma cama, concentrado e pensativo. Após procurar um pouco, ele havia se hospedado no Palace Metrópolis, um hotel cotado como quatro estrelas nos guias de viagem. Ele não pretendia ficar muito tempo, então este estava bom até demais. Ao menos era limpo e silencioso. Nas últimas horas, Joss-Gai não se levantou nenhuma vez. Como não conseguia chegar a uma conclusão aceitável sobre tudo que ouviu Kal-El falar, as dúvidas preenchiam seus pensamentos. Precisou de mais uma hora de reflexão para ele se decidir. Sem hesitação, abriu a palma da mão e fez aparecer seu Adeon. - Iniciar gravação de mensagem – ordenou ele. - Iniciado – foi a resposta de uma voz metálica e padrão do Adeon. - Mensagem do Observador Joss-Gai, em missão no planeta Terra. - O intuito desta mensagem é relatar fatos graves que podem colocar em risco o sucesso da missão. - Até onde eu pude constatar, o observador Kal-El está quebrando continuamente a primeira e a segunda diretiva do observador. - A quebra da primeira diretriz ocorre com sua interferência na história do planeta. Apesar de ele ter salvado inúmeros nativos, tal atitude alterou a normalidade dos eventos subsequentes.


- Como já havia informado anteriormente, a cada dia eu torno-me mais forte, mas não tanto quanto Kal-El. A força excessiva demonstrada por ele é muitas vezes superior a que eu estou desenvolvendo. - Aparentemente o local onde ele se encontra é mais propício para este ganho de força. Para mim, os motivos para tal fortalecimento permanecem uma incógnita. - Já a quebra da segunda diretriz vem do fato de que os nativos não compreendem a intromissão de Kal-El. Como é impossível que um terráqueo possua tal força, a teoria de presença de um alienígena está ganhando força a cada dia. - É importante ressaltar que tudo que estou descrevendo é realizado única e exclusivamente pelo observador Kal-El. Diferente dele, a observadora Kara-El continua em sua missão, mantendo o cumprimento das diretivas. - Mesmo quebrando a terceira diretiva, hoje eu o visitei e tentei convencê-lo a parar. Sua falta de lógica e coerência nos argumentos me leva a crer em um dano neurológico. Por motivos desconhecidos, algo afetou a mente dele e infelizmente não estou em condições de tomar qualquer atitude. - Espero que a descrição destes fatos permita que o observador Kal-El seja ajudado. - Anexo a esta mensagem, envio uma amostra do meu sangue na esperança que seja encontrado o motivo do meu fortalecimento. - Glória ao império e longa vida ao Imperador. Esta última frase costumava parar a gravação, pois o Adeon a entendia como fim da mensagem. Em seguida Joss-Gai encostou a ponta do dedo esquerdo no Adeon, ordenando: - Retirar amostra de sangue. Com uma micro agulha, o Adeon retirou uma gota e registrou. - Anexar amostra a mensagem. - Anexado – respondeu o Adeon. - Destinatário da mensagem: Alto Comando do Exército. Status: Urgente. Enviar – foi a última ordem ao Adeon. - Enviado – concluiu o aparelho. Joss-Gai sabia que agora não haveria volta. A única coisa que ele esperava de todo coração era que seu superior decidisse vir salvar Kal-El desta loucura. Com esta expectativa, ele se levantou da cama para sair um pouco e espairecer.


EpĂ­logo


A mensagem de Joss-Gai juntamente com sua amostra de sangue havia sido recebida pelo Alto Comando do Exército há algumas horas. O General responsável pela missão no planeta Terra a ouviu três vezes para ter certeza de entender todos os detalhes. Junto a ele, o Capitão Mirar-Miuh não havia falado uma palavra desde que a mensagem começou a ser ouvida. Um sentimento de incredulidade o impedia de proferir alguma conclusão sobre o assunto. Já o General alisava o queixo e olhava para o teto, como se estivesse raciocinando. Após alguns tensos minutos de silêncio, Mirar-Miuh não resistiu e questionou de forma hesitante: - O quê o senhor acha disso? O General baixou os olhos e fitou seu subordinado. Após uma respiração longa e um suspiro, respondeu: - Deve ser verdade. A história é muito fantástica para ter sido inventada por Joss-Gai. E isso também explicaria a total ausência de contato do observador Kal-El. - Tem razão – concordou Mirar-Miuh. - Vamos resumir o problema. - Por algum motivo os observadores do planeta Terra estão se fortificando dia após dia e temos que descobrir a razão. Tentaremos analisar o sangue de Joss-Gai em busca da resposta. - Dos três, Kal-El quebrou as diretivas se mostrando para os nativos e interferindo nos eventos do planeta. - Mas ele é filho de Jor-El, um dos mais influentes membros do Alto Conselho dos Cientistas. Qualquer ação a ser tomada contra ele deverá ser justificada diretamente ao Imperador. - Junto a ele está Kara-El, filha de Zor-El, outro cientista influente a qual não é aconselhável ter como inimigo. - Não temos certeza se o processo a qual eles foram expostos no planeta afetou a mente de Kal-El. E também não temos como saber se ainda afetará Kara-El e JossGai. - Caso Kal-El esteja desequilibrado, o Alto Conselho vai questionar o exército por enviarmos os observadores ser termos feito os testes necessários no ambiente e atmosfera.


O militar suspirou. Não conseguia imaginar a quantidade de problemas que isso tudo acarretaria. - E se não foi o ambiente? E se ele simplesmente for um subversivo? – questionou Mirar-Miuh. - Então o erro também foi nosso de não detectar isso nos testes psicológicos. De qualquer forma, seremos culpados – respondeu com raiva. Mirar-Miuh começou a se preocupar de verdade. Ele nunca havia visto seu superior falando assim. - Creio que só temos uma coisa a fazer, meu amigo. - Não vamos convocar uma esquadra punitiva, pois isso chamaria atenção indesejada. Não avisaremos o Imperador e nem vamos registrar essa mensagem de Joss-Gai. Ao invés disso, faremos algo mais discreto – concluiu o General. - E o quê seria, senhor? - Apenas eu, você e mais dois homens de sua inteira confiança irão para o planeta. - Chegando lá, encontraremos Kal-El e o traremos para Krypton. De acordo com os resultados dos exames que faremos nele, decidimos se tratamos seu desequilíbrio, possivelmente causado pelo ambiente, ou o enviamos a corte marcial por traição. - Também faremos exames em Kara-El e Joss-Gai para confirmar se eles não foram afetados. - Entendido senhor. Devo providenciar os soldados imediatamente? - Sim, escolha-os e me informe quem são. Assim que tivermos alguma resposta sobre a análise do sangue de Joss-Gai e eu conseguir a liberação de uma nave, partiremos para o planeta Terra. - Sim senhor. Mais alguma coisa, senhor? – perguntou Mirar-Miuh. - Não, pode ir – respondeu o General. Mirar-Miuh virou-se e saiu da sala de seu superior. Nem quis imaginar o tormento pelo qual ele estava passando. O General andava de um lado para outro sem conseguir concluir algo relevante. Apesar de Mirar-Miuh não desconfiar, a maior preocupação dele não era a loucura de Kal-El. No momento, ele estava com o olhar distante e um grande sentimento de culpa. Seus pensamentos o consumiam e o agoniavam:


- Grande Rao, por que fui ceder aos caprichos dela? Eu nunca deveria ter permitido que ela fosse para este planeta. Se algo lhe acontecer a culpa serå toda minha. - Kara... – balbuciou para si mesmo o General Zod-Ez.



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